sexta-feira, 30 de novembro de 2018



30 DE NOVEMBRO DE 2018
ARTIGOS

OS SMARTPHONES E A MIOPIA

Diversos estudos comprovam que há hoje uma epidemia mundial de miopia. De acordo com a Academia Americana de Oftalmologia, desde 1971 a incidência nos EUA dobrou, para 42%. Em alguns locais da Ásia, até 90% dos adolescentes e adultos podem ser míopes. Estudiosos da área ainda não chegaram a um consenso sobre as causas desse crescimento, mas há pelo menos uma certeza: precisamos desenvolver novos hábitos ao  usar smartphones e computadores, dispositivos que podem estar diretamente ligados ao aumento dos casos de miopia.

Enquanto os pesquisadores procuram por respostas definitivas, os consultórios de oftalmologia seguem atendendo cada vez mais pessoas com fadiga visual devido ao uso de smartphones e computadores. E, como os adultos, as crianças também podem apresentar olho seco, cefaleia e visão borrada. Esses sintomas, que costumam ser esporádicos, se não tratados podem se tornar contínuos. Não quer dizer que o paciente precisará de óculos. Significa que ele precisa fazer pausas mais frequentes.

Em média, nós piscamos até 15 vezes por minuto. Na frente das telas, esse número pode cair para três, o que pode provocar ressecamento e consequente cansaço visual. Portanto, os oftalmologistas recomendam um descanso de 20 segundos (deve-se olhar para longe) para cada 20 minutos na frente do computador ou do smartphone. Para facilitar a sua vida, utilize o alarme do seu próprio smartphone!

Outras dicas para uma boa saúde ocular sua e dos seus filhos incluem ter o costume de ajustar o brilho e o contraste da tela do computador e acertar a postura corporal quando for ler ou trabalhar. Se o seu filho está usando um gadget, certifique-se de que o dispositivo está entre 45 e 60 centímetros de distância dos olhos dele.

Seguindo essas pequenas dicas, nossos filhos e nós mesmos poderemos começar a desenvolver hábitos mais saudáveis. Não se trata apenas de prescrever óculos para todo mundo, mas de evitar o surgimento do problema e assegurar a saúde e o bem-estar das pessoas.

LAIR HÜNING


30 DE NOVEMBRO DE 2018
ARTIGO

QUANDO A MINORIA VIVE COMO MAIORIA

Costumamos nos perguntar por que algumasregiões são mais inovadoras e ricasque outras. Chama atenção, no final dascontas, como o sucesso de todas as geografias sedeve em grande medida a como tratam a questãoda diversidade.

Trata-se de tema que toca diretamente o desenvolvimento, e sobre o qual nós, gaúchos, ainda temos bastante a aprender. Recebemos as minorias? Respeitamos suas culturas? Aprendemos com as diferenças? Não fizemos cara feia quando os haitianos vieram? Escrevo neste momento de Miami, que, assim como Chicago, Seattle, San Francisco ou Nova York, está se tornando um dos centros urbanos mais avançados dos Estados Unidos.

Em Miami, negros, judeus, hispânicos, deficientes, italianos, LGBTs e americanos convivem harmoniosamente. Estão tanto atrás das cozinhas quanto nas mesas de restaurantes. Caminham de quipá na cabeça, fazem compras de skate e dirigem carros enormes sem disputar centímetros no trânsito. Fazem 11 tatuagens no corpo e ninguém está passando régua na métrica de adequação.

Aqui no sul da Flórida, a minoria vive a vida da maioria. O varejo e os supermercados expõem ilhas de roupas com o símbolo do orgulho LGBT. As sinagogas funcionam sem grades e símbolos judaicos e cristãos compartilham espaço. Os cubanos escutam música alta. Os negros tiram selfies em espreguiçadeiras na beira da praia. As crianças brincam em praças abertas e os pais não se preocupam em colocá-las rapidamente nos carros com medo de serem assaltados.

Isto parece ser o que acontece quando a maioria se dispõe a calçar os sapatos das minorias: oportunidades dadas pela própria iniciativa privada gerando satisfação e cuidado urbano, explosão cultural e riqueza coletiva.

Talvez devêssemos nos apropriar do exemplo dessa cidade para onde costumamos vir passear, trabalhar ou mesmo morar e, em vez de apenas reclamar de que tudo é pior onde vivemos, propor pequenas ações, projetos empresariais ou de experiência de marca que nos aproximem de um modelo de convivência mais útil a nosso desenvolvimento e felicidade.

CASSIO SCLOVSKY GRINBERG


30 DE NOVEMBRO DE 2018
+ ECONOMIA

O VAGALUME BOLSONARO

Acada declaração de Jair Bolsonaro sobre privatizações e reforma da Previdência, acendem-se ou apagam-se luzes de expectativa, tanto no mercado financeiro quanto no setor produtivo. De soluções para as duas áreas depende a imagem do Brasil nos próximos anos. Ontem, foi dia de escurecer o panorama. Bolsonaro voltou a afirmar que existem estatais estratégicas que não serão incluídas nas destinadas a leilões.

- Algumas privatizações ocorrerão. Outras, estratégicas, não. Banco do Brasil e Caixa Econômica não estão no nosso radar - repetiu o presidente eleito.

O problema é menos a exceção de dois bancos públicos e mais o conceito "estratégico". Abrangente, já foi usado para a Eletrobras - para a qual a maioria dos especialistas em energia não vê solução fora da privatização, tamanho seu rombo - e para outras áreas, como a Transpetro e a exploração e produção de petróleo.

Ao reafirmar suas restrições, Bolsonaro também evidencia que a conversão liberal do político antes conhecido por ser nacionalista e estatizante é de fato parcial. Outro tema sobre o qual o presidente eleito ainda se assemelha a um vagalume - que ora brilha, ora escurece - é a reforma da Previdência.

Depois que a tese de que havia retomado força o projeto encaminhado pelo grupo de economistas liderado pelo ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e pelo especialista em Previdência Paulo Tafner, Bolsonaro acionou o freio. O conjunto de medidas é mais duro do que a proposta de emenda constitucional que está no Congresso. E sobre o plano de Michel Temer, o presidente eleito afirmou que é "um pouquinho agressivo para com o trabalhador". Há poucas expectativas de que seja possível aprovar mudanças ambiciosas. A expectativa predominante, dado o pisca-pisca previdenciário, é de que ao menos um sinal de arrumação sinalize menores rombos.

+ ECONOMIA

quinta-feira, 29 de novembro de 2018



29 DE NOVEMBRO DE 2018
O PRAZER DAS PALAVRAS

Arroz-doce

EIS A QUESTÃO: arroz de leite ou arroz com leite?

Não é a primeira vez que utilizam esta coluna para desempatar uma discussão ou uma aposta, mas nunca tinha recebido uma consulta a quatro mãos, em que marido e mulher expõem, na mesma mensagem, as suas opiniões conflitantes (por prudência e discrição, vou chamá-los de João e Maria). Diz João: "Professor Moreno, gostaria de saber se é correto o nome de arroz de leite, sinônimo de arroz-doce, típica sobremesa rio-grandense. 

Minha mulher insiste que está errado. Esta grafia consta nos dicionários, ao contrário da forma que ela defende, arroz com leite". Retruca Maria: "Eu sou do interior e meu marido é de Porto Alegre. A família dele acha estranho eu falar arroz com leite. Eu argumento que de leite não se faz arroz; pode-se fazer um doce de leite, uma rapadurinha de leite, mas nunca arroz - mas eles dizem que é o nome do doce e que, por isso, pode".

