sexta-feira, 12 de outubro de 2012


Jaime Cimenti

Dia de criança

Um dos meus melhores dias de criança foi quando tinha quatro anos. A coisa aconteceu uns nove anos antes de A banda, do Chico Buarque, ganhar o Festival e pareceu cena de filme do Fellini. Bento Gonçalves, 1958, eu e meu amigo Aldinho, também de quatro anos, estávamos na calçada, na frente de nossas casas, de pé no chão e de pijama.

Daqueles antigos de pelúcia, que a calça e a parte de cima ficam juntas através de botões. Não sei se já tínhamos tomado café. Aí chegou uma bandinha com uns sete ou oito componentes caminhando e tocando. Clarinete, pistão, tambores, bombardino, flauta e talvez uns outros instrumentos perdidos na memória. Eu e o Aldinho resolvemos ir atrás dos sons. Fomos até o centro da cidade, uns cinco quarteirões adiante.

Não sei para onde a bandinha foi, mas nós ficamos no centro, tipo assim, meio perdidos. Um conhecido nos encontrou, perguntou o que estava acontecendo e nos levou de volta para as nossas mães aflitas. Desde aquele tempo gosto muito de música e, no fundo, até me considero um músico frustrado. Uns trinta anos depois do dia da banda tive aulas de saxofone.

Pena que parei depois de um ano. Cinquenta e poucos anos depois do lance da banda comecei a ter aulas de canto. Cole Porter, Tom Jobim, Tony Bennett, Cartola, repertório por aí, música da boa, de verdade - me aguardem!

Tudo isso para dizer que a criança é o pai do homem, que quando a gente cresce ou tenta crescer tem mais é de virar menino. Nada mais mágico e importante que os sonhos de criança. Realizar ou não, é outro papo. Criança, criar, criatividade, esperança. Nesse minuto estão nascendo muitas crianças. Cada uma um bilhetinho de Deus dizendo que ainda acredita no progresso dos seres e dos planetas. Ele insiste.

Sim, hoje as coisas andam meio adulteradas, adultos se comportam e, às vezes, se vestem como crianças, crianças agem como adultos e tal, cheios de agendas e compromissos. Sempre foi um pouco assim, uns tentando e, às vezes, conseguindo educar os outros. Além dos presentes do dia, do shopping etc.

O mais importante é seguir vendo e ouvindo a banda, imaginária ou não, e ir atrás de outros sonhos, como quiser, escolha o seu.

Morre mais feliz quem morre com mais brinquedos. Brinque de ser sério, leve a sério a brincadeira, não fuja de seus deveres de adulto, mas não perca jamais o olhar brilhante e curioso de criança e de turista. Aquele olhar que viu pela primeira vez a luz do sol, naquele lugar e naquele tempo inesquecíveis. O olhar aquele que inaugura o mundo, sempre.
Jaime Cimenti

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