25 de outubro de 2012 | N° 17233
LETICIA WIERZCHOWSKI
Pouco
João e muito barulho
Não há coisa pior do que viver sob a ditadura do barulho – ninguém
cria, ninguém dorme, ninguém lê, ninguém pensa quando está preso às vis garras
do barulho.
E a poluição sonora aumenta a cada dia – em prol do
progresso, os limites são estendidos, e o sacrossanto sábado passou a ser
considerado um dia útil como qualquer segunda-feira, de modo que você pode ser
acordado por uma britadeira às sete horas da manhã, e a única coisa a fazer é virar
pro outro lado e lamentar o sono perdido.
O barulho engoliu nossa vida cotidiana: buzinas no tráfego,
música alta tocando indiscriminadamente no comércio, serras, bate-estacas,
caminhões de concreto, britadeiras – o rock pesado da construção civil. Quem
aguenta? Dia desses, no salão onde arrumo meus cabelos, estava euzinha num
daqueles lavatórios esquisitos (deveria ser esse um momento relaxante), mas,
sobre a minha cabeça molhada, tocava uma furiosa música dance.
Quem quer lavar os cabelos como se estivesse numa rave?
Festa da escola do meu filho: cinco horas de tecno a todo volume (e o meu filho
tem 4 anos...). Gente, eu quero silêncio. Eu quero poder ouvir meus pensamentos
nem que seja eventualmente, quero ouvir o riso das crianças brincando nos seus
quintais (ok, sejamos modernos: brincando nos playgrounds).
Eu quero pensar de janelas abertas porque vem chegando o verão.
Mas estamos nos afastando disso cada vez mais: silêncio é coisa que já era.
Eu sinto falta até das vassouras! Pois elas foram substituídas
por essas maquininhas hediondas que sopram as folhas ao custo daquilo que me
parece ser uns 150 decibéis. Aqui no prédio, usam muito essa máquina, o que
deve molestar toda a rua, creio eu. Segundo a minha pesquisa, a dita cuja se
chama mesmo “soprador de folhas”. Um nome tão lúdico para tamanha monstruosidade
da vida moderna...
Enfim, quando me falta silêncio na vida real, socorro-me na
ficção. Agarrada que ando ao livro 14 contos de Kenzaburo Oe. Grandes histórias
do escritor japonês Nobel de Literatura de 1994. Como todo bom japonês, Oe sabe
valorizar o silêncio, e suas histórias são plenas do não dito – os japoneses
cuidam do silêncio em todos os seus aspectos.
Nós, tolinhos ocidentais, andamos por aí falando tudo,
falando sempre, rompendo a serenidade das manhãs com as nossas máquinas malucas
e a nossa música furiosa. Bem disse Caetano Veloso: “melhor que o silêncio, só João”.
Eu acrescentaria o Oe.
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