Meus caros João e Maria: tratem de fazer as pazes, porque os dois têm razão. O tradicional arroz-doce pode ser chamado tanto de arroz de leite quanto de arroz com leite. Não tentem encontrar uma ordem ali onde ela inexiste: infelizmente o uso da preposição na denominação dos pratos de nossa culinária não segue a estrutura-padrão de nossos sintagmas. Entendo a posição da Maria: o arroz-doce é feito com leite, e não de leite. No entanto, uma pesquisa detalhada em livros de culinária consagrados me fez suspeitar que não é tão simples assim. Encontrei feijão de azeite, feijão de alho, cocada de ovos, arroz de polvo, arroz de marisco, arroz de frango, arroz de alho, arroz de coco (Luís Câmara Cascudo), arroz de pequi, arroz de leite (Gilberto Freyre) - em todos eles, aposto que a Maria substituiria o de pelo com.

Em alguns cardápios, inclusive, vi distinguirem arroz com leite, prato salgado em que o arroz é cozido no leite e não na água, do arroz de leite, incluído entre as sobremesas. Em outros, no entanto, o próprio arroz de leite aparece como salgado: um típico restaurante do Rio Grande do Norte oferece à gula dos fregueses vários pratos da cozinha regional do Seridó, entre eles rabada de boi, guiné torrado, buchada e carne- de-sol com arroz de leite. Deu para perceber? Neste caso, não existe um padrão sedimentado quanto ao emprego do com ou do de.

E tem mais: o arroz-doce, embora seja uma sobremesa popular em nosso estado, foi trazido para cá pelos portugueses, os quais, por sua vez, herdaram- no do mundo árabe (ele aparece nas 1001 Noites, por exemplo). Isso me foi confirmado por um velho amigo de Rio Grande, orgulhoso de sua descendência moura, que acrescentou um detalhe assaz interessante para a nossa discussão: segundo ele, este doce comparecia com frequência nas festas de sua infância e era denominado de ruz ib haleeb - que ele traduziu como arroz no leite. 

Viram só? A preposição em também quer entrar na dança: pato no tucupi, camarão no alho e óleo, legumes na manteiga... Não, não chamamos o doce de arroz no leite, mas nada impediria que esta tivesse sido a denominação adotada por nosso idioma. Querem um conselho? Deixem isso de lado, esqueçam esta discussão e comemorem em torno de um belo prato de arroz de leite (ou com leite) morninho, com uma canelinha por cima, o fato de ambos terem razão.

CLÁUDIO MORENO

29 DE NOVEMBRO DE 2018
ARTIGO

ANTÔNIO CHIMANGO 2018


As manobras das altas partes interessadas para empurrar goela abaixo o gatilho automático dos seus salários recupera os versos de Antônio Chimango, escrito por Ramiro Barcelos em 1915: “Vira-bosta é preguiçoso, mas velhaco passarinho; Pra não fazer o seu ninho se apossa do ninho alheio; Este há de, segundo creio, seguir o mesmo caminho. Cobra é bicho traiçoeiro, graxaim disfarçado; Quando se sente pegado deita e se finge de morto; Matreiro é o novilho torto, que se esconde no banhado. A erva-de-passarinho é praga mui conhecida e tão mal-agradecida às ervas em que se nutre, que, mais feroz que um abutre, mata as que lhe dão a vida”.

Pouca coisa mudou em 103 anos. O RS segue o Estado castilhista que emergiu da Revolução de 1893, fortemente intervencionista e centrado na burocracia. Décio Freitas debruçou-se no tema na bela obra O Homem que Inventou a Ditadura no Brasil. E Raymundo Faoro explicou em Os Donos do Poder, um dos livros essenciais para entender o Brasil, que no RS o coronelismo era burocrático. Para ter poder tinha que ser membro da administração. Essa proposta de reajustes automáticos para o funcionalismo de um Estado quebrado confirma isso. E, na outra ponta da cascata, em Brasília, já autorizaram o aumento.

Essa lógica positivista, que usa a lei como instrumento formal de estorvo e manutenção de uma hierarquia burocrática que objetiva continuar o que está posto, somente se quebra com uma proposta de enfrentamento, que não se vislumbra por aqui. Ainda um verso do Amaro Juvenal, digo, Ramiro Barcelos: "Toda a minha gente é boa pra parar bem um rodeio, boa e fiel já lo creio; Mas eu procuro um mansinho, que não levante o focinho quando eu for meter-lhe o freio".

Os eleitores, na esfera federal, apostaram na promessa de ruptura. Quiçá o Brasil decole com o Paulo Guedes, o Moro e o Astronauta. Mas, para o Rio Grande do Sul sair do atoleiro, o gaúcho precisa colocar um freio nessa camarilha.

CASSIANO FUGA CUNHA

29 DE NOVEMBRO DE 2018

DAVID COIMBRA

A primeira pivica

Ontem o Guerrinha falou pivica no Sala de Redação. Na hora mesma em que ele disse, escandindo as sílabas, "pi-vi-ca", senti gosto de média com pão com manteiga. Pivica é do tempo em que você se encarapitava na banqueta de uma padaria do Centro e pedia:
- Me vê uma média com pão com manteiga, por favor.

Vinha aquele pão que nós gaúchos chamamos de cacetinho e uma xícara de porcelana branca de café com leite, ambos, o pão e o café, fumegando. A manteiga derretia no pãozinho quente como coração de mãe e o café com leite estava na dosagem perfeita, nem muito claro, nem muito escuro, moreno da cor das pernas da Juliana Paes.

Parece que, hoje, no Brasil, só paulistas ainda vão a padarias e montam em banquetas e pedem média com pão com manteiga. Nós, do Rio Grande Amado, é certo que abandonamos esse hábito. Nós não tomamos mais café da tarde, por exemplo, e isso é grave. A minha avó, dona Dina, nos servia café da tarde e, enquanto mastigávamos o pão que ela havia amassado com suas próprias mãos e cozido em seu próprio forno, vez em quando dizia, como disse o Guerrinha:
- Umas pivica que isso vai acontecer!

Pivica, importante ressaltar, não flexiona, não tem plural, a não ser que, paradoxalmente, apresente-se sozinho, numa exclamação:

- Pivicas!

Ontem, quando o Guerrinha falou aquela pivica, não pensei em mais nada, nem sequer me lembro da razão de ele ter pronunciado pivica, porque só fiquei pensando: pivica, pivica? É que sempre quis saber a origem desta palavra e nunca pesquisei a respeito, pelo seguinte motivo: alguém soltava uma pivica no meio de uma frase, eu decidia descobrir o que, afinal, significava aquilo e, depois, a conversa seguia em frente e eu me esquecia da decisão. Mas agora, não. Agora vivemos no tempo do Google, que tudo sabe e está sempre à mão. Então, assim que o Pedro Ernesto chamou o intervalo, deslizei para o mundo virtual e perguntei ao Google, como se fosse um grego perguntando ao Oráculo de Delfos: "O que catzo é pivica?".

O Google não sabia. A palavra está por lá, mas nenhuma resposta foi satisfatória. Ainda não sei o que é pivica, embora tenha uma suspeita: a pivica é obra do povo.

E agora peço que você respire fundo e imagine comigo um momento mágico: o nascimento da pivica. Pense que, um dia, em algum lugar do nosso Brasil, alguém pretendia afirmar que algo não aconteceria de maneira nenhuma, na opinião dele. Era algo forte, tão forte, que ele buscava, mas não encontrava palavra que definisse o que sentia. Era preciso achar o adjetivo perfeito, com uma sonoridade que tivesse significado por si mesma. Aí, numa epifania, ele soltou:
- Umas pivica que vai dar isso!

