sábado, 28 de fevereiro de 2009



01 de março de 2009
N° 15894 - MARTHA MEDEIROS


Querer entrar

O filme O Curioso Caso de Benjamim Button é bem elaborado e tem algumas cenas para constar do rol das inesquecíveis, mas é uma história tão surreal que merecia uma direção mais amalucada e divertida, a exemplo do espírito do conto de Scott Fitzgerald que lhe deu origem. E Brad Pitt poderia ter se esforçado mais, dá a impressão de que entregou o papel nas mãos do maquiador e do computador.

Ou seja, me pareceu um bom filme, mas não me tocou. A verdade é que continuo preferindo histórias dolorosamente reais e enxutas, a exemplo de Foi Apenas um Sonho, o meu candidato ao Oscar, se ao Oscar ele tivesse concorrido.

Belo casal mora numa bela casa com um belo jardim e belos filhos. O marido está adaptado à rotina, mas a mulher arrasta correntes. Sente-se uma estrangeira dentro da própria vida. Queria ser alguém especial, e não apenas mais uma como as outras, com um destino facilmente presumível: repetir os dias.

Em determinado momento do filme, um diálogo rápido e cortante resume seu estado de espírito. Ao se abrir com o vizinho a respeito desse seu vazio inquietante, ele se mostra compreensivo: “Eu entendo. Você queria sair dessa, não?”. Ela responde: “Eu queria entrar!”.

É o toque de mestre do diretor Sam Mendes, que mais uma vez acerta a mão ao tratar sobre o desespero de se deixar engolir pelo caminho mais fácil: viver a vida de todo mundo.

Kate Winslet, excelente no papel da dona-de-casa entediada que sonha em ser atriz e morar na França, inverte o lugar-comum com essa sua resposta inesperada. Vivendo um cotidiano aparentemente perfeito, ela não está dentro do jogo - está fora. Não está enquadrada - está vivendo à margem. Sua intuição diz que a vida acontece no imprevisto, na mudança, no movimento, nos mergulhos culturais, na troca de ideias, estando em trânsito, e não estacionada.

Ela está presa do lado de fora. Não precisa sair, já foi “saída” pelo comodismo, já está expulsa do seu paraíso imaginário, lá onde ela não seria mais uma, ao menos não a seus próprios olhos.

Pode dar a impressão que ela é a antenada do casal, e ele (Leonardo DiCaprio, extraordinário, colocando Brad Pitt no bolso) é o careta, o conformado, mas não é bem assim. A questão não se trata de quem sonha mais alto. A questão é: você está dentro?

Não interessa se a porta que você escolheu abrir te leva pra uma casa no meio do mato, para a movida madrilenha, para um ashram na Índia, para um farol numa ilha desabitada ou para uma cobertura em Nova York – são apenas cenários, enquanto que o dilema a ser resolvido em nossas vidas está no roteiro: você está satisfeito com a condução do seu personagem?

Se avaliar sua própria história até aqui, dá pra dizer que era esse o filme que você sonhava participar? Sente-se confortável no seu papel, seja ele qual for?

Então está dentro.


01 de março de 2009
N° 15894 - PAULO SANT’ANA


Pizza em zona de guerra

Considero que um dos direitos civis básicos é receber em casa pizza por tele-entrega.

Uma das maiores invenções da civilização é, além do motoboy, o serviço de delivery, você em casa pode receber a sua pizza ou qualquer outra comida, o remédio da farmácia etc.

Pois acreditem se quiserem, inúmeras pizzarias estão se recusando a fazer tele-entregas em bairros de Porto Alegre, alegando falta de segurança para seus entregadores.

Quem mora nos bairros Jardim Leopoldina e Rubem Berta, por exemplo, arrisca-se a não receber pizza em casa, em face de os dois bairros, além de outros bairros adjacentes, serem considerados pelas pizzarias como zonas de alta insegurança.

A que ponto chegamos, muitas vezes as pessoas deixam de sair para jantar fora, receando a insegurança das ruas, pedem pela tele-entrega a pizza, que é recusada pelo motivo de que o autor do pretendido pedido mora em zona onde há muitos assaltos, o que poderia colocar em risco o entregador.

Dizem-me que o mesmo já acontece em ruas em torno do Morro de Santa Tereza e em alguns locais do Partenon.

Recebi muitas reclamações de pessoas que moram dentro do Jardim Leopoldina e do Rubem Berta ou em zonas vizinhas.

E me sensibilizo com seus protestos por entender que dessa forma é agredida sua cidadania.

Essas pessoas são discriminadas em seus direitos.

Na faixa da negociação, não seria o caso das pizzarias cobrarem uma taxa acessória para fazer entrega nesses locais que julgam perigosos?

As pizzarias cobrariam uma “taxa de insegurança” e poderiam assim entregar os produtos.

Mas, por outro lado, não seria uma forma de colocar em risco a vida dos entregadores em troca apenas da recompensa através da taxa?

Uma leitora, que não quis se identificar, alegou que defronte à sua casa nunca ocorreu qualquer assalto, como então pode a pizzaria classificar o lugar onde mora como inseguro?

Eu calculo que a rua onde mora a leitora não seja insegura, porém o trajeto que o entregador tem de percorrer até chegar à sua residência mostra índices expressivos de assaltos.

Fico pensando que na marcha que vai a insegurança das ruas, qualquer dia as pizzarias vão ter de usar carros-fortes para realizar suas tele-entregas.

E o cliente que for receber em casa a pizza por uma fresta do carro-forte, por onde passará também o dinheiro, deverá ter a cautela de usar colete à prova de balas.

A Rudder, por exemplo, uma das melhores empresas de segurança privada, poderia criar o segmento-pizza, que consistiria na tele-entrega do alimento em quaisquer recantos da cidade, mediante um séquito de seguranças e veículos protetores do ato de entrega das pizzas nas residências.

Parece que estou vendo aquele batalhão precursor de batedores, seguido do carro-forte, invadindo a vila ao toque de sirenas.

E todo o mundo perguntando na vila: “O que houve? Outro assalto?” E a resposta: “Não, a entrega de uma de atum e outra de calabresa.”

Só agora encontro explicação para um anúncio que li estes dias em ZH-Classificados: “Tratar diretamente com o proprietário. Vende-se casa nova, com dois pisos, uma garagem com três vagas, churrasqueira, em rua do bairro onde circula livremente qualquer serviço de tele-entrega”.


01 de março de 2009
N° 15894 - MOACYR SCLIAR


Carro abandonado

Na frente do prédio onde moro há um carro abandonado, um velho Fiat preto. Está ali há muito tempo, coberto de poeira, os pneus vazios. Não olhei dentro, mas o rádio, se existia, provavelmente foi roubado.

Carros abandonados não são raros em Porto Alegre e nas cidades grandes em geral. A menos que estejam estacionados em local proibido, ou a menos que algum morador tome alguma providência a respeito, dificilmente chamarão a atenção, e assim continuarão por algum tempo, ou por muito tempo, no lugar em que foram deixados.

Há uma história atrás desses carros abandonados. Ou muitas histórias. Pode ser um veículo roubado que foi deixado ali, sem que ninguém avisasse o proprietário. Mais provavelmente, porém, foi este que renunciou ao seu carro. Por quê?

A gente pode imaginar um jovem que, com muito sacrifício, comprou um veículo usado, transformando o sonho em realidade. Ali está ele, ao volante, dirigindo feliz pelas ruas da cidade. Um dia, porém, o carro estraga. Numa rua, longe de onde ele mora, o motor apaga e não liga mais, o que, claro, não é de estranhar num veículo antigo, precário.

O rapaz chama o mecânico, que depois de um sumário exame, abana a cabeça: os problemas são vários, o conserto custará um dinheirão - que o rapaz não tem. Mas que espera conseguir, talvez arranjando um bico, talvez fazendo hora extra, talvez ganhando na loteria - afinal, um dia a sorte tem de lhe sorrir. Mas não sorri.

E enquanto isso, o carro fica ali, ao sol, à chuva, ao vento, ao sereno da noite, esperando pacientemente que o socorro um dia chegue. Mas não há jeito de o jovem proprietário conseguir a grana. Dia sim dia não ele vai até a rua em que o carro está estacionado; passa a mão sobre o teto do veículo, remove um pouco das folhas e da poeira, murmura baixinho: “Eu não te abandonei, amigo, eu não te abandonei, eu continuo fiel”.

Mas mesmo essa fidelidade um dia acaba. Acaba, ou porque o rapaz não suporta ver o seu adorado carro naquela situação lamentável, acaba porque a vida continua, a vida com suas inesperadas mudanças. Ele pode, por exemplo, ter mudado de cidade, uma coisa que acontece muito.

E, nesta mudança talvez sua sorte tenha melhorado, e melhorado bastante. Talvez ele agora ganhe um bom dinheiro; poderia pagar o conserto mencionado pelo agourento mecânico, mas não o fará: a esta altura já esqueceu do veículo abandonado, que já deve ter sido rebocado há muito tempo pela EPTC.

Além disso, a prosperidade (estamos falando numa época que precede a atual crise) permitiu-lhe comprar outro carro, novo e flamante. Troca inevitável, afinal as pessoas trocam de namorada, de cônjuge, de curso, de emprego, por que não trocariam de carro, uma coisa tão fácil de fazer, segundo os anúncios da tevê? Tem um novo carro, sim. Tem uma nova vida. O passado ficou para trás.

Um dia, agora em seu novo e confortável apartamento, ele abre uma gaveta cheia de coisas velhas, sem serventia – e lá encontra um molho de chaves. Por um momento olha aquilo sem entender, e então dá-se conta: são as chaves de seu antigo automóvel, aquele que um dia ele deixou numa rua qualquer.

Por um momento sente nostalgia, remorso, até; ele, que tinha jurado não abandonar o seu carro, agora nem reconhece as chaves que usou durante todo o tempo. Eu não valho nada, pensa, com um amargo sorriso.

Mas o seu mal-estar dura apenas um momento. Logo em seguida, com um suspiro, joga as chaves no cesto do lixo. O carro abandonado é capítulo encerrado. Como tantos outros capítulos de uma história que nem sempre faz sentido.


UM OUTRO FINAL PARA OS CONTOS DE FADAS
Claudia Sanzone

Sempre achei que os contos de fadas terminam com um desfecho desconfortante: “... e foram felizes para sempre.” Fico pensando na pobre da criança que se ilude com a idéia despreocupada de que o término da cada historinha determina o início de uma eternidade sem adversidades e sofrimentos. Um dia ela cresce e vai se dando conta de que a vida real não é exatamente assim.

Lá no mundo da fantasia, até pode ser que os personagens vivam essa tal felicidade que começa e se eterniza no fim de cada narrativa. Um mundo mágico, então. Mas os personagens são de carne e osso. Enquanto estão em cena, falam como nós, pensam e sofrem como qualquer mortal. Se nós não conseguimos ser felizes para sempre, eles também não poderiam, ora!

O que não faz sentido é tentar combinar uma ficção possível com um depois que não tem nada a ver. Dá a impressão de que o autor já achou que fez mais do que sua obrigação e resolve acabar o conto assim, de má vontade, como se estivesse apressado para fazer alguma outra coisa. Aí solta um “e foram felizes para sempre” e pronto, missão cumprida.

Francamente, que falta de respeito com os leitores pueris!

O “Era uma vez...” é outro motivo de inconformação minha. Parece que há uma preocupação tão grande com o desenrolar, com o miolo da história, que certos contistas infantis não se esforçam para trabalhar com um pouquinho mais de apreço o início de seus contos.

Concordo que era uma vez não deixa de ser uma frase de efeito e que tenha até a função de pedir a atenção do pequeno ouvinte ou do leitor mirim, só que de uma forma mais delicada. Tudo bem. Dou a braço a torcer e absolvo o era uma vez, então.

