Jaime
Cimenti
Dia de criança
Um
dos meus melhores dias de criança foi quando tinha quatro anos. A coisa aconteceu
uns nove anos antes de A banda, do Chico Buarque, ganhar o Festival e pareceu
cena de filme do Fellini. Bento Gonçalves, 1958, eu e meu amigo Aldinho, também
de quatro anos, estávamos na calçada, na frente de nossas casas, de pé no chão
e de pijama.
Daqueles
antigos de pelúcia, que a calça e a parte de cima ficam juntas através de botões.
Não sei se já tínhamos tomado café. Aí chegou uma bandinha com uns sete ou oito
componentes caminhando e tocando. Clarinete, pistão, tambores, bombardino,
flauta e talvez uns outros instrumentos perdidos na memória. Eu e o Aldinho
resolvemos ir atrás dos sons. Fomos até o centro da cidade, uns cinco quarteirões
adiante.
Não
sei para onde a bandinha foi, mas nós ficamos no centro, tipo assim, meio
perdidos. Um conhecido nos encontrou, perguntou o que estava acontecendo e nos
levou de volta para as nossas mães aflitas. Desde aquele tempo gosto muito de música
e, no fundo, até me considero um músico frustrado. Uns trinta anos depois do
dia da banda tive aulas de saxofone.
Pena
que parei depois de um ano. Cinquenta e poucos anos depois do lance da banda
comecei a ter aulas de canto. Cole Porter, Tom Jobim, Tony Bennett, Cartola,
repertório por aí, música da boa, de verdade - me aguardem!
Tudo
isso para dizer que a criança é o pai do homem, que quando a gente cresce ou
tenta crescer tem mais é de virar menino. Nada mais mágico e importante que os
sonhos de criança. Realizar ou não, é outro papo. Criança, criar, criatividade,
esperança. Nesse minuto estão nascendo muitas crianças. Cada uma um bilhetinho
de Deus dizendo que ainda acredita no progresso dos seres e dos planetas. Ele
insiste.
Sim,
hoje as coisas andam meio adulteradas, adultos se comportam e, às vezes, se
vestem como crianças, crianças agem como adultos e tal, cheios de agendas e
compromissos. Sempre foi um pouco assim, uns tentando e, às vezes, conseguindo
educar os outros. Além dos presentes do dia, do shopping etc.
O
mais importante é seguir vendo e ouvindo a banda, imaginária ou não, e ir atrás
de outros sonhos, como quiser, escolha o seu.
Morre
mais feliz quem morre com mais brinquedos. Brinque de ser sério, leve a sério a
brincadeira, não fuja de seus deveres de adulto, mas não perca jamais o olhar
brilhante e curioso de criança e de turista. Aquele olhar que viu pela primeira
vez a luz do sol, naquele lugar e naquele tempo inesquecíveis. O olhar aquele
que inaugura o mundo, sempre.
Jaime
Cimenti
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