O interlocutor ouviu aquela primeira de todas as pivicas e se encantou. "Que palavra bem boa!", deve ter pensado. Estava criada a pivica, para todo o sempre.

Quem terá sido esse gênio? Será que ele ainda vive? Será que diz para os amigos "fui eu quem inventou a pivica"? Que orgulho sentirá!

Não duvido que ele tenha inventado outras palavras, porque há muitas que tentam manifestar idêntica assertividade da pivica, também neste terreno da negação peremptória. A saber: lhufas, que, é evidente, trata-se de contração de BU-lhufas. O que é uma lhufa ou uma bulhufa? Um mistério. Mas, se você quiser dizer que não sabe nada de alguma coisa, diga que não sabe bulhufas, e está bem dito. Ou diga que não sabe "xongas", só que, neste caso, cuide para não dizer em ambiente familiar, pois xongas pode ser confundido com um dos tantos apelidos do membro sexual masculino. 

Ou, quem sabe, opte por um ótimo "néris de pitibiriba", expressão que considero notável, porque faz a gente cismar. Eu inclusive acredito que Pitibiriba seja uma cidade do interior paulista e que lá vivia o Néris, sujeito muito negativo, você pedia algo a ele e ele recusava. Donde, o povo, quando pretende rechaçar qualquer coisa, usa-o como ilustração:

- Néris de pitibiriba que vou fazer isso!

Pensando bem, será que Pivica não fica perto de Pitibiriba? É possível. Alguém me informe, porque não sei lhufas de interior paulista.
DAVID COIMBRA


29 DE NOVEMBRO DE 2018
NÍLSON SOUZA

O MAIS LONGO DOS FILMES

A frase de efeito mais emblemática que conheço sobre o eterno conflito entre direita e esquerda foi cunhada pelo francês Georges Clemenceau: "Um homem que não seja um socialista aos 20 anos não tem coração. Um homem que ainda seja um socialista aos 40 não tem cabeça". Há variações, mas a ideia é mais ou menos esta, numa visão - digamos - progressista: solidariedade na juventude, egoísmo na maturidade. Ou, vista pela ótica conservadora, talvez assim: inconsequência na juventude, responsabilidade na maturidade. Fiquemos por aí, para que o debate não derive em suspeitas e acusações próprias destes tempos bipolares.

Pois quando eu tinha vinte e poucos anos, submeti-me, voluntariamente, a uma verdadeira maratona cinematográfica para ver o filme 1900 (Novecento), do diretor italiano Bernardo Bertolucci, que morreu na última segunda-feira. Era tão longo que foi dividido em duas sessões, cada uma com quatro horas de duração. Saí de uma, paguei ingresso novamente, e entrei na outra. Fiquei oito horas dentro do cinema, acompanhando a luta de classes protagonizada por dois amigos de infância que derivaram para campos opostos de vida - e em torno deles o conflito político violento entre comunismo e fascismo.

Para quem acredita em doutrinação instantânea, posso garantir que o filme não me transformou em socialista de carteirinha e muito menos em comunista, mas certamente me deixou mais alerta contra os riscos do autoritarismo e da intolerância. Nem os 40 nem todos os anos que vieram depois me fizeram mudar de ideia em relação a isso. Mas em algo devo ter amadurecido: já não tenho cabeça nem coração (e muito menos fôlego) para ficar oito horas dentro de um cinema, por mais genial que possa ser o diretor.

Embora polêmico e maniqueísta, 1900 foi um filme marcante na minha juventude, pela bela fotografia, pelo realismo das cenas e pelo relato histórico das guerras e dos movimentos sociais da época representada. Fiquei verdadeiramente impactado. Mesmo sem ter entendido bem a história, até porque não tinha lastro cultural para compreendê-la na sua totalidade, durante muito tempo citei-o como o melhor filme que já tinha visto. Agora tenho certeza apenas de que foi o mais longo. Bertolucci produziu outros mais curtos e mais celebrados, como o superpremiado O Último Imperador, que levou nada menos do que nove Oscar. Conta a saga do menino que nasceu nobre, virou criminoso de guerra, prisioneiro, jardineiro, bibliotecário e escritor, tendo como pano de fundo o conflito que continua em cartaz nos cinemas e na vida: liberdade x arbítrio.

NÍLSON SOUZA

quarta-feira, 28 de novembro de 2018



28 DE NOVEMBRO DE 2018
DAVID COIMBRA

Gorda, baleia, rolha de poço

Bicha, bicha, bicha. Como seria recebida hoje aquela antiga coluna do Tarso de Castro na qual ele chamava todo mundo de bicha? Uma crônica divertidíssima. Segue um trecho em que ele, gaúcho que era, cita o Rio Grande Amado:

"Tenho melancolia do Rio Grande do Sul porque as bichas que aqui são bichas não são bichas como lá; Olavo Bilac é bicha; o bigodinho do Oscar Niemeyer não me engana, é bicha; ora, Tom Jobim, vai ser bicha lá com a bicha do Frank Sinatra; como se não bastasse, de bichas, é claro, agora ainda anda por aí aquela bicha da Florinda; a bênção, minha bicha Baden; falando em bicha, nada melhor do que uma bicha do Jorge Ben depois da outra; Charles Anjo 45 é bicha enrustida; você é bicha; o leitor, todos os leitores, são bichas".

Era uma gozação, óbvio, só que hoje as pessoas se levam muito a sério, Tarso enfrentaria a fúria das redes. Suspeito que não daria bola.

Mas o mais curioso é como é hoje e era ontem encarada a mesma palavra, "bicha". Os machões da época de Tarso ficavam fulos se eram chamados de bichas. Dava confusão. Agora é o contrário: basta simplesmente pronunciar "bicha" e alguém interpelará: "Você é homofóbico?".

Neste caso, houve uma evolução, porque ninguém tem que ficar julgando a sexualidade alheia. Sei que o politicamente correto é odiado por muitos, e que esse ódio ajudou nas eleições de Trump e de Bolsonaro, mas, olha, o movimento, se é que se pode chamá-lo assim, não é uma coisa ruim em si. É algo positivo, porque antes qualquer diferença poderia se tornar motivo de perseguição. A gordinha não gostava de ser chamada de baleia, o magricela não gostava de ser chamado de caniço, mas eles não encontrariam solidariedade em parte alguma se quisessem reclamar.

Eu tenho cá uma regra: não estamos no mundo para fazer mal às outras pessoas, certo?

Certíssimo.

Então, tracei uma regra: se percebo que dizer algo realmente ofende alguém, evito dizer. Não me apetece deixar os outros chateados. Porém, ah, porém, a questão é o aumento das suscetibilidades. Como se movimentar sem tocar em algum ponto sensível de alguma pessoa? Não basta você não mencionar uma suposta "diferença", você tem que gostar de tudo do que a outra pessoa gosta. Até o bife de fígado e as músicas de Natal da Simone contam com defensores ferozes. Fale mal deles e uma legião se ofenderá.

As pessoas se ofendem com muita, muita facilidade, e cada vez mais.

Por quê?

É que toda ofensa é egoica. Quer dizer: a sua essência, na verdade, leitor, não pode ser ofendida. É o seu ego que se ofende. Você constrói uma imagem de si mesmo e, se algo encosta naquela imagem, você pula de dor. Hoje, com a superexposição de opiniões, o que você pensa e do que você gosta passam a fazer parte dessa imagem, ela vai inchando a cada dia, e o seu ego se torna ainda maior. Por isso, mais suscetível. Então, se alguém espeta o seu ego, você reage. Ofensa contra ofensa, agressão contra agressão. É a velha Lei de Talião. O problema é que essa atitude vai engrossar o caldo das ofensas e aumentar o seu ego e torná-lo cada vez mais suscetível.

