quinta-feira, 31 de julho de 2008



Batman, as trevas e a moda

Com os super-heróis, sonhamos que nosso cotidiano insosso é uma identidade secreta

ASSISTI A "BATMAN - O Cavaleiro das Trevas", de Christopher Nolan. Gostei e me diverti. Pouco tenho a acrescentar à massa do que já foi escrito sobre o filme, salvo uma vaga decepção, como se eu esperasse "mais".

Mas mais do quê? Os releases, a imprensa e o título prometiam um super-herói com uma nova profundidade moral. Desta vez, desceríamos no âmago escuro de Batman, aprenderíamos que mesmo o caminho das melhores intenções é ladrilhado de tentações e motivações sombrias.

Uma exposição está acontecendo no museu Metropolitan de Nova York (até 1/9), "Super Heroes - Fashion and Fantasy" (super-heróis -moda e fantasia): o tema é a influência do traje dos super-heróis na moda contemporânea.

No prefácio do catálogo, o curador observa que os super-heróis nasceram como personagens de romances de dez centavos e de quadrinhos, mas não por isso devem ser subestimados:

"Sua aparente trivialidade é justamente o que faz com que, enquanto eles nos divertem, possam levantar questões sérias sobre os valores e sobre os méritos [de cada um]". Concordo. E acrescento que:

1) na verdade, quase todos os filmes recentes de super-herói (Homem-Aranha, Hulk, os X-Men etc.) fogem da oposição primária entre o mal e o bem absolutos; 2) a "complexidade" subjetiva e moral dos super-heróis não é uma novidade cinematográfica; ela já estava nas histórias em quadrinhos.

Voltando ao Batman de hoje, de onde nasceu (inclusive em muitos críticos do filme) o sentimento de uma nova "complexidade" moral do herói? É porque Batman deve se conter para não matar seu repugnante adversário?

Porque está a fim de largar tudo e viver normalmente com sua amada? Porque ele se pergunta se sua figura de justiceiro misterioso é um bem ou um mal para a cidade? Não sei. Mas sei que, mais de uma vez, durante o filme, pensei: "É só isso?".

De fato, no filme, a "complexidade" aparece sobretudo do lado do mal. Deve ser por essa razão, aliás, que (performance de Heath Ledger à parte) o Coringa rouba a cena de Batman. Sebastião (13 anos), ao sair do cinema comigo, não tinha perguntas sobre Batman, mas tinha uma sobre o Coringa:

"Como é que ele queima aquele monte de dinheiro?". Ou seja, ele é do mal para o quê, então? Sebastião, em suma, acabou meditando sobre a profundeza do mal, não sobre as trevas escondidas no desejo de fazer o bem.

Além disso, o filme nos apresenta um excelente dilema moral. Imagine dois navios parados no meio do mar. Cada navio é recheado de explosivos e carrega 200 pessoas (que não constituem um grupo, não são nem uma torcida nem uma tribo).

São 23h, e à meia-noite os dois barcos explodirão, a não ser que, antes disso, um deles vá para o espaço. Detalhe: o detonador que comanda a explosão de cada embarcação está nas mãos dos passageiros do outro barco.

Ou seja, em cada barco, os passageiros devem decidir se eles apertam o botão e se salvam matando os outros ou, então, morrem dignamente, sozinhos ou junto com os outros. Melhor viver assassino ou morrer inocente? Pois é, a resposta moralmente mais elevada não consiste em escolher morrer para não matar.

Consiste em decidir que, seja qual for a conseqüência, nossa dignidade subjetiva nos impede de participar dessa brincadeira. Confira o que acontece no filme: de novo, a complexidade aparece do lado do mal. Enfim, o prefácio que citei afirma que o super-herói, com sua identidade secreta, encarna nossa vontade de sermos "outros".

É a idéia da exposição: "a moda, como o super-herói, (...) oferece possibilidades ilimitadas de dar nova forma ao nosso corpo e, em geral, a nós mesmos". Num desfile de Moschino, um homem de terno, com os óculos de Clark Kent, abre sua camisa mostrando uma camiseta que evoca o traje de Superman. Legal.

Mas, agora que somos grandes, se quisermos pensar nos nossos anseios de vida dupla ou tríplice, talvez pudéssemos dispensar os super-heróis e contar a história dos executivos que, no fim de semana, vestidos de Hell's Angels, sobem numa Harley.

Ou a das executivas que passam os domingos pulando de pára-quedas. Ou a dos que só toleram o cotidiano à condição de se perder, a cada noite, nos inferninhos da cidade.

Ou ainda a dos que sempre sonham em férias que nunca são a "outra" vida desejada. Isso sem contar os que acham que, para ser super-herói, basta encontrar a roupa e os apetrechos certos, fazendo compras em Miami.

ccalligari@uol.com.br
Luzes "multiplicam" bailarinos
Arnold Groeschel/Divulgação

Para Decouflé, coreografia é "jogo de imagens fantásticas" que permite duos com projeções sobre o palco

Coreógrafo não vem ao país, mas diz que manda um de seus mais belos espetáculos, com "um pouco de teatro de sombras e cinema mudo"



Cena de "Sombrero', que tem quatro apresentações no teatro Alfa

ADRIANA PAVLOVA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA


Antes de mais nada, não espere de Philippe Decouflé uma dança intelectual repleta de reflexões. O coreógrafo francês é mestre na arte de entreter platéias com belas imagens, personagens engraçados e gestual poético.

A mistura, que garante reverências no mundo todo, volta a São Paulo hoje, quando a Cie. DCA (Decouflé & Complices Associés ou Dance Compagnie D'Art) abre, tardiamente, a décima temporada anual de dança do teatro Alfa.

Decouflé em pessoa não vem, mas, em compensação, diz que mandou um dos seus mais bonitos espetáculos em mais de duas décadas de criações.

Para brincar com luzes e sombras, "Sombrero" (2006) traz elementos característicos de sua linguagem: projeções de vídeo (paixão do coreógrafo), um pouco de circo e acrobacia. Tudo ao som da música do inglês Brian Eno.

"É um jogo de imagens fantásticas, uma diversão. Brinco com luzes e sombras e, com a ajuda de projeções de vídeo, um bailarino pode dançar sozinho e ao mesmo tempo fazer duo com outro projetado na tela", disse o coreógrafo à Folha, por telefone.

"É um tema aparentemente simples, mas a partir dele fiz um dos espetáculos dos quais mais me orgulho e que me deixa muito feliz."

Curiosamente, o próprio Decouflé diz que "Sombrero" não tem nenhuma grande surpresa.

O diferencial é a mistura de elementos. "Há um pouco de teatro de sombras chinês, de cinema mudo e de projeção que permite que mais bailarinos estejam em cena. Mas novidade mesmo não há, tudo já foi inventado", diz ele, que começou a carreira estudando circo.

Revelado ao mundo em 1992, quando assinou as festas de abertura e encerramento dos Jogos Olímpicos de Inverno de Albertville (EUA), Decouflé consolidou aos poucos sua platéia brasileira. A Cie. DCA esteve aqui em 1992, 1996 e, por último, em 2000, com "Shazam!", no mesmo teatro Alfa.

Saga divertida

No começo de "Sombrero", o casal François e Françoise surge como narrador de uma saga divertida, cuja história é apenas desculpa para uma seqüência de imagens fantásticas.

Bailarinos dançam com suas projeções em tamanho família, há jogo de luzes em preto-e-branco, mas também projeções psicodélicas, além de homens com seus grandes chapéus, os sombreros à mexicana. Uma festa de imagens sem muitas explicações teóricas.

"É uma história de amor universal, de um casal que se perde, se procura e se acha. É uma estrutura poética, por isso não vale procurar muitas explicações sobre o que acontece." "Sombrero", afirma o autor, é um jogo de palavras em francês, porque "ombre" quer dizer sombra, e "sombre" quer dizer escuro.

"É uma brincadeira, mas também gosto da imagem dos mexicanos com grandes chapéus, os sombreros, que toda criança francesa em idade escolar aprende a desenhar."

Apesar de ter tido mestres como o mímico Marcel Marceau (1923-2007) e o coreógrafo Merce Cunningham, 79, com os quais estudou e trabalhou, Decouflé diz que "Sombrero" não tem nenhum tipo de influência de outros criadores.

Ao contrário: "Não há mímica de Marceau, apesar da ligação com filmes mudos em preto-e-branco. Na minha idade, cheguei a um ponto em que me preocupo só com que eu faço. Não tem nada de um nem de outro".

Sobre o Brasil, ele conta que sempre lembra a primeira vez em que veio, porque chegou um mês antes do Carnaval, em Salvador, e todo mundo dançava nas ruas: "Adorei. É a primeira coisa que me vem à cabeça quando se fala do Brasil".

CIE. DCA - SOMBRERO

Quando: hoje, sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de Andrade Filho, 722, tel. 0/xx/11/5693-4000)
Quanto: de R$ 40 a R$ 110 - Classificação: não recomendado para menores de 12 anos

ELIANE CANTANHÊDE

"5 + 1" é igual a zero

BRASÍLIA - O Brasil descartou um tratado Mercosul-EUA, atirou a Alca (Acordo de Livre Comércio das Américas) no lixo, arquivou as negociações do bloco com a União Européia e impediu acordos em separado dos vizinhos do Cone Sul com os norte-americanos.

Tudo para apostar todas as suas fichas e as do Mercosul numa única jogada: a Rodada Doha da OMC (Organização Mundial do Comércio), para liberalização comercial.

Com o fim -e a derrota- da Rodada Doha, só resta fazer o percurso inverso, botando fichas no Mercosul-UE no segundo semestre, tentando reabrir conversações com os EUA e enfim voltando lá atrás para resgatar as negociações "4+1" (Mercosul com EUA), da era FHC.

Trata-se de enorme retrocesso, tantos anos, "papers" e até negociadores depois, e num ambiente político bem pior: Bush não tem força política nem legitimidade para acertar qualquer coisa neste ano e o futuro presidente, seja Obama, seja McCain, terá $milhões de outras prioridades no próximo.

O Brasil e o seu grande negociador, Celso Amorim, ocuparam um papel evidente de liderança na OMC, principalmente, mas não só, pela articulação do G20, o grupo de países agrícolas que mudou o equilíbrio da mesa, falando de igual para igual com EUA e UE. Mas não há vitoriosos, só derrotados.

O desafio é manter a liderança numa eventual reabertura de diálogo do Mercosul com os EUA. A Argentina vive uma crise interna e ficou isolada na OMC, com Índia e China. O Paraguai empossa Fernando Lugo e está muito ocupado.

O Uruguai pode tripudiar -afinal, não fez um TLC (acordo bilateral) com os EUA porque o Brasil pressionou e o Mercosul não permitiu.

Mas o pior nem é isso: se o acordo 4+1 já não foi possível, imagine-se agora um acordo 5+1, com a Venezuela de Hugo Chávez?

Lula e Amorim deveriam sonhar em ressuscitar a Rodada Doha. Ruim com ela, pior sem ela -e sem Alca, sem 4+1, sem TLC. Não sobra nada.

elianec@uol.com.br


O ELEITOR E OS CORRUPTOS

Não adianta negar: tem eleitor que adora candidato corrupto. Vamos ser sinceros: tem eleitor que não pode ver um corrupto sem lhe oferecer o seu voto. Vamos ser absolutamente francos: tem eleitor que vota em corrupto até de graça. Só pela simpatia.

Por admiração. Se duvidar, aparece eleitor com inscrição na camiseta: eu amo o meu corrupto. Não é por acaso que cada governo, mesmo com todos os escândalos de corrupção, se vangloria dos seus feitos e toca em frente. FHC comprou a emenda que lhe permitiu a reeleição?