Mas com o foram felizes para sempre eu não me conformo, não tem jeito. Deve haver uma maneira de se tratar com mais respeito as imaginaçõezinhas que foram tão fiéis, tão minuciosamente atentas a cada passagem da história contada.

Apesar da pouca idade, qualquer criança sabe que a vida não se resume a um episódio. A consciência de que um fato sucede outro e de que o mundo é formado por um cordão interminável de histórias que se emendam já existe na mente dos pequenos.

Não é justo deixar a criatividade infantil à deriva, com a pobreza desse chavão tão batido. Seria muito mais digno se a finalização seguisse um modelo, digamos, mais “viniciano” – que tão bem soube traduzir a transitoriedade do amor: “... e foram felizes provisoriamente, porque o amor só é eterno enquanto dura, posto que é chama”.


Assim, eu assino

O contrato de divisão de bens vira garantia de paz negociada para casais em união estável e, em sua versão sem compromisso, é usado até por namorados que não pensam em passar disso

Juliana Linhares - Stefan



Os advogados especializados em direito de família adoram repetir a piadinha: enquanto dura o casamento, só se fala "meu bem"; quando ele acaba, só se fala em "meus bens". A eterna e desgastante disputa pela divisão do patrimônio quando o casal se separa vem sendo amenizada pelo recurso dos contratos que as duas partes assinam naquela fase em que falam um para o outro, muito antes de pararem de falar um com o outro.

Os contratos podem ser feitos antes do casamento, mas são especialmente procurados por homens e mulheres unidos sem papel passado, que moram juntos ou levam notória vida em comum, no que se qualifica juridicamente como união estável. A advogada Priscila Corrêa da Fonseca, conhecida especialista em direito de família, calcula que 30% das pessoas que a procuram em seu escritório em São Paulo estão interessadas em um documento do gênero, tornado possível desde a implantação do atual Código Civil, em 2003.

Uma das mudanças mais importantes no código foi estabelecer que casais que moram juntos sem ser casados estão obrigatoriamente sujeitos ao regime de comunhão parcial dos bens, ou seja, compartilham meio a meio tudo o que construíram depois da união.

Com a ressalva: o regime pode ser modificado por "contrato escrito entre os companheiros", uma medida que favorece a livre escolha, sem a camisa-de-força da divisão automática de patrimônio. "A maior parte dos casais que resolvem assinar um contrato de união estável opta pela separação total dos bens, em que cada um sairá com o que adquiriu antes e durante o casamento.

Mas a lei dá brecha para uma infinidade de acordos. Há parceiros, por exemplo, que fazem a divisão levando em conta a proporcionalidade do salário de cada um. Se o parceiro contribui com 20% dos gastos da casa, é essa a porcentagem que lhe caberá na partilha em caso de separação", explica Adriano Ryba, da Associação Brasileira dos Advogados de Família (Abrafam).

A maior procura pelo contrato de união estável parte de homens viúvos ou divorciados, especialmente os que tiveram problemas de partilha no primeiro casamento. "Muitos dos meus clientes perguntam: e se ela não quiser assinar o contrato? Eu respondo: separe-se, porque ela está atrás do seu dinheiro", ensina Priscila.

Outro especialista na área, o capixaba Gustavo Bassini, exemplifica como a hesitação é sinal de segundas intenções: "Certa ocasião um casal veio ao meu escritório para assinar o acordo. Na hora H, a mulher saiu para fumar um cigarro e nunca mais voltou". Símbolo de relação civilizada no presente e garantia de tranquilidade no futuro, o contrato tem um problema óbvio, a ideia embutida de que uma das partes tem receio de ser explorada financeiramente e de que a outra possa se dispor a isso.

O ideal é que ambos os lados concordem espontânea e concomitantemente com a sua assinatura. Na ausência desse milagre, exige-se um mínimo de inteligência emocional para abordar o assunto sem provocar estragos. "Sempre digo, por exemplo, que o homem nunca deve vir ao escritório, elaborar um contrato e levar o documento pronto para a mulher assinar. Ela, com razão, vai se sentir muito mal", orienta o advogado de família Luiz Kignel, de São Paulo.

No mundo teoricamente mais objetivo dos advogados, a experiência profissional ajuda no campo pessoal. Adriano Ryba, 28 anos, conta que quando foi dividir o teto com a namorada usou em proveito próprio o que pratica no escritório e assinou um contrato. "Fomos morar juntos para fazer um test-drive de casamento. Ficamos um ano assim e, nesse período, fizemos um contrato", diz.

Apesar da descrição algo técnica, ele incluiu no documento cláusulas menos materiais: "Comprometemo-nos a ficar juntos em caso de doença, a ser fiéis, a nos respeitar e amar. Também prometemos que nunca haveria violência física ou psicológica entre nós". Eventualmente, casaram-se no papel, mas "o pacto de separação total de bens permaneceu", diz Ryba, numa atitude que considera característica de "pessoas evoluídas, que conseguem prever um eventual fim da relação".

Aos menos evoluídos, as facilidades práticas permitidas pela assinatura do contrato de união estável podem constituir um incentivo. Se registrado em cartório (o que não é obrigatório no caso da divisão de bens), o documento é aceito para inclusão de dependente em convênios médicos e clubes, além de facilitar a liberação de seguro de vida, em caso de morte de um parceiro.

"A tendência das famílias hoje é que sejam geridas pelo afeto, e não pela regulamentação do estado ou da igreja. Daí o contrato ter se disseminado, principalmente na classe média", diz Bassini. Foi essa, exatamente, a motivação do estagiário William Farnum, 26 anos, ao propor o contrato a sua mulher, a farmacêutica Josiane Loureiro, da mesma idade.

"Ao contrário de mim, ela tem renda fixa, além de apartamentos e carros que foram presentes do pai. Eu quis mostrar a ela e a sua família que, em caso de separação, não ia querer nada disso", diz Farnum. A secretária Nair Hubner, 38 anos, usou argumentos menos elevados para propor o documento ao novo parceiro. "Eu e ele viemos de casamentos com parceiros que, na separação, nos levaram quase tudo. Agora, apesar do amor, temos também um pé atrás", justifica.

A procura pelo contrato de união estável nos escritórios de advocacia resultou num inesperado filhote jurídico: o "contrato de intenções recíprocas", que vem a ser um documento entre namorados que não querem passar disso. Nele, os dois deixam claro que não vivem em união estável, não estão interessados em constituir família e são independentes financeiramente. "Hoje em dia, a diferença entre namoro e união estável é muito tênue. Namorados viajam juntos, dormem juntos e, eventualmente, compram bens.

Esse contrato serve para, lá na frente, em caso de separação, impedir o reconhecimento de uma união estável retroativa", explica Priscila. "

A sociedade vai inventando novos sistemas de casamento e a Justiça vai se adaptando, para abrigar a todos sob o manto da lei", resume Kignel. Ou, pelo menos, amenizar aquela hora muito pouco civilizada em que uma parte só pensa em sair da relação, nem que seja com a roupa do corpo, e a outra conspira para que aconteça exatamente isso.



Ilustrações Orlando

Ronaldo França e Silvia Rogar, do Rio de Janeiro -Fotos Giberto Tadday e Oscar Cabral

UM MENINO E DOIS PAÍSES

Mãe brasileira foge para o Rio com o filho que teve com um americano, casa-se de novo, morre – e o garoto? Volta para o pai nos EUA? Fica com o padrasto no Brasil? O caso está virando um enrosco diplomático entre os países


ELES DOIS QUEREM SEAN

Goldman, que mantém o quarto de seu filho Sean intocado há mais de quatro anos, e a criança na companhia do seu padrasto em Búzios, no litoral do Rio: oito viagens ao Brasil e acusações até de doença degenerativa e incapacitante

As paredes são pintadas de um azul claro, assim como o teto de meia-água. A janela é ampla, o quarto é bem iluminado e tudo está no lugar: os brinquedos de pelúcia sobre a cama, os livros na pequena estante de TV, os sapatos alinhados ao rodapé, as roupas penduradas no cabide.

Só o aquário não tem peixes, mortos durante um corte de energia elétrica. "Quero que fique tudo como estava quando ele foi embora", disse David Goldman, na quarta-feira passada, ao receber VEJA em sua casa, em Tinton Falls, no estado de Nova Jersey, referindo-se ao filho, Sean, que foi levado pela mãe há quatro anos e meio para o Brasil.

Na mesma Quarta-Feira de Cinzas, Sean estava em Búzios, no litoral do Rio de Janeiro, onde passou o Carnaval numa luxuosa casa de frente para o mar, na companhia de familiares. Nestes últimos quatro anos e meio, pai e filho viram-se apenas uma vez, há menos de um mês, e somente por algumas horas, na área externa de um condomínio residencial no Rio e sob a vigilância de um psicólogo. "Nossos laços não se desfizeram", constatou Goldman, rememorando o encontro. "Ele ainda é o meu menino." Será?

A disputa pela guarda de Sean Bianchi Goldman é uma história talhada para um filme. Começou com um caso de amor no glamoroso mundo da moda em Milão e está virando um crescente desconforto diplomático entre Brasil e Estados Unidos. Em 1997, o americano David Goldman vivia em Milão como modelo, esbanjando sua estampa em 1,86 metro de altura e 80 quilos. Conheceu a brasileira Bruna Bianchi, bonita e culta, que estudava moda. Apaixonaram-se, mudaram-se para Nova Jersey.

Ela engravidou, casaram-se em 1999 e Sean nasceu em 25 de maio de 2000. Na aparência, viviam uma vida feliz. Mas algo ia mal. Em 16 de junho de 2004, Goldman levou mulher, filho e sogros ao aeroporto para embarcar para curta temporada no Rio, como faziam de vez em quando.

"Indo para o embarque, ela se virou para mim e fez nosso gesto de ‘eu te amo’. Posso vê-la fazendo isso." Bruna nunca mais voltou. Do Rio, ela ligou dizendo que o casamento acabara e que Goldman só reveria Sean se, entre outras condições, lhe desse a guarda definitiva do filho. Goldman relembra: "A voz dela estava estranha. Era metálica, sem emoção".
Jonathan Ernst/Reuters

DEMORA É CRUEL



Amorim e Hillary, na semana passada: eles tocaram
no caso, mas com os punhos de renda

A guarda da criança caiu no emaranhado jurídico, mas um capítulo trágico mudou tudo. No Rio, Bruna casou-se de novo, com o advogado João Paulo Lins e Silva, do clã que há um século produz medalhões do direito.

Em 22 de agosto passado, ao dar à luz Chiara, sua única filha com Lins e Silva, Bruna morreu em decorrência de complicações do parto. Com isso, em quatro anos, a vida de Sean atravessou um turbilhão dramático: foi levado do pai americano, perdeu a mãe brasileira, ganhou uma meia-irmã e, num lance surpreendente, teve sua guarda concedida ao padrasto.

Temendo que Goldman pudesse pegar o filho de volta com a morte de Bruna, Lins e Silva, seis dias depois do falecimento da mulher, pediu à Justiça a guarda do menino alegando "paternidade socioafetiva". Com agilidade incomum, a Justiça atendeu a seu pedido no mesmo dia. Goldman aterrissou no Brasil dez dias depois. Chegou certo de que, como pai biológico, levaria o filho de volta. Descobriu que a guarda havia sido concedida para Lins e Silva.

Além dos contornos dramáticos, a história tem mistérios. Um deles: por que Bruna tomou uma decisão tão radical como a de sequestrar o próprio filho do pai? Bruna entrou no Brasil com autorização de Goldman para ficar com o garoto até 18 de julho de 2004.