Grandes pacifistas descobriram esse processo, a começar por Buda e Jesus, que usaram a mesma imagem para ensinar que a vingança faz mal a quem se vinga, o símbolo de toda ofensa: o tapa na cara. Isso foi compreendido por outros super-homens, Thoreau, Gandhi, Luther King, Mandela. E eles mudaram o mundo simplesmente não reagindo.

Aí é que está. Você considera insultuosa uma opinião diferente da sua? Você detesta alguém que não gosta do que você gosta? Você se sente ultrajado com facilidade? A culpa não é minha. A culpa é do seu ego, que está acima do peso. Aquela baleia.

DAVID COIMBRA

28 DE NOVEMBRO DE 2018
ARTIGO

A CASA E O PAÍS


São controversas – e o que não é? – as relações entre a política e a psicologia, mas há evidências, em que pese a subjetividade, de que os fatos de um país influenciam diretamente o que acontece dentro das casas. Se tudo começa em casa, segundo a expressão feliz de um psicanalista, nem sempre o ambiente, decisivo para a formação dos indivíduos, funciona como um para-raios das agressões exteriores.

Somos moldados por um processo que costumamos chamar de identificação. Somos sedentos dela para o nosso desenvolvimento e, sem nos darmos conta, incorporamos o que as figuras de autoridade oferecem abertamente e nas entrelinhas. Isso vale para as qualidades e, especialmente, para os defeitos. Ainda devemos explicações (devemos a maioria delas para tudo) sobre a força que o defeito exerce como motivação para nos identificarmos com ele. Pode ter a ver com uma forma de não sentirmos a tristeza de lidar com um pai violento ou uma mãe deprimida, por exemplo, mas já é possível explicar que, em matéria de educação e civilidade, as palavras valem menos do que os exemplos. Estes equivalem às imagens, que costumam valer mais do que aquelas. Que escuta podemos promover, através de palavras, junto a um adolescente que flerta com a droga ilícita, quando, em nossos exemplos, abusamos das lícitas?

Nesse sentido, não passam incólumes o reajuste de 16,38% concedido para o Supremo e o impacto de R$ 4 bilhões anuais nos cofres públicos. O acréscimo, superior à inflação, foi autorizado entre a realidade de um Estado falido e de categorias não empoderadas (como as crianças), matando cachorro a grito com os seus ganhos congelados. Em termos de exemplo, é um tiro no pé, uma amostra cristalina do quanto a nossa mentalidade ainda não está civilizada e vem sendo governada pela "lei de Gerson", desde muito antes que tal imagem viesse nos representar.

Convém sempre lembrar que, nas casas, crianças só desenvolvem a civilidade a partir de exemplos. Na falta deles, sintomas ruidosos nunca se fazem ausentes.

CELSO GUTFREIND Psicanalista e escritor celso.gut@terra.com.br

28 DE NOVEMBRO DE 2018
INDICADORES

Reflexões do momento


O momento social e político expresso pelos resultados das eleições se caracteriza por um emocional de insatisfação. Existe demanda por ações que rompam com o passado, mas não há clareza sobre os novos caminhos. Além das reformas anunciadas, discutem-se assuntos conjunturais e históricos que vivemos. O papel do Estado, seu tamanho e sua gestão, governança, direitos adquiridos, privilégios, corporativismo e tantos outros. Historicamente, o Estado é interventor operado por uma burocracia opressiva e inibidora do empreendedorismo, o que afeta o desenvolvimento. Os atores do poder público têm privilégios como nas cortes reais.

O Estado deve ser qualificado em governança e gerir o papel de indutor do bem social, desocupado de estatais ineficientes, com as quais a iniciativa privada poderia atender à sociedade mais eficazmente. Haveria redução do tamanho da máquina pública e do seu custo, além de melhoria dos serviços prestados, como saúde, segurança e educação cidadã sem ideologias. Haveria a eliminação dos cargos de confiança de livre designação e ainda poderiam ser revistos os privilégios qualificados como direitos adquiridos, que tanto permeiam o poder público e seus grupos.

Privilégio é uma vantagem concedida a alguém com exclusão de outrem e contra o direito e interesses comuns. As ideologias de esquerda e de direita se caracterizam em torno dos direitos dos indivíduos e do poder do governo. Nestas discussões, se somam, além das orientações de grupos de direita e esquerda, as posições de conservadores e liberais. A esquerda acredita que a sociedade fica melhor quando o governo é interventor, garantindo direitos e a igualdade entre todos. A direita acredita em melhor resultado quando os direitos individuais e as liberdades civis têm prioridade e o poder do governo é minimizado. Os liberais têm uma visão progressista de mudanças, enquanto os conservadores têm uma visão protetiva da ordem social existente. Na prática, a sociedade precisa de posições de equilíbrio menos dogmáticas, que favoreçam um ambiente empreendedor no qual a cidadania seja baseada na dignidade e na igualdade de oportunidades.

Nestas discussões, é fundamental esclarecer a diferença entre direito e privilégio. Hoje, a concessão de alguns privilégios ou regalias a determinados grupos ou indivíduos é camuflada como legítima, para que os cidadãos não possam contestá-la. As reformas precisarão incluir a revisão e a adequação dos conceitos de direitos adquiridos, benefícios e privilégios, assim como muitos países desenvolvidos fizeram para construir uma sociedade com melhor qualidade de vida.

WALTER LÍDIO NUNES

28 DE NOVEMBRO DE 2018
+ ECONOMIA

MEIO REVENDA, MEIO SALA DE CASA

Pouco mais de um ano depois de chegar a Porto Alegre, a Le Monde dobrou sua aposta. Inaugurou ontem a primeira unidade no Brasil no novo conceito mundial da marca, La Maison Citroën. É um ambiente com café, estar e poltronas (tem um carro atrás, na foto), resultado de investimento de R$ 2 milhões. 

Nelson Füchter Filho, diretor-geral do grupo Le Monde, detalhou à coluna que, em abril de 2017, quando estacionou por aqui, a penetração da Citroën era de 0,8%, abaixo da média nacional de 1%, e muito aquém da alcançada pela rede em Santa Catarina, de 3,5%. Em um ano e meio, atingiu 2,4%, e tem meta de alcançar 3% em 2019, centenário mundial da marca. Ana Theresa Borsari, diretora no Brasil da PSA (Citroën, Peugeot e DS), disse ter boas perspectivas para o próximo ano, mais com a estabilização da economia do que com a Rota 2030, nova regra para montadoras:

- As coisas ainda não estão totalmente claras.

O governo estadual mencionou acordo prévio com entidades empresariais para o decreto que antecipa o pagamento de ICMS, publicado ontem no Diário Oficial. A Fiergs, porém, considerou uma "decisão unilateral". Para a entidade, houve discussão, mas não consenso. O presidente da Fecomércio, Luiz Carlos Bohn, chancela a posição da coirmã: houve comunicado, não acordo. Não caiu bem.

MARTA SFREDO


28 DE NOVEMBRO DE 2018
NÍLSON SOUZA

Monges copistas

As grandes livrarias estão em crise. Fecham lojas, diminuem seus quadros e, em alguns casos fartamente noticiados, apelam para a recuperação judicial. Como amo ler e sempre sobrevivi das letras, acompanho esse assunto com preocupação. Há quem diga que se trata apenas de um reflexo da crise econômica por que passa o país. Passa? A impressão que a gente tem é a de que não passa nunca. Outros, mais definitivos, asseguram que o livro físico já era. Não tem mais como concorrer com os leitores eletrônicos, que colocam bibliotecas inteiras ao alcance dos nossos dedos nas telinhas luminosas. Quem dera fosse isso! Pelo menos a leitura estaria assegurada.

