segunda-feira, 8 de outubro de 2012



08 de outubro de 2012 | N° 17216
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL

Autran Dourado

Faleceu, no mesmo dia da morte de Hebe Camargo, um grande nome da literatura brasileira. Autran Dourado, mineiro de Patos, foi mais conhecido nos anos 60 e 70 do século 20, quando lançou suas obras emblemáticas: A Barca dos Homens, Ópera do Mortos, O Risco do Bordado e Os Sinos da Agonia.

Havia uma autêntica febre em torno desses romances, e não foram poucos os escritores que sofreram sua influência. Autran foi reconhecido em vida, ganhando vários prêmios relevantes e sendo objeto de inúmeras teses acadêmicas. E ele não se negava a dar palestras, em especial depois de aposentado do serviço público. Grande escritor, grande ser humano.

Peço licença para falar em primeira pessoa. Era eu um jovem aspirante a escritor quando decidi conversar com Autran Dourado. Naquela época, não havia oficinas literárias. O recurso era aprender diretamente com os mais antigos. Autran recebeu-me em seu apartamento do Rio de Janeiro.

Eu levava uma pilha dos seus livros, todos anotados com questões técnicas que, imaginava eu, o famoso escritor poderia resolver. Lembro-me de uma dessas questões: “Por que o senhor usa apenas ‘dizer’ como verbo dicendi?” [verbos dicendi – só para lembrar –, do latim “dicere”, são aqueles que enunciam uma fala de personagem, tais como dizer, responder, reclamar, gritar, retrucar etc.].

Ele ficou espantado: “Ah, então você reparou? Ninguém havia notado até agora”. Assumiu uma posição mais cômoda na poltrona: “Uso apenas ‘dizer’, meu filho, porque ninguém nota esse verbo”.

Não entendi no primeiro momento, e ele seguiu: “Se eu usasse ‘retrucar’, ‘explicar’, ‘responder’ – esses verbos estranhos – os leitores logo perceberiam o truque para substituir o ‘dizer’”. Claro! Autran Dourado estava certo. Esse foi um dos tantos ensinamentos daquela tarde, que me custou apenas, a título de honorários exigidos por ele, um quilo de passas de pêssegos de Pelotas. Salvo raríssimas exceções, passei a usar apenas o “dizer” – e, de fato, ninguém os nota.

Essa história vale para jovens que desejam dedicar-se à literatura. Aprender com os mais experientes não é uma questão de humildade, mas de inteligência. Nem todos, mas a maioria dos escritores profissionais, especialmente agora, conhece seu ofício e não deixa nada ao acaso.

E se forem generosos como foi Autran Dourado, não terão problema algum em passarem adiante o que sabem. Pois, como diz Ivan Ângelo, a literatura é uma corrida de bastão que já tem milênios: cada escritor é apenas um elo dessa corrente.

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