Depois dessa data, a permanência da criança no Brasil passou a violar a Convenção de Haia, que versa sobre sequestro internacional de crianças por um dos pais. Por que fez isso? "Ela nunca reclamou de nada da nossa vida", diz Goldman. Mas é óbvio que alguma coisa ia mal. A família de Bruna, que não fala publicamente do caso porque corre sob segredo judicial, tem insinuado que Goldman é um aproveitador. Enquanto eram casados,

Bruna sustentava a casa dando aulas de italiano, e a vida sexual do casal era um deserto. Goldman nunca pediu para ver o filho e não atendia a seus telefonemas. Ávido por dinheiro, pegou 150 000 dólares em troca da retirada do nome dos ex-sogros do primeiro processo. Não tem renda nem emprego fixos. É portador de uma doença degenerativa, o que o impede de cuidar da criança.

Goldman diz que as acusações vão da mentira à manipulação. Diz que é mentira que não tivessem vida sexual, que não atendia às ligações do filho ou que não pediu para vê-lo. Afirma que esteve oito vezes no Brasil com esse objetivo.

Confirma que fez acordo de 150 000 dólares, para poder enfrentar as despesas da batalha jurídica pelo filho, e não para vender sua guarda. "Com advogados em dois países, custas processuais e viagens internacionais, ele já gastou mais de 300 000 dólares", contabiliza seu advogado no Brasil, Ricardo Zamariola Junior. Goldman não tem emprego ou renda fixa, mas não vive no ócio. Faz bicos como modelo e corretor imobiliário e tira seu sustento com passeios turísticos de barco na costa de Nova Jersey.

Cobra 600 dólares por seis horas. Sua agenda para o verão está tomada. Por fim, a doença de que é portador, a síndrome de Guillain-Barré, mata apenas de 3% a 5% dos pacientes. Goldman já passou por uma crise que o deixou semanas no hospital, mas ele se recuperou sem sequelas. A seu favor, há o fato de que tudo isso pode ser motivo para uma mulher pedir o divórcio do marido, mas nada disso justifica tirar do pai o direito de conviver com seu filho.

Ou justifica? Até aqui, a Justiça brasileira tem entendido que Sean já está adaptado ao seu novo meio. Com base nisso, o juiz Gerardo Carnevale Ney da Silva assinou sentença em que deu a guarda definitiva do menino à mãe em 2006. O juiz Carnevale é figura central no caso. Além da guarda para Bruna, ele lhe deu o divórcio em 2007 e, em agosto passado, concedeu a jato a guarda provisória do garoto ao padrasto.

Consultado, falou: "O que posso dizer é que decisões nas varas estaduais levam em conta interesses da criança, não dos pais". Depois da morte da mãe, Sean passou a morar com os avós maternos, a meia-irmã e o padrasto num condomínio de luxo no Jardim Botânico, na Zona Sul da cidade. Divide as manhãs entre aulas de basquete e jiu-jítsu.

Estuda à tarde na Escola Parque, colégio frequentado pela classe média alta carioca, e tem sessões de psicoterapia. A Convenção de Haia, espinha dorsal dos argumentos de Goldman, prevê que a criança sequestrada seja devolvida ao país de origem imediatamente. Mas também prevê que, depois de um ano, há que se levar em conta a adaptação da criança.
Gilberto Tadday



A VIDA NUM TURBILHÃO

Bruna, Sean e Goldman, em visita à Disney, e uma foto recente em que Sean aparece com a meia-irmã, Chiara

"Depois de tanto tempo, deve-se considerar o que será melhor para o menino", diz William Duncan, secretário-geral adjunto da Conferência de Haia em direito internacional privado. Sean parece bem adaptado. Chama Lins e Silva de pai com naturalidade e leva uma vida de qualidade material muito superior à da imensa maioria das crianças brasileiras.

Mas sua adaptação só teve tempo de sedimentar-se devido à tradicional demora da Justiça brasileira – e não porque seu pai não o quis de volta. Goldman acionou a Justiça americana. Ganhou, mas não levou. Será justo deixá-lo sem o filho? Quando o caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça, dois ministros,

Ari Pargendler e Carlos Alberto Direito, tocaram no ponto fulcral: a permanência do garoto no Brasil é o sequestro continuado de uma criança. "O que estamos fazendo ao admitir que a consolidação da situação, de fato, pelo tempo, impede o retorno?", perguntou-se Direito. "Estamos admitindo que qualquer pessoa possa burlar a Convenção de Haia, retirando o filho do país de origem, e aqui permanecer debaixo de um processo que pode ser moroso." Os dois foram voto vencido.

Na batalha pelo filho, Goldman acionou deputados e senadores americanos, e está conseguindo mobilizar o governo e a opinião pública americana em favor de sua causa. Em março, quando o presidente Lula estiver em Washington para visitar Barack Obama, haverá protesto em frente à Casa Branca. Na semana passada, em encontro com a secretária de Estado, Hillary Clinton, o chanceler Celso Amorim ouviu um pedido para agilizar o assunto.

Amorim respondeu que o governo brasileiro fará o melhor, mas que o caso corre na Justiça. Em resumo: a diplomacia se mexeu, mas usa aqueles mesmos punhos de renda que levam anos para produzir resultado. Isso é aceitável quando se discute um acordo comercial ou um novo tratado, mas é uma crueldade quando se trata da vida de uma criança.


Adrian Pope - REDESCOBERTA

Por que os brasileiros estão fascinados pela Índia

O Brasil rende-se aos encantos da religião, da estética e do modo de vida indianos. Mas o que há por trás deles?



Kátia Mello e Martha Mendonça. Colaboraram Luís Antônio Giron e Danilo Soares

Os brasileiros se encantam com as tradições milenares indianas, das belas roupas, como o sári, às diferentes práticas religiosas do hinduísmo, como a meditação e a ioga

O Brasil descobriu a Índia. Na novela, no cinema, na moda, multiplicam-se as evidências de que o Brasil, assim como o resto do mundo, encantou-se com esse país que combina uma das mais antigas civilizações do planeta a uma das sete maiores economias do mundo. Na semana passada, o longa-metragem indiano Quem quer ser um milionário? ganhou oito estatuetas do Oscar.

Rodado em Mumbai, maior metrópole do país, o filme teve um orçamento de US$ 18 milhões e a bilheteria mundial já atingiu US$ 100 milhões. Ele conta a história de um garoto que sai da favela e torna-se um astro da televisão para poder casar-se com a moça que ama. É uma fábula do Terceiro Mundo com final feliz. O filme estreou na semana passada no Brasil, engrossando a onda indiana criada pela novela Caminho das Índias, da Rede Globo.

Assim como o filme, a novela tem no centro da trama o amor romântico. Desta vez, em torno de um triângulo: a filha de uma família tradicional hindu é prometida a um jovem da mesma casta de comerciantes. Mas ela vive um amor proibido por outro jovem, de uma casta inferior. Seu noivo também não está feliz com o arranjo. Em viagem ao Brasil, ele se apaixonou por uma jovem carioca, que não consegue compreender por que os dois não podem ficar juntos.

A novela e o filme apresentam aos brasileiros um mundo que eles desconhecem quase inteiramente, mas pelo qual demonstram grande interesse. A cultura espiritual indiana, que deu ao mundo o budismo, a ioga e o pacifismo de Mahatma Gandhi – para ficar em três exemplos –, tem sido consumida no Brasil com avidez.

A atriz Juliana Paes, protagonista de Caminho das Índias, afirma que, depois de um mês de filmagens no país, tornou-se mais paciente e passou a praticar ioga. “Minha família é toda espírita, e um dos preceitos do espiritismo é a resignação, você aceitar a cruz que carrega”, diz ela.

Há nesse sentimento um eco da tradição conformista do hinduísmo. Para a carioca Paula Saboya, é o sagrado da cultura da Índia que traz encantamento. “A religiosidade e o simbolismo presentes viram nossa mente pelo avesso porque dão sentido à vida, aos acontecimentos”, afirma. Paula tem 42 anos e passou seis meses na Índia estudando ioga.

Em 2000, Paula Ornelas, outra carioca, tinha 25 anos quando resolveu fazer uma viagem à Índia entre seu mestrado e seu doutorado em física experimental. Acompanhada de amigos, visitou um ashram, espécie de comunidade espiritual, de Sai Baba, um dos mais cultuados gurus indianos.

“Eu era uma cientista cética, mas sempre fui extremamente curiosa”, diz Paula. “Minha vida se transformou completamente. Tudo o que eu via e ouvia dava sentido a minha existência”. A viagem de três semanas se transformou numa estada de dois meses. Ela largou a universidade, a bolsa de pesquisas e um namoro de cinco anos. Depois de várias viagens à Índia,

Paula Ornelas chegou a se casar com um indiano com quem veio para o Brasil. Hoje, separada, ela é professora da filosofia vedanta, oriunda do hinduísmo. Para ela, essa cultura trouxe outro jeito de pensar e agir. “Sempre tento entender o outro, as diferenças. Sou mais tolerante e tenho mais capacidade de aceitação do que acontece comigo”, diz.

A religiosidade e a forma de entender o mundo dos indianos fascinam os brasileiros, mas não é só isso. “Somos nostálgicos de muitos valores que a cultura indiana reverencia: o respeito à vida, aos mais velhos, a sede de instrução, a força dos valores éticos e tantos outros”, afirma Glória Perez, autora de Caminho das Índias.

Os indianos, assim como outros povos orientais, agem e pensam em grupo e têm a família como seu eixo principal. Pelos seus costumes, a família é responsável pelos casamentos e por pesquisar os antecedentes do futuro pretendente. O hábito é comum mesmo entre indianos e seus descendentes que vivem em países distantes.

Para seguir a tradição, Karuna Daswani, relações-públicas, de 26 anos, filha de indianos e que nasceu no Brasil, pretende se casar com um indiano. “Não sei se me casaria com um brasileiro. Minha família por parte de pai é muito tradicional e não permitiria”.

O entendimento dos costumes e da religião também pesa na decisão. Além de ser indiano, o futuro marido deve pertencer à mesma casta – no caso de Karuna, a sindhi.

Cada casta tem hábitos e orações diferentes. “Se eu escolher um sindhi para me casar, meus avós podem pesquisar a família do futuro marido com mais facilidade. Se for de outra subcultura, as informações são mais fechadas, e o casamento às vezes nem é aceito”, diz.


28 de fevereiro de 2009 | N° 15893
N° 15893 - A CENA MÉDICA | MOACYR SCLIAR

Saúde e educação: o binômio indissociável

A volta às aulas, na próxima semana, oportuniza uma reflexão sobre um tema que, no Brasil, sempre é atual: a correlação entre nível educacional e saúde. Dizer que quanto maior o nível educacional melhores as condições de saúde parece uma coisa óbvia;

mas muita gente não tem ideia de como, e de quanto, a educação pode condicionar o destino das pessoas em termos das doenças a que estão sujeitas. Escola e saúde formam hoje um binômio indissociável, e boa parte dos avanços verificados nos indicadores de saúde resultam da atuação da rede de ensino.

É uma coisa que começa desde a infância. Se tomarmos dois grupos de mães, um com baixa escolaridade e outro com escolaridade avançada, verificaremos que – independente das condições de renda! – mães com menor escolaridade tendem a ter mais filhos, e também têm mais filhos prematuros e com baixo peso. Estas gestantes consultam menos no período pré-natal, e, nas crianças a que dão a luz, a mortalidade infantil é bem maior.

Em termos de estilo de vida, a associação também é óbvia. As pessoas de menor escolaridade representam 71% do universo de fumantes existente no Brasil. Um total de 34,6% dos fumantes é de analfabetos ou de pessoas que estudaram até a 4ª série do Ensino Fundamental; 21% completaram o Ensino Médio e apenas 7,4% têm curso superior.

Em relação ao sedentarismo, trabalhos feitos no Brasil mostram que quanto maior a escolaridade, maior é a prática de atividade física. Uma pesquisa em Campinas mostrou que o consumo de álcool de maior risco (capaz de levar a acidentes e doenças) é mais elevado no segmento populacional de escolaridade inferior.