Temo que o problema (problema?) seja ainda mais grave: as pessoas estão deixando de ler livros impressos para dedicar tempo e atenção a coisas menos profundas, embora, provavelmente, mais prazerosas para elas, tais como trocar mensagens com amigos, visualizar vídeos engraçadinhos e navegar nas redes sociais. Por isso coloquei problema com a condicional da interrogação. Os livros fazem falta para mim e para a minha geração de monges copistas, mas, ao que parece, cada vez mais gente os considera apenas peças de museu.

E olha que já foi definido pelo grande Umberto Eco como objeto perfeito: "O livro é como uma colher, tesouras, um martelo, a roda. Uma vez inventado, não pode ser melhorado". Mas, pelo que se vê atualmente, pode ser deixado de lado, desprezado, esquecido. A internet não está acabando com o livro, está acabando com a leitura de textos mais elaborados.

É inegável que a revolução digital extingue negócios e profissões, embora também abra espaço para outros ofícios. Referi acima os monges copistas da Idade Média porque essa foi uma atividade que desapareceu exatamente devido à invenção da imprensa, que agora parece estar completando seu ciclo. Eles eram as pessoas mais cultas de sua época, muitas vezes as únicas que sabiam ler e escrever. Especializaram-se em copiar à mão os raros textos existentes. Com a impressão em papel pelos tipos móveis criados por Gutenberg, os livros tornaram-se baratos, multiplicaram-se, e o trabalho dos religiosos tornou-se desnecessário.

Os monges copistas desapareceram da face da Terra.

As videolocadoras e as ferrarias, também. Quando eu era menino, muitas vezes acompanhei fascinado o trabalho do ferreiro do meu bairro, que segurava a perna do cavalo sobre seu próprio joelho e, com a outra mão e uma espécie de alicate, colocava o ferro incandescente no casco do animal, pregando-o com cravos de aço. Tenho até hoje a memória olfativa da fumaça que se desprendia daquele ato quase brutal, ainda que destinado a proteger as patas do bicho do desgaste. Sei que ainda hoje os animais de tração e de montaria recebem seus sapatos de ferro, mas a ferraria como negócio, pelo menos nas grandes cidades, praticamente desapareceu. Já as videolocadoras resistiram até os últimos saudosistas de fitas cassetes descobrirem a Netflix.

Terão as livrarias o mesmo destino? Não sei se podemos fazer algo, mas contem comigo para o movimento de resistência.

NÍLSON SOUZA

terça-feira, 27 de novembro de 2018



27 DE NOVEMBRO DE 2018
ARTIGO

PARA DECIFRAR O DRAGÃO CHINÊS

Durante décadas, nós, ocidentais, víamos a China com certa estranheza, talvez resultado de um simplismo. Um país continental e comunista associado a produtos de qualidade duvidosa e, nas piadas étnicas, tendo seu povo limitado a "são todos iguais, a gente não consegue distinguir um do outro". 

O próprio símbolo do país, à primeira vista, pode gerar uma impressão equivocada, pois conectamos a ideia do dragão mais para monstro apavorante do que para a criatura benevolente idolatrada pelos chineses. Para eles, é sinônimo de poder, força, nobreza e boa sorte. Trata-se de um ser místico com características de diversos animais, como olhos de tigre, corpo de serpente, patas de águia, orelhas de boi e bigodes de carpa.

Essa multiplicidade, aliás, não poderia ser mais perfeita para entender a China contemporânea, uma nação com 1,4 bilhão de habitantes, cuja economia se diversificou. Desde 1979, vem mantendo uma incrível média de crescimento anual de 9,7%.

Há uma expressão bastante usada no país que revela uma visão de mundo dos empreendedores - "Data is new oil" ou "dados são o novo petróleo". Sim, eles são obcecados por informação e acreditam que o comando das empresas deve ter isso como prioridade absoluta. E, para concretizar o propósito, agem com foco, disciplina e pragmatismo. O conjunto destas três palavras pode ser visto como conservadorismo, ainda mais dentro de uma sociedade que se desenvolveu sob um regime totalitário no qual até quantidade de filhos era questão de Estado.

O certo é que as mesmas três palavras galvanizaram um comprometimento indiscutível nas pessoas e nas suas empresas. Elas gostam de trabalhar e demonstram muito orgulho em apresentar as consequências disso, seja por meio de eficiência operacional, da tecnologia que fez o país praticamente pular direto do papel- moeda para os meios virtuais de pagamento, sem passar pelo crediário e cartão de crédito. 

A maior parte dos chineses sequer aceita gorjeta: "Keep your money", agradecem. Em mandarim, talvez acrescentassem: "Gosto do que faço e tenho prazer em servi-lo". Eu complementaria: "Por isso, conquistaram o posto de segunda maior economia do mundo".

Empresário, presidente da CDL de Porto Alegre 
ALCIDES DEBUS


27 DE NOVEMBRO DE 2018
+ ECONOMIA

FUNDO COM PRESTÍGIO REAL

No início do mês, a nova sede da Schroders, gestora de recursos que administra cerca de US$ 600 bilhões, foi inaugurada com a rainha Elizabeth II. A presença da soberana, de 92 anos, foi interpretada como sinal de apoio às empresas que permanecem na City (equivalente londrino da Wall Street americana) a despeito do Brexit. Muitas companhias do setor financeiro anunciaram a saída ou deixaram a cidade após o Reino Unido ter aprovado a saída da União Europeia. A família que criou a empresa, em 1804, tem origem alemã, daí o nome.

Ontem, dois executivos da Schroders estiveram em Porto Alegre, em reunião no Sicredi, cliente de um dos fundos, que captou R$ 25 milhões neste ano.

- Atuamos no meio do mercado, entre os bancões e as pequenas butiques de investimento - descreve Daniel Celano, diretor nacional da Schroders.

Pablo Riveroll, mexicano que define a estratégia de investimentos na América Latina, afirma que a Schroders aumentou sua exposição ao Brasil em 2016 e segue vendo "um dos melhores países emergentes para investir".

Gaúchos que assumem risco estarão na Conversa com Risk Takers, no dia 28, no Pier X. José Renato Hopf, da 4all, Cassio Bobsin, da Zenvia e Fernando Seabra, diretor da Fiesp e líder dos analistas do Shark Tank Brasil, falam a convite do Feijó Lopes Advogados.

MARTA SFREDO


27 DE NOVEMBRO DE 2018
CARPINEJAR

Filhos soltos no futuro

A violência é emocional, é psicológica, é integral. Já entrou nos hábitos, nas gavetas, nos bolsos das roupas, nas brechas de amar, no roteiro das amizades.

Não saímos mais de casa com todos os cartões de crédito, a carteira se mostra cada vez mais magra e elementar na rua. Relógios são abandonados nas suas caixinhas de presente. Há um sorteio entre o casal para definir quem carregará o celular.

É um Deus pra lá, um Deus pra cá nas conversas ao pé de porta. "Vai com Deus, fica com Deus".

O "eu te amo" foi substituído por "te cuida".

O "tchau" e o "adeus" não têm mais nenhuma diferença.

Escuta-se o noticiário e os crimes que antes surgiam genericamente espalhados pela cidade irrompem agora no próprio bairro, na própria rua, com os vizinhos, cada vez mais perto e palpáveis.

Percebe-se que o pânico atingiu o seu ápice quando homens e mulheres, sempre obedientes às regras, sempre disciplinados com as suas contas, sempre honestos com os seus tributos, precisam transgredir uma lei para manter em vigor a Lei Maior da Vida.

