sábado, 27 de outubro de 2012



28 de outubro de 2012 | N° 17236
O CÓDIGO DAVID

O casamento dos séculos

Há 500 anos, um casamento mudou a SUA vida.

Direi por quê.

Esse casamento ocorreu num 28 de outubro como o deste domingo, por coincidência o dia em que, às margens da feérica Avenida Paulista, no peito pulsante das finanças do Brasil, realiza-se um não menos pulsante Festival de Noivas. Li sobre o Festival esta semana, e imagino as noivas em festa na Pauliceia. Porém, nenhuma das futuras esposas que alegres circularão por São Paulo neste domingo haverá de protagonizar cerimônia semelhante à do casamento a que me refiro: o de Catarina de Médicis com Henrique II, mais tarde consagrados rei e rainha da França.

Primeiro vamos falar da cerimônia. Naquele tempo, os padres não presidiam casamentos, mas o de Catarina teve a presença de ninguém menos do que o chefe de todos os padres, o papa, que era seu tio. A festa durou dois dias. No segundo, uma bela cortesã de Marselha resolveu temperar o vinho dos convidados mergulhando seus seios nas taças cheias. As outras mulheres presentes gostaram da ideia e imitaram a marselhesa. Em alguns minutos, a festa virou orgia e como orgia seguiu madrugada afora.

A essa altura, no entanto, os noivos já haviam sido conduzidos pelo pai de Henrique, o rei, para o quarto nupcial. O próprio rei os orientou como proceder.

E eles procederam.

No dia seguinte, o papa visitou o quarto para conferir se haviam procedido. De fato, consummatun est. Ansioso para que a sobrinha engravidasse, ele permaneceu em Paris mais alguns dias, mas... nada. Muito prático, o santo padre sugeriu que ela experimentasse a fertilidade de outros homens, só que Catarina já estava apaixonada por Henrique e manteve-se fiel a ele, como continuaria por toda a vida. Mesmo um casamento por encomenda pode gerar amor verdadeiro.

A grande invenção de Catarina

A cerimônia pôde ser considerada no mínimo alegre, já sabemos, mas, afinal, por que aquele casamento foi tão importante? Arrá! Porque, transformada em rainha, Catarina transformou os franceses, que transformaram o mundo.

Catarina não era francesa; era florentina. Na época, Florença era a cidade mais sofisticada do mundo. Os franceses, em comparação com os florentinos, não passavam de grosseirões. Foi Catarina quem os ensinou modos à mesa. Hoje, você come com garfo por causa dela. Catarina, aliás, gostava bastante de comida. Depois dos 40 anos, engordou a tal ponto que, um dia, uma égua não suportou seu peso, desabou com ela sobre o lombo e faleceu.

E aí está outro gosto de Catarina: cavalgar. O problema é que, na época, as mulheres não usavam nada sob os amplos vestidos. Assim, quando elas iam montar, os homens em volta se divertiam com a paisagem de suas intimidades. Catarina, engenhosa, inventou algo para solucionar a questão: a calcinha, um pequeno pedaço de tecido para a região pudenda, mas um grande passo para a Humanidade.

Catarina também instituiu o 1º de janeiro como primeiro dia do ano civil entre os franceses – antes dela, a Páscoa era comemorada nessa data. Um de seus filhos foi o disseminador do emocionante jogo de bilboquê. E a outra inspirou um bom romance de Dumas, que inspirou um bom filme com a ótima Isabelle Adjani: a Rainha Margot.

Não são motivos suficientes para comemorar a data do casamento de Catarina?

A gangorra

Um importante juiz de direito amigo meu disse outro dia uma frase que me ficou latejando no cérebro:

– Liberdade e segurança estão numa gangorra: quanto mais se tem uma, menos se tem a outra.

Perfeito. Uma sociedade madura, sabedora desta verdade, tem de buscar o equilíbrio, tem de compreender o momento em que uma tábua da gangorra deve estar mais alta e a outra mais baixa, e as razões disso.

O indivíduo também precisa ter essa consciência. Na infância, a criança bem cuidada passa os dias obedecendo ordens dos adultos. Ela não tem liberdade, mas está protegida – tem segurança. Na adolescência, ela se rebela, ela cai no mundo, ela busca liberdade – e corre riscos, e tem menos segurança. O adulto, à medida que o tempo passa, vai lidando com essa gangorra. Ou, pelo menos, deveria saber lidar com ela.

Em seu livro de viagens, a Martha Medeiros diz: “A liberdade é uma ilusão, eu sei. Ninguém é inteiramente livre, a não ser que não possua vínculos”. Exatamente: vínculos são laços afetivos, e laços prendem.

O casamento tem essa função, de ser um laço, de unir. Donde, seu símbolo é uma aliança, que nada mais é do que um elo. Uma pessoa casada é menos livre, mas é mais segura. Você é que decide em que lado da gangorra vai sentar.

O QUE LER - Um lugar na janela

Li o novo livro da Martha Medeiros, Um lugar na janela – relatos de viagem, e depois fui conversar com ela. Então, a Martha, modesta como é, disse, com intenção de se menoscabar, que o texto do livro às vezes parece-lhe ter sido escrito por uma menina de 13 anos de idade. Dei um tapa na testa. Mas é isso mesmo!

O livro é tão genuíno, tão puro, que dá a impressão de ser obra de uma menina. E é justamente por isso que “Um lugar na janela” é encantador. Esta é, precisamente, a palavra: encantador.

Trata-se de um livro sem dissimulações, como todas as pessoas deveriam ser. Martha não esconde o seu deslumbramento com os lugares que visita e, assim, deslumbra o leitor. Mais do que isso: faz com que o leitor se sinta jovem, talvez com 13 anos. Uma bela idade para se ter.

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