sábado, 31 de julho de 2010



01 de agosto de 2010 | N° 16414
MARTHA MEDEIROS


As coisas que a gente faz para se torturar

Tem gente com vocação real para carrasco e que não sossega enquanto não sacrifica a si próprio

Adianta ficar batendo a cabeça na parede porque perdeu uma oportunidade rara de chamar uma garota para sair? Entendo, você não costuma encontrá-la, não sabe seu telefone, seu sobrenome, seu endereço, onde ela trabalha, teve a chance e deixou escapar, mas vai passar quantos meses se lamuriando como se ela fosse a última mulher do mundo?

E isso ainda é tortura leve. Tem gente com vocação real para carrasco e que não sossega enquanto não sacrifica a si próprio. Que gente? Todos nós.

Há os que têm certeza de que, se estão vivendo uma boa fase hoje, pagarão o preço amanhã, e imaginam direitinho como: sofrerão um acidente, perderão o emprego, serão traídos. Não é possível que esteja tudo bem, assim, no mole, de graça. Algo vai acontecer, é só colocar a imaginação pra funcionar.

Falei em traição? Bah! Um clássico. O relacionamento de vocês é mais firme que o caráter do Dunga, não há o menor indício de que possa entrar água, mas ainda assim você não resiste em se martirizar. Qualquer 10 minutos de atraso, qualquer ligação telefônica não atendida, qualquer desatenção vira indício de que algo está sendo escondido. E você não se aquieta enquanto não descobre o que não existe, enquanto o outro não confessa o crime que não cometeu.

Além disso, há uma doença secreta se desenvolvendo no seu estômago, no seu cérebro, na sua corrente sanguínea. Os exames não revelaram, os médicos não descobriram, os sintomas não apareceram, mas são favas contadas, você está condenado.

Pensamentos mórbidos com morte. Imaginar cenas de os filhos correndo risco, de o apartamento sendo invadido por marginais, de você morrendo sozinho sem ninguém descobrir seu corpo por dias: filmes de terror que não saem de cartaz na sua cabeça.

Relutamos em aceitar que, se a tragédia não bateu à nossa porta, não foi por engano, e sim por uma contingência da vida. Não bateu, passou reto, não voltará para cobrar a conta que não é devida.

Mas só um curso de imersão budista com o próprio Dalai Lama para fazer a gente abandonar os grilhões a que nos aprisionamos voluntariamente. Imagina se logo você será poupado. Quá!

Você não é bobo, não quer ser pego de surpresa, então passa a vida se preparando psicologicamente para a dor, torturando a si mesmo para, quando chegar a hora, estar tão acostumado com o sofrimento que nem doerá tanto.

É a danada da culpa que não permite que sejamos felizes sem ter que pagar penitência por tamanho privilégio.


Eles não estão no Guinness

Muricy Ramalho foi treinador da seleção de seu país por 15 minutos

O Guinness os ignora. Poucos, além da família e alguns amigos, ficaram sabendo dos seus feitos. Mas eles merecem um registro na História.

PAR LINGSTROM – O primeiro homem a tentar chegar ao Polo Norte andando de costas. Ele se deu conta de que tinha errado o caminho quando entrou no quintal de uma casa na Groenlândia e foi corrido por uma mulher depois de pisar no seu cachorro e derrubar a sua roupa estendida

KURT GROSZ – Bateu o recorde de permanência dentro de um domo submerso no fundo do mar na companhia da sogra. Seu recorde não foi reconhecido oficialmente porque ele saiu do domo diretamente para a prisão enquanto o corpo da sogra era removido, pedaço a pedaço.

SANTO ARMARINHO – Estava a dois pastéis de quebrar o recorde mundial de consumo de pastéis quando se engasgou com uma azeitona e teve que desistir. Na volta para a sua cidadezinha de Picuinha de Traz dos Montes foi recebido com uma chuva de azeitonas e gritos de “ai, que sensitivo!”.

GILES McGIVENS – Irlandês que contou a anedota mais longa do mundo. Aliás, ainda a está contando, depois de 17 anos, dois meses e três dias em que só parou para ir no banheiro do pub ou em casa para dormir um pouco. Há quem desconfie que Giles esqueceu como termina a anedota e por isso está adiando seu final.