Quem é do bem se vê obrigado, ironicamente, a deixar de cumprir uma legislação. Não porque não quer, mas porque não pode.

Com o número galopante de roubos de veículo à mão armada, o carro familiar virou um carro-forte, um laboratório de tragédia.

Preocupadas com a banalização das ocorrências policiais, as famílias vêm desistindo de afivelar suas crianças nos cintos das cadeirinhas (permanecendo apenas com a barra de proteção). Seria uma temeridade de trânsito numa época civilizada, mas se converteu em capricho na atual bolha de horror.

Os pais estão escolhendo um mal menor. Infringem um costume para conter o perigo de um sequestro. Abdicam da segurança pela sobrevivência. Optam pelas multas para não sofrer a ameaça de sequestro dos seus pequenos.

Não pretendem correr o risco de um assalto e da possibilidade de o ladrão, no calor da aflição, na afoiteza de fugir, levar as suas crianças.

Antes, a grande malandragem era atravessar semáforos vermelhos na madrugada, agora soltam as crianças, afrontando o bom senso. Onde vamos parar?

Os pais simulam como entregar o veículo mais rapidamente e resgatar em tempo hábil aquele que senta lá atrás. Cronometram o ensaio na garagem. Reúnem-se para treinar em grupo. Acreditam que um dia o pior vai acontecer, não existem exceções.

Ainda que os carros sejam blindados e com insufilm, a aguda intuição paterna e materna vive dos sobressaltos dos pressentimentos.

Há um medo no ar de passear e não voltar, de ir para a escola e não voltar, de ir trabalhar e não voltar. Há uma guerra pessoal e silenciosa aterrorizando os lares, paga parceladamente com suor e taquicardia.

CARPINEJAR

segunda-feira, 26 de novembro de 2018


26 DE NOVEMBRO DE 2018
CELSO LOUREIRO CHAVES

UM VIOLÃO


Mais um álbum com músicas de Francisco Mignone, o compositor brasileiro do século passado. Vida longa e música chegando até os 1980, sempre no mesmo passinho da inspiração brasileira, das festas e das valsas. Agora mesmo, o novo álbum reúne as 12 Valsas Brasileiras em forma de estudos para violão, de 1970. Valsas tão raramente tocadas que o registro de agora é o primeiro. E, se não fosse o violonista Edelton Gloeden, talvez essas valsas permanecessem esquecidas para sempre.

As 12 valsas, por serem 12, caminham pelo dó-ré-mi-fá-sol-lá-si de sempre, mas com um tempero: são tonalidades menores, o que já faz com que o ouvinte esbarre na melancolia e na saudade. Como diz o próprio Edelton, são sonoridades escuras para o violão, prontas para explorar novos afetos. Vai longe o entusiasmo e a festa das feitas matinais. O terreno é mesmo o da música noturna, para não dizer... soturna.

Por volta dos 1970, a música de Mignone era considerada ultrapassada, boa de ser atacada. Até José Maria Neves, pesquisador extraordinário, deu uma derrapada ao falar sobre Mignone no seu livro sobre música brasileira. Ele diz algo como: "as soluções propostas por Mignone para a tensão entre forma e conteúdo não correspondem às preocupações dos dias de hoje e por isto mesmo perdem toda a sua força". Hoje, aqueles dias de hoje são ontem e surpreende que o compositor continuasse compondo apesar (ou por causa?) destes ataques.

A recuperação da música de Mignone, em álbuns e partituras, prova que às vezes a música é mais forte que a crítica. O registro das Valsas Brasileiras é assim. Edelton Gloeden fala na cumplicidade que o intérprete deve ter com o compositor, ainda mais registrando uma obra esquecida há décadas. Não se poderia encontrar violonista melhor para essa cumplicidade com o espírito de Mignone. Não há dificuldade técnica que Edelton não transforme em música, não há música que ele não recrie como se dele mesmo saíssem aquelas partituras.

É isso que a música brasileira de concerto merece. Tanto nela foi esquecido que cada memória recuperada é um mundo de sons à nossa espera.

CELSO LOUREIRO CHAVES


26 DE NOVEMBRO DE 2018

DAVID COIMBRA

Nas redes na segunda-feira

Não entendo essa gente que posta foto de cachorro nas redes sociais. Criança, tudo bem. Crianças são filhotes de Homo sapiens, a nossa sabida espécie. Mas, cachorro? E quase sempre são aqueles cachorrinhos de apartamento, pequenos, peludos, feios. Sei que as pessoas amam seus bichinhos de estimação, também tive vários, tive até uma codorna, que é tão feia quanto um cachorro de apartamento, e a amei e amei-os todos, mas não ficaria mostrando foto deles para outras pessoas. Vou contar uma verdade dura até para uma segunda-feira: ninguém se interessa pelos bichos de estimação dos outros. Ninguém.

A mesma coisa os pés. Por que as pessoas publicam fotos de seus próprios pés? É verdade que existem amantes de pés, inclusive já escrevi sobre o Tarado do Pé, que atuava solertemente na noite de Porto Alegre, gemendo entre artelhos, lambendo calcanhares, cheirando tornozelos, mas, em geral, essa não é a parte mais admirada do corpo humano. Ao contrário. É difícil você encontrar um pé formoso, sem calos e outras imperfeições típicas de um membro que passa o dia inteiro sustentando o nosso peso e roçando humildemente pelo chão.

Pés estranhos há em abundância. A Naomi Campbell, aquela modelo inglesa altiva como uma imperatriz, negra de pele lisa e reluzente de sair faísca, olhos amendoados e boca carnuda de bergamota poncã, você olha para a Naomi Campbell e chega a estremecer de medo, tão linda ela é. Mas seus pés ostentam joanetes do tamanho de bolas de pingue-pongue.

Uma vez, uma revista, não lembro se a Placar, a Realidade ou a Manchete, publicou uma matéria sobre o pé mais importante da história do Brasil: o pé do Pelé. Havia uma foto de página inteira, em cores, do pé do homem. Horrível. Mas, tudo bem, aquele pé marcou mais de 1,2 mil gols. Depois, a Xuxa, que namorou com o Pelé, disse que o pé dele era a coisa mais feia que vira na vida. Pelé respondeu:

- Se ela se lembra do meu pé, imagina do resto.

Nem precisava de resposta. O pé do Pelé é perfeito. Palmas para o pé do Pelé.

Outra foto que me intriga nas redes é a do elevador. As mulheres, sobretudo elas, entram num elevador, miram-se no espelho e pensam: "Tenho de me fotografar neste elevador e colocar no Instagram. As pessoas precisam ver que estou andando neste elevador. Olha só: que elevador!".

Por que, meu Deus?

Segunda-feira é bem dia de bater foto em elevador.

Não bastasse isso, alguns fazem efeitos especiais nas fotos e se colocam focinho e orelhas de cachorro. Sério, eles fazem isso.

E tem ainda aqueles que botam fotos fechadas deles mesmos, tipo 3 x 4. Você não está fazendo nada de especial, não está em nenhum lugar diferente, nem mesmo dentro de um elevador. A foto é apenas do seu rosto, nada mais. E você vai lá e publica para o mundo contemplar. Por que as pessoas quereriam ver sua cara? Se você fosse a Irina Shayk, aí, sim, tudo certo. Alguém vê uma foto da Irina Shayk, aqueles olhos verdes-mar, aquela boca lúbrica, aquele ar enigmático de mulher que faz maldades e diz:

- Ai. Só que você não é a Irina Shayk! Você é? aí vai outra verdade dura de segunda-feira? você. As redes. Às vezes, elas são um mistério. Da próxima vez que entrar em um elevador, vou tirar uma foto. Quero ver se é bom mesmo.