Ah, mas ele estabilizou a moeda. Houve uma roubalheira nas privatizações? Certo, mas o país ficou melhor, com mais telefones e uma economia mais dinâmica. Teve mensalão no primeiro governo do atual presidente? Ah, mas ele fez o ProUni, o Bolsa-Família e ainda manteve o Brasil no bom rumo econômico.

Se fizer algo de bom, pelo jeito, pode até roubar. A prova de que tem eleitor doido por um corrupto é a bem-sucedida carreira política de Paulo Maluf. A Folha de S. Paulo publicou, no último domingo, um interessante levantamento de dados sobre candidatos a prefeito, com ficha suja, na eleição de 2004.

Pois não é que 50% dos com alguma culpa no cartório foram reeleitos? Eleição de prefeito é aquela da proximidade. Cada um pode conhecer bem os currículos dos candidatos. Não tem mistério. Na maioria dos municípios brasileiros, de pequeno porte, os candidatos são mais conhecidos do que erva ruim ou, mais precisamente, como erva ruim.

Mas se reelegem. A única explicação plausível para isso é que o eleitor já conhece os seus golpes e não quer correr o risco de surpresas. Corrupto por corrupto, fica-se com o de estimação.

Segundo a Folha, Antônio Calmon (PFL) reelegeu-se em São Francisco do Conde, Bahia, apesar de responder a processo por superfaturamento, uso de apartamento de uma empreiteira e fraude em licitações. Tudo coisa simples. O sujeito concorreu na chapa O Progresso Não Pode Parar e foi recompensado com um novo mandato.

A hipocrisia e o cinismo também não podem parar. Mas deviam. Os nomes das coligações e das frentes, em geral, indicam o vazio das propostas e o artificialismo das estratégias dos marqueteiros. É só criar um slonganzinho aqui e uma novidadezinha ali para que o produto seja vendido.

Esse tal Calmon 'pagou R$ 629 mil por 4,3 milhões de elásticos para prender dinheiro, nunca entregues'. Não dá para saber se o dinheiro ou os elásticos. O caso mais interessante divulgado pela Folha de S. Paulo foi o de Hércules Ribeiro, reeleito para a Prefeitura de Pitimbu, na Paraíba, depois de ter sido acusado de pagar a uma empreiteira pela perfuração de um poço já aberto.

Faz sentido. Assim como tem vaca que esconde o leite, tem poço que, mesmo aberto, esconde a água. Aí só tem um jeito para resolver os dois casos, tanto o da vaca quanto o do poço: mamar, sugar, chupar. Chega uma hora em que o líquido começar a jorrar. O eleitor, percebendo tanta criatividade e persistência, recompensa com votos.

Há quem, em todos os níveis da sociedade, receba algum leite em troca da vaca ou alguma vaca em troca do leite. A política é um poço sem fundo. Quanto mais fura, mais tem a furar.

E a pagar pelo furo. Eleitor apaixonado por corrupto é pior do que homem ou mulher que se apaixonam por canalha. É amor sem fim. Aconteça o que acontecer, a pessoa quer mais e dá uma nova chance. Só acaba na urna.

juremir@correiodopovo.com.br

Aproveite a quinta-feira - último de julho de 2008 e Agosto vem aí


31 de julho de 2008 | N° 15679
LUIZ PILLA VARES


Machado X Guimarães

Há pouco mais de um mês o caderno Mais, da Folha de S.Paulo, publicou uma enquete com vários professores e críticos literários para saber quem era maior, Machado de Assis ou Guimarães Rosa. Segundo o jornal, Machado de Assis ganhou de goleada, 11 votos contra dois para Guimarães.

Se isso interessa a algum dos meus 17 leitores, não sou professor de Letras, nem crítico literário, embora os aprecie muito e com eles tenha aprendido muito, inclusive com meu querido amigo Luís Augusto Fischer, um dos melhores entre os que participam da pesquisa da Folha.

Mas gosto demais de literatura, sou um leitor voraz, inclusive dos bons romances policiais. Portanto, minhas opiniões sobre literatura são as de um amador, de um leitor apaixonado por livros para quem o gosto é um dos principais critérios de avaliação de uma obra. Assim, não me aventuro na área do competente professor Fischer.

Por isso mesmo, discordo radicalmente da tal enquete realizada pela Folha. E discordo porque, para mim, literatura não é um jogo de futebol. Um livro é um livro e pronto. Único. Do qual a gente, nós, os leitores amadores, gostamos ou não. Assim, não se trata de opor Machado de Assis a Guimarães Rosa, Dom Casmurro a Grande Sertão: Veredas.

Ambos são grandes autores de obras-primas e jogam no mesmo time, o time da literatura brasileira, ou, muito simplesmente, da literatura universal. E, neste vasto e inesgotável mundo do romance, a opinião dos leitores, para quem, afinal, os livros são escritos, varia muito.

Um exemplo disso está na própria Folha de S.Paulo: recentemente, um de seus melhores articulistas, Carlos Heitor Cony, escreveu que Lima Barreto, o notável autor de O Triste Fim de Policarpo Quaresma, era um romancista melhor do que Machado de Assis.

Literatura é assim mesmo: as opiniões são as mais díspares possíveis. E, para um simples leitor - o que é o meu caso -, não tem o menor sentido colocar Machado contra Guimarães, ou Machado contra Lima Barreto.

O grande escritor é único e irrepetível. Cada grande livro constitui um universo único em diálogo inesgotável com a mente de seus leitores. Claro que não invalido as comparações acadêmicas feitas pelos professores, nem as análises sutis realizadas pelos críticos profissionais.

Eu, um simples leitor, fico com as delícias que um bom romance ou um belo conto pode proporcionar. Fico com o gosto. Machado ou Guimarães? Gosto de ambos nas suas diferenças e nas suas grandezas.


31 de julho de 2008
N° 15679 - PAULO SANT'ANA


UMA CONTRADIÇÃO

Pelo que tenho sabido, diminuíram as mortes no trânsito depois da implantação da Lei Seca.

Seja pelo rigor da lei ou pelo rigor na fiscalização que a acompanhou, o que se sabe pela imprensa é que não só diminuíram as mortes no trânsito como também os acidentes de trânsito sem mortes.

Este colunista, que tinha considerado muito rigorosa a nova lei, voltou atrás em face de que o importante é poupar vidas. E se a nova lei tem poupado vidas, repito, seja pelo seu rigor, seja porque as autoridades se sentiram mais prestigiadas e intensificaram a fiscalização, penso deva ser apoiada a nova situação.

Mas há um parlamentar que quer abrandar a lei, o deputado federal Pompeo de Mattos.

Ele me mandou uma mensagem em que estranhamente mostra dados brasileiros e franceses em que o álcool foi encontrado em grande quantidade no sangue de pessoas que foram mortas em acidentes de trânsito em que dirigiam os carros.

Pois se o próprio parlamentar admite isso, como ele quer abrandar a lei? Intrigante. Por que o deputado apresenta na justificativa de seu projeto dados estatísticos contrários visceralmente à sua proposição?

Mas deixo que os leitores façam essa avaliação.

"Prezado Paulo Sant'Ana. Acompanhei com atenção teus textos e comentários sobre a chamada Lei Seca, que tem causado tanta polêmica e provocado debates acalorados. Entendo, Sant'Ana, que excesso de rigor nunca foi sinônimo de justiça.

E, exatamente por considerar exagerada a lei que proíbe o motorista de ingerir qualquer quantidade de álcool, apresentei na Câmara dos Deputados o projeto n° 3.716/2008, que pretende elevar os níveis tolerados da substância no sangue do condutor. Pela proposta, só passará a ser enquadrado pela lei o motorista que apresentar a partir de seis decigramas de álcool por litro (dg/l) de sangue.

Até 12 dg/l, o infrator receberá apenas multa. De 13 a 15 dg/l, o condutor será multado, perderá a carteira de habilitação e terá o veículo apreendido. Caso o índice de concentração de álcool por litro de sangue for igual ou superior a 16 dg/l, ele será preso, além de sofrer outras punições.

Não se trata de fazer apologia da bebida, muito pelo contrário. Quem dirige embriagado e, portanto, põe em risco a sua vida e a de outros, deve ser severamente punido.

Mas, ainda que sejamos contrários ao consumo de álcool pelos condutores de veículos, não é razoável concordar com os termos radicais em que foi colocada a proibição, estabelecendo uma impossível "tolerância zero", que colide com os costumes arraigados de nosso povo, e até com os próprios ensinamentos da medicina legal, que admitem como inócua a ingestão de pequenas quantidades de bebida de álcool, salvo em circunstâncias excepcionais de interação com soníferos ou tranqüilizantes.

Ressalvas precisam ser consideradas. Os romanos, que tinham grande faro para as questões jurídicas, esmaltaram um brocardo sábio e incontestável: 'Summum jus, summa injuria'.

Ou seja: o excesso de dureza do direito determina a injustiça. Não é aceitável que com a dureza da lei se queira inverter os costumes nacionais e transformar todos os cidadãos em abstêmios, consumidores de suco de fruta e refrigerantes.

Levantamento feito pela toxicologista Vilma Leyton, professora da Faculdade de Medicina da USP, no Instituto Médico Legal de São Paulo em 2005, mostrava que 44% dos 3.042 mortos em acidentes de trânsito no Estado de São Paulo ingeriram álcool antes e tinham entre 17 e 24 decigramas de álcool por litro de sangue.

Na França, a aplicação da tolerância zero ao álcool no trânsito foi debatida no ano passado pelos 42 integrantes do Conselho Nacional de Segurança nas Estradas, órgão independente do governo.

A medida foi rejeitada com base em estudos que demonstram que os acidentes mortais são originados por condutores com taxas de álcool muito elevada, entre 16 decigramas e 30 decigramas.

Quanto ao argumento de que a rigidez da nova lei é fator determinante para os supostos índices de redução de acidente, é fundamental atentar para a realidade. O que reduzirá e já está reduzindo a perda de vidas é a fiscalização intensa imposta desde a entrada em vigor da nova lei.

Se a fiscalização tivesse a mesma intensidade de agora durante a vigência da legislação anterior, o resultado seria o mesmo, ou seja, o flagrante contra motoristas embriagados, com a aplicação de multas, apreensão de carteiras de habilitação e prisão de muitos.

Obrigado pela atenção. (ass.) Pompeo de Mattos, deputado federal e presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias".


31 de julho de 2008
N° 15679 - LF VERISSIMO


PODERES

O Batman é um super-herói sem superpoderes. Não voa, não enxerga através do aço, não faz o globo girar ao contrário.

O único outro exemplo da espécie que me ocorre é o Fantasma, mas o Fantasma ficou datado. Há algo de irremediavelmente antigo na sua figura, vivendo aquela fantasia de onipotência colonial entre os pigmeus.

O Batman, ao contrário, é um herói metropolitano. Só é concebível num cenário urbano onde o gabarito foi liberado. E fica cada vez mais atual.

Cada nova versão do Batman no cinema é mais sofisticada do que a anterior. Começou como gibi filmado, já foi comédia pós-moderna estilizada, agora - pelo que leio, ainda não vi - é uma tragi-comédia com sombrias referências às paranóias do momento.

Batman é reincidente e nunca fica datado porque nunca fica bem explicado, tem sempre uma conotação a mais a ser explorada, um lado da sua personalidade e da sua legenda a ser descoberto e dramatizado.

E acho que o fato de não ter superpoderes tem muito a ver com a sua permanência através de todos estes anos, que não foram piedosos com os outros super-heróis clássicos, massacrados pela paródia e o esquecimento.

Desde o momento em que foi matar uma mosca e demoliu a mesa, o Super-Homem conhecia seus poderes. Os poderes definiram o homem. Ele não poderia ser outra coisa além de Super-Homem, sua vida estava decidida já nas fraldas. Batman escolheu ser Batman.

