14
de outubro de 2012 | N° 17222
CLAUDIA
TAJES
De volta à vida
real
Quando
esta coluna for publicada, minha viagem será uma feliz lembrança. Para
atrapalhar a programação das editoras Mariana Kalil e Sandra Simon, que
contavam com estas crônicas por três meses, escrevo já no avião, efeito de um
e-mail recebido há alguns dias.
Ou
volta ou não precisa voltar mais, disse meu sucinto chefe. Restou lembrar da
frase do John Lennon, ilustre morador de Nova York de 1971 até seu assassinato
em frente ao edifício Dakota: o sonho acabou. Embora, no meu caso, vá continuar
bem vivo pelas próximas faturas do cartão de crédito.
Tem
algo estranho acontecendo neste avião da Copa Airlines, onde só entrei porque
minha agência de viagens, a Casa de Turismo, conseguiu um milagroso assento em
época de voos lotados. Desculpe a propaganda, mas quando o serviço é bom, dá
vontade de contar.
O
voo entre Nova York e a Cidade do Panamá, local de partida da conexão que
evitará minha justa causa, leva quatro horas e quarenta e quatro minutos. Um
tempão que as atenciosas comissárias preenchem indo e vindo com seu carrinho de
bebidas. Pois basta elas apontarem no corredor que todo mundo quer ir ao
banheiro. Pessoas corpulentas, para usar de um eufemismo, se espremem onde não
há espaço para uma criança passar.
Alguns
entalam, e então as aeromoças têm que mover o carrinho com cuidado para que os
passageiros sejam libertados com dor, mas sem sangue. Agora mesmo, um senhor
força a barra para passar. Enquanto não consegue, se apoia no banco da frente
ao meu, com a mão cobrindo o monitor de vídeo em que assisto Tudo pelo Poder,
com o Ryan Gosling e o George Clooney dublados em espanhol. Pelo menos só
faltam três horas e quarenta e um minutos de voo.
Muita
coisa ficou por fazer. O trabalho final do meu curso, por exemplo, não será
apresentado. Mais um diploma para não pendurar na parede. Os ingressos
comprados para a peça The Book of Mormon, atual maior sucesso da Broadway e
recomendação de um amigo que sabe muito, o Bel Merel, serão vendidos pelo meu
filho na entrada do teatro.
E
diz ele que vai ganhar alguma coisa em cima. É curioso, mas o Theo sempre
mostrou vocação para cambista. De pequeno, gostava de vender ingressos
superfaturados para as festinhas infantis do União, postado na João Obino entre
os profissionais da área.
O
jeito foi acabar na marra com uma promissora carreira no ramo das vendas
informais. Amanhã, 15 de outubro, é aniversário dele. Pela primeira vez em 20
anos não estarei junto, lado triste dessa volta antecipada. A Cíntia Moscovich
já me disse que sou a mãe não-judia mais judia que há.
Ainda
bem que, na noite de ontem, conseguimos assistir ao Woody Allen e sua banda de
jazz, The Eddy Davis New Orleans, tocando no Hotel Carlyle. Foi bom, nem que
seja porque dificilmente tornarei a ver o homem de perto – ou de menos longe.
No meu penúltimo entardecer na cidade, enxerguei da rua uma claridade diferente
dentro da Biblioteca Pública.
Com
as salas todas iluminadas por velas, acontecia uma espécie de Sarau Elétrico (olha
a propaganda de novo) em homenagem aos duzentos anos de nascimento do escritor
inglês Charles Dickens, autor de Oliver Twist e de outros clássicos que os pais
ofereciam aos filhos antes dos vampiros e lobisomens tomarem o universo.
Nova
York é interessante também por isso. Ao mesmo tempo em que a gente fica mais
pobre comprando o que vê pela frente, leva de brinde experiências mais
duradouras que os souvenires e quinquilharias dos outlets.
Uma
boa companhia nesses dias que não deixaram de ser solitários foi um livro
apropriado para a ocasião: Como Ficar Sozinho, do Jonathan Franzen. Textos de
não-ficção em que o autor fala de assuntos como a morte do pai, o desconforto
nos eventos de lançamento de seus livros, a gravação de um programa de TV e uma
viagem para Masafuera, ilha no Pacífico Sul a 800 quilômetros da costa do
Chile.
Só
para dar uma ideia do quão erma, turva e sombria é Masafuera, nela se perdeu o
aventureiro escocês que inspirou o romance Robinson Crusoé. Como disse o The
New York Times, o paradoxo do livro é que o leitor não se sente nada isolado
com a leitura. Grande Jonathan.
O
comandante mandou desligar os aparelhos eletrônicos. E nem nos procedimentos de
descida o pessoal para de ir ao banheiro. Agora é pegar outro voo e voltar à
realidade, que tem lá os seus encantos. E que foi bem definida pelo mesmo Woody
Allen que eu vi mais ou menos de perto: a realidade é dura, mas ainda é o único
lugar onde se pode comer um bom bife.
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