DAVID COIMBRA


26 DE NOVEMBRO DE 2018

EDUCAÇÃO


Aposta nas escolas comunitárias


PREFEITURA INVESTE EM PARCERIAS com instituições privadas, já responsáveis pela maior parte das vagas na Educação Infantil

A mudança começa pelo vocabulário. Cada vez que um interlocutor classifica uma escola como "conveniada" com a prefeitura de Porto Alegre, o secretário municipal de Educação, Adriano Naves de Brito, cordialmente corrige:

- Conveniada, não. Escola da Rede Municipal Comunitária.

O esforço não é mero preciosismo. É uma das múltiplas formas com que a prefeitura tenta dar às instituições anteriormente conveniadas status de escolas municipais de fato, como hoje são as 43 escolas municipais de Educação Infantil (Emeis) e os 49 colégios de Ensino Fundamental, que a prefeitura passou a chamar de "escolas público-estatais".

O modelo das comunitárias, aplicado quase na sua totalidade na Educação Infantil, ganhou fôlego no governo Nelson Marchezan a partir do Marco Regulatório da Educação, decreto que regulamentou a aplicação no município da lei federal 13.019/2014, que disciplina parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil "em regime de mútua cooperação". A partir dele, a prefeitura chamou à mesa de negociação as 227 entidades com que o poder público tinha convênio, pelo qual repassava um valor por aluno na Educação Infantil. Cerca de 75% das vagas de Educação Infantil do município funcionam assim: são 21 mil "compradas" das antigas conveniadas e cerca de 6 mil nas Emeis.

Ao anunciar aumento no valor das bolsas de 30% para 2018 e mais 15% em 2019, a Smed estabeleceu exigências e firmou novos contratos com 218 delas, majoritariamente de dois anos. Com as que demandavam adaptações profundas (15), estabeleceu acordos de um ano e firmou termos de ajustamento de conduta (TACs).

Há outro ponto considerado positivo, ao menos para o governo municipal. Ao limitar sua participação nas escolas em um valor investido por vagas e cobrar adequações e resultados, a prefeitura se desonera de uma série de obrigações administrativas que vão de negociações com servidores públicos até a resolução de problemas de estrutura dos colégios. No modelo público-estatal, do encanamento do banheiro ao professor de matemática, as obrigações são do Executivo.

AUTONOMIA PARA RESOLVER PROBLEMAS DE ZELADORIA

A Smed afirma que, desde agosto, aumentou em média 135% o repasse por aluno às público-estatais. A intenção, conforme o secretário, é aproximar os dois modelos também pela outra via, dando mais recurso e independência para cada escola do município. Para o mesmo fim, desativará o setor de manutenção, diz Naves de Brito:

- O que acontecia antes: o repasse era mínimo e, quando o banheiro entupia, o diretor ligava para o setor de manutenção da Smed, que é pequeno, desaparelhado e ineficiente, para dizer o mínimo. Nossa ideia é que a secretaria repasse recursos ao conselho de cada escola e não precise se envolver em questões de zeladoria.

No caso de reformas maiores nos prédios, o secretário declara que a prefeitura negocia financiamento junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

CAUE FONSECA


26 DE NOVEMBRO DE 2018
OPINIÃO DA RBS

UM ALENTO NA SEGURANÇA

O número de assassinatos continua elevado demais em todo o Estado e os gaúchos seguem às voltas com uma rotina assustadora de chacinas, tiroteios e mortes. Ainda assim, o simples fato de o total de vítimas fatais da violência ter diminuído de janeiro a outubro nas 10 maiores cidades da Grande Porto Alegre, incluindo a Capital, significa um alento para a população, que hoje não se sente protegida nem dentro de casa. Depois do descontrole, há sinais de que as forças de segurança pública, finalmente, encontraram uma brecha para conter a expansão da criminalidade.

Balanços de curto prazo e avanços localizados não podem ser vistos como tendências, nem se prestar para comemorações antecipadas. 

A cautela vale particularmente no caso do crime organizado, que tem por estratégia justamente o desafio constante à capacidade de resposta por parte das forças de segurança pública. E as polícias, como sabem a sociedade e, particularmente, os criminosos, têm sua atuação limitada pela falta de recursos humanos e financeiros, agravada pela intensificação da crise do setor público. Até por isso, é necessário, agora, que as alternativas bemsucedidas possam ser replicadas em outras grandes cidades, nas quais os assassinatos continuam em tendência de alta. 

Entre os casos críticos, estão cidades serranas como Caxias do Sul e Bento Gonçalves, além de Rio Grande, na Região Sul. Preocupa também a situação de pequenos municípios desprotegidos do Interior para os quais o crime organizado vem dando sinais claros de estar migrando. A missão das autoridades é facilitada pelo fato de a fórmula bem-sucedida em municípios populosos da Região Metropolitana ser simples e óbvia. 

As prioridades incluem prisão de assassinos, intensificação do policiamento ostensivo pela Brigada Militar e combate ao tráfico de drogas e à lavagem de dinheiro com o sequestro de bens das facções. Fica evidente que o isolamento dos líderes do crime, reduzindo as disputas por território do tráfico, foi decisivo. E a esse esforço se somam ações da própria sociedade, como a liderada pelo Instituto Cultural Floresta, que articula doações de equipamentos para as polícias. 

Os resultados promissores registrados pela Secretaria da Segurança Pública em alguns municípios, na comparação com o período anterior, tornam evidente que o simples enfraquecimento do tráfico, deixando-o sem recursos e sem mão de obra, já significa um ganho importante para a população. A sociedadenão quer soluções mágicas, mas, sim, que o poder público cumpra com o seu dever de deixá-la viver em paz e com segurança.


26 DE NOVEMBRO DE 2018
ECONOMIA

Valor das marcas é tema de debate

ASSUNTO SERÁ DISCUTIDO na 4ª edição do AHEAD!, evento promovido amanhã pelo Grupo RBS
Novas mídias, informações e produtos ao alcance de um toque, negócios globais e consumidores digitais são apenas alguns dos elementos que compõem, atualmente, o panorama em que as marcas estão inseridas. Em um mundo regido pelo imediatismo, construir reputação, manter um relacionamento duradouro com o consumidor e agregar valor à marca se transformaram em novos e poderosos desafios para empresários, comunicadores e gestores de marketing.

Pesquisa recente realizada pela PriceWaterhouseCoopers (PwC) mostra que, entre os novos consumidores digitais, as redes sociais são a principal fonte de inspiração na hora de escolher um produto ou uma marca, seguidas por sites de comparação de preços.

Frente a essas transformações nos hábitos de consumo, encontrar novos formatos para o desenvolvimento de uma marca a partir de sua reputação e do relacionamento com os consumidores é o tema central da quarta edição do Ahead!, programa de debates do Grupo RBS, dirigido ao mercado publicitário. Participam da conversa Maria Fernanda Albuquerque, diretora de marketing da Skol, e Danielle Bibas, responsável pela estratégia digital e pelas campanhas globais da Avon.

- Hoje, os consumidores se tornaram mais exigentes. Eles não aceitam mais vendas forçadas. Não há espaço no mercado para empresas que só pensam em oferecer determinado produto ou se comunicar de forma unilateral. É preciso passar conhecimento, gerar conteúdo relevante e dialogar com o consumidor - defende Danielle, uma das primeiras brasileiras a assumir uma posição global dentro da gigante de cosméticos e recentemente reconhecida como Women to Watch Brasil.