Nada determinava a sua escolha. Não tinha nem a carga genética para guiá-lo, como o Fantasma, que pertencia a uma dinastia de Fantasmas. Se a legenda do Superhomem é uma parábola sobre a predestinação, a do Batman é uma reflexão sobre o livre-arbítrio.

A única coisa que une os dois é a obsessão em fazer o Bem - o que torna a escolha do Batman ainda mais misteriosa. Ele decidiu ser um homem-morcego. Logo o morcego, bicho hemofágico e ruim, cuja única antropomorfização (com perdão do palavrão) conhecida antes do Batman foi o Drácula.

Escolhendo um símbolo do Mal para fazer o Bem, Batman enfatizou seu livre-arbítrio. Nada determina as suas ações, nem a Natureza que fez o Super-Homem súper e o morcego asqueroso. Sua obsessão pelo Bem é uma escolha moral, desassociada de qualquer imperativo externo.

Ele não é um herói para melhorar a reputação dos morcegos nem porque veio de outro planeta predestinado a ser bom, ou porque gosta de usar malha justa.

O que a sua legenda nos diz, e talvez por isso dure tanto, é que o ser humano é cheio de imperfeições e maus impulsos, limitado pela biologia e condicionado por mitos e tradições, mas é livre para escolher o que quer ser. E decidir ser justo.

Está aí, um super-herói do iluminismo. Longa vida para o Batman.

quarta-feira, 30 de julho de 2008


JOSÉ SIMÃO

Ueba! Apagón na terra do Gardelón!

Aerolíneas Argentinas: leva, mas não devolve. Viaje Aerolíneas! Voy pero no vuelvo! Rarará!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!
Festival de Piada Pronta. E o Alckmin, que teve intoxicação e foi parar no hospital? Deve ter sido MARTADELA, sanduíche de Martadela.

Rarará! E a Mulher Melão foi eleita musa dos taxistas. Então, em vez de bandeirada, vai ter bundeirada! Rarará!

Apagón na terra do Gardelón! Eu acho que aqueles brasileiros não estão presos no aeroporto de Buenos Aires! Tão seqüestrados. Pra gastar mais dinheiro. "Compra mais essa lembrancinha." "Compra mais dois quilos de alfajor!"

Ficar retido no aeroporto de Buenos Aires configura seqüestro! E o controlador de vôo deve ser vesgo como o Kirchner! E sabe como a Aerolíneas tá fazendo o check-in?

"Qual o mejor jogador del mundo, Pelé ou Maradona?" Se responder Maradona, embarca. Respondeu Pelé, overbooking! E uma carioca disse que passou horas sentada num aspirador de pó.

Então ela sentou no Maradona. Rarará! Aerolíneas Argentinas: leva, mas não devolve. Viaje Aerolíneas! Voy pero no vuelvo! Ereções 2008! Já tá bombando!

Mais candidatos para o meu partido PGN, o Partido da Genitália Nacional. Da Paraíba vem Rolinha (esse fica pra suplente), Toinho das Calcinhas (mas ele distribui ou veste as calcinhas?) e, de Pedras do Fogo, o Mago da Mangueira. Rarará!

E de Ubiratã, no Paraná, terra do candidato Toninho Caga-Fogo, temos outro agora, que se autodenomina Barack Obama! Aliás, diz que se o Barack Obama ganhar, ele vai trocar a cúpula da Casa Branca por uma laje.

E chamar o Zeca Pagodinho, a Alcione e a Leci Brandão. Pagode na Casa Branca! A Casa Branca vai bombar! É mole? É mole, mas sobe! Ou, como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.

Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.

É que em Corumbá, Mato Grosso do Sul, tem um cemitério chamado Nelson Chamma! Uau! Socuerro! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Melancólica": dor de barriga depois de comer a Mulher Melão. Rarará! O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza.

Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. E vai indo que eu não vou!

simao@uol.com.br

GILBERTO DUPAS

Prestando contas à vida

Nesse momento especial, entre a vida e a morte, o homem comum pode filosofar; e, assim, flertar com a imortalidade

AS POPULAÇÕES brasileira e mundial têm envelhecido muito rapidamente. É uma séria questão para os sistemas de previdência e saúde pública e para os próprios velhos, mais solitários e dependentes.

No entanto, é possível transformar velhice em liberdade. Nesse momento especial, entre a vida e a morte, o homem comum pode filosofar; e, assim, flertar com a imortalidade.

A filosofia tem saído da moda enfrentando rivais cada vez mais arrogantes. Informática, marketing e design tentam substituir o personagem conceitual -o filósofo ou o artista- por telas planas, telefones celulares e internet. É o reinado dos simulacros.

Segundo Deleuze e Guatari, filosofar é a arte de criar conceitos potentes para tentar dar significado a questões para sempre mal resolvidas, como velhice e morte. Mas conceito não é dado ou comprado, é criado. E filosofar é criar ou mudar conceitos.
Para eles, filósofos e artistas têm uma saúde frágil.

Não por causa de suas doenças ou neuroses, mas porque viram na vida algo grande demais para suportar, o que pôs neles a marca discreta da morte. Esse algo é também a fonte que nos faz viver através das "doenças do vivido", justamente o que Nietzsche chama de saúde.

O que define filosofia e arte, duas das grandes formas de pensamento, é enfrentar o caos esboçando um plano.

Para tanto, a filosofia formula conceitos, e a arte, percepções. Essas disciplinas não são como religiões, que invocam deuses para pintar sob nossos guarda-sóis um firmamento artificial. Ao contrário, elas propõem que só venceremos se rasgarmos o pano pintado e enfrentarmos o caos.

O sistema econômico e cultural entrega aos homens comuns grandes guarda-sóis com forros pintados que lhes dão uma falsa segurança enquanto servem à lógica própria do capital. São do tipo "comprando um novo iPod ou estendendo a vida a qualquer preço você pode ser feliz".

Por baixo do pano, essa lógica desenha suas palavras de ordem como um firmamento único. Cabe ao filósofo e ao artista contidos em nós abrir uma fenda no guarda-sol e fazer passar um pouco do caos livre e tempestuoso que dá sentido à vida.

A cada rasgo que fizermos, os gênios da comunicação a serviço do pensamento único correrão a preencher a fenda e lotá-la de novas certezas. Será preciso, então, cortar novas fendas, operar novas destruições, restituindo a novidade que já não podia mais ser vista.

O pensamento único se esconde atrás de um tipo religioso de fé cega num futuro que outros nos impõem.

Nunca as tecnologias progrediram tanto na exploração do corpo e da mente. E, no entanto, Roudinesco nos lembra de que em nenhuma época o sofrimento psíquico foi tão vivo: solidão, psicotrópicos, tédio, depressão, desamparo, obesidade, uma pílula a cada minuto de vida: "Quanto mais se promete a felicidade e a segurança, mais persiste a infelicidade, mais aumenta o risco".

Ela cita Canguilhem, Sartre, Foucault, Althusser, Deleuze e Derrida como alguns dos que se recusaram a aceitar uma ideologia da submissão e a virar soldados de uma "normalização" do homem. Eles gostariam de transformar todos nós em rebeldes, seres capazes de abordar a existência como consciência do mundo.

Podemos compreender, então, como a morte pode prestar contas à vida; ou seja, como se pode aceitar a morte para que haja vida. Na "Ilíada", Aquiles encarna o ideal absoluto "da bela morte e da vida breve", origem da concepção grega de heroísmo.

Roudinesco lembra Vernant, para quem um dos grandes enigmas da condição humana é encontrar na morte o meio de superá-la, vencê-la dando-lhe um sentido do qual ela é completamente desprovida. É quando o agir significante se transforma em obra eterna. Doença e morte, paradoxalmente, são parte da vida.

Dentro dessa perspectiva, o doente, com seu sofrimento e sua dor, é o único capaz de julgar sobre sua normalidade. Quem quiser transformar a vida num conjunto de funções que resistem à morte fará com que a morte não lhe pertença mais.

No entanto, a morte está inscrita na história da vida, assim como a doença na existência de cada sujeito.

Fenômeno progressivo de degradação lenta dos corpos, ela se apodera do homem desde o seu nascimento, habitando-o ao longo de sua vida até a última passagem.

Mas nosso espírito, enquanto construindo os significados que atribuímos à vida, pode ter o gostinho da imortalidade. Depende de nós. Basta sermos capazes de abrir pequenos furos no falso firmamento que querem nos impor e deixar passar um pouco de caos.

GILBERTO DUPAS , 65, é coordenador geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP, presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI) e autor, entre outras obras, de "O Mito do Progresso" (Unesp).

ANTONIO DELFIM NETTO

Deselegância útil

O ESCANDALOSO desabafo "espontâneo" (provavelmente bem meditado) do ilustre ministro Celso Amorim em Doha tinha, na sua deselegância estudada, mensagens importantes que não deveriam ser ignoradas com o "tomamos boa nota" diplomático.

Primeiro, para os críticos europeus do nosso programa de biocombustíveis e, segundo, para nossos parceiros que fingem ser "economia de mercado".

Como é claro, não existe qualquer altruísmo em Doha. Toda a defesa da absoluta liberdade de comércio apoiada na hipótese que ela gera o aumento do bem-estar da humanidade esconde o egoístico objetivo de cada país de conseguir suas autonomias energética e alimentar, fortemente ameaçadas pela perspectiva do declínio da produção mundial de petróleo.

A produção de petróleo nos EUA aparentemente atingiu o seu máximo em torno de 1970, como havia sido previsto por Hubbert em 1956.

Hoje, os mágicos que estimam a data daquele máximo para o mundo contam-se às dezenas (inclusive o próprio Hubbert).

Todos sugerem que será entre 2015 e 2030, mas há séria controvérsia produzida pelo avanço das tecnologias e pelas descobertas insuspeitadas há dez anos (como é o caso do pré-sal brasileiro e do Ártico). De qualquer forma, a situação é assustadora.

Se a humanidade não encontrar um substituto para a energia extraída do petróleo, haverá pela primeira vez na história uma regressão do crescimento e do seu bem-estar material, porque a energia e os subprodutos do petróleo são fatores ubíquos em toda a produção de bens e serviços que ela consome.

Isso revela o cinismo da Europa, o mais antigo e maior produtor de biodiesel do mundo (de colza) e recente produtor de etanol de cereais e beterraba que, efetivamente, comprometem a disponibilidade alimentar.

Escondem tal fato criticando a produção de etanol de cana, que ajuda a aumentar a produção de alimentos. A China também fez suas insinuações, mas produz etanol (de milho, arroz e mandioca) e biodiesel (de vegetais oleosos), reduzindo a oferta de alimentos.

Os EUA têm, pelo menos, a coragem de reconhecer abertamente que não prestam atenção ao custo do etanol de milho: querem de volta a autonomia energética perdida, mesmo que isso adicione um pouco mais desequilíbrio na oferta mundial de alimentos (que os europeus, a China, a Índia e outros países também estão fazendo).

O Brasil é a grande exceção. No caso de alguns de nossos "parceiros", a situação foi ainda agravada pelo estabelecimento de impostos de exportação, não apenas sobre os produtos finais, mas sobre os fertilizantes, como é o caso da China, que explora, assim, seu poder de monopólio. A "deselegância" programada do ministro tinha, pois, as suas razões...

ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.


30 de julho de 2008
N° 15678 - Martha Medeiros


O travesseiro

Eu estava na sala de embarque quando reparei naquele homem sisudo. Estava de terno escuro, gravata escura e tinha o semblante muito sério. Viajava sozinho. Não era um turista, percebia-se que iria voar a negócios. Segurava uma pasta executiva 007 numa mão. Na outra, um travesseiro.

Eu não conseguia tirar os olhos daquele travesseiro. Com fronha. Ela era branca com nuvenzinhas azuis. Um objeto íntimo nas mãos de um provável empresário que iria dormir num flat ou num quarto de hotel e que não colocaria sua cabecinha em nenhum outro travesseiro que não fosse o seu.