Um trabalho realizado aqui no sul do Brasil mostrou que, entre mulheres, quanto menor é o nível de escolaridade, maior é a chance de obesidade (o que, obviamente, está ligado a uma inadequada escolha alimentar).

Às vezes o problema do déficit educacional vem de longe. Um estudo feito com populações pobres nos Estados Unidos mostrou que filhos de pais com baixa escolaridade tinham piores condições de saúde.

Mais: americanos idosos, com escolaridade precária, tinham mais doenças e menor qualidade de vida. E o nível educacional também influi na sobrevivência após um ataque cardíaco, conforme um estudo da Mayo Clinic.

Poderíamos citar muitos outros exemplos cientificamente comprovados. Não é necessário: a esta altura já é ponto pacífico que uma boa escola é condição básica para melhorar os níveis de saúde. E é, felizmente, uma tarefa que muitos professores vêm cumprindo com entusiasmo. Eles vestiram a camiseta da saúde. O que renova as esperanças dos brasileiros.


28 de fevereiro de 2009
N° 15893 - PAULO SANT’ANA

Estamos sendo roubados!

Eu e todos os meus leitores somos pessoas muito azaradas.

Em primeiro lugar, somos brasileiros e pagamos pela gasolina e pelo óleo diesel os preços mais caros do mundo.

Em dólares, os norte-americanos pagam pela gasolina e pelo diesel preços muito mais baratos que no Brasil. Isso que o salário mínimo nos EUA é dez vezes maior que no Brasil.

É ou não é azarado quem vive no Brasil e paga pela gasolina o que nenhum vivente de outra qualquer parte do mundo paga? Todos os seres do mundo e todas as nações pagam mais barato pelos combustíveis do que nós, os consumidores brasileiros, pagamos todos os dias para fazer andar nossos carros, ônibus e caminhões.

Consequentemente – e pode algum desavisado não perceber – pagamos mais caro pelas passagens de ônibus e por todos os 90 mil itens que compõem o consumo nacional.

Tudo fica mais caro por causa dos preços dos combustíveis. Tudo.

Por isso é que causa alarma que o governo não reduza o preço dos combustíveis e deixe assim, neste momento de grave crise econômico-financeira mundial, de aquecer a economia, criando mais empregos e riquezas mediante queda nos preços dos combustíveis, altamente propícia no momento em que o preço internacional do barril de petróleo caiu em 70% nos últimos meses.

Bom, então está provado o nosso azar, meus caros leitores e leitoras: nós somos brasileiros.

Mas não para por aí o nosso azar: acontece que somos gaúchos. E pagamos aqui na Grande Porto Alegre, em média, R$ 2,58 pelo litro de gasolina.

Há lugares do interior gaúcho em que a gasolina é cobrada em torno de R$ 3.

Mas aqui na Grande Porto Alegre está em torno de R$ 2,58.

Mas vejam o nosso azar: na Grande Curitiba, o preço médio do litro de gasolina é de R$ 2,38.

Pasmem, mas a diferença entre os que nós gaúchos pagamos pelo preço da gasolina e o que pagam os paranaenses é de exatos R$ 0,20.

Ou seja, os paranaenses pagam por um tanque de gasolina de 60 litros menos R$ 12 do que nós gaúchos.

Isso é caso de polícia. Nós pagamos R$ 12 a mais por tanque de gasolina do que se cobra no Paraná.

É um roubo! E ninguém explica a razão. Não tem explicação. Nós temos refinaria aqui na Grande Porto Alegre, então por que somos espoliados dessa forma?

Se fosse o caso do álcool, ainda teria uma justificativa, ele também é muito mais barato no Paraná que aqui no RS.

Mas aí se diz que é por causa do transporte, o álcool vem de São Paulo e o Paraná é mais próximo da origem que o Rio Grande.

Mas e a gasolina, que não tem transporte mais distante, que sai da refinaria aqui em Canoas, por que a gasolina é R$ 0,30 mais barata por litro em Curitiba? Por quê?! Por quê?!

Não estou nomeando os autores deste roubo tonitroante. Mas estou afirmando que somos roubados numa proporção colossal.

Por isto é que anos sobre anos a cesta básica mais cara do Brasil é a gaúcha.

É ou não azar nosso, meu, dos meus leitores, dos gaúchos, pagar mais caro, infinitamente mais caro pela gasolina do que os paranaenses?

Que azar, além de sermos brasileiros, somos gaúchos. Como brasileiros, pagamos mais caro pela gasolina do que pagam todos os outros povos do planeta, inclusive os norte-americanos, em dólar.

E como gaúchos pagamos por um tanque de gasolina, só por um tanque, de R$ 10 a R$ 12 a mais que os paranaenses.

Isto é um roubo inominável?

Protesto em nome dos gaúchos!


28 de fevereiro de 2009
N° 15893 - CLÁUDIA LAITANO

Burn, burn, burn

Em uma cena clássica do filme Frankenstein (1931), uma multidão enfurecida caminha com tochas na mão em direção ao esconderijo do monstro – interpretado nesta versão por Boris Karloff – gritando “Burn, burn, burn” (queime).

A cena, que virou uma espécie de clichê de filmes de terror nas décadas seguintes, é uma das ilustrações mais eloquentes da força maligna que pode tomar conta de uma aglomeração de pessoas quando elas se deixam embalar pela raiva coletiva – sem que cada uma se dê ao trabalho de pensar individualmente antes de adotar a posição da maioria. Frankenstein era feio, grandalhão e esquisito. Uma criança apareceu morta.

Alguém pensou que era óbvio quem era o assassino. Daí para a fogueira era questão de marchar alguns passos e gritar uma única palavra de ordem: “Queime”. Pelo menos nesta versão da história de Mary Shelley, o monstro de parafusos no pescoço e testa larga morre tão inocente quanto perplexo.

Multidões ensandecidas não foram inventadas ontem, mas o fato de que atualmente milhões de pessoas estão conectadas nas mesmas fontes de notícias (e boatos) ao mesmo tempo criou um imenso potencial de “burn, burn, burn”. Antes que alguém pare para perguntar se alguma testemunha viu Frankenstein esganando a menina já existe uma comunidade no Orkut propondo que ele seja torrado vivo o quanto antes em praça pública.

A reviravolta no caso da brasileira que disse ter sido atacada por skinheads na Suíça mostrou um curioso bailado da multidão rumo a uma condenação em bloco antes que os fatos tivessem sido devidamente analisados.

Primeiro, seguindo a versão inicial de Paula Oliveira e atacando a polícia suíça. Depois, condenando a advogada sem saber as exatas circunstâncias do caso. O curioso é que nem mesmo as idas e vindas do triste episódio são capazes de acender a luz vermelha da ponderação. Quando a manada estoura para um lado, não é fácil ficar parado ou seguir o rumo contrário.

Multidões em ação podem proporcionar cenas de profunda emoção. Um Maracanã lotado cantando o Hino Nacional é capaz de comover até um turista chinês. O Carnaval de Recife e Olinda, que eu conheci este ano, revela-se muito mais grandioso e surpreendente quando você vê de perto os rostos das pessoas que, na televisão, são apenas cabecinhas aglomeradas no meio da avenida.

A multidão encanta quando a causa que une seus integrantes multiplica a alegria, a festa, o sentido de cidadania ou cumpre a função de reivindicar direitos que, exigidos individualmente, talvez não tivessem a mesma força e visibilidade. Mas a turba também se engana e às vezes toma para si funções que não são suas, mas da Justiça – que também erra, mas pelo menos é obrigada a cumprir certos rituais que, quando tudo dá certo, desembocam em uma análise mais racional dos fatos.

Uma bela frase do poeta inglês John Donne, do século 16, inspirou o romance Por Quem os Sinos Dobram, de Hemingway: “Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.

Em tempos de informação rápida demais, globalizada demais – e às vezes analisada de menos – é cada vez mais importante aprender a não pensar como manada. Exatamente para não abrirmos mão do que nos torna parte do gênero humano, e não ilhas.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009


JOSÉ SIMÃO

Ueba! Traveca não é biodegradável!

As travecas são assim: voz de Pato Donald e corpo escultural. O SUS devia cobrir fonoaudiologia!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! E como disse um amigo meu: "Agora que acabou o Carnaval, não vou fazer mais nada nesse restinho do ano". E o que vou fazer nesse restinho do ano?

Vou me mudar pra Bahia pra pegar o restinho do Carnaval. Rarará!

E a crise? Uma amiga minha que tem loja no shopping recebeu tanto cheque sem fundo que estendeu a faixa: "O CHEQUE NÃO COMPENSA!". E um outro foi demitido, mas disse que não está desempregado. Está apenas como o celular dele: temporariamente fora de serviço.

E diz que o Lulalelé é tão otimista que tá sendo chamado de síndico da ilha da Fantasia! E uma amiga minha voltou do carnaval da Bahia grávida de um Filho de Gandhi! Ela vai ter um filho do Filho de Gandhi.

Então ela vai ter um neto de Gandhi! E dizem que os oito Oscars pro "Quem Quer Ser um Milionário?" são lobby da Glória Perez! Já imaginou o Márcio Garcia num programa de perguntas e respostas?

Peço ajuda aos universitários, peço ajuda aos dalits e peço ajuda aos meus cachorros! Gala Gay na Rede TV!. A diferença entre o Nelson Rubens e a Hebe é que a Hebe tem joias. Rarará! E a Monique Evans é mais travesti que todas as travestis juntas.

As travecas são sempre assim: corpo escultural e voz de Pato Donald. O SUS devia cobrir fonoaudióloga junto com mudança de sexo. Rarará! E o monte de silicone? Sendo que silicone não é biodegradável. Ou seja, traveca não é biodegradável! E adoro os nomes: Pâmela Power, Suellen Evans e Tamara Taylor.

E tinha uma peruana operada. Ingrata! Desaforada! Nasceu no Peru e não assumiu o próprio. E todas trabalham em Zurique ou Milão. Onde você mora? Miláááno! Onde você trabalha?

Milááááno! E toda traveca responde que é uma mulher na alma. E a Monique Evans é uma traveca na alma! É mole? É mole, mas sobe! Só daqui a 40 dias. O pingolim tá de Quaresma!

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heroica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês. É que em Belém do Pará tem uma padaria que estendeu a faixa: "Precisa-se amassador profissional"! Rarará! Mais direto, impossível.

Viva o antitucanês. Viva o Brasil! E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Animal racional": companheiro que come ração!

Rarará! O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno! E vai indo que eu não vou!

simao@uol.com.br

CLÓVIS ROSSI

Maçanetas e dignidade

SÃO PAULO - Volto a uma história contada pelo velho sábio que habitava esta Folha. Uma vez, ele perguntou a um governador biônico, seu amigo, porque gostava tanto de ser governador.

Resposta: "Ah, meu caro, você não sabe como é bom passar quatro anos sem precisar nem sequer pôr a mão na maçaneta da porta" (não havia reeleição naquela época; imagine a delícia agora que o cidadão passa oito anos tendo sempre um "aspone" para cuidar da delicada tarefa de abrir portas).

Na verdade, não são apenas governadores (ou prefeitos ou presidentes) que gozam das benesses de ter casa, comida e roupa lavada enquanto exercem o cargo. Deputados e senadores também, embora em menor escala. É natural, por isso, que políticos em geral tenham uma ideia apenas virtual de como é abrir uma porta, para não mencionar verdadeiras dificuldades.

Essa distância só é quebrada, infelizmente, em caso de tragédia, como a que acaba de ocorrer com David Cameron, líder do Partido Conservador britânico, que, se a eleição fosse hoje, seria o substituto de Gordon Brown como primeiro-ministro, dizem as pesquisas. Cameron perdeu o filho Ivan, de seis anos, vítima de um tipo raro de epilepsia. Humanizou-se em consequência, tanto no trato que lhe dedicou a mídia local como o mundo político.