PIOTR PIOVTUSHENKO – Enxadrista russo, tornou-se o herói de certo segmento do público que abomina o crescente domínio da eletrônica sobre as nossas vidas quando, ao sentir que seria derrotado outra vez por um computador de último tipo, saltou da sua cadeira e desligou o computador da tomada. Sua vitória só não foi completa porque o computador continuou funcionando com bateria, derrotou Piotr pela quinta vez e ainda fez um comentário maldoso sobre o seu cabelo.

MURICY RAMALHO – Técnico de futebol brasileiro que foi treinador da seleção do seu país por 15 minutos, batendo o recorde anterior que era do húngaro Bratislav Novaski, demitido 20 minutos depois de ter sido apresentado aos jogadores e os convidado para uma festinha na sua casa de campo em que todos deveriam ir fantasiados de divas do cinema (“menos de Angelina Jolie, que sou eu”), para estreitar a relação.

LUCCA GAMBELETTI – Dono de restaurante italiano que, na última contagem, tinha cantado O Sole Mio 40.899 vezes em 30 anos, sem falar nas vezes em que lhe faltou a voz e ele usou uma gravação, fingindo que cantava, e o dia em que falharam a voz e a gravação e ele só fez os gestos.

DMITRI RAPAPOPULUS – Grego que atravessou o Estreito de Bósforo a nado equilibrando uma laranja na cabeça, mas que, ao sair da água diante de repórteres e fotógrafos, descobriu que tinha perdido o calção. Todos os jornais do dia seguinte, em vez da façanha de Dmitri, destacaram o efeito da água fria no seu pênis. Dmitri hoje está recolhido a um convento na Macedônia, onde medita sobre a condição humana.

GIOVA PAPUZ – Tunisiana que detém o recorde extraoficial de embaixadas, mantendo uma bola no ar ininterruptamente há quatro anos, o que não a impediu de casar-se, ter dois filhos, cantar no coral da igreja e terminar seu curso de Administração de Empresas.


Eles não estão no Guinness

Muricy Ramalho foi treinador da seleção de seu país por 15 minutos

O Guinness os ignora. Poucos, além da família e alguns amigos, ficaram sabendo dos seus feitos. Mas eles merecem um registro na História.

PAR LINGSTROM – O primeiro homem a tentar chegar ao Polo Norte andando de costas. Ele se deu conta de que tinha errado o caminho quando entrou no quintal de uma casa na Groenlândia e foi corrido por uma mulher depois de pisar no seu cachorro e derrubar a sua roupa estendida

KURT GROSZ – Bateu o recorde de permanência dentro de um domo submerso no fundo do mar na companhia da sogra. Seu recorde não foi reconhecido oficialmente porque ele saiu do domo diretamente para a prisão enquanto o corpo da sogra era removido, pedaço a pedaço.

SANTO ARMARINHO – Estava a dois pastéis de quebrar o recorde mundial de consumo de pastéis quando se engasgou com uma azeitona e teve que desistir. Na volta para a sua cidadezinha de Picuinha de Traz dos Montes foi recebido com uma chuva de azeitonas e gritos de “ai, que sensitivo!”.

GILES McGIVENS – Irlandês que contou a anedota mais longa do mundo. Aliás, ainda a está contando, depois de 17 anos, dois meses e três dias em que só parou para ir no banheiro do pub ou em casa para dormir um pouco. Há quem desconfie que Giles esqueceu como termina a anedota e por isso está adiando seu final.

PIOTR PIOVTUSHENKO – Enxadrista russo, tornou-se o herói de certo segmento do público que abomina o crescente domínio da eletrônica sobre as nossas vidas quando, ao sentir que seria derrotado outra vez por um computador de último tipo, saltou da sua cadeira e desligou o computador da tomada. Sua vitória só não foi completa porque o computador continuou funcionando com bateria, derrotou Piotr pela quinta vez e ainda fez um comentário maldoso sobre o seu cabelo.

MURICY RAMALHO – Técnico de futebol brasileiro que foi treinador da seleção do seu país por 15 minutos, batendo o recorde anterior que era do húngaro Bratislav Novaski, demitido 20 minutos depois de ter sido apresentado aos jogadores e os convidado para uma festinha na sua casa de campo em que todos deveriam ir fantasiados de divas do cinema (“menos de Angelina Jolie, que sou eu”), para estreitar a relação.

LUCCA GAMBELETTI – Dono de restaurante italiano que, na última contagem, tinha cantado O Sole Mio 40.899 vezes em 30 anos, sem falar nas vezes em que lhe faltou a voz e ele usou uma gravação, fingindo que cantava, e o dia em que falharam a voz e a gravação e ele só fez os gestos.