Comecei a entender melhor a expressão "vôo doméstico".

Tempos atrás, andar de avião era uma coisa chique. As pessoas se arrumavam bem, colocavam seu melhor casaco e não conseguiam disfarçar uma certa emoção (frisson seria a palavra apropriada). Mesmo sem querer, sentia-se no ar um quase esnobismo.

Definitivamente, não era uma galera de rodoviária. Estavam num aeroporto, um lugar onde tudo era límpido, elegante, iluminado e levemente erótico, a começar pela voz que saía dos alto-falantes anunciando a chegada e partida de outros eleitos.

Hoje uma voz anuncia, com certo tédio, que o embarque que seria efetuado no portão 6 será efetuado no portão 13 por causa do remanejamento das aeronaves, e que haverá um atraso de duas horas por falta de tripulação, e ninguém reclama, porque já tivemos dias piores (se bem que os dias piores podem voltar com a greve dos aeroviários).

Hoje vale tudo: viajar de chinelo, barriga de fora e travesseiro na mão. A questão do travesseiro é instigante, porque é sabido que tem gente que não consegue mesmo dormir longe do seu.

E há apegos ainda mais radicais. Uma vez, ouvi uma moça perguntando a outra por que ela levava uma mala tão gigantesca para passar apenas um final de semana fora. Resposta: porque ali dentro estavam seu travesseiro e seu edredom.

O edredom era de estimação também.

Eu sei que são inúmeros os afeiçoados ao próprio travesseiro. É como a menina que não viaja sem sua boneca, o menino que não sai de casa sem levar seu carrinho: são objetos que nos dão a sensação de que não estamos partindo totalmente.

Podemos estar sem pai nem mãe nesse mundão de Deus, mas trazemos algo do nosso lar. É um conforto mais espiritual que material.

Já eu acredito que viajar é sempre uma aventura e que devemos estar preparados para as surpresas que virão, incluindo o travesseiro do alheio, que pode não ser o ideal para nossa coluna torta. Mas há quem não aceite que vida é risco.

O fato é que já vi gente com as mais diversas e corriqueiras bagagens de mão: térmica, cuia, raquete, violão, Bíblia, berimbau, cachorrinho, crianças, mas chegar ao aeroporto pela manhã com o travesseiro ainda quente e com a fronha babada é, no mínimo, um ato de extrema personalidade. Bem que fazem. Dormem feito anjos.

Embora São Pedro continue de mal com a gente que tenhamos todos uma ótima quarta-feira.


30 de julho de 2008
N° 15678 - Paulo Sant'ana


Sexo entre primos

Surpreendente dado da pesquisa de comportamento que Zero Hora publica hoje na página 35, cotejando o desempenho sexual de porto-alegrenses e curitibanos: é que 8% dos masculinos de Curitiba e 7,1% de Porto Alegre iniciaram-se no sexo com suas primas.

Eu não sabia disso, acho que ninguém sabia. É certo que a percentagem é maior, os pesquisados em grande número devem ter omitido esse detalhe, julgando-o desonroso.

Acredito que com primos não se verifica o incesto, no entanto impressiona que a convivência com parentes estimule a iniciação sexual.

Tanto é verdade que por pejo os pesquisados omitiram terem-se iniciado no sexo com seus primos, que no elemento feminino, tanto em Curitiba quanto em Porto Alegre, caem para 10 vezes menos que no masculino as declarações de que começaram com seus primos como parceiros.

Aí tem constrangimento em declarar a verdade para a pesquisa.

Também chama a atenção na pesquisa que, tanto em mulheres como em homens, metade das mulheres porto-alegrenses exige camisinha dos seus parceiros, enquanto no item de número de vezes que os masculinos usam a camisinha, o volume cai assustadoramente, os homens vão ao sexo sem camisinha em cerca de dois terços deles.

Outro dado impressionante é que, tanto entre os homens quanto entre as mulheres, em Curitiba e Porto Alegre, apenas metade das relações sexuais desejadas são levadas a termo.

Ou seja, acontece por uma ou várias razões que o apetite sexual tanto de homens quanto de mulheres, em Curitiba e Porto Alegre, é reprimido, a vontade é maior que a satisfação.

Outro dado que apenas me impressiona porque pertenço a outra geração é o de que, entre os homens, apenas 14% deles se iniciaram no sexo com as prostitutas, quando 50 anos atrás esta percentagem deveria beirar os 100%.

De lá para cá a mulher foi se libertando a tal ponto, que os prostíbulos passaram a sofrer redução na sua atração. Os jovens masculinos deixaram de se iniciar no sexo nos lupanares e foram à luta no próprio meio social regular.

De todos estes dados, que revelam uma tendência praticamente igual em todos os itens do confronto entre curitibanos e porto-alegrenses, o que legitima a pesquisa, o que mais me espantou foi o de que os primos entre si detêm grande fatia do mercado de iniciação sexual.

Daqui por diante, sempre que eu assistir a primos de sexos opostos muito ligados na afetividade, vou exclamar para mim próprio: "Aí tem coisa...".

Agora veio lá da prefeitura uma resposta civilizada a esta coluna sobre a questão das ciclovias. Ei-la:

"Caro SantAna. Porto Alegre espera há mais de um século por uma rede de ciclovias e ciclofaixas. É com imensa alegria que concluímos recentemente o primeiro Plano Diretor Cicloviário da cidade. Foram identificados quase 500 quilômetros com potencial de comportarem ciclovias, entre eles a Avenida Ipiranga, trecho entre o Guaíba e a PUC.

A grande notícia é que ainda neste ano estará concluído o primeiro trecho de ciclovia, já dentro das propostas do plano, localizado na Avenida Diário de Notícias.

Esta obra estará sendo realizada em parceria com o Barrashopping, como medida de compensação ambiental. A aprovação geral do plano depende da Câmara dos Vereadores.

A respeito de tua coluna de ontem, garanto que não existe nenhum tipo de animosidade da Comunicação da prefeitura em relação e este colunista que tanto tem contribuído para a qualidade de vida de nossa população.

O crescimento de todos passa por mais serenidade, coragem para mudar as coisas que podemos e sabedoria para perceber a diferença.

Um grande abraço, do (ass.) Luiz Afonso dos Santos Senna, secretário municipal de Mobilidade Urbana".


30 de julho de 2008
N° 15678 - David Coimbra


Quero requintes de crueldade!

Meu filhinho foi mordido por um cachorro. Um desses cachorros de madame, manja? Pequeno, pouco maior do que um gato, branco, cheio de frufrus, cachorro de apartamento. Um rato peludo, na verdade, pertencente à sub-raça dos cachorros. Mas ainda assim um bicho com dentes e garras e tudo mais. Mordeu meu filhinho no rosto. Fiquei furioso.

Bem sei que as crianças se machucam e tal. Mas isso acontece quando a criança tem dois anos de idade, está na escolinha e leva um uppercut de um colega, ou se esborracha no chão enquanto está brincando, ou puxa o rabo de um vira-lata e o vira-lata lhe dá uma dentada.

Agora, se o nenê tem 11 meses de idade, se nem caminhar caminha, se está num apartamento, cercado de adultos, então esse gênero de acidentes não pode acontecer. Não pode. É proibido.

Mas aconteceu.

Logo, fiquei furioso. Ainda estou. Cada uma dessas vírgulas está sendo pendurada com ódio, de cada cedilha balança o ressentimento. Imagino como se sente um pai que tem o filho atacado por um pitbull. Porque uma criança ser atacada por um pitbull também não pode, também é proibido. Por várias razões. Uma delas é que esse pitbull não existia na natureza. Foi enxerto.

Outra é que, uma vez que inventaram esse bicho e ele provou ser uma fera perigosa, deveria ser apartado do convívio com seres humanos. Cidade não é lugar para animais selvagens, como pitbulls e torcedores de futebol que vão ao jogo para brigar. Por isso, sou pela eliminação sumária de todos os pitbulls. Pena de morte. Paredón.

No caso dos pitbulls, reivindico uma ação da Justiça. Da legislação. Algo racional. A sociedade deveria impedir a convivência entre humanos e feras, e pronto. No caso do rato peludo que mordeu meu filhinho, não sou racional, nem posso ser, nem quero. Alimenta-me, aí, o baixo sentimento da vingança.

Gostaria de eliminá-lo lentamente, com requintes de crueldade. Algo como uma tortura chinesa chamada Morte das Mil Maneiras. É muito engenhoso. O verdugo chinês fazia assim: pegava um pote de porcelana, os chineses são muito bons em porcelana, e nele colocava mil papeizinhos.

Em cada papel estava escrito o nome de algum órgão do corpo humano, como olho direito, unha do dedo mínimo esquerdo ou cérebro. Só uma pequena minoria era composta por órgãos vitais, como o coração. Bem. Ante o olhar aterrado da vítima, o carrasco ia ao pote e tomava um papel aleatoriamente.

Se pegasse o tal olho direito, ficaria uma hora trabalhando nele, remoendo-o com pinças, furando-o com ferros, queimando-o com brasas. O suplício podia levar dias ou semanas ou até meses, o torturado ficava torcendo para que fosse sorteado com um órgão fatal.

Tive ganas de empregar esse sutil método oriental com aquele cachorro, ao ver meu nenê com o rosto sangrando e as marcas de uma dentada a meio centímetro do seu olhinho.

Os donos do cachorro que me desculpem, eles são boas pessoas e amam o bicho como se fosse membro da família, mas não é nada pessoal - teria idênticas intenções com qualquer cachorro que atacasse meu filhinho. Neste momento, ao descrever isso, até me acalmo um pouco, o ódio se me esvai pelas pontas dos dedos. Só que, nas horas seguintes ao ataque do rato peludo, mal conseguia controlar a raiva.

Tinha raiva de todo o mundo animal, dos grandes elefantes aos pequeninos protozoários, do Pluto e do Pateta, tinha raiva dos defensores dos animais, dos donos de bichos de estimação, das pet shops, dos veterinários, dos zoológicos, das vegetarianas,

dos anões, fiquei com raiva de uma mulher que dirigia um maldito carro verde a 20 por hora, trancando todo o trânsito, e também de um sujeito que cortou a minha frente com uma caminhonete preta, amaldiçoei cada pessoa que me perguntou amigavelmente se já estou de malas prontas para viajar para a China, que vou para a China,

e pensei que minha maldição poderia cair sobre todos os um bilhão e trezentos milhões de chineses e ainda sobre mais um bilhão de indianos e, quem sabe, sobre outro tanto de ianques, russos, europeus e sul-americanos, sentia ódio das serpentes rastejantes e das aves do céu, dos mamíferos, dos anfíbios, dos répteis e das alfaces, de tudo, tudo, aí aquele torcedor me ligou. Não disse alô nem nada. Foi ralhando:

- Olha aqui, ó: a cobertura de vocês está muito colorada.

E foi deitando falação sobre a quantidade de páginas que se dá ao Inter em comparação com as do Grêmio e bibibi. Tentei explicar que o Inter tinha feito contratações importantes e tal, mas ele não se convencia.

- Muito colorada! - repetia. - Como sempre: muito colorada!

Nada que eu dissesse lhe convenceria. Normalmente, eu anotaria a queixa e lhe daria algum consolo falando da próxima grande cobertura do Grêmio. Mas estava irritado, queria dar um soco em alguém. Perdi a paciência. Porém, não toda. Não fui grosseiro, odeio grosseria. Usei da ironia.

- Sabe o que é? - falei. - É que aqui só tem colorado. Mais até: é uma condição para entrar nessa editoria. Tem que ser colorado, senão não é contratado.

Ele ficou alguns segundos em silêncio. Depois baixou o tom de voz: - Não é isso. Não estou dizendo que vocês são colorados...