A questão é saber se a humanização irá adiante ou, como escreve o jornal "The Times", se "seu partido, informado pela experiência do que é depender tão pesadamente do Serviço Nacional de Saúde [público], mudará a Grã-Bretanha?".

Posto de outra forma: os políticos, de direita ou de esquerda, entenderão que a grande maioria da população, no Reino Unido como no Brasil, é obrigada a pôr a mão na maçaneta da saúde pública e que, por isso, ela deveria abrir a porta para a dignidade?

crossi@uol.com.br

ELIANE CANTANHÊDE

Além dos escândalos

BRASÍLIA - Ao longo de 2008, as 20 comissões permanentes da Câmara dos Deputados, as especiais e as CPIs ouviram 2.505 depoimentos sobre os mais variados assuntos, teoricamente, de interesse nacional.

Pesquisadores, médicos, professores, economistas, empresários, policiais e líderes sindicais, de diferentes igrejas e de movimentos de mulheres, gays, negros.

É de comissões, debates e personagens assim que surgem novas leis como as do transplante, do airbag, da CNTBio (a comissão técnica de biossegurança), de arte, de cultura, de educação, de esportes. Muito pouca gente, porém, vê, ouve, comenta ou participa desses debates, soterrados pelos escândalos.

Dizia-se que o Congresso funcionava como uma cidade, com seus 513 deputados e 81 senadores, milhares de funcionários, centenas de jornalistas, dezenas de visitantes por dia e uma profusão de lobbies e pressões, às vezes legítimas, em outras nem tanto.

A "caixa de ressonância da sociedade". Mas, na prática, o Congresso não se respeita mais nem é mais respeitado. Em vez de leis inclusivas, oferece castelos tão mais concretos quão menos declarados no IR.

Bons funcionários são tragados, os "peixes" nadam de costas, e renovação política não há. São sempre os mesmos nos mesmos postos, com as mesmas promessas vazias e os mesmos interesses, que se estendem pelo Executivo. O exemplo do momento, entre tantos, é o milionário fundo de pensões de Furnas, disputado a tapa.

Os líderes da resistência e os guerreiros das comissões têm de sair da toca e gritar, como o deputado Fernando Gabeira, agora meu colega de página às sextas-feiras.

Você pode não acreditar, mas eles existem, como existem bons temas, bons debates e boas leis em gestação. O problema é que eles (e os temas, os debates e as boas leis) cada vez são menos e têm menos visibilidade. Estão perdendo a guerra. Junto com eles, perde o país, perdemos todos nós.

elianec@uol.com.br


27 de fevereiro de 2009
N° 15892 - PAULO SANT’ANA


Alarma falso

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os réus têm direito de permanecer em liberdade enquanto a decisão condenatória não se tornar definitiva.

Houve um clamor nacional, compreendendo a opinião pública e o mundo jurídico, contra a decisão do Supremo.

Todos alegavam que os presídios ficariam vazios, que os homicidas violentos, os estupradores e autores de outros crimes hediondos seriam libertados e que a decisão só beneficiaria réus que pudessem pagar bons advogados que procrastinariam os processos indefinidamente.

O alarma geral, sem que quase todos percebessem, era falso. As cadeias não vão ficar vazias nem a maioria dos criminosos será libertada.

O que o STF fez foi simplesmente afirmar o princípio da presunção da inocência, consagrado na Constituição, mediante o qual uma pessoa é considerada inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Ou seja, enquanto houver recurso às sentenças preliminares (geralmente de primeira e segunda instâncias), o réu terá direito à liberdade, até que cessem todos os recursos e se cristalize em definitivo a condenação.

O Supremo apenas quis gizar que, se houver a hipótese de que a sentença condenatória poderá ser reduzida ou modificada de qualquer modo por instância superior, inclusive pela absolvição, não é lícito manter-se preso um réu, não se pode iniciar ou fazer prosseguir a execução da prisão.

Em outras palavras, para rebater o argumento de que as sentenças finais e irrecorríveis demandam muito tempo e urge que sejam punidos com a prisão os culpados, se a polícia for lenta nas suas investigações, se os juízes são lentos no exame dos feitos, se os tribunais se tornam lentos nas apreciações dos recursos, o réu, ainda sem sentença definitiva, tem de expiar essa culpa alheia sendo mantido na prisão?

Por outra parte, enganaram-se os que pensaram que todos os réus atingidos por sentenças recorríveis iriam ser postos em liberdade: a lei garante ao juiz o direito de examinar caso por caso, mantendo preso o réu quando houver necessidade para tal.

Se o réu for perigoso e tudo indique que ele voltará a delinquir, se ele oferece risco à integridade das pessoas, se ele pode em liberdade prejudicar a produção de provas, se demonstra por alguma forma a intenção de fugir, o juiz o manterá preso até a sentença definitiva.

Sendo assim é muito largo o espectro de circunstâncias desfavoráveis para o réu ver-se solto, o juiz poderá apoiar-se nele para não conceder a liberdade, decretando ou mantendo a prisão cautelar, o que deverá acontecer na maioria dos casos em que a soltura dos réus foi considerada provável e maciça pelos que se alarmaram contra a decisão do Supremo e voltaram-se contra ela.

É bom repetir que o Supremo quis apenas resguardar o princípio da presunção da inocência, o que não significa a soltura geral dos presos provisórios.

Em suma, a decisão do Supremo só quis asseverar que não se justifica manter-se preso réu condenado que ainda depende de instância recursal no exame de mérito de sua culpabilidade ou inocência, quando não houver necessidade justificada de sua prisão.

Nada foi alterado na lei ou na jurisprudência. O Supremo só fez resguardar o direito de réus que podem vir a ser absolvidos em instância superior de solicitar que respondam ao processo criminal em liberdade, se preencherem todos os inúmeros requisitos de falta de fundamento de suas prisões.

Os presídios vão continuar superlotados.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009


JOSÉ SIMÃO

Ueba! Suzana Vieira bota ovo na avenida!

Ela pulou mais que pulga em sala de espera de veterinário. E ainda disse que o Lula a cantou!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Acabou a gandaia! O meu dinheiro virou cinzas! Agora todo mundo rebolando. Pra pagar o Carnaval! Cinco dias rebolando na avenida e um ano rebolando pra pagar o cartão!

Em Pernambuco, saiu o bloco Chupa e Faz Tudo. É o bloco do PMDB! Rarará! O Carnaval acabou! Menos na Bahia e no Recife! Que já tão pulando o Carnaval de 2010! Hoje cedo um pernambucano levantou a placa: "Faltam 364 dias pro Carnaval!". E um amigo disse que não tá de ressaca porque ainda tá bêbado!

E a Dilma de abóbora, era Carnaval ou Halloween? Aliás, a Dilma, a dona Marisa e a Marta juntas parecem os Três Porquinhos! E o Sérgio Naya, que morreu na sexta pré-Carnaval em Ilhéus?

Aí, a imprensa ligou pro IML de Itabuna, e a mulher: "Aqui não chegou corpo nenhum. E é melhor chegar logo porque eu tô indo embora". Largou o Naya na calçada e foi pro Carnaval. Rarará!

E a Bahia aderiu a mais um ritmo: o kuduro. É um ritmo angolano. Eu vi duas bibas dançando o kuduro no camarote da Band. As bibas do kuduro! Kuduro de tanto tomar mingau!

E escola de samba devia ser assim: quanto mais celebridades, mais pontos perde! Como a Ângela Bismarchi conseguiu decorar o samba-enredo?
Ou fez como jogador de futebol: finge que canta o Hino Nacional!

E passei o Carnaval assim: joguei boliche no Wii, fiz faxina embaixo da escada e assisti ao Oscar. Mais movimentado que o circuito Barra-Ondina! E a Suzana Vieira pulou tanto, mas tanto, que quase bota um ovo na avenida. Seria a manchete de Carnaval: "Suzana Vieira bota ovo na avenida"!

Pula mais que pulga em sala de espera de veterinário. E ainda disse que o Lula a cantou. Credo! É suicídio social! Diz ela que o Lula disse: "Você é a minha senhora do destino". Olha, se ela fosse senhora do destino dele, ele ainda era torneiro mecânico!

Acabou o Carnaval. Chega de bunda. Vamos encarar o Brasil de frente! É mole? É mole, mas sobe! Daqui a 40 dias.

Pingolim de quaresma! Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heroica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber um exemplo irado de antitucanês.

É que no Guarujá tem a barraca Caldo de Cana, PASTEL DO LULA! Quem vai querer comer o pastel do Lula? A Suzana Vieira?! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês.

Viva o Brasil! E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Encurralado": companheiro que passou o precioso no ralador! O lulês é mais fácil que o ingrêis. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã! Que vou pingar meu colírio alucinógeno!

simao@uol.com.br

CONTARDO CALLIGARIS

"Milk", o preço da liberdade

Para continuarmos livres, é preciso defender a liberdade do vizinho como se fosse a nossa

ASSISTINDO a "Milk - A Voz da Igualdade", de Gus Van Sant (extraordinário Sean Penn no papel de Harvey Milk), lembrei-me de um e-mail que recebi em abril de 2008. Era uma circular de www.boxturtlebulletin.com (um site sobre os direitos das minorias sexuais), que "comemorava" os 55 anos de um evento sinistro:

em 1953, Dwight Eisenhower, presidente dos EUA, assinou um decreto pelo qual seriam despedidos todos os funcionários federais que fossem culpados de "perversão sexual". Essa lei permaneceu em vigor durante mais de 20 anos: milhares de americanos perderam seus empregos por causa de sua orientação sexual.

Fato frequentemente esquecido (um pouco como foi esquecida, durante décadas, a perseguição dos homossexuais pelo nazismo), nos anos 50, no discurso do senador McCarthy, a caça às bruxas "comunistas" se confundia com a caça às bruxas homossexuais.

Por exemplo, uma carta do secretário nacional do Partido Republicano (citada na circular) dizia: "Talvez tão perigosos quanto os comunistas propriamente ditos são os pervertidos escusos que infiltraram nosso governo nos últimos anos".

Essa não era uma posição extrema: na época, a revista "Time" defendeu o projeto de despedir todos os homossexuais que trabalhassem para o governo federal.
É nesse clima que, nos anos 70, em San Francisco, Milk se tornou o primeiro homossexual assumido a ser eleito para um cargo público.

Poderia escrever sobre as razões que, quase invariavelmente, levam alguém a querer esmagar a liberdade de seus semelhantes. O segredo (de polichinelo) é que muitos preferem odiar nos outros alguma coisa que eles não querem reconhecer e odiar neles mesmos.

E poderia contar a história de Roy Cohn, braço direito de McCarthy, que morreu, em 1984, odiando e escondendo sua homossexualidade e gritando ao mundo que a causa de sua morte não era a Aids (ele foi imortalizado por Al Pacino na peça e no filme "Anjos na América", de Tony Kushner).

Mas, depois de assistir a "Milk", estou a fim de festejar o caminho percorrido em apenas meio século: o mundo é, hoje, um lugar mais habitável do que 50 anos atrás. Aconteceu graças a milhares de Harvey Milks e a milhões de outros que não precisaram ser nem homossexuais nem comunistas nem coisa que valesse: eles apenas descobriram que só é possível proteger a liberdade da gente se entendermos que, para isso, é necessário defender a liberdade de nosso vizinho como se fosse a nossa.

Nos anos 70, quase decorei a carta aberta que James Baldwin (escritor, negro e homossexual) endereçou a Angela Davis (jovem filósofa, negra e militante), quando ela estava sendo processada por um assassinato que não cometera, e o risco era grande que o processo acabasse em uma condenação "exemplar".

