sábado, 6 de outubro de 2012



06 de outubro de 2012 | N° 17214
NILSON SOUZA

O malabarista

Ele se vira nos 30 com quatro pedras nas mãos, bem na frente do para-brisa do meu carro. Do meu e de tantos outros motoristas que passam pelo mesmo trajeto, numa avenida movimentada da zona sul da Capital. Impossível não observar o seu indigente malabarismo, até mesmo porque contém um inevitável potencial de ameaça.

Somos seres amedrontados, tudo o que é estranho nos assusta. Ainda mais quando o outro é um indivíduo andrajoso, descalço, com aspecto descuidado e sofrido. Mais do que o medo, porém, é o sinal amarelo da compaixão que me queima a alma.

– Não dê esmola! – vocifera o grilo falante da consciência, domesticado por sucessivas leituras sobre desigualdades sociais.

A esmola vicia, a esmola financia a miséria, a esmola alimenta a criminalidade e sustenta o tráfico de drogas. Dou o que, então? Um conselho?

– Ô, meu chapa. Sai dessa. Vai procurar um emprego!

Sou ingênuo, mas não sou louco. Se faço isso, viro alvo na certa, embora o jovem malabarista pareça inofensivo enquanto desfila sua cara de fome entre os vidros fechados. Parece jovem, pois se movimenta com certa agilidade, mas já tem vincos no rosto. Criança não é.

As crianças sumiram dos cruzamentos da cidade, o que evidencia o sucesso das políticas de assistência social do Estado e do município. No lugar delas, porém, surgiram adultos fragilizados por deficiências físicas ou pela falta absoluta de oportunidades. Dói vê-los lutando pela sobrevivência no sinal vermelho.

Não são os únicos. De vez em quando, o palco dos semáforos é ocupado por artistas de rosto pintado, que se utilizam até mesmo de maças de fogo. Também assustam: parece que a qualquer momento alguém vai sair chamuscado.

E há, ainda, os meninos que se encarapitam uns sobre os outros. São adolescentes, de idade indefinida. Formam pirâmides, lançam bolinhas para o alto, às vezes deixam-nas cair, tentam subir de novo e, quando concluem o número, invariavelmente os carros já estão em movimento. Embora melhor equipados e mais audaciosos, também despertam uma certa piedade esses personagens do desolador espetáculo das ruas.

Mas nada se compara ao homem das pedras. Seu aspecto é desalentador, sua arte é precária, seu equipamento de trabalho é mais do que rudimentar – é pré-histórico. Ele sequer fala. Apenas executa sua lastimável prestidigitação e caminha silencioso entre os carros de janelas fechadas. Sequer deixa uma mão livre para apanhar alguma improvável moeda. O grilo falante, implacável, não me deixa agir, mas morro de pena.

O sinal verde pesa como uma pedra.

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