- Meu senhor - respondi, com urbanidade, sem perder a firmeza. - O senhor disse que a nossa cobertura é muito colorada.

Então, ou uma coisa ou outra: ou nós somos todos colorados, e somos mal-intencionados, ou somos incompetentes, e temos que ser demitidos. Qual das duas? - Não... não...

- Tentei argumentar com o senhor, disse que a causa desse aparente desequilíbrio é a seqüência de grandes contratações do Inter, mas o senhor não concordou com meu argumento. - Bom, talvez seja isso mesmo...

- O senhor acha? - Acho. - Obrigado. - Não tem de quê. Despedimo-nos com cumprimentos afetuosos. Cara, às vezes, um pouco de raiva faz bem.


30 de julho de 2008
N° 15678 - Sergio Faraco


O velho e bom silêncio

Durante muitos anos ouvi pouco, sempre resistindo à idéia de incrustar na caverna do ouvido um invento que não nasceu comigo, estranho, portanto, às especificações técnicas programadas para meu modelo pelo Criador do Céu e da Terra.

Mas havia um problema. Em lugares públicos e com ruídos de fundo, dificilmente ouvia meu interlocutor. Imagina, por exemplo, a Feira do Livro de Porto Alegre, e lá estava eu a cavaquear com alguém. Cavaquear é força de expressão.

A voz daquele alguém sucumbia no bulício e então o que ele ouvia de mim como resposta era um "claro", ou um "tens razão" ou, se ele se mostrava mais veemente, um admirado "bah". Em casa, minha mulher perguntava:

- E a feira? - Movimentada. - Quem estava lá?

- Conversei com o Fulano e o Beltrano. - Sobre o quê? - Não sei.

Pressionado pela família, pelos amigos, comprei o invento. Uma fortuna que desbarrigou meu cofrinho de porco e ainda precisei voltar semanalmente à loja para regular o bruto. Eu ouvia tudo, menos a voz do outro. Na última vez, dei o ultimato:

- A voz ou nada. Deu certo?

Por um lado, não: continuei ouvindo todos os ruídos e até mais intensos. No instante em que deixei a loja tocou o sino da igreja e tive de me abraçar num poste para não desabar.

Por outro lado, também não. Verdade que passei a ouvir melhor as vozes, mas todos os que falavam comigo pareciam estar dando ordem unida, enfurecidos, e sempre eu tinha a impressão de que meu interlocutor era um sargento.

E surgiu outra questão.

Perplexo com o tumulto das ruas que antes eu captava em surdina - roncos de automóveis, britadeiras, serras, buzinas, martelos, passos, alto-falantes, sirenes, gritos e ladridos de cachorros, além dos lero-leros de ocasião - , comecei a anotar todos os itens e cheguei à triste conclusão de que 90 por cento do que escutava não me aprazia.

E onde não há prazer não há proveito, como ensina Shakespeare. Guardei o impertinente engenho em seu estojo e cá estou a finalizar esta coluna no meu velho e bom silêncio, do qual já sentia muita saudade.

terça-feira, 29 de julho de 2008


ELIANE CANTANHÊDE

O Sul em chamas

BRASÍLIA - Tudo começou com os vices de Yeda Crusius e de Cristina Kirchner, e os dois governos estão se esfarelando. Secretários caem, a popularidade despenca, e a sustentação balança.

No Rio Grande do Sul, o vice Paulo Feijó gravou uma conversa que jogou o governo da tucana Yeda numa das maiores crises estaduais da temporada.

Na Argentina, o vice Julio Cobos deu o voto de Minerva que derrubou o principal socorro financeiro bolado pela presidenta Cristina, que ficou sem o dinheiro -e sem discurso e apoio popular.

Nos dois casos, parece faltar experiência e sobrar soberba, numa combinação explosiva. Yeda faz uma besteira atrás da outra. E Cristina não soma adeptos e divide excessivamente a administração, a imagem e a arrogância com o marido e antecessor, Néstor Kirchner.

É possível descrever a crise gaúcha num parágrafo: a fita do vice sobre corrupção; a queda de sete secretários (inclusive os principais, como o chefe da Casa Civil);

a compra de uma casa entre a eleição e a posse, sem que a aritmética patrimonial feche; até o absurdo projeto de aumento do próprio salário em 143% em meio aos farelos. O salário era muito baixo? Era. Mas haja falta de senso de oportunidade!

Com tantos flancos, a governadora não faz mais nada. Ora responde sobre desvios do Detran, ora sobre a queda dos secretários, e sempre sobre a história da casa comprada na hora errada, de forma errada.

O resultado é a aprovação em queda livre e uma perplexidade geral. E a economia? A administração?

Ninguém merece 10 anos de Carlos Menem nem de sua "aliança carnal" com os EUA, e depois dele a politizada Argentina vem passando por poucas e boas.

No também politizado Rio Grande do Sul, a alternância entre direita, centro e esquerda não levou a nenhum paraíso. Os velhos líderes já eram, e os novos não disseram a que vieram. Os tempos são sombrios. As perspectivas não são melhores.

elianec@uol.com.br

CLÓVIS ROSSI

O sonho e a casa própria

SÃO PAULO - Tomando uma certa licença poética (ou, mais exatamente, uma licença estatística), dá para dizer que há um fosso entre o sentimento dos 200 mil jovens que foram ao comício de Barack Obama em Berlim e os jovens brasileiros que aparecem na pesquisa publicada domingo por esta Folha.

Afinal, a garotada alemã não pode querer de um presidente norte-americano casa própria e bons salários, exatamente os itens mais valorizados pela gurizada entrevistada pelo Datafolha.

Repito que se trata de uma licença estatística pelo óbvio fato de que, no comício, não estava presente a esmagadora maioria dos jovens alemães, o que pode significar que todos os ausentes também querem casa, comida e roupa lavada.

Da mesma forma, é possível que 200 mil brasileiros fossem ao encontro de Obama na improvável hipótese de que ele apareça por aqui ainda como candidato (depois de eleito, se o for, a segurança desanimaria muita gente).

Mesmo assim, vale a comparação apenas para enfatizar o fato de que uma fatia importante da juventude busca alguma coisa que não me parece muito clara. Barack Obama resume essa busca em "change", mudança, o que é mais vago do que promessa de candidato a vereador nas eleições municipais de outubro.

Vago ou não, o cantochão da "mudança", do "yes, we can" (o que podemos, cara pálida?), parece atrair uma moçada cansada dos políticos cinzentos que marcam o cenário europeu principalmente.

Entre sair de casa para ver Obama ou ver Angela Merkel, a escolha parece fácil, por brilhante que seja a gestão da chanceler alemã.

Não parece ser casa e emprego o foco dos que se mobilizam por Obama. É mais o intangível, o sonho.

Acho difícil que presidentes, mesmo nos Estados Unidos, tenham margem de manobra para entregar o sonho. Mas sonhar sempre é melhor do que conformar-se.

crossi@uol.com.br

JOSÉ SIMÃO

Aerolíneas! Leva, mas não devolve!

E o Zeca Pagodinho, retido na Argentina com mais 500 brasileiros? Deixa a Aerolíneas me levar!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!
Festival de Piada Pronta. "Lula abre Congresso da Língua Portuguesa." Rarará! AUGUM PÓBREMA?

Como diz o outro: só se for língua ensopada ou defumada. Lula abre congresso da língua defumada. E não tem outro congresso pra ele abrir? Diz que é pra difundir a língua portuguesa. Difundir, não. Confundir!

E o Belo lançou um CD chamado "Pra Ver o Sol Brilhar". QUADRADO! Rarará! E a governadora gaúcha Yeda CRUUUZES se meteu numa maracutaia de mansão subfaturada.

Como é o nome do dono da mansão? Eduardo LARANJA! Num güento mais piada pronta.

Me bate uma vitamina de abacate com Lexotan! E o Zeca Pagodinho, retido na Argentina com mais 500 brasileiros? Deixa a Aerolíneas me levar! Rarará! Aerolíneas Argentinas: leva, mas não devolve! E a situação na Argentina tá ruim mesmo: não querer devolver nem brasileiro.

E diz que o Zeca Pagodinho deu piti porque a aeromoça perguntou se ele queria suco ou água. Rarará!

E o MST invadiu a fazenda do Daniel Dantas. Nesse caso específico não é invasão, é restituição. E onde tá a Justiça deste país? A fazenda do Dantas foi invadida há três dias. Exigimos um HABEAS FAZENDA!

E os pingüins argentinos que foram parar na Bahia? Vieram do estreito de Magalhães. E se chamam pingüins-de-magalhães. Na Bahia até os pingüins são Magalhães.

Vieram pra fazer a campanha do ACM Neto, ops ACM NATO. Aliás, veste um fraque no ACM Neto e bota entre os pingüins: quem é quem? Rarará!

E um amigo meu diz que vai votar no Maluf. Porque ele rouba, mas faz; mente, mas não convence; e é culpado, mas ninguém prova. Rarará!

É mole? É mole, mas sobe. Ou, como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.

Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês. É que no México tem uma praça chamada plaza de La Virgen.

Homenagem a coisa em desuso. Rarará! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Enfronhada": companheira feia que enfiaram uma fronha na cara! Rarará! O lulês é mais fácil que o inglês.

Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno E vai indo que eu não vou!

simao@uol.com.br


TELHADO DE VIDRO

A política é uma atividade de alto risco. Um leigo como eu tem dificuldade para entender como alguém pode candidatar-se a um emprego, renovável a cada quatro anos, tendo de despender para obtê-lo muito mais dinheiro do que poderá recuperar legalmente sob a forma de salário.

Tem algo que não bate na lógica eleitoral. Sei que existem modalidades previstas de financiamento de campanha. Mas como aprendi que não existe almoço gratuito, algo que comprovo todos os dias, quem mete a mão no bolso só pode esperar algum retorno.

Onde termina o retorno legal e começa o ilegal, ou quase, é que é o grande problema. Mas se digo que a política é uma atividade de alto risco é por acompanhar o noticiário com atenção republicana e esmero profissional. Todo dia tem político envolvido com problemas de justiça ou mesmo de polícia.

O texto da revista Veja sobre a casa da governadora Yeda Crusius me obrigou a pensar. Não é todo dia que isso acontece. Claro que também não há garantia de que disso resulte algum benefício social.

Nem sequer individual. Atirar pedra no telhado da casa alheia parece fácil, mas, em geral, quebra vidraça e acaba em barraco, mesmo quando o imóvel tem mais jeito de mansão que de habitação popular. Não sei quanto custou a residência da governadora nem se existe de fato algo de ilícito na operação. Longe de mim sair por aí desconfiando de quem quer que seja.

Eu me limito a ler os jornais e as revistas. Acredito na seriedade da mídia. Se ela diz que teve mensalão no governo federal, eu aceito. Como poderia duvidar? Se diz que o Detran foi saqueado, acato.

A revista Veja marcou pontos positivos. Não por ter denunciado uma ilegalidade na aquisição da residência da governadora, que tem todo direito de querer morar melhor. Nem a publicação afirma isto ou aquilo.

Apenas busca explicações. Quem tem janelas públicas, todos sabem disso, precisa exibir transparência privada. Logo, vez ou outra, passa pelo dissabor de ter de conceder alguns esclarecimentos. Veja marcou pontos por mostrar que não atira pedra só para um lado.

Apontou seu estilingue para o ninho tucano. Até agora essa era uma fortaleza protegida como um condomínio de luxo e preservada de certas baixarias consideradas, por preconceito, claro, como exclusivas das periferias mais escancaradas e bastante habituadas a chuvas e trovoadas a céu aberto.

Pelo jeito, ninguém mais está a salvo em sua casa própria. Nem a própria casa. Corre-se o risco de bala perdida, fogo amigo e cobranças legítimas ou indevidas. Tem gente que só fica em casa com habeas corpus.