É o que defende também o professor de branding da ESPM-SUL Genaro Galli. Segundo o especialista, trabalhar conteúdos relevantes, engajar o público e fazer com que ele alimente essa cadeia, de forma bilateral, é fundamental. Para tal, diz o professor, é necessário ter coerência entre as ações digitais, o posicionamento da marca e o propósito dela.

A marca, argumenta Galli, deve ter algo a dizer ao mercado, ter propósito claro, com discurso conectado aos movimentos contemporâneos.

- Existem demandas quantitativas imediatas, que não podem ser deixadas de lado, mas é preciso sempre trabalhar a construção da marca visando também ao médio e ao longo prazo, porque é isso que vai gerar receita, que vai provocar engajamento e pertencimento do público em relação à marca.

Em entrevista à colunista Marta Sfredo, publicada na quinta-feira (22), Maria Fernanda contou que, na Ambev, o posicionamento se dá por meio de valores e do cuidado para que os mais de 28 rótulos de cerveja não se "esbarrem". Nos últimos anos, a empresa passou por mudanças e se direcionou para a diversidade.

- A Skol sempre foi de quebrar regra, provocar o tradicional, o padrão. Hoje, são importantes para a sociedade questões que a Skol levantou, como a de gênero. Foi bacana abraçar esses pontos e fazer com que eles ficassem ainda maiores - afirmou a diretora de marketing.

26 DE NOVEMBRO DE 2018
POLÍTICA +

EDUCAÇÃO, A SECRETARIA MAIS DIFÍCIL DE PREENCHER


A decisão de Eduardo Leite de separar Educação, Saúde e Fazenda das secretarias que entrarão na negociação com os partidos parte da premissa de que essas áreas precisam ficar protegidas das injunções políticas. Para a Fazenda, Leite fez a chamada busca ativa, depois de definir o perfil desejado.O escolhido, Marco Aurelio Santos Cardoso, é funcionário de carreira do BNDES e tem vasto conhecimento da área de finanças públicas. Pelo tamanho da crise que o Estado enfrenta, o senso comum diz que é o cargo mais difícil de preencher, mas não é. Desafio mesmo é encontrar um secretário para a Educação,a pasta mais relevante para o futuro.

O futuro governador busca alguém que pense a educação de forma inovadora, comande uma revolução para adequar as escolas ao mundo digital e também seja bom gestor. Se fosse uma empresa, a Secretaria da Educação estaria entre as maiores em número de empregados.

Diferentemente da Secretaria da Fazenda, que trabalha com uma equipe bem remunerada, organizada em carreiras modernizadas nos últimos anos, na Educação o quadro é desolador. Boa parte da energia do secretário é consumida na administração das tensas relações com o Cpers, um sindicato forte que resiste a qualquer tentativa de mudar o plano de carreira dos anos 1970. Por se tratar de um plano em que o salário só melhora quando o professor se aproxima da aposentadoria, a carreira no magistério não consegue atrair os melhores alunos como ocorre nos países desenvolvidos. Não faltam candidatos nos concursos, mas a procura por cursos de formação de professores nas universidades é incomparavelmente menor do que para outras profissões.

A pauta salarial, que motivou incontáveis greves desde o governo de Pedro Simon (1987-1990), ganhou um apêndice desde a criação do piso nacional, que o Estado não paga como básico da carreira. Nenhum professor recebe menos do que o piso, mas o entendimento do Cpers é de que ele deve ser o básico sobre o qual incidem todas as vantagens da carreira, incluindo os adicionais de tempo de serviço.

O embate salarial trava o debate sobre a qualidade do ensino oferecido a crianças e adolescentes. E é esse o grande desafio de quem for escolhido para comandar a Educação: melhorar os índices de desempenho dos alunos, que estão abaixo de Estados mais pobres do que o Rio Grande do Sul. Quem aceitar a tarefa de gerir a Educação terá de ter humildade para buscar exemplos de sucesso dentro e fora do Brasil.

A ideia de que se pode resolver os problemas da educação no Estado comprando vagas em instituições particulares é fantasiosa. O economista Aod Cunha faz três ressalvas: 1. O desempenho das escolas privadas está distante do desejado. 2. Não há escala. Nas grandes cidades, faltariam vagas, e, em centenas de municípios, só existem escolas públicas. 3. Os países que conseguiram um salto de qualidade na educação o fizeram melhorando a escola pública.

ROSANE DE OLIVEIRA


26 DE NOVEMBRO DE 2018

CLÓVIS MALTA

Por que porto "alegre"?

Não temos mais dúvida de que Porto Alegre deixou de ser um porto de verdade há muito tempo. Que pena, mas deixou. Fazer o quê? Agora, diga você, do fundo daquilo que parece ser o mais fundo de seu ser: continua alegre?

Pensamos nisso quando miramos da orla o esplendor dessa espécie de mar doce com suas águas barrentas do qual há quase três séculos emergiram os tais casais açorianos. Seria coisa breve, mas... duas décadas depois, ainda aguardavam pela documentação de terras para prosseguir até as Missões.

Diante da imensidão de águas, colinas, matas nativas, ilhas, pássaros e esses céus - que céus -, o que mais poderiam ter feito os ilhéus portugueses? Foram povoando o lugarejo com seus filhos. Nascemos, assim, do descaso e da enganação, mas acharam o porto alegre. E é. Continua sendo. Não porto. Não mais. Mas alegre.

Então, mano, não tem que ficar na tristeza.

Porto-alegrenses, entre os quais os desgarrados para os quais "o que vale é o sonho", com a eterna gratidão a Mário Barbará, os que apenas estão de visita, todos vocês: tem muita coisa alegre nessa "Cidadezinha... Tão pequenina/ Que toda cabe num só olhar", como a pintou em palavras Mario Quintana. E vai além da música, da poesia. Tem muita, mas tanta coisa, que faltaria espaço na chaminé do Gasômetro, num caderno de páginas incontáveis, numa folha dobrada infinitas vezes em direção às estrelas para enumerá-las.

Por trás do abandono, a alegria transborda entre os que vendem com entusiasmo o seu peixe e a eterna bomba gigante de sorvete no Mercado Público, síntese e alma da província. A sensação de júbilo se movimenta no pedal dos ciclistas, ocupando todos os espaços.

Está também nesses grupos que penduram uma caixa de som no poste e assam churrasco na calçada, está no flow das ruas das batalhas de MCs que levam as torcidas ao êxtase, está nos saraus com champanhe, naquela surpresa com a qual recebemos abraço grátis, nos barcos e ônibus lotados de turistas, nas limusines de festa-ostentação, nuns bairros em que as pessoas ganham pouco e custam a chegar. Ainda assim, fazem pagode, tomam cerveja, fazem planos, tomam porrada. E, no outro dia, despertam com os mesmos pássaros das áreas ditas nobres, que brindam democraticamente a todos com seu canto.

Porto Alegre já foi chamada de tudo que é jeito, como esses pontos de comércio nos quais nada dá certo. Não é por inércia que continuamos nos referindo à cidade com esse nome. Seguimos vendo-a como um imenso cais. Nela, ancoramos nossa esperança por bons dias.

Temos motivos aos montes, como os que nos cercam, tão lindos, para considerarmos feliz a nossa Porto Alegre. E os reforçamos ao repetir os dois termos como mantra, até nos sentirmos tomados por seu significado, sob esses céus - que baitas céus.

Há infinitas razões para percebermos contentamento em volta e dentro de nós mesmos. Você deve ter as suas. Descreve-as. Repita-as em voz alta. Espalhe-as como se faz com essas bandeirinhas de oração tremulando ao vento. Deseje que a alegria possa beneficiar a todos. Persista, aguarde um tempo e veja o que acontece.

CLÓVIS MALTA