DMITRI RAPAPOPULUS – Grego que atravessou o Estreito de Bósforo a nado equilibrando uma laranja na cabeça, mas que, ao sair da água diante de repórteres e fotógrafos, descobriu que tinha perdido o calção. Todos os jornais do dia seguinte, em vez da façanha de Dmitri, destacaram o efeito da água fria no seu pênis. Dmitri hoje está recolhido a um convento na Macedônia, onde medita sobre a condição humana.

GIOVA PAPUZ – Tunisiana que detém o recorde extraoficial de embaixadas, mantendo uma bola no ar ininterruptamente há quatro anos, o que não a impediu de casar-se, ter dois filhos, cantar no coral da igreja e terminar seu curso de Administração de Empresas.


01 de agosto de 2010 | N° 16414
PAULO SANT’ANA


Bateria de exames

O Adroaldo Guerra Filho, o Guerrinha, é nosso companheiro aqui da RBS.

Sabendo que eu comparecia a muitos médicos e fazia muitos exames laboratoriais, ele me gozava: “Tu não tens nada, não existe quem tenha mais saúde de ferro do que tu. Isso não passa de hipocondria”.

Até que, há um mês, o Guerrinha vem sendo submetido a uma intensa e variadíssima bateria de exames no Hospital Mãe de Deus.

É exame de sangue, exame de urina, cintilografia, ecografia, raio X, ressonância magnética, um inferno astral perseguindo o Guerrinha, que pacientemente se submete à bateria de testes só porque os médicos andaram achando uma anormalidade no fígado.

Entre dois ou três exames, o Guerrinha apavorado vê os médicos o submeterem a vários testes, entre os quais o da esteira e o exame de sono.

Não passa dia em que o Guerrinha deixe de fazer todas as espécies de exames.

O Guerrinha já andava desconfiado de que alguma coisa há para os médicos tomarem tanto cuidado com sua saúde.

Foi então que o Guerrinha decidiu reagir, não suportava mais tanto exames médicos e testes.

Conseguiu reunir numa sala do Mãe de Deus os quatro médicos que requisitam os exames dele.

Os quatro médicos sentados um frente ao outro, o Guerrinha na cabeceira da mesa.

E o Guerrinha desabafou: “Alguma coisa há, eu sinto pelos exames que os senhores solicitam que alguma coisa eu tenho. Quero lhes deixar bem à vontade, estou desconfiado de que os senhores já descobriram alguma coisa grave nos meus exames, senão não me solicitariam tantos. Alguma coisa há”.

Os médicos se entreolharam, e até alguns deles sorriram timidamente.

Foi quando o Guerrinha arrematou: “Vamos deixar de mesuras. Eu gosto de jogo aberto, quero que sejam sinceros comigo. E pergunto desde já, respondam com sinceridade: quando é que eu vou começar a quimioterapia?”.

Os quatro médicos ciaram na gargalhada e mesmo assim marcaram novos exames para o Guerrinha.

Ele já tem os braços crivados de picadas de agulha.

E veio me dizer anteontem que não aguenta mais, o melhor é não procurar os médicos, caso contrário eles vão acabar achando doença nele. “Não vai a médicos, Sant’Ana, é melhor ficar bem longe de consultas, exames e testes, que são uma tortura, ou melhor, um terrorismo”, aconselhou-me ontem o Guerrinha.

Quando disse isso também aos médicos, um deles o chamou a um canto e consolou o Guerrinha:

– Cá para nós, amigo, eu sou também como tu: não vou a médicos.

Mudando de assunto, depois dos últimos jogos do Grêmio e do Internacional pela televisão, afirmo categoricamente: não existe pior tortura do que secar time bom e torcer por time ruim.


01 de agosto de 2010 | N° 16414
DAVID COIMBRA


A quarta mulher do rei

O rei Henrique VIII teve seis esposas. Hoje isso não chega a ser incomum. O Sérgio Jockymann, quando se casou com sua sexta mulher, me disse:

– A gente só acerta depois da quinta. Vai ver é.

Henrique VIII, cada uma de suas mulheres protagonizou histórias ilustrativas. Vou tratar aqui da quarta delas. Chamava-se Ana de Cleves.

Ana era alemã, vivia no continente, o rei não a conhecia. O primeiro-ministro inglês, Thomas Cromwell, insistia para que o casamento fosse realizado por razões políticas: seria uma aliança entre a Velha Álbion e os estados alemães protestantes.