Assim como tem quem nem ponha o corpo para fora com medo de ser intimidado a lavar roupa suja em praça pública. Sem dúvida, a política virou a casa da mãe-joana. Não se espantem se ela também tiver de abrir as portas para a Justiça.

A coisa anda tão séria que alguém bolou esta chave para dar conta da realidade brasileira: o horário eleitoral é o único momento em que os ladrões estão em cadeia nacional. Não façam associações ilícitas. Não estou falando de quadrilhas, mas de conclusões apressadas. Tem político honesto.

Só que é uma turma caseira. Quem tiver dúvida, por favor, não atire a primeira pedra. É fundamental conservar a ordem. A vida não é um tribunal de faz-de-conta. É conta para pagar.

A mais cara é a da casa própria, esse velho sonho da população. Salve-se quem puder. A casa está pegando fogo.

juremir@correiodopovo.com.br

Chove torrencialmente ainda, mesmo assim, que tenhamos todos uma ótima terça-feira.


29 de julho de 2008
N° 15677 - Paulo Sant'ana


Agressiva resposta

Recebi uma mensagem do coordenador da Assessoria de Imprensa da prefeitura de Porto Alegre, Luiz Fernando Aquino, contestando a minha crônica do último sábado, na qual critiquei a ausência de ciclovias na capital dos gaúchos.

Foi uma mensagem insolente, agressiva, autoritária. Ora, um coordenador de imprensa de uma administração tinha de ser uma pessoa de bons modos, cordial, jeitosa.

Pois para cima de mim - imagine o que ele não faz com os outros - , para cima de mim ele veio tentando me desconstituir como crítico.

E qual o crime que cometi? O de ter escrito que não há ciclovias em Porto Alegre. Ao que eu saiba, nenhuma foi construída pela administração a que ele pertence.

E Porto Alegre é uma cidade plana. E os combustíveis estão pela hora da morte. E os porto-alegrenses necessitam de ciclovias para exercitar-se.

E, na defesa da administração, o coordenador bélico me escreveu que já está projetado o Plano Cicloviário, pelo qual deverão ser construídas, não se sabe quando, ciclovias e ciclofaixas na Avenida Ipiranga, na Avenida Sertório, na Restinga, na Avenida Edvaldo Pereira Paiva (Beira-Rio), na Diário de Notícias e na Vicente Monteggia.

O virulento coordenador de imprensa afirma que essas ciclovias, constantes do plano, serão consolidadas "ao longo dos anos".

Uma promessa, envolvendo talvez vários governos do futuro.

Mas já tinham me dito que o gabinete de imprensa da prefeitura odeia a imprensa.

Ou seja, eu reclamo contra a mais completa ausência de ciclovias em Porto Alegre e o ofensivo coordenador de imprensa da prefeitura me responde com um plano.

Eu não queria plano, eu queria construção de ciclovias, em quatro anos de gestão com nenhuma ciclovia, e sou defrontado com o coordenador de imprensa da prefeitura blasonando um plano.

Se eu fosse ressentido e vingativo, já de plano me colocaria contra a administração que o coordenador representa.

Mas ele não devia estar num bom dia, acordou de mau humor e está perdoado.

Mas se ele recebeu ordem superior para me agredir, é diferente. Acho que não, foi da sua própria competência e estilo a agressão.

Para ilustrar veementemente a procedência da minha crítica sobre a mais completa ausência de ciclovias na cidade, publico um e-mail de uma munícipe imensamente prejudicada com a lacuna:

"Prezado SantAna. Hoje pela manhã li o seu artigo na página 55 de Zero Hora (Urgentes ciclovias) e agora, ao final do dia, tenho mais um argumento para reforçar a sua bandeira.

Hoje à tarde, por volta de 17h, fui aproveitar a linda tarde de sol para praticar atividade física na beira do Guaíba. Estava correndo nas proximidades da Usina do Gasômetro, quando meu lazer foi interrompido por um ciclista apressado que transitava pela calçada... (isso mesmo, na calçada, não foi na rua!)

Fui atropelada por um ciclista!!!!

Com o impacto da batida, caí com o queixo no chão. Resultado: quebrei um dente, cortei o lábio superior, estou com um hematoma no queixo (que mais parece um segundo queixo) e outro no cotovelo esquerdo.

O resultado não foi pior porque, por instinto, eu utilizei as mãos para segurar a bicicleta (por isso, acabei amortecendo a queda com o queixo...).

Amanhã (domingo) vou primeiro ao dentista, que vai trabalhar em regime de plantão para me atender e consertar o meu dente quebrado, depois (que eu estiver com meu dente inteiro) ao plantão médico da Santa Casa, onde pretendo tirar radiografia do queixo e do cotovelo esquerdo para verificar se não houve fratura.

Não sei ainda o valor do prejuízo. Por enquanto, foram R$ 32 com antiinflamatório e um final de semana encurtado pela incomodação...

Ciclista transitando pela calçada? Numa tarde de sábado, quando a orla do Guaíba é repleta de pedestres? URGENTES CICLOVIAS!!!! (ass.) Rúbia Leviski (rubia - leviski@yahoo.com.br), fone 9317-5962".


29 de julho de 2008
N° 15677 - Cláudio Moreno


Pais e filhos

Pais e filhos - este é o tema da cena magistral que Homero escolheu para encerrar a sua Ilíada. No mais famoso confronto de toda a guerra de Tróia, Aquiles, o grande guerreiro grego, filho de uma deusa e de um mortal, venceu facilmente a Heitor, o mais valoroso dos troianos.

Não satisfeito em matá-lo, Aquiles amarrou o corpo de Heitor no seu carro e o arrastou pelo pó da planície até o acampamento grego, onde o deixou insepulto, para ser devorado pelos cães famintos que rondavam, aos bandos, o campo de batalha.

Do alto das muralhas da cidade, os troianos assistiram estarrecidos à morte de seu herói, mas ninguém se desesperou mais que Príamo, seu pai, o velho rei de Tróia, por não poder dar ao filho um digno funeral, dentro dos antigos ritos.

Lá em cima, no Olimpo, os deuses também se indignaram com o triste destino de Heitor: ele era um homem justo, um grande guerreiro, e não merecia esse derradeiro ultraje.

A uma ordem de Zeus, o cadáver do herói foi coberto por um bálsamo divino que o protegia da putrefação; Íris, a deusa mensageira, foi sugerir a Príamo que oferecesse um rico resgate pelo corpo, como era costume entre os gregos, enquanto a deusa Tétis, mãe de Aquiles, foi até sua tenda para convencê-lo a devolver Heitor a sua família.

Acompanhado de um velho cocheiro, Príamo deixou então a cidade e rumou para o acampamento grego, no outro extremo da planície, com uma pesada carreta abarrotada de riquezas.

A noite, porém, caiu sobre os dois velhinhos, e eles teriam se extraviado naquela escuridão se Hermes, o deus dos caminhos, não viesse socorrê-los, guiando-os até o campo inimigo. Lá, o deus adormeceu os guardas e o carro pôde passar despercebido, deixando Príamo, finalmente, diante da tenda de Aquiles.

Este ficou paralisado de surpresa quando o ancião surgiu do meio da noite, arrojou-se no solo, à sua frente, e beijou-lhe, suplicante, a mesma mão que tinha empunhado a espada: "Dá o meu Heitor de volta, Aquiles! Pensa no teu pai, que também deve ter cabelos brancos, e deve te amar como eu amei meu filho!".

Ouvindo as trêmulas palavras do rei, Aquiles lembrou com tristeza que seu pai, o velho Peleu, devia estar lá longe, na Grécia, esperando seu retorno, sem saber que um oráculo havia predito que ele não voltaria de Tróia.

Comovido, ele retirou mansamente a sua mão das mãos de Príamo, e os dois, frente a frente, unidos pelo mesmo sentimento de dor e solidão, irromperam num pranto comum que veio encher a imensidão daquela noite com os seus soluços - não mais como dois inimigos, mas como dois simples homens que choravam a infinita saudade de todos os pais e de todos os filhos que nunca mais vão se ver.


29 de julho de 2008
N° 15677 - Moacyr Scliar


Três boas notícias

O Brasil é mesmo um país surpreendente. Quando a gente começa a pensar que tudo é violência e corrupção, surge uma notícia inesperada.

Vejam os dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde, coordenada pelo Ministério da Saúde, e que agora estão sendo divulgados.

Em primeiro lugar, constata-se que, no caso das mulheres, a iniciação sexual faz-se cada vez mais cedo. Há 10 anos, 11% das garotas com menos de 15 anos já haviam tido uma relação sexual; agora, esta porcentagem triplicou, passando para 32,6%. E, caros leitores, qual foi o resultado? Um enorme aumento da prole?

Não. O número médio de filhos é de 1,8 por mulher. Há 10 anos, era de 2,5 e, baseado neste e em outros dados, o IBGE previa que o patamar de 1,8 filho resultante do decréscimo da natalidade seria atingido só em 2043. Pois chegamos ao patamar 35 anos antes do previsto.

E não é difícil apontar a causa. Há 10 anos, 73% das mulheres faziam uso de métodos contraceptivos; agora, esta proporção elevou-se para 87%.

Há 10 anos, apenas 7,8% das mulheres obtinham contraceptivos do SUS; agora, 21,3% o fazem. É claro que isto não é um fenômeno generalizado; a gravidez na adolescência continua a preocupar. Há 10 anos, 14% das meninas entre 15 e 19 anos já eram mães; agora, esta porcentagem é de 16%.

De qualquer modo, o fenômeno demográfico chama a atenção. De 1940 a 1960 o número médio de filhos por mulher era de 6,3. Era o que se chamava então de explosão demográfica.

As mulheres estariam pondo mais filhos no mundo por ignorância ou, pior, por uma espécie de perversão. Brasileiro era como coelho, reproduzia-se adoidado e de forma irresponsável. Agora constata-se que este raciocínio era um equívoco. Por que os brasileiros, sobretudo os pobres, tinham tantos filhos?

Não é difícil adivinhar a razão. Em primeiro lugar, a mortalidade infantil era muito alta; não se sabia quantas daquelas crianças iriam sobreviver. Depois, a maior parte da população era rural, e as crianças representavam mão-de-obra barata na agricultura; eram, pois, uma espécie de investimento.

Ou seja, o que havia não era uma irracionalidade, mas sim uma outra racionalidade, diferente daquela que tinham as pessoas de classe média e classe alta.

Na medida em que as pessoas se deram conta de que as crianças tinham mais chance de sobrevida, na medida em que a população urbanizou-se, que o nível educacional cresceu e que os contraceptivos estão mais disponíveis, a situação mudou.

São os números, os frios números, que o demonstram. E que nos dão uma lição: não existem mentalidades "superiores" e "inferiores", racionalidades e irracionalidades.

Existem diferentes tipos de racionalidade, como sabem muito bem aqueles que trabalham em saúde pública. Nada como um dia depois do outro, um número depois do outro, para demonstrá-lo.

Ainda falando em boas notícias: estive sábado na Olimpíada do Conhecimento, realizada pelo Senai na Fiergs, e fiquei entusiasmado com o que vi.

Centenas de jovens de várias cidades mostram suas habilidades em oficinas de várias áreas tecnológicas, metalmecânica, eletroeletrônica, construção civil, confecção e automotiva, entre outras. Ver é acreditar no Brasil.

Terceira boa notícia: a conquista do prêmio Camões por meu companheiro de geração literária, confrade de ABL e amigo pessoal João Ubaldo.

Já fiz parte do júri desse prêmio, em Lisboa, e sei como ele é disputado. João Ubaldo venceu porque é um grande escritor e um escritor autenticamente brasileiro. O Brasil está no pódio com ele.

segunda-feira, 28 de julho de 2008


MOACYR SCLIAR

Velório temático

Velórios e enterros faziam parte do seu cotidiano; o tema era freqüente na família e nunca o amedrontou

Funerária do interior de SP promove velório temático inspirado na vida do morto. Um enterro em que o defunto, sempre o personagem principal, recebe cenário e produção artística.