Baldwin lembrava as diferenças de história, engajamento e pensamento entre ele e Davis, para concluir: "Devemos lutar pela tua vida como se fosse a nossa - ela é a nossa, aliás - e obstruir com nossos corpos o corredor que leva à câmara de gás. Porque, se eles te pegarem de manhã, voltarão para nós naquela mesma noite".

Os direitos fundamentais não são direitos de grupo, eles valem para cada indivíduo singularmente, um a um. É óbvio que grupos particulares (constituídos por raça, orientação sexual, ideologia, etnia etc.) podem e devem militar coletivamente pelos direitos de seus membros, mas, em uma sociedade de indivíduos, a liberdade de cada um, por "diferente" que ele seja, é condição da liberdade de todos. Por quê?

Simples: se meu vizinho, sem violar as leis básicas da cidade, for impedido de ter a vida concreta que ele quer, então meu jeito de viver poderá ser tolerado ou até permitido, mas ele não será nunca mais propriamente meu direito.

"Milk" é um filme sobre um momento crucial na história das liberdades, mas não é um filme "arqueológico". A gente sai do cinema com a sensação renovada de que a militância libertária ainda é a grande exigência do dia. Ótimo assim.

Um amigo me disse recentemente que eu dou uma importância excessiva à contracultura dos anos 60/70. Acho, de fato, que ela foi a única revolução do século 20 que deu certo e, ao dar certo, melhorou a vida concreta de muitos, se não de todos. Acho também que suas conquistas só se mantêm pelo esforço cotidiano de muitos. Afinal (quem viu o filme entenderá), surge uma Anita Bryant a cada dia.

ccalligari@uol.com.br


LIÇÕES DO OSCAR

Faço turismo de hidroelétrica em pleno Carnaval. Observo antropologicamente as minissaias das chinesinhas paraguaias em Ciudad del Este. Leio a revista Veja para chafurdar na lama. Sou um desbravador.

Por que não ir ao cinema ver os ganhadores do Oscar em salas de shopping center fedendo a pipoca e tomadas por ruminantes com roupas de grife? Fui. Quando cheguei a Porto Alegre, há quase três décadas, assisti a 'Kramer vs. Kramer', filme ganhador de cinco estatuetas da Academia de Hollywood.

Apesar de muito jovem, tive uma iluminação: não se ganha Oscar em balaios com filme bom. Era uma ideia simples, mas que se mostrou vencedora ao longo dos anos. Filme que ganha muitos Oscars não é confiável. Garanto. Melhor ver filme iraniano, uruguaio, costarriquenho e até brasileiro. O problema é que eu sempre me contradigo.

Fui ver 'O Estranho Caso de Benjamin Button'. Vi de cara que, embora oco, não era suficientemente ruim para arrebatar muitos troféus. Voltei ao cinema para ver 'O Leitor'. Percebi que, mesmo não sendo uma obra-prima, era bom demais para fascinar as massas e os eleitores. Um prêmio, porém, estava garantido, o de melhor atriz para Kate Winslet. Afinal, como ela mesma disse, com filme sobre o holocausto o Oscar é certo.

Finalmente, impulsionado por minha ética jornalística mais profunda, saí de casa para ver 'Quem Quer Ser um Milionário?'. Depois de 15 minutos, graças à minha longa experiência acumulada desde 'Kramer vs. Kramer', eu já podia afirmar sem hesitação: que filme vagabundo! Um novelão global com ênfase mexicana e matéria-prima indiana.

Um daqueles dramalhões piegas com direito a beijo romântico no final e a uma infinidade de peripécias do gênero dois irmãos órfãos disputando ocasionalmente a mocinha, bandidos grotescos, quedas de trem, herói e heroína perdendo-se, sofrendo, apanhando e achando-se na redenção final.

Como se diz, uma história de superação. O tipo de babaquice que o americano médio adora e Hollywood consagra. Os brasileiros sempre quiseram fazer igual para ganhar o Oscar. Tentaram com 'Central do Brasil', 'Cidade de Deus' e 'Tropa de elite'. Não tiveram coragem de ir até o fim.

Pretenderam fazer novela global e arte ao mesmo tempo. Ficaram no meio do caminho. Não foram suficientemente ruins para arrancar lágrimas americanas e desencadear um consumo mundial de pipoca. Também não foram bons o suficiente para marcar época com uma estética superior.

'Quem Quer Ser um Milionário?' faz compreender a relação entre Hollywood e Bollywood. O cinema indiano para ganhar Oscar tem tudo para emplacar em Ciudad del Este. Hollywood premiou a sua capacidade de disseminar o pior pelo mundo. Não há mais diferença entre filme americano e filme estrangeiro feito para o Oscar.

A lógica é a mesma: o bem contra o mal, uma corrida de obstáculos, o espetáculo no centro da cena e, genial sacada para fechar, a vitória do amor. O Brasil não precisa morrer de inveja.

Temos Glória Perez, autora de 'Caminho das Índias', certamente a novela mais idiota da história da televisão brasileira. Eu vejo. Há uma grande vantagem. Na minha casa, a pipoca é proibida.

Estou em campanha nacional contra a pipoca em lugares públicos. Depois do cigarro, a pipoca é o novo alvo. Não quero passar a vida sendo consumidor passivo de cheiro de pipoca. Aceito ver filme de Hollywood e de Bollywood. Recuso-me a ser intoxicado pelo mal do século, a pipoca.

juremir@correiodopovo.com.br


26 de fevereiro de 2009
N° 15891 - PAULO SANT’ANA


Os carros devolvidos

Uma das piores notícias dos últimos dias mostra a face horrenda da crise econômico-financeira que o mundo vive e já se reflete no Brasil: os bancos e financeiras nacionais estão guardando já um estoque de 100 mil carros recuperados de clientes por falta de pagamento.

Estes 100 mil carros de clientes brasileiros inadimplentes significam número equivalente à metade das vendas de veículos novos no país, só para dar uma ideia da gravidade do dado.

E informam os observadores que a inadimplência no setor vem num crescendo.

Basta dizer que, de cada quatro carros de clientes inadimplentes, um apenas é recuperado pelos bancos, os outros três são alvos de negociações dos financiadores com os tomadores do empréstimo.

Os pátios dos bancos e das financeiras estão repletos de carros, o que ocasiona uma pressão inédita no mercado de veículos usados, que redunda em queda nos preços nunca antes verificada.

Essa notícia é duplamente assustadora: tanto porque reflete a brutal crise no poder aquisitivo dos adquirentes de carros, amassados pelo desemprego e outras variantes da recessão, quanto porque acarreta danos preocupantes para o sistema financeiro.

Além de influir diretamente na queda violenta da venda de carros novos, o que se sabe pode vir a ser fatal para o equilíbrio econômico brasileiro, que depende vitalmente da saúde industrial das montadoras.

Verifica-se assim no Brasil o que originou a crise mundial nos EUA: lá a população foi obrigada a entregar para as seguradoras os seus imóveis. Aqui os brasileiros estão sendo obrigados a devolver para os bancos os carros financiados por não terem as mínimas condições de adimplência.

A gente vê as ruas das cidades apinhadas de carros, engarrafamentos por todos os lados. E calculava-se que esse era um dado revelador da pujança econômica do povo.

Qual o quê! As multidões brasileiras valiam-se apenas dessa prodigiosa invenção do capitalismo, o crédito, mediante o qual se gasta, se usa ou se consome um bem antes mesmo de ter-se ganho o dinheiro equivalente a ele.

E então sobrevém a crise, o titular do financiamento perde o emprego, ou alguém de sua família perde o emprego, ou então cessam seus ganhos nos negócios ou outra atividade informal - e se topa então com a pior de todas as situações: ter de devolver o carro para o banco por falta de recursos para o pagamento das prestações.

É muito duro, é cruel, mas faz parte do sistema.

Quantas vezes se perguntou aqui e em outras partes da imprensa: onde é que está crise?

Noticiava-se sobre a crise, mas não se notava nas ruas nenhum dos seus efeitos.

Não se sabia que a crise vinha a caminho e por essa inadimplência no financiamento dos carros se vê o que já tem de gente sofrendo.

Tenho um amigo que esteve na semana passada em Nova Iorque e me disse que ficou impressionado com os aspectos visíveis da crise: lojas e restaurantes vazios em toda a cidade.

Por aqui, ainda não se verifica isso, oxalá não venha a verificar-se, mas paira a ameaça de que a crise possa vir a tornar-se aterradora.

O Banco Mundial está declarando que Brasil e Chile são os países sul-americanos menos vulneráveis à crise.

Mas estes primeiros 100 mil carros recuperados pelos bancos dos seus clientes nos dizem que não somos tão invulneráveis assim.


26 de fevereiro de 2009
N° 15891 - RICARDO SILVESTRIN


Guerreiros e guerreiras

Ainda bem que existem os franceses. Essa é a frase que termina o filme Dirigindo no Escuro, do Woody Allen. Depois de conduzir tudo cego, o diretor, que ocultava sua cegueira temporária para não perder o contrato, lança o filme cheio de imperfeições. Nos Estados Unidos, foi um fracasso.

Na França, acharam curioso e interessante. Mostra, irônica e sinceramente, como sempre tem gente no mundo que aprecia o que de melhor a arte tem pra oferecer: o desvio, o estranho.

Foram os franceses que viram a qualidade artística de Hitchcock. O cineasta disse que pensava apenas estar fazendo um produto para a indústria. Mas os franceses mostraram que criava arte. Também os franceses resgataram os teóricos da literatura que tinham sido exilados da Rússia no início do século XX. O jazz americano foi revalorizado na França.

Digo tudo isso para louvar a existência do Canal Brasil. É, paradoxalmente, o nosso canal francês. Na sua programação, o debate livre sobre o país, a ousadia de verdade e não de butique ou de ibope, a inteligência contrastando com a boçalidade dominante.

É um importante lugar de resistência, para usar uma palavra do tempo do engajamento. O deboche, o escracho, não essa apelação de alguns programas de sucesso, que, no fundo, é conservadora. O humor anárquico que tanto serviço prestou à renovação das ideias no nosso país dá o tom de algumas pérolas da programação.

A mais recente é o Larica Total. Com o ator Paulo Tiefenthaler, de calção, camiseta e chinelo, numa cozinha de apartamento pequeno, o programa dá receitas de comida para a vida real.

Entenda-se por vida real não a da dona de casa que tem tudo arrumado. Mas a dos solteiros que vivem desamparados num JK. Os guerreiros e guerreiras, como ele chama. Franceses de todas as nações, ex-Pasquins, pereios, tortos do mundo: uni-vos!


26 de fevereiro de 2009
N° 15891 - L.F. VERISSIMO


O risco

Um dos meus dezessete leitores, o Leitor Mais Atento, deve ter desconfiado que eu não estava aqui nas últimas semanas. Pelo menos o temível LMA, que nota tudo, deve ter notado que meus perspicazes, pertinentes e sempre atuais comentários sobre os fatos do mundo foram substituídos por textos sobre nada, que deixei prontos para poder viajar.

O risco deste recurso, claro, é acontecer alguma coisa como a morte de um papa na nossa ausência e o leitor estranhar a solene indiferença do colunista ao fato. Uma vez fui passar duas semanas fora do Brasil, começando com uma semana em Nova York, e deixei as colunas prontas.

Chegamos a NY num domingo e na terça-feira derrubaram as torres do World Trade Center. “O Globo” e o “Zero Hora” de Porto Alegre aproveitaram as matérias que passei a mandar de lá, mas outros jornais do país continuaram a publicar as que eu tinha deixado, sobre nada, e até poder me explicar fui visto como o jornalista mais alienado do mundo.

O lado positivo desse estratagema perigoso é que ele tem sido responsável pela minha regeneração espiritual. Cada vez que viajo e deixo colunas adiantadas, começo a rezar com fervor pela boa saúde do papa.


