terça-feira, 30 de outubro de 2012



30 de outubro de 2012 | N° 17238
DAVID COIMBRA

Um urubu na sacada

Um amigo meu tomava café da manhã, dia desses, quando viu um urubu olhando para ele. Um urubu, por Deus. Estava empoleirado na sacada do apartamento, com olhar atento, como atento é o olhar das aves, porém sereno, quase imóvel. Você já viu um urubu de perto? É um bicho de aparência ameaçadora – grande e muito feio. Não tem a fama que tem à toa. Só a torcida do Flamengo gosta de urubu.

Então, lá estava aquele urubu observando o meu amigo. O apartamento dele fica ali na Bela Vista. É novíssimo, meu amigo comprou não faz muito tempo. Ele é um homem bem postado na vida, é um ser urbano, não está acostumado com animais que não sejam convictamente domésticos, sobretudo se forem aves de rapina de bom porte. O que fazer com aquele urubu?

Se tentasse enxotá-lo, como ele reagiria? Um urubu, em situação de estresse, torna-se agressivo? Como enfrentar um urubu em fúria? O urubu o debicaria e lhe meteria as garras? Meu amigo não tinha arma em casa... Por via das dúvidas, optou pela segurança máxima. Escorregou até a porta da sacada e a fechou cuidadosamente, torcendo para que o urubu se transferisse para outra sacada ou galho de árvore, o que aconteceu mais tarde.

Mas nos dias seguintes o urubu, ou algum amigo ou parente dele muito parecido, voltou. Meu amigou tomou-se de aflição. Ele não sabia que a cidade era frequentada por urubus. Saiu pelo prédio a investigar o que estava ocorrendo. Por que um apreciador de carniça rondava seu prédio? Haveria alguma vaca morta nas vizinhanças?

Acabou descobrindo. Ocorre que aquele é um prédio realmente novo. Muitos dos proprietários demoraram meses a se mudar. Foi num desses apartamentos vazios que uma jovem família de urubus fez seu ninho. Quando o dono humano do apartamento chegou, deparou com aquele ninho de urubus instalado na sacada. Desagradável.

Muito consciencioso, o ser humano decidiu que não iria simplesmente retirar o ninho e atirá-lo no lixo, como faria um homem que não respeitasse a Natureza e os animais e a vida, toda aquela coisa. Chamou a Secretaria do Meio Ambiente para que fosse adotado o procedimento correto. Decerto as autoridades saberiam o que fazer com um ninho de urubu construído em uma sacada de apartamento.

Resultado: a secretaria o notificou. Por algum motivo, os urubus são animais protegidos pela lei ambiental. Remover seus ninhos é crime. O dono humano do apartamento terá de conviver com os urubus até que os filhotinhos cresçam, se desenvolvam, ganhem independência e se mudem de lá por vontade própria, processo que a secretaria calcula que se dará em três ou quatro meses. Seria menos grave dar um tiro no fiscal da secretaria do que remover a família de urubus da sua casa.

É justo isso com o dono do apartamento? É correta tamanha atenção com urubus? Eles, os urubus, merecem toda essa consideração? Precisam ser preservados, afinal? E o investimento do ser humano no apartamento e a sua tranquilidade e o seu dia a dia e, afinal, a sua paz, isso tudo também não deve ser preservado?

Como são delicadas essas questões legais...

No caso do gol com a mão de Barcos que a arbitragem anulou com auxílio da TV, o que vale mais: o Direito ou a Justiça? O que é legal? Ou o que é certo?

A anulação do gol foi incorreta do ponto de vista técnico, mas pelo menos serviu para corrigir uma injustiça. Talvez seja ruim para a lei do futebol, mas foi bom para o futebol.

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