13
de outubro de 2012 | N° 17221
CLÁUDIA LAITANO
Malala
Todas
as notícias ruins sobre crianças nos comovem, mas as notícias ruins sobre
crianças que têm a idade dos nossos filhos simplesmente nos devastam. É
irracional e talvez até mesmo egoísta, já que o que nos embrulha o estômago
nesses casos não é exatamente o sofrimento de uma família estranha, mas a
associação involuntária com a criança que temos em casa.
Podemos
nos identificar com outros adultos porque eles têm a mesma profissão que nós,
interesses comuns ou mesmo proximidade geográfica, mas para ver o rosto do
nosso filho no rosto dos filhos dos outros basta uma coincidência de datas.
Pobres
ou ricas, brasileiras ou esquimós, vindas de famílias felizes ou nem tanto,
crianças da mesma idade parecem todas pertencer a uma mesma tribo imaginária.
Darwin, mais do que Freud, talvez explique esse curioso impulso de preservação
da espécie que nos leva a querer proteger todas as crianças – e, entre elas,
mais ainda aquelas que poderiam ser nossas.
Malala
Yousafzai, como a minha filha, tem 14 anos – e apenas esse detalhe aleatório já
seria suficiente para que, em meio a tantas notícias mais ou menos distantes, a
história desta menina paquistanesa que levou dois tiros na saída da escola se
impusesse diante de todos os outros assuntos.
O
tom de voz, o olhar aceso e principalmente aquele jeito de oscilar o tempo todo
entre a criança, que já não é, e a mulher, ainda por ser, são os mesmos aqui ou
no Paquistão. Num minuto, as garotas de 14 anos choram por nada e correm para
um colo já simbólico quando precisam de consolo. Em seguida, são adolescentes
com opiniões que já não são as nossas, perguntas que a gente não sabe
responder, medos que a gente nunca teve.
Minha
filha tem medo de ladrões. Malala tinha medo de ir à escola. A região em que
ela vive no Paquistão sofre com o terrorismo dos talibãs, que decidiram incluir
entre suas causas alucinadas o fechamento das escolas para meninas. Malala
tornou-se o rosto e a voz das garotas que sonham em poder estudar, brincar na
rua, pintar as unhas.
Em
um depoimento em vídeo concedido para o New York Times em 2009, Malala diz que
quer estudar e ser médica. Nesse trecho da entrevista, ela para, olha para o
pai e chora – talvez em dúvida se sonhou alto demais. Mais adiante, surpreende
pela lucidez e pela autoconfiança de quem, aos 11 anos, já sabia bem o que
queria.
Não
é toda hora que a História nos oferece a oportunidade de vermos luzes e trevas
se defrontando de forma tão inequívoca. De um lado, uma menina corajosa e cheia
de vida lutando pelo direito de estudar. Do outro, covardes fanáticos capazes
de atirar em meninas de 14 anos.
Enquanto
escrevo, Malala ainda está no hospital, mas já se tornou um ícone planetário. A
gigantesca ameaça com voz e rosto de criança foi atingida da forma mais covarde
possível, mas sobreviveu e ficou mais forte ainda. Malala ainda pode sonhar com
um futuro. Os talibãs, mesmo sobrevivendo, jamais chegarão lá.
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