RUTH
DE AQUINO - 05/10/2012 23h24 -
Atualizado
em 05/10/2012 23h26
Sexo, mentiras e
internet
Você
já viu esta cena. Todos na sala ou no restaurante esquecem um nome de filme ou
escritor, alguém quer checar uma notícia, uma data... e o tablet ou o iPhone
salvador é acionado. Pergunte ao Google. E lá está a informação que colore o
branco da memória. Em termos. O que você lê na internet pode estar errado ou
ser uma mentira deliberada. Com a ajuda da credulidade humana, histórias
inventadas se propagam. Algumas são plausíveis, baseadas em dramas reais.
O
professor de geografia, radialista e humorista Fábio Flores, capixaba de 39
anos, é um criador de notícias falsas ou, na definição dele, “fantasiosas”. A
repercussão nacional e internacional de suas histórias é tão ampla que Fábio
pensa em transformar sua experiência numa tese de mestrado sobre o “jornalismo
mentira”. Ele publica casos com nome, sobrenome, idade, profissão, detalhes
como “o quê, quando, como e por quê” em blogs e sites que fazem referência a
seu humor no rodapé.
Os
casos de Fábio são um 1o de abril eterno. Ganham legitimidade com a palavra de
especialistas, debates em televisão e em universidades, projetos de lei, aulas
de Direito e reportagens na mídia impressa e virtual no Brasil, Espanha,
Itália, França e Estados Unidos. Ele nunca reclama a autoria. Não quer deter o
curso de sua ficção. Seu interesse é outro: analisar até onde voam seus
personagens – algo que ele chama de “capilaridade”.
Os
assuntos com “maior capilaridade na rede”, segundo ele, são, pela ordem, “sexo,
leis e religião”. Se der para misturar tudo numa só história que desafie tabus
e preconceitos, mais sucesso ela terá no mundo real. No Facebook e no Twitter,
dezenas de milhares curtem, comentam e discutem como se fosse tudo verdade.
Qualquer
um pode inventar uma notícia na rede. Quando a versão mais picante prevalece, a
vítima é a verdade
Há
duas semanas, esta coluna se referiu a uma briga no Facebook entre a
publicitária Mara Rocha e seu ex-marido Carlos Cavalcanti. A “briga” fora
noticiada por um jornal nacional respeitado, dois sites jurídicos e confirmada
a mim por uma advogada, com base em dez fontes, entre jornais impressos, sites
e fóruns de Direito. Mara e Carlos não existiam.
Eram
um casal criado por Fábio, inspirado em brigas verídicas no Facebook. Descobri
a fonte no Twitter. Fábio comemora sempre que uma história sua, inspirada na
vida como ela é, sobe ao pódio da legitimidade. Na opinião dele, a mídia mais
nobre é a impressa. Eu o entrevistei ao telefone. Ele disse que as redes
sociais são um campo fértil para propagar invenções que afetem o cotidiano das
pessoas. Verdade.
“Não
há ofensa nem reclamação contra as minhas histórias, porque os personagens não
existem”, diz Fábio. Entre seus casos de maior repercussão está “a mulher que
exigiu na Justiça o direito de se masturbar no trabalho”. Essa ganhou fama
internacional, porque o drama dos sexólatras, os viciados em sexo, é atual e
sério. O “padre que se recusou a casar uma noiva sem calcinha” virou projeto de
lei de um vereador de Vila Velha, Espírito Santo, e tema de programa de TV, que
entrevistou um padre verdadeiro.
O
“sêmen que clareia os dentes” foi parar no site de um dentista. A “advogada que
pediu indenização na Justiça por casar com um homem de pênis pequeno” foi capa
de jornal e ganhou conteúdo científico sobre “insuficiência peniana”. O “homem
de 36 anos que se separou da mulher, em Roraima, para casar com o cunhado e
pastor de 28 anos” causou furor entre internautas e apareceu em jornais do
Norte.
A
mentira não é privilégio dos tempos de internet. Mas a democratização do debate
em sites e blogs facilita equívocos e maledicências. E é responsável por
absurdos. No início de setembro, o escritor Philip Roth escreveu uma carta
aberta à Wikipédia, reclamando de um verbete errado sobre seu romance A marca
humana (The human stain).
A
Wikipédia se recusou a reparar o erro, afirmando precisar de “fontes
secundárias”. O autor do livro não era suficiente. Roth descobriu que não era
mais crível que algum crítico literário fofoqueiro. É assustadora a fé com que
jovens e adultos consultam hoje a Wikipédia, brandindo os verbetes como se
fossem verdades absolutas. Citações atribuídas a autores errados são
compartilhadas febrilmente.
As
fronteiras entre a verdade e a ilusão, entre o fato e a versão são parte da
história da humanidade e já fizeram muitas vítimas. Assim é se lhe parece, uma
das obras-primas do Nobel de Literatura Luigi Pirandello (1867-1936), trata da
construção imaginária e cruel de uma personagem que jamais aparece numa cidade
italiana.
Quando
a fofoca é persistente e a versão é mais picante que o fato, a maior
prejudicada é a verdade. Hoje, qualquer um tem o poder de criar um perfil falso
no Facebook ou inventar uma notícia. É preciso desconfiar mais que antes. Nós,
jornalistas, mais que todos. Uma lição que se aprende...
RUTH
DE AQUINO é colunista de ÉPOCA
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