Uma funerária do interior de São Paulo passou a promover recentemente velórios temáticos em que são feitas homenagens ao morto com aquilo que ele fez de melhor ou mais gostava de fazer em vida.

O negócio é assim: defunto pescador ou fã de pescaria, velório com anzóis, caniço, molinetes, redes, e até motor de popa usado no barco. Em geral, os adornos são peças e objetos pessoais que pertenceram ao morto e são doados pelos familiares para montar o cenário fúnebre.

Entre os velórios temáticos já realizados pela funerária, estão os relacionados a futebol (com uniforme, meião, chuteira, bola profissional e troféus que o morto recebeu em vida) e a rodeios (com chapéu, cinto e botas de couro, sela de montaria, espora e toda a indumentária dos peões).

Dependendo da produção, cada velório temático custa entre R$ 1.000 e R$ 10 mil.

Cotidiano, 25 de julho

PASSEI MINHA VIDA NA FUNERÁRIA , costumava dizer aos amigos, e isto não estava muito longe da verdade; a casa em que nascera, por exemplo, ficava junto mesmo à funerária Boa Viagem, há anos patrimônio de sua família.

Velórios e enterros faziam parte do seu cotidiano. Era um assunto constante no almoço e no jantar. Coisa que a ele não amedrontava; ao contrário, costumava brincar de esconde-esconde nos caixões.

Foi ao colégio, claro, e era bom aluno; a mãe queria que estudasse medicina, mas ele recusou: seu sonho era trabalhar com o pai na funerária. "Pretendo entregar a mercadoria diretamente ao Senhor", gracejava. "Nada de intermediação."

E assim, no devido tempo assumiu a direção da pequena empresa. Mas, ao contrário do pai, que se mostrara muito bem sucedido no ramo, não tinha sorte. Sofria a concorrência de outras funerárias, muito mais hábeis no atendimento às pessoas enlutadas.

Aceitavam cheque pré-datado, ofereciam brindes. Uma delas, por exemplo, propunha uma ousada promoção: para cada três mortos que uma família enterrasse, o quarto era de graça.

E assim ele foi perdendo clientes. Já não conseguia sequer pagar as despesas e estava à beira da falência.

O pior é que já não era novo, estava com mais de 50 anos, e não se sentia em condições de enfrentar a competição.

Foi então que leu a notícia sobre os velórios temáticos. E aquilo foi uma verdadeira inspiração. Sim, a solução de seus problemas poderia estar ali.

Porque imaginação não lhe faltava para bolar velórios daquele tipo. Se, por exemplo, um balonista falecesse, poderia levar o caixão para o cemitério num balão. Algo sensacional, consagrador. Mas sua alegria durou pouco tempo.

No dia seguinte uma das funerárias rivais exibia um cartaz com os dizeres, em letras garrafais: "Oferecemos velórios temáticos". E a ilustração mostrava um balão transportando um caixão.

Aquilo foi demais. Na mesma hora ele teve um ataque cardíaco, que evoluiu mal. Pouco antes de falecer, um amigo perguntou se ele queria um velório temático. Ele sacudiu tristemente a cabeça: "Minha vida foi, ela própria, um velório temático". Fechou os olhos e expirou.

MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Técnicas servem a cães e seus donos

"Who Let the Dogs Out?" ("Quem soltou os cachorros?", em tradução livre, que por aqui ganhou a versão "Só as Cachorras") é a trilha sonora perfeita para "Ou Eu ou o Cachorro", série que retrata situações reais entre os cachorros e seus donos.

Na estréia da quarta temporada no Brasil, Victoria Stilwell continua à frente do programa com seus dez anos de experiência em adestramento de cães, e faz um alerta: "Você tem de ter controle sobre o cão, isso fará sua vida muito mais fácil".

Fazer essa escolha -entre você ou o cachorro- não é tarefa simples. Entretanto, se o seu animal de estimação é capaz de transformar sua rotina num inferno, é hora de tomar uma atitude.

Os episódios das temporadas anteriores já mostraram casais que pensaram em divórcio e brigas de família provocadas pelos cães descontrolados.

As técnicas infalíveis da adestradora funcionam como milagre na frente dos olhos dos donos do cachorro, que ficam pasmos ao ver os resultados.

Durante o programa é possível conhecer um pouco da história das diferentes raças e aprender alguns truques para evitar o mau comportamento canino.

Nos episódios, Victoria serve também de "adestradora" para os donos dos cães, que, na sua opinião, são os principais responsáveis pelas travessuras de seus bichos. (CRISTINA LUCKNER)

OU EU OU O CACHORRO - Quando: amanhã, às 21h30 - Onde: GNT - Classificação indicativa: não informada pelo canal


RESUMO DAS NOVELAS

Estou desatualizado.

Não dou mais conta de todas as novelas que a televisão oferece. Outro dia, tomei uma decisão radical, corajosa e necessária: assistir, ao menos, a um pedaço de cada uma das novelas em exibição atualmente na televisão aberta brasileira. Fiquei de língua de fora.

A lista é interminável: 'A Favorita', 'Água na Boca', 'Amor e Intrigas', 'Beleza Pura', 'Cabocla', 'Caminhos do Coração', 'Chamas da Vida', 'Chiquititas', 'Ciranda de Pedra', 'Coração de Estudante', 'Lalola', 'Malhação', 'Pantanal', 'O Privilégio de Amar' e 'Os Mutantes'. Estou certo? Não?

Será que algumas já terminaram e nem percebi? O problema é tempo, pois tenho de assistir a todos os jogos do Inter e, como secador, aos do Grêmio, sem contar os de outras equipes que possam atrapalhar o caminho colorado.

Quero ser um profissional da televisão: ver todos os jogos e todas as novelas. No futebol, a grande trama é: jogar com três zagueiros e três volantes ou com três zagueiros e dois volantes ou, enfim, com dois zagueiros e dois volantes, salvo se for uma boa opção dois zagueiros e três volantes.

É complexo, mas a gente se acostuma e entra no jogo. A trama das novelas é ainda mais rebuscada: quem está comendo quem, quem deixou de comer quem e quem vai comer quem nos próximos capítulos. Confesso que todas essas possibilidades me fascinam.

Pena que não prestei atenção naquelas aulas de análise combinatória da disciplina de matemática. Outra variação forte das novelas é esta: uma vez, dois homens, por exemplo, pai e filho, disputam a mesma mulher. Na outra, duas mulheres, por exemplo, mãe e filha, disputam o mesmo homem.

Pode-se complexificar a intriga, em tempos de liberação de costumes, com três homens disputando e ficando com a mesma mulher ou três mulheres disputando e ficando com o mesmo homem. É para isso que servem sobrinhos e primos.

Futebol e novelas são iguais. Tudo depende de esquema. Tático: 3-5-2, 4-4-2 ou, no meio, onde tudo embola, novelesco, 2-2, 3-3 ou, em casos de vale tudo para ganhar, 4-4 ou 5-5.

Eu aprendo muito sobre futebol vendo novelas. Novela é cultura. Futebol também. A personagem Flora, de 'A Favorita', interpretada por Patrícia Pillar, esposa de Ciro Gomes, passou 18 anos na prisão, onde aprendeu a ler francês.

Num capítulo que pude ver, depois de ter percebido que não adiantaria secar o Grêmio contra o Figueirense, ela aparece lendo meu amigo Michel Houellebecq. É a ex-prisioneira de mais bom gosto de que já ouvi falar.

Poucos críticos literários podem competir com ela. Nada de auto-ajuda ou livros da lista de mais vendidos da moda. Literatura maldita na veia. Flora daria uma boa treinadora de futebol. Aliás, quando vai aparecer uma treinadora?

Tem bandeirinha, juíza, homem treinando mulher, mas não tem, que eu saiba, mulher treinando equipe de futebol profissional. Inadmissível. Não me venham falar de uma impossibilidade por causa do vestiário. Como é que os treinadores de vôlei fazem?

Com novela e futebol é assim. Perde-se o fio da moeda. Quer dizer, da meada. É tricô. Vira conversa de bar. Não existe melhor maneira de jogar conversa fora. Todo mundo pode ser especialista.

Em novela e futebol, tudo é questão de sexo. Resumo das novelas: quem come quem. Do futebol: quem passa por cima de quem. Qual a diferença entre um colorado e um gremista? O gremista acha que futebol é coisa séria.

juremir@correiodopovo.com.br

Ótima segunda-feira ainda que com chuva e uma excelente semana para todos nós


28 de julho de 2008
N° 15676 - Paulo Sant'ana


Rivalidade Gre-Nal em ebulição

Vez por outra, em ciclos de erupção, emergem as lavas da paixão gremista, inundando todos os corações tricolores de um exacerbado sentimento de orgulho.

Foi assim na Batalha dos Aflitos, foi assim novamente na quinta-feira passada, quando os gremistas de todos os quadrantes do planeta se encheram de júbilo pela goleada surpreendente e merecida do Grêmio sobre o Figueirense.

Havia gremistas que telefonavam do Oriente Médio para congratular-se com os gremistas daqui, ansiosos por uma confraternização à distância que lhes matasse a saudade.

Havia gremistas em várias outras partes do mundo que, assim que conheceram a goleada pela internet, foram tomados de um desvario cívico tanto pela goleada quanto pela assunção do time de Celso Roth à liderança do campeonato.

Foi mais uma noite iluminada pelas labaredas da paixão gremista.

A goleada do Grêmio seria apenas o primeiro resultado fenomenal da semana passada.

O segundo viria com a espantosa derrota do Internacional sob o Ipatinga, uma bomba arrasa-quarteirão sobre o futebol gaúcho.

Uma vitória colorada sobre o lanterna do campeonato era o resultado óbvio, o mais esperado por todos os observadores.

E veio a derrota do Internacional, gelando os torcedores colorados.

Eu já vi este filme na Libertadores do ano passado e na campanha do Grêmio em 2007: o time de Mano Menezes ganhava todas no Olímpico e não vencia nenhuma fora de casa.

O Internacional tem 96% de aproveitamento nos jogos do Beira-Rio e péssima campanha nos jogos fora de casa.

Isso se dá quando a torcida é melhor que o time. Cria-se um ambiente no Beira-Rio, como se criava no Olímpico no ano passado, em que tudo fica propício na atmosfera do estádio para uma ótima produção do time local, que no entanto murcha quando se distancia de sua torcida.

Um dia, os psicólogos ainda vão explicar esse fenômeno, embora ele se enquadre na lógica de que a grande maioria de pontos obtidos em qualquer campeonato se verifica nos jogos dos clubes mandantes.

O Grêmio surpreende, mas já não surpreende tanto. É que estão decorridos 40% do campeonato até agora.

Ou seja, esta liderança do Grêmio não pode ser encarada como uma sazonalidade. É verdade que a ponta de cima está embolada, que ainda faltam 60% do campeonato a serem disputados.

Mas o Grêmio se inscreve como um dos candidatos ao título, basta que ele venha a manter a regularidade de até agora e que nenhum dos seus escudeiros revele melhora fulminante nas próximas 10 rodadas.

Mas o Grêmio mostra solidez na sua liderança. E acima de tudo, com as vitórias sobre o São Paulo no Morumbi e sobre o Figueirense no Estreito, demonstra que preenche um dos pressupostos básicos para chegar ao título: ganhar fora de casa.

O Internacional gasta cinco ou seis vezes mais que o Grêmio para sustentar o seu time.

Incrivelmente, o Grêmio tem sete pontos de diferença sobre o Internacional no campeonato. Já no ano passado, quando o Internacional ostentava o título de campeão mundial, o Grêmio, para surpresa geral, chegou na frente do Inter no Brasileirão.