Certo. Mas e se ela fosse um jaburu? Henrique VIII queria saber que tal era a moça, mas, naquele tempo, meados do século 16, não existia Google Imagens, nem Facebook e, pior, nem fotografia. E agora?

O rei não podia simplesmente atravessar o Canal da Mancha para ir cortejá-la, como um pretendente comum. Não era assim que funcionava, casamentos de reis aconteciam mediante contratos lavrados e selados. O jeito foi enviar emissários com a instrução de dar uma boa olhada em Ana e depois relatar tudo ao soberano, de preferência com crua honestidade. Missão delicada.

Como dizer ao alemão que eles pretendiam examinar sua filha? Seria indispensável pedir a permissão do pai, porque naquela época as mulheres, sobretudo as fidalgas, não ficavam zanzando pelos bares da Padre Chagas, era preciso desencavá-las da discrição do lar. Mas os diplomatas foram diplomáticos e o pai, meio a contragosto, concordou em apresentar Ana a eles.

Os ingleses postaram-se no grande saguão do castelo a esperar, ansiosos.

Um arauto surgiu.

Anunciou a chegada de milady.

Ana apareceu, enfim.

E os ingleses se entreolharam. Segundo o relatório que apresentaram depois ao rei, ela estava dentro de “vestidos horrendos”, que impediam a visão de seu corpo, e atrás de um espesso véu negro.

Os embaixadores reclamaram com o pai da moça. Que protestou, fulo:

– Vocês queriam vê-la nua???

In extremis, Henrique VIII mandou à Alemanha o pintor da corte, Holbein, o Moço, a fim de retratar a candidata a rainha da Inglaterra. Esse Holbein era um alemão que havia sido indicado por Erasmo de Roterdan para trabalhar como pintor da corte inglesa. Tratava-se de um grande mestre, um especialista em retratos.

Tinha, portanto, toda a credibilidade para pintar a provável futura esposa do rei. Só que, antes dele partir, o primeiro-ministro Cromwell o chamou e sugeriu que fosse generoso para com a aparência de Ana.

Cromwell não demoraria a se arrepender disso.

O retrato de Ana de Cleves está no Louvre. Recomendo que você vá a Paris para vê-lo. Se não quiser vê-lo, vá a Paris assim mesmo.

No quadro, Ana está de frente. Quer dizer: é difícil avaliar o tamanho de seu nariz, mas ele parece um pouco bulboso. Ela tem uns olhos baços, talvez enfarados. Usa touca, não se lhe pode ver os cabelos. Henrique VIII aprovou o que viu. Contratou casamento. Ao sair da sua Alemanha natal, Ana o fez já na condição de noiva do rei.

Henrique estava tão ansioso para encontrá-la que convocou seus cavaleiros, ordenou que vestissem capas coloridas e partiu a galope ao encontro dela. Alcançou-a em um castelo no interior da Ilha. Ana estava aboletada em um banco sob uma janela, derramando olhares de tédio para o lado de fora. Henrique apresentou-se não como rei, mas como um emissário do rei. Ana olhou para ele, algo aborrecida. Ele olhou para ela.

E ficou paralisado. Era uma feia.

Alta, magra, um grande nariz grudado no meio do rosto marcado por acnes espremidas ou até por alguma velha varíola.

Dias depois, ao encontrar Cromwell, o rei rosnou:

– Não gosto dela! Mas teve de se casar, o acordo já fora selado. Só que Ana era tão desagradável que Henrique não conseguiu consumar o casamento. Manteve-a virgem e intocada como uma bandeirante do CLJ. Depois de seis meses, não suportando mais dividir a cama com aquela assombração, Henrique deu um jeito de anular o casamento.

Ana foi “promovida” a irmã do rei, ganhou uma pensão vitalícia e um suntuoso castelo na Inglaterra, onde foi viver o resto de seus dias de feia.

Cromwell pagou caro por fazer o rei acordar durante seis meses ao lado daquela mulher de assustar criancinha: pouco tempo depois, ele foi levado para a Torre de Londres e de lá, como soía acontecer, arrastaram-no para o cadafalso, onde sua cabeça foi separada do corpo a golpes de machado. Imagine agora o troço que devia ser essa Ana.

Tudo isso porque o rei não pôde vê-la em pessoa. Retratos pintados e testemunhos não bastaram. Era preciso VER. É o que digo do futebol. Na Copa, vi vários times em campo. Vi como se comportavam. O desenho tático de cada um. Neste domingo vou ver os times de Roth e Silas. Espero não levar um susto, como o velho Henrique VIII.