Correntes

Uma das razões da minha última ausência foi a participação na Correntes d’Escritas, um encontro literário que acontece todos os anos em Póvoa de Varzim, a poucos quilômetros de Porto, Portugal, e que este ano reuniu mais de cem escritores, editores, agentes e pessoas ligadas aos livros e às artes editoriais para comemorar seus 10 anos de existência.

Póvoa de Varzim, além de ser a terra natal do Eça de Queiroz, já tem esta tradição de reunir gente de Portugal, da Espanha, da América Latina e da África para tratar de literatura e conviver à beira-mar, plantados. Neste ano o time brasileiro incluía Moacyr Scliar, Luiz Antonio de Assis Brasil, Adriana Lisboa, Antonio Cícero, Amílcar Bettega, Lêdo Ivo, Daniel Galera, Eucanaã Ferraz, Ivan Junqueira, João Paulo Cuenca e eu. Dias lindos, pouco frio, e não envergonhamos a pátria.

Presságios

Não sei se é novidade, mas o que mais me impressionou no desfile das Escolas de Marcha na Sapucaí este ano foi o ativismo nas alegorias. Os figurantes, que antes ficavam nos seus lugares sobre os carros alegóricos com a única obrigação de rebolar, agora entram e saem e descem e sobem e interagem o tempo todo com o cenário e com o pessoal do chão. Acabou a folga das estátuas vivas.

Fora isso, nada nos desfiles prenunciava a crise que se aproxima. Me perguntaram se o luxo das escolas não lembrava, na sua ostensiva indiferença, a maus presságios, o último baile da Ilha Fiscal. A analogia é boa, mas não é exata.

O baile simbolizou o fim de um regime que não se reconhecia em crise, de um carnaval inconsciente. O que as Escolas de Marcha, porque aquilo não é samba, repetem todos os anos é que as crises vêm e vão e os presságios sempre são ruins, mas não interessa. Interessa é brilhar.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009


FERNANDO RODRIGUES

2009, enfim

BRASÍLIA - Trata-se de uma idiossincrasia bem brasileira. O ano só começa depois do Carnaval. Não é uma verdade absoluta, mas no exercício do poder e da política leva-se o costume ao paroxismo, com as exceções de praxe.

O Congresso parou de trabalhar em meados de dezembro. Exceto pela aprovação de uma lei sobre airbags, deputados e senadores se consumiram na micropolítica disputando quem mandaria no Poder Legislativo. Em resumo, serão mais de dois meses de férias.

No Judiciário, STF e TSE não terão sessões nesta semana. É uma tradição a serviço da depauperação da imagem das instituições.

Na política, o hábito macunaímico de o ano começar depois do Carnaval está inscrito na Constituição, embora de forma indireta.

Quando um presidente da República é eleito, a posse se dá no dia 1º de janeiro. Já os novos deputados e senadores assumem suas cadeiras em 1º de fevereiro, um mês depois.
Como sempre falta pouco para o tríade momesco, o Congresso só vai funcionar lá para março.

A assimetria entre as posses do presidente e dos congressistas é um dos piores arranjos possíveis na administração pública. O titular do Planalto assume querendo colocar em prática seus planos e ideias.

Olha para o outro lado da praça e avista um amontoado de deputados e senadores em final de mandato. Perdem-se, com sorte, dois meses até haver alguma harmonia entre Executivo e Legislativo.

Quando surge a litania sobre reforma política e administrativa, é raro alguém mencionar a necessidade de uma regra simples como a coincidência das posses. Muito menos se fala em restringir a 30 dias anuais o período de férias ou recesso para deputados, senadores e juízes.

Num momento de crise econômica como o atual, a medida teria caráter exemplar. Mas seria esperar demais dessa turma.

frodriguesbsb@uol.com.br

MARCELO COELHO

O luxo e o seu contrário

É de Joãosinho Trinta a frase: o povo gosta é de luxo, quem gosta de miséria é intelectual

É COMUM topar com um bocado de demagogia nos comentários, falados e escritos, a respeito dos desfiles de Carnaval. Mas reconheço que há também demagogia do lado oposto. Sempre se pode obter apoio dirigindo hostilidades contra o Carnaval -com as quais me solidarizo. Não é só que os desfiles sejam chatíssimos e intermináveis, pelo menos nas transmissões pela TV.

Tudo me parece também incompreensível, grotesco, e nem consigo ver onde está a alegria dos passistas e dos destaques.

Quando a câmera os focaliza de perto, vejo pessoas exaustas, de olhar esgazeado, com sorrisos que parecem caretas, como se aquele entusiasmo todo também fosse feito de silicone.

Tenho o mesmo tipo de reação com os desfiles de moda: as coisas mais ininteligíveis, arbitrárias e descombinadas se festejam como grandes lances estupendos de criatividade e ironia.

O descompasso entre o que vejo e o que se diz é tão grande, que termino por me interessar; gosto, pelo menos, quando alguém me explica alguma coisa.
Comprei, assim, um belo e caro livro dedicado à história dos Carnavais de Joãosinho Trinta. Chama-se "O Brasil É um Luxo" e foi patrocinado por uma grande empresa das telecomunicações.

Organizado por Fábio Gomes e Stella Villares, traz colaborações de uma grande comissão de frente, da qual fazem parte o coreógrafo Ivaldo Bertazzo, o pintor Rubens Gerchman e meu vizinho na Ilustrada, Carlos Heitor Cony.

Cony conta ter conhecido Joãosinho Trinta em 1956, quando este era bailarino do Teatro Municipal do Rio. O futuro carnavalesco tornou-se em seguida cenógrafo, e se com ele a cultura erudita foi "canibalizada" nos desfiles de escola de samba, é interessante notar que também se deu o caminho inverso.

O diretor de teatro e cinema Franco Zeffirelli estava no Rio de Janeiro para montar a "Traviata", de Verdi, e Cony teve a ideia de levá-lo para ver um desfile de Joãosinho Trinta. "Zeffirelli surtou", escreve Cony, e refez toda a montagem, incorporando a influência do carnavalesco.

Só essa história já daria um belo enredo de Carnaval.

É atribuída a Joãosinho Trinta a famosa frase segundo a qual povo gosta é de luxo, e quem gosta de miséria é intelectual. Isso pode não ter mudado muito, mas um adendo se faz necessário. Intelectual gosta de miséria, mas adora repetir essa frase, e passou a gostar de Joãosinho Trinta.

Pelo menos, depois do histórico desfile da Beija-Flor em 1989, quando mendigos, ratos, urubus e muito lixo apareceram no sambódromo.
Para nada dizer dos conflitos de Joãosinho Trinta com o clero mais conservador do Rio de Janeiro.

O que se vê no livro, além da previsível quantidade de fotografias nesse tipo de edição de luxo, é o desenvolvimento de um debate político muito peculiar, e sem dúvida intenso, ao longo da carreira de Joãosinho Trinta.

Hiram Araújo, carnavalesco de uma escola rival na década de 1970, conta de modo interessante os atos, digamos, de "resistência" protagonizados por Joãosinho Trinta durante o regime militar.

A Beija-Flor fazia enredos bem ao gosto dos governantes da época. Enalteceu o Mobral em 1973 e nos anos seguintes desfilou com "Brasil, Ano 2000", e "Grande Decênio". Contratado pela escola, Joãosinho Trinta varreu dos enredos esse tipo de coisa.

Já tinha, por outro lado, comprado sua briga com parte da esquerda, que era tão avessa quanto o regime militar ao emprego de temas "não-brasileiros" nos enredos de Carnaval. Joãosinho Trinta mostrou, em 1975, um desfile sobre as minas do rei Salomão, tema que só passou por ter alguma ligação com o Brasil porque se enfiou na história a tese de que as riquezas da Amazônia eram o verdadeiro tesouro do personagem bíblico.

Eis um caso em que o delírio, o absurdo, a tal "criatividade popular e espontânea" que tanto se elogiam, e que tanto me incomodam nos desfiles de Carnaval, parecem ser a resposta mais lógica e racional para os absurdos e delírios da própria realidade.

Uma outra frase de Joãosinho Trinta, reproduzida no livro, merece ser destacada aqui. Diz ele: "Ninguém tem o direito de dizer não ao absurdo". Mas, pelo que pude aprender do livro, talvez tenha sido esse "não ao absurdo" o que Joãosinho Trinta expressou, ironicamente, nos momentos mais marcantes de sua carreira.

coelhofsp@uol.com.br

MARCELO COELHO

O luxo e o seu contrário

É de Joãosinho Trinta a frase: o povo gosta é de luxo, quem gosta de miséria é intelectual

É COMUM topar com um bocado de demagogia nos comentários, falados e escritos, a respeito dos desfiles de Carnaval. Mas reconheço que há também demagogia do lado oposto. Sempre se pode obter apoio dirigindo hostilidades contra o Carnaval -com as quais me solidarizo. Não é só que os desfiles sejam chatíssimos e intermináveis, pelo menos nas transmissões pela TV.

Tudo me parece também incompreensível, grotesco, e nem consigo ver onde está a alegria dos passistas e dos destaques.

Quando a câmera os focaliza de perto, vejo pessoas exaustas, de olhar esgazeado, com sorrisos que parecem caretas, como se aquele entusiasmo todo também fosse feito de silicone.

Tenho o mesmo tipo de reação com os desfiles de moda: as coisas mais ininteligíveis, arbitrárias e descombinadas se festejam como grandes lances estupendos de criatividade e ironia.

O descompasso entre o que vejo e o que se diz é tão grande, que termino por me interessar; gosto, pelo menos, quando alguém me explica alguma coisa.
Comprei, assim, um belo e caro livro dedicado à história dos Carnavais de Joãosinho Trinta. Chama-se "O Brasil É um Luxo" e foi patrocinado por uma grande empresa das telecomunicações.

Organizado por Fábio Gomes e Stella Villares, traz colaborações de uma grande comissão de frente, da qual fazem parte o coreógrafo Ivaldo Bertazzo, o pintor Rubens Gerchman e meu vizinho na Ilustrada, Carlos Heitor Cony.

Cony conta ter conhecido Joãosinho Trinta em 1956, quando este era bailarino do Teatro Municipal do Rio. O futuro carnavalesco tornou-se em seguida cenógrafo, e se com ele a cultura erudita foi "canibalizada" nos desfiles de escola de samba, é interessante notar que também se deu o caminho inverso.

O diretor de teatro e cinema Franco Zeffirelli estava no Rio de Janeiro para montar a "Traviata", de Verdi, e Cony teve a ideia de levá-lo para ver um desfile de Joãosinho Trinta. "Zeffirelli surtou", escreve Cony, e refez toda a montagem, incorporando a influência do carnavalesco.

Só essa história já daria um belo enredo de Carnaval.

É atribuída a Joãosinho Trinta a famosa frase segundo a qual povo gosta é de luxo, e quem gosta de miséria é intelectual. Isso pode não ter mudado muito, mas um adendo se faz necessário. Intelectual gosta de miséria, mas adora repetir essa frase, e passou a gostar de Joãosinho Trinta.

Pelo menos, depois do histórico desfile da Beija-Flor em 1989, quando mendigos, ratos, urubus e muito lixo apareceram no sambódromo.
Para nada dizer dos conflitos de Joãosinho Trinta com o clero mais conservador do Rio de Janeiro.

O que se vê no livro, além da previsível quantidade de fotografias nesse tipo de edição de luxo, é o desenvolvimento de um debate político muito peculiar, e sem dúvida intenso, ao longo da carreira de Joãosinho Trinta.

Hiram Araújo, carnavalesco de uma escola rival na década de 1970, conta de modo interessante os atos, digamos, de "resistência" protagonizados por Joãosinho Trinta durante o regime militar.

A Beija-Flor fazia enredos bem ao gosto dos governantes da época. Enalteceu o Mobral em 1973 e nos anos seguintes desfilou com "Brasil, Ano 2000", e "Grande Decênio". Contratado pela escola, Joãosinho Trinta varreu dos enredos esse tipo de coisa.