Não será isso um detalhe revelador de que, até mesmo pela superioridade amassante do Inter sobre o Grêmio no aspecto financeiro, os dirigentes gremistas são mais capazes que os dos tradicional rival?


28 de julho de 2008
N° 15676 - Luiz Antonio de Assis Brasil


Palavras (37)

Raridades - Muita palavra nos falha, quando temos certeza de possuí-la, gravada em nossa memória para sempre. Não são palavras raras; são: Dedal, Padiola, Visco. Essas palavras são nossas inimigas. Falham-nos.

Numa gentilíssima compensação, a memória oferece-nos Alabastro, Rádica, Pérgola.

Sinônimos - Em épocas perdidas da Humanidade, na invenção da linguagem, as palavras eram tão poucas, tão necessárias, que o seu esquecimento poderia significar a morte.

Para o homo sapiens, esquecer a palavra "Tigre", quando a fera vinha em seu encalço, era o mesmo que ser devorado. Saber a palavra "Tigre" era adquirir certo domínio sobre o tigre, certa ascendência, certa dignidade salvadora.

Com o desenvolvimento da civilização, as palavras multiplicaram-se como cogumelos, enriqueceram suas possibilidades semânticas, projetaram-se num abismo de significados banais. A dignidade única da palavra foi substituída pela degradação dos sinônimos. Se isso possibilitou a poesia, também fez surgir a mentira, que foi causa dos grandes impérios.

É mais acertado repetir uma palavra do que aviltar-se à busca de um sinônimo, que nunca o será.

As coisas só podem ser ditas de um modo. Retábulo, por exemplo.

Sinais - Maravilhou-se, o primeiro homem a escrever uma palavra. Com a alma em chamas e incapaz de mais nada, esse homem passou a escrever por toda a vida a mesma palavra. O xamã declarou-o possuído pelos demônios da noite.

Os espeleólogos, antropólogos e arqueólogos, milênios depois, não conseguem entender um conjunto de sinais repetido em certas cavernas.

Gramática - As palavras escritas na superfície de um papel, se deixadas nas silenciosas trevas da gaveta, acabam se comunicando, concertando sua sintaxe, tais como os melões postos na carroça.

Depois de alguns dias criam novas realidades, que surpreendem a nós, que as escrevemos. Depois de um ano há, ali, um escrito completamente novo.

Publicá-lo como nosso é, sempre, uma fraude.

Escritos - A melhor literatura é a feita por aquela jovem que diz ao professor: "Mestre, aqui está o que escrevi. É péssimo. Dá-me a impressão de que foi outro que escreveu".

Esse Outro é ela mesma. É o Outro que está nela, de existência tão literária que a faz pensar que nela habita alguém diferente de si.


28 de julho de 2008
N° 15676 - Luis Fernando Verissimo


"Stufo", "annoiato", "stanco"

A operação "Mãos Limpas" da Itália mantém seu prestígio como exemplo para outros países ao mesmo tempo que Berlusconi, seu alvo maior, ou pelo menos símbolo maior do que combatia, mantém seu poder.

O continuado sucesso de Berlusconi desmente o sucesso da "Mãos Limpas". A faxina, afinal, não funcionou. Que exemplo é esse?

Mas mesmo fracassando - ou parcialmente fracassando, já que se não pegou o capo deu uma boa espanada na política italiana - a "Mãos Limpas" ficou como manifestação de uma sociedade finalmente se declarando cansada, "stufa", "annoiata", "stanca" de tantos anos de corrupção e impunidade.

Valeu menos pelo que realizou do que pelo sentimento que representou. E que persiste, mesmo com toda a frustração com as sobrevidas políticas do Berlusconi.

No Brasil o espírito das mãos limpas inspira promotores, delegados e juízes em ações esporádicas contra uma tradição de corrupção e impunidade decididamente italiana, também movidos por um engulho nacional.

E a frustração é a mesma. Talvez porque a gente, como os italianos, tenha uma outra tradição antiga, a da resignação a nós mesmos, à convicção de que não podemos ser diferentes, que não temos jeito.

E assim, entre indignação insatisfeita e desânimo atávico, vamos também fazendo nossa higiene pela metade, nossos banhos de assento inconclusivos.

E temos uma incorrigível tendência a mudar de assunto - tudo para adiar uma limpeza de verdade. Nos escândalos em curso se pensaria que o foco de toda a investigação e de toda a indignação fosse aquela cena de mandados do Daniel Dantas oferecendo dinheiro a um delegado da Polícia Federal para maneirar com o patrão.

Por uma dessas mágicas brasileiras o foco pulou para o Protógenes, o juiz, o Gilberto Carvalho e a cabeleira do Cacciola. Não temos jeito mesmo.

Mas a frustração tem seu lado bom. O sentimento de estar "stufo", "annoiato" e "stanco" com tudo isso aumenta enquanto a resignação diminui. Pouco a pouco, vamos nos tornando menos italianos. Inclusive os italianos.

O ator Daniel Dantas pode fazer o que ninguém se lembrou de fazer no passado. O ator Richard Burton morreu sem interpretar, na tela, o explorador e escritor Richard Burton. Nunca pensaram na atriz Elizabeth Taylor para o papel da escritora Elizabeth Taylor.

O ator Daniel Dantas, com uma boa maquiagem, pode muito bem interpretar o banqueiro Daniel Dantas no cinema. Só precisa esperar para saber como acaba esta história. Se com o banqueiro herói ou vilão, comédia ou drama.

domingo, 27 de julho de 2008


JOSÉ SIMÃO

Buemba! Batman em BATMAIS!

Só falta ter batida da PF na Acrópole! Tragédia grega! E Protógenes é nome de proctologista!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Rumo a Pequim! Sabe como se diz "estou perdido" em chinês? Ú ómi Lula! TÔ PERDIDO! Ú ÓMI LULA!

E sabe por que o Lula tem inveja do camelo? Porque aí ele teria dois buchos: um pro churrasco e outro pra cachaça. Rarará!

E o batbabado da semana: o Batman bateu na mãe! Então é o BATMÃE! Esse filme tá zicado: o Coringa morreu de overdose e o Batman bateu na mãe.

O Batman bate recorde, bate na mãe e bate na irmã, como é o nome do filme? BATMAIS! E como disse um amigo meu: "Alguma coisa essa mãe fez!".

Rarará! Diz que ela botou a fantasia do Batman na lavadora e a fantasia encolheu justo na sunga! E sabe o que o Batman faz quando pensa no Robin?

Pega o batmóvel, vai pra batcaverna e bat uma! Rarará! E morcego já é uma coisa esquisita. Pela evolução, morcego transa até com a sogra. Por isso que transmite raiva. Rarará!

E eu recebi a foto de uma clínica com três Ferrari e dois Porsche estacionados. CLÍNICA DE AUMENTO DE PÊNIS. Ou seja, ter Ferrari ou Porsche não é tudo! Ou é sintoma! E diz que o índio foi pro cartório trocar de nome.

"Como é seu nome?" "Grande Nuvem Azul que Leva Mensagem Para o Mundo." "E quer mudar pra que nome?" "E-MAIL"! E por causa do Dantas, acaba de sair um novo tipo de habeas corpus.

HABEAS MIOJO! Habeas corpus instantâneo. Três minutos e um copo d'água. Rarará! E diz que o Lula entrou com um novo pedido no Supremo: HABEAS COPUS! Rarará! E os vendedores de bilhete da Loteria Federal estão reclamando.

Quando eles gritam "Olha a Federal! Olha a Federal!", sai todo mundo correndo! Rarará! E a Operação Solta-e-Agarra? Tá ficando muito erudita. Olha essa: "Heráclito processa Protógenes".

Não tá dando mais pra minha língua: Heráclito, Protógenes, habeas corpus, Satiagraha.

Só falta ter batida da PF na Acrópole! Tragédia grega! E Protógenes é nome de proctologista! Por isso, foi afastado: pra parar de enfiar o dedo em fiofó de banqueiro.

Já imaginou o Lula dizendo "Heráclito processa Protógenes"? "Heráfito pocessa Potrógenes"!

Potrógenes é potro em grego! É mole? É mole, mas sobe! Ou, como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece.

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Oportunista": companheiro que trabalha no Opportunity. O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

simao@uol.com.br

DANUZA LEÃO

Os verdadeiros heróis

E mais duro é pensar que quando uma dessas crianças nos pede um trocado, a gente passa direto, sem nem olhar

AQUI BEM perto de casa, num lugar onde eu passo toda hora, tem um vendedor ambulante com um tabuleiro, onde são vendidos todo o tipo de docinhos.

Tem brigadeiro, de ovos caramelados, outros com nozes picadinhas em cima, enfim, todos aqueles de aniversário de gente rica -e são uma delícia. Sabe quanto custa cada um?

Um real. Aí, eu fico pensando: tem a mulher que faz os doces, e o material: os ovos, o açúcar, o chocolate granulado, as nozes, e ainda o papelzinho de celofane em volta de cada um.

Um filho ou um amigo sai provavelmente lá do subúrbio, toma um trem, depois um ônibus, paga as passagens, monta sua mercadoria na Visconde de Pirajá e lá fica o dia inteiro, vendendo seus docinhos.

Mas este vendedor tem que almoçar, tem que ir ao banheiro; como é que ele faz? E se não vender todos, volta para casa com o que sobrou?

E se vender, quanto deve ganhar em cada um? Um nada, claro; a R$ 1 cada um, o lucro não pode ser muito alto, até porque a quantidade de docinhos não é tão grande assim.

Como é que eles fazem? Como é que fazem as pessoas muito pobres? Fui comprar outro dia um colírio na farmácia e paguei R$ 25. Gente pobre também tem conjuntivite, dor na coluna, tosse, resfriado. Se uma criança cai, tem que botar mercúrio cromo, Band-aid.

O lucro dos docinhos não deve dar para essas mínimas coisas que precisamos comprar a toda hora e nem estou falando de comida.

Aquela sandalinha de borracha que se usa para ir para a praia não chega a ficar gasta e já damos para a empregada. A deles já está fininha, de tanto ser usada. E quando faz frio?

E quando a criança cresce e a camiseta não serve mais? E o olhar dessas crianças desejando um brinquedo, o mais modesto deles, e não podendo ter? É duro pensar nessas coisas.

E mais duro ainda é pensar que quando uma dessas crianças nos pede um trocado, a gente passa direto, sem nem olhar, tantas elas são, até para não ter que abrir a bolsa, tirar a carteira e dar R$ 5 que não nos fariam a menor falta.

É duro pensar nas coisas que a gente deixa de fazer por negligência, preguiça, e nas quais não pensamos nem tomamos o menor conhecimento, sobretudo pelo hábito de ver isso acontecer o tempo todo, em cada esquina. É duro, pensar que somos assim.

E quando a empregada nos pede um dinheiro adiantado, R$ 50, R$ 100, e que no fim do mês temos a coragem de descontar, "para que elas não abusem", R$ 100 que se gasta comendo um sushi ou comprando uma sombra de olhos e um batom, não dá vergonha?

Por coisas como essas e muitas mais, por mais que nossa vida esteja correndo bem, tem algo lá dentro que aperta o coração, que não se identifica, que não se sabe o que é, mas que nos impede de ser totalmente felizes -a não ser que se seja um Daniel Dantas ou um Naji Nahas.

Qual será o lucro da mulher que faz os docinhos? E o dos ambulantes que vendem panos de prato na porta dos supermercados, do pipoqueiro na porta do cinema, do homem que vende coco na praia?

Quanto será que eles conseguem ganhar por mês para sustentar mulher e dois filhos? Sabe o que eu acho? Que são uns heróis. E nós, francamente, nem sei o que somos.

danuza.leao@uol.com.br