Que inclusive se traumatizou com o episódio. A quinta mulher do rei, Catarina Howard, era linda. Porém, leviana. Traiu-o com ardor, boa parte da corte cevou-se nas suas carnes brancas de loira. Como Cromwell e outras antes dela, terminou decapitada. Apenas Catarina Parr, a sexta mulher do rei, sobreviveu a ele.

Como ensinou o Jockymann, só se acerta depois da quinta.

quarta-feira, 28 de julho de 2010



28 de julho de 2010 | N° 16410
MARTHA MEDEIROS


Polícia para quem precisa

“Dizem que ela existe/Pra ajudar/Dizem que ela existe/Pra proteger/Eu sei que ela pode/Te parar/Eu sei que ela pode/Te prender/Polícia! Para quem precisa...”

Já assiti a mais de um show dos Titãs e eles sempre provocam uma excitação na plateia ao tocar essa música. Plateia majoritariamente jovem que têm com a polícia uma relação pouco amistosa ou muita amistosa, dependendo da situação. Polícia é pró ou contra conforme o lado que estamos.

Para o rapaz que atropelou o filho da atriz Cissa Guimarães, a polícia foi uma mãe. Os agentes foram testemunhas quase oculares do acidente, já que chegaram ao local do atropelamento poucos minutos depois, antes mesmo das ambulâncias, mas desdenharam do acidentado e se concentraram no atropelador, aquele que dirigia um carro semidestruído e que poderia render uma gorda propina.

Infelizmente, no lugar do motorista, muitos teriam feito o mesmo: “Quanto você quer para não ter me visto?” No lugar do policial, poucos teriam respondido: “Quero os fatos, apenas”. Policiais ganham uma merreca, trabalham em atividade perigosa, são estigmatizados e mal treinados. Não há muito interesse em ser honesto às duas da manhã.

Dias depois, um policial de Fortaleza, outro despreparado, atirou contra Bruce Cristian, que tinha nome de artista, mas não era artista, estava apenas na carona da moto do seu pai, que não viu o PM tentando interceptar seu caminho e acelerou em frente, o que bastou para que seu filho de 14 anos levasse um tiro na nuca, por trás.

“Dizem pra você/Obedecer/Dizem pra você/Responder/Dizem pra você/Cooperar/Dizem pra você/Respeitar/Polícia! Para quem precisa...”

Tudo é acidental. É o que consta dos relatórios, dos inquéritos, dos depoimentos: desculpe, foi acidental. Matar é um acidente. Corromper é um acidente. O Brasil é um acidente.

Difícil apontar inocentes e culpados num país que não consegue fazer seus cidadãos entenderem a importância da seriedade na conduta social, um país que não consegue moralizar o cotidiano, que possui uma lei para cada caso e não uma lei única e severa que se imponha sobre o “acidental”.

Somos todos franco-atiradores querendo se safar. Policiais vestem um uniforme e portam armas com a chance de brincar de mocinho e bandido, sem se darem conta de que a bala não é de festim. E ainda têm a rara oportunidade de se sentirem superiores a filhinhos de papai: “Quero 10 mil, estaciona ali e te vira”. E os cadáveres ficam pelo caminho. Polícia, quem precisa?

Todos nós precisamos da polícia. De homens cuja missão é nos proteger. E os policiais precisam de nós também, que deveríamos fazer a nossa parte, agindo com civilidade e assumindo nossos erros.

Porém, sem treinamento e salário decente nas corporações, sem educação e respeito às leis na sociedade, enfim, sem uma ética nacional que valha para todos, instala-se o faroeste.

Uma ótima quarta-feira para você. APROVEITE O DIA


28 de julho de 2010 | N° 16410
JOSÉ PEDRO GOULART


Circo dos famosos

É domingo. De manhã, Felipe Massa acata prontamente o sinal da equipe para que dê licença ao colega de trabalho. Depois, no pódio, faz cara de bebê/Barrichello/desmamado.

Direto da minha célula de sobrevivência, a poltrona da sala, testemunho aquele embuste em HD. Queria eu o quê? Um jogo limpo? Quantos naquela situação, com as fraldas cheias de dólares, fariam diferente?

Volta aqui, capeta
Devolve minha bravura,
meu revólver, minha espoleta!

“Devolvo não, ultrapassado.
Sua alma eu possuo
É um bem negociado!”

À tarde, chuva, quentão, Domingão e o Fausto, agora sob nova silhueta. A empáfia do martelo, com a profundidade da cabeça do prego, na dança com os famosos.

Foi então que Carlinhos de Jesus – professor, colaborador, pesquisador, jurado – tropeçou no verbo: “Houveram alguns deslizes”. Em seguida ele sugeriu que nas próximas edições do quadro fossem acrescentadas mais danças brasileiras. Opa! Mexeu com os brios do martelo.

Ah, o orgulho. O orgulho “que almoça a vaidade e janta o desprezo”, o orgulho “que a si próprio devora”. O orgulho que “não é grandeza, mas inchaço”. (Quer mais frases sobre orgulho? Dê, como eu, um Google na palavra e ainda descubra os autores das aspas prévias).

Compelido pelo orgulho, o Big Fausto quase apertou o botão ejetor da poltrona do jurado. E arrematou: “Sempre há deslizes, seja no português, seja na dança...”. Toma, De Jesus! Quem mandou sair do script.

Ah, a arrogância (dê um Go­ogle). Ao final do programa, o apresentador ainda teve fôlego para brindar a todos, milhões de infantes e infantilizados (como eu), em rede nacional. Raivoso, deu uma instrução a um sujeito que havia tirado uma informação da tela: “Bota de novo, ô imbecil!”.

É domingo: circo e alegria!

Crianças na sala, o tio surdo,
a avó torta.
Quem manda, está de olho no ibope.
Quem obedece não se importa.

Prá quê coragem, resistência ou cortesia?
Se é domingo, e é tudo fantasia?


28 de julho de 2010 | N° 16410
PAULO SANT’ANA


Velha rua do meu bairro

Cruzei a esquina do bairro com a mente povoada de recordações da adolescência e coração crivado de saudade dos amigos mortos ou distanciados.

Velha rua do meu bairro, onde senti as primeiras intensas emoções do encontro sempre conflitivo com a maturidade.

Velhos companheiros dos encontros febris da nossa camaradagem.

Eu daria tudo que tivesse para reviver aqueles momentos.

Mas o passado não volta mais, o futuro teima em me impor medos, e o presente quase sempre é um sobressalto.

Velha rua do meu bairro, onde tocava o realejo do periquito que escolhia a sorte num envelope cifrado.

Velha rua do meu bairro, onde passava a bandeira do Espírito Santo, entre foguetes e vivas, no meio da agitação das crianças e da admiração dos jovens.

Nós mal imaginávamos isso que a vida nos dá agora, repleta de incertezas e desenganos, suavizados pela esperança de que ainda podemos ser felizes. O último fio de esperança.

Velha rua do meu bairro, onde se vendia quentão e pinhão quente, outras vezes pipocas.

E a mania dos fogos de artifício: bomba-rojão, trique-traque, bombinhas, buscapés, lá adiante, a uma quadra de distância, sempre havia uma fogueira de São João ou de São Pedro e São Paulo, onde invariavelmente aparecia um louco para pisar nas brasas escaldantes, não lhe restando, por incrível que pareça, quaisquer queimaduras ou escaras na sola do pé intacta.

Velha rua do meu bairro, cuja paisagem de fevereiro era dominada pelo rubro das melancias partidas. Um talho na melancia, não há ritual mais saboroso que cortar uma melancia.

Velha esquina do meu bairro, onde aprendi os meus primeiros cânticos e ouvi as primeiras anedotas.

Tempo alegre em que a juventude teimava em não fugir de nós e a velhice era apenas uma lenda que continha ameaças perigosas.

Esquina onde se preparavam as pandorgas, os papagaios e os caixões para serem soltos lá ao longe, no riacho, que naquele tempo não era poluído e onde se podia arriscar algumas braçadas.

Mal pressentíamos que aquela paisagem urbana e humana iria para sempre quedar-se em nossas lembranças e alegrar nossas reminiscências.

Engraçado que naquele tempo não existia inveja, ciúme, fofoca, nada de ruim, ainda não tínhamos sido investidos da condição humana que agride os outros e nos transforma em feras na luta pela sobrevivência.

O que existia era namoro, era camaradagem, era amizade, um tempo poético de aventuras cotidianas.

O sexo, ah, o sexo era apenas um mistério, no máximo um plano, sufocado pelas obscuridades onanísticas.

Quem me dera reviver-te, velha rua do meu bairro, a festa na paróquia onde os alto-falantes ressoavam nas dedicatórias incessantes: “Alô, alô, uma menina de saia azul com blusa branca, um rapaz de calça marrom dedica