14
de outubro de 2012 | N° 17222
MARTHA
MEDEIROS
Em caso de incêndio
O
alarme do prédio disparou às quatro da manhã. Não sou de entrar em pânico, mas
era preciso ver o que estava acontecendo. Não estava acontecendo nada, como eu
imaginava. Disparou de exaltado.
Mas
e se fosse pra valer?
Não
há quem não tenha se perguntado, um dia, o que salvaria em caso de incêndio. O
fogo começa num determinado andar e se alastra, novos focos começam a se
precipitar, os bombeiros são acionados, mas é prudente não aguardá-los sentada.
Corra. O que você leva com você?
O
site www.theburninghouse.com propõe esse exercício a fim de revelar se somos práticos,
sentimentais ou apegados a objetos de valor. As pessoas que participam do site
listam seus itens indispensáveis e postam a foto desses “não-posso-viver-sem” que
não deixariam para trás de jeito nenhum. É um convite para fazermos o mesmo.
A
maioria dos que entraram na brincadeira tem entre 20 e 30 anos, e é curioso
como são românticos. Entre os artigos mais citados estão fotos dos pais e
caixas contendo cartas e bilhetes que remetem ao passado – mesmo nessa idade,
eles já têm um.
Ainda
entre os objetos que não deixariam queimar, estão os livros preferidos, relógios
de pulso, o passaporte, máquinas fotográficas, óculos escuros, jogos de
canetas, a camiseta de estimação e, naturalmente, notebooks, iPhones e demais
eletrônicos portáteis.
Excetuando
a aparelhagem tecnológica, os outros objetos me surpreenderam pelo espírito
nostálgico. Relógio de pulso? Livros? Canetas? Máquinas fotográficas? Muitos
deles não desgrudariam da sua rolleyflex comprada numa feira de antiguidades.
Quase
não aparece algo caro ou prático: na iminência de perder objetos definidores de
sua identidade, o vínculo com o passado demonstra ser imprescindível para que
eles consigam ir em frente – a maioria desses jovens revelou-se tão sentimental
quanto seus avós.
Para
quem já está longe dos 20 anos, no entanto, creio que há outras prioridades. De
minha parte, seres vivos estariam no topo da lista: todos salvos? Bom, havendo
ainda tempo para reunir um kit de sobrevivência básico, eu trocaria os óculos
escuros pelos óculos de grau, pegaria a chave do carro, identidade, o celular,
cartões de crédito e um casaco, o primeiro que visse. Seria bem prática e
deixaria para lamentar pelos meus perfumes depois.
Espelho,
espelho meu, quão insensível serei eu?
Não
citei as dezenas de álbuns de fotografia (sou um pterodátilo, ainda amplio
fotos) porque não teria mãos suficientes para carregá-los, mas é a única coisa
que me faria falta no quesito material. Livros, discos, joias, roupas, tudo
isso se readquire com o tempo. Afora os álbuns, não consigo destacar um único
objeto indispensável da casa: toda ela é o meu universo, é onde escrevo a história
da minha vida, seria perda total.
Por
isso, a presteza em salvar objetos práticos que me fossem indispensáveis não pelo
apego ao passado, mas que me ajudassem a construir tudo de novo. Não tenho mais
tempo para nostalgia. Minha juventude ainda está em acreditar no futuro.
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