Já tinha, por outro lado, comprado sua briga com parte da esquerda, que era tão avessa quanto o regime militar ao emprego de temas "não-brasileiros" nos enredos de Carnaval. Joãosinho Trinta mostrou, em 1975, um desfile sobre as minas do rei Salomão, tema que só passou por ter alguma ligação com o Brasil porque se enfiou na história a tese de que as riquezas da Amazônia eram o verdadeiro tesouro do personagem bíblico.

Eis um caso em que o delírio, o absurdo, a tal "criatividade popular e espontânea" que tanto se elogiam, e que tanto me incomodam nos desfiles de Carnaval, parecem ser a resposta mais lógica e racional para os absurdos e delírios da própria realidade.

Uma outra frase de Joãosinho Trinta, reproduzida no livro, merece ser destacada aqui. Diz ele: "Ninguém tem o direito de dizer não ao absurdo". Mas, pelo que pude aprender do livro, talvez tenha sido esse "não ao absurdo" o que Joãosinho Trinta expressou, ironicamente, nos momentos mais marcantes de sua carreira.

coelhofsp@uol.com.br


25 de fevereiro de 2009
N° 15890 - PAULO SANT’ANA


Bombástico: melhor não fôssemos autossuficientes

Chegamos ao ponto absurdo em que a autossuficiência do petróleo é desfavorável ao povo brasileiro.

Explico: com o barril de petróleo tendo baixado de US$ 147, em julho do ano passado, para os atuais US$ 39, chego à conclusão de que, fôssemos importar hoje o petróleo por esse preço aviltado, essa verdadeira barbada, pagaríamos muito menos pelos combustíveis do que estamos pagando.

Essa constatação que faço é bombástica: seria mais favorável ao povo brasileiro e à economia brasileira que importássemos petróleo do que utilizássemos o petróleo prospectado pela Petrobras.

É um fato estupefaciente: melhor seria que a Petrobras importasse o petróleo estrangeiro a esse preço acessível de US$ 39 por barril, guardasse as nossas reservas, preservasse-as para o futuro, que pagaríamos bem mais barato do que este preço extorsivo que pagamos atualmente pelo diesel e pela gasolina.

Faríamos então como fazem os EUA: possuem reservas de petróleo em seu solo, mas aproveitam-se do preço irrisório do petróleo internacional, importam-no – e conseguem, acredite quem quiser, vender a gasolina e o diesel para o povo norte-americano em preço mais barato que o vendido no Brasil, em dólares!

Em dólares!

Então o que se nota aqui no Brasil é que o povo é escorchado em preços pelos combustíveis, a economia brasileira é prejudicada pelos altos preços cobrados pela Petrobras pelos combustíveis, e a Petrobras enriquece à custa do sacrifício nacional.

A revelação que esta coluna está fazendo é espetacular: nos termos em que está estabelecido o mercado internacional do petróleo, com o preço baixíssimo do barril, seria mais vantajoso para o povo e economia brasileiros que não fôssemos autossuficientes em petróleo e comprássemos o produto do estrangeiro.

Sem dúvida alguma pagaríamos muito menos do que estamos pagando pela gasolina e pelo diesel.

Nunca pensei que o monopólio da Petrobras fosse assim, por questão de mercado é verdade, tão desvantajoso para os interesses nacionais, menos é claro para a Petrobras, que está enchendo seus cofres com este lucro extraordinário.

Ou então que, aproveitando este preço atraente do petróleo, a Petrobras deixasse de produzir o mineral enquanto fosse vantajoso importá-lo, poupando as nossas reservas para o futuro.

O que não pode é continuarmos pagando preço extorsivo pela gasolina e pelo diesel, maior do que o de todos os nossos vizinhos sul-americanos, maior do que se paga em dólares nos postos de combustíveis dos EUA, quando o preço internacional do petróleo baixou a nível risível.

Nunca pensei nem jamais imaginara que a proclamada e festejada autossuficiência brasileira em petróleo fosse assim se virar tão violentamente contra nós.

Bom é viver na Venezuela, também autossuficiente em petróleo, mas que remete essa vantagem e esse orgulho para os bolsos dos venezuelanos e para o aquecimento de sua economia, cobrando 10 vezes menos (vejam bem, 10 vezes menos) pela gasolina e pelo diesel do que é cobrado no Brasil.

É de doer.

E a constatação desta coluna mostra o mais impressionante cochilo dos economistas e do jornalismo brasileiro nos últimos tempos.

E hoje o Grêmio inicia, no Olímpico, contra o Universidad do Chile, a sua caminhada na Libertadores, na tentativa difícil, árdua, quase impossível de sagrar-se, com os recursos humanos e financeiros que possui, três vezes campeão da América.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009



Amores não correspondidos

Sim, é verdade! Existem muitos amores não correspondidos. Não conheço ninguém, que ainda não tenha passado por uma situação destas. É um risco que todos nós corremos e quando surge, não há nada a fazer! Se a pessoa não gosta de nós, não vamos chateá-la, nem vamos nos humilhar, por causa disso.

Não sermos correspondidos num amor, é algo possível e natural de acontecer. Só temos é que ser fortes e partir para outra. Não vamos andar a "rastejar" pela pessoa, se ela não nos quer. Se nos focarmos, na pessoa que não sente o mesmo por nós, estamo-nos a desviar daquela pessoa, que nos vai amar e que o tempo aguarda, para que a encontremos.

Sim, dói muito! Eu sei! Sofremos muito e, com certeza, que não se sofre por gosto. Mas, a forma mais fácil e rápida de superar um desgosto de amor, é partir para outro amor. "Com outro amor, se cura um amor".

Acreditem! Se a pessoa não sente o "clique" por nós, não podemos fazer nada! Não vai passar a sentir, só porque insistimos e não desistimos. Só vamos nos magoar ainda mais, pelos constantes "cortes", que vamos levar, sempre que teimarmos.

Provavelmente, vamos conseguir que essa pessoa, nem sequer queira nos ver.

Por isso, se não forem correspondidos, não cometam o erro de insistir, para que essa pessoa passe a gostar de vocês, da forma que vocês querem. Isso não vai acontecer! Se não sentiu química, desde início, não o vai sentir, depois.

Partir para outra é a melhor atitude. Para o vosso bem, que não projetam ilusões e não fomentam esperanças, de algo que nunca irá acontecer e para o bem da outra pessoa, que vai sentir-se incomodada, com tanta insistência.

Temos que ser felizes de algum jeito e aceitar as circunstâncias da vida! Temos que acreditar, que vamos encontrar alguém e não vivermos na ilusão de um amor, que nunca será real por que não serão suas mensagens, seus emails que irão fazer com que ela goste de você, e ainda mais se ela goste de outro alguém!

FREI BETTO

É Carnaval em mim

Neste Carnaval, despido de hipocrisias, deixarei meu eu mais solidário desfilar alegre pelas recônditas passarelas de minha alma

NESTE CARNAVAL anseio por folias interiores, de maravilhas indescritíveis, de sinuosos alaridos, de magnificências a dispensar ruídos e palavras. Quero toda a avenida regida por inequívoco silêncio, o baile imponderável em gestos rituais, a euforia estampada em cada sorriso.

Rasgarei a fantasia de minhas pretensões e, despido de hipocrisias, deixarei meu eu mais solidário desfilar alegre pelas recônditas passarelas de minha alma.

Fecharei os ouvidos à estridência dos apitos e, mente alerta, escutarei o ressoar melódico do mais íntimo de mim mesmo. Deixarei cair as máscaras do ego e, nas alamedas da transparência, farei desfilar, soberba, a penúria de minha condição humana.

Aplaudirei os sambistas com fogo nos pés e as mulatas eletrizadas pelo ritmo da batucada. Mas não me deixarei arrastar pelo bloco da concupiscência. Inebriado pelo ritmo agônico da cuíca, serei o mais iconoclasta dos discípulos de Momo, recolhido ao vazio de minha própria imaginação.

Neste Carnaval serei figurante na escola da irreverência e desfilarei pelas ruas meu incontido solipsismo, até cessar a bateria que faz dançarem os fantasmas que me povoam.

Envolto na desfantasia do real, atirarei confetes aos foliões e perseguirei os voos das serpentinas para que impregnem de colorido as diatribes de meu ceticismo.

No estertor da madrugada, farei ébrias confidências à colombina e, arlequim apaixonado, ofertarei as pétalas que me recobrem o coração. Não porei os olhos no desfile da insensatez, nem abrirei alas à luxúria do moralismo. Quando a porta-bandeira desfraldar encantos, ficarei ajoelhado na ala das baianas para reverenciar o almirante negro.

Ao eco dos tamborins, esperarei baixar a sofreguidão que me assalta, buscarei a euforia do espírito no avesso de todas as minhas crenças, exibirei em carros alegóricos as íngremes ladeiras da montanha dos sete patamares.

Darei vivas à vida severina, riscarei Pasárgada de meu mapa e, ainda que não me chame Raimundo, farei da rima solução de tantos impasses nesse devasso mundo. Expulsarei de meu camarote todos os incrédulos do pai-nosso cegos aos direitos do pão deles.

Revestido de inconclusas alegorias, sairei no cordão das premonições equivocadas e, vestido de pierrô, aguardarei sentado na esquina que a noite se dissolva em epifânica aurora.

Ao passar o corso da incompletude, abrirei as gaiolas da compaixão para ver o céu coberto pela revoada de anjos. Trocarei as marchinhas por aleluias e encharcarei de perfume os monges voláteis incrustados em minhas imprudências.

Olhos fixos no esplendor das batucadas siderais, contemplarei o desfile fulgurante dos astros na Via Láctea.

Verei o sol, mestre-sala, inflamar-se rubro à dança elíptica da cabrocha Terra. Se Deus der as caras, festejarei a beatífica apoteose.

No cortejo dos Filhos de Gandhy, evocarei os orixás de todas as crenças para que a paz se irradie sobeja. Do alto do trio elétrico, puxarei o canto devocional de quem faz da vida a arte de semear estrelas.

Entoado o alusivo, darei o grito da paz, pronto a fazer da comissão de frente o prenúncio do inefável. No reverso do verso, cunharei promissoras notícias e, no quesito harmonia, farei a víbora e o cordeiro beberem da mesma fonte.

Meu enredo terá a simplicidade de um haicai, a imponência de um poema épico, a beleza das histórias recontadas às crianças. De adereços, o mínimo: a felicidade de quem pisa os astros distraído.

Farei da nudez a mais pura revelação de todas as virtudes; assim, ninguém terá vergonha de mostrar o que Deus não teve de criar, e a culpa será redimida pelo amor infindo. A rainha da bateria virá tão bela quanto uma vitória-régia pousada numa lagoa despudoramente límpida. Sua beleza interior suscitará assombro.

A evolução da escola culminará em revolução: a fantasia se fará realidade assim como o sertão há de vir amar e o mar de ser tão pellegrinamente pão do espírito.

Neste Carnaval não haverei de me embriagar de etílicos prazeres nem me deixarei arrastar pelos clóvis a disseminar o medo entre alegrias. Irei aos bailes rituais e me submeterei às libações subjetivas, ofertarei ao mistério cálices de clarividências e iluminuras gravadas em hóstias.

Enclausurado na comunhão trinitária, ingressarei na festa que se faz de fé e na qual toda esperança extravasa no amor que não conhece dor.

Então a palavra se fará verbo, o verbo, carne, e a carne será transubstanciada em festival perene Carnaval.

CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO , o Frei Betto, 64, frade dominicano e escritor, é autor, em parceria com Marcelo Barros, de "O Amor Fecunda o Universo - Ecologia e Espiritualidade", entre outras obras. Foi assessor especial da Presidência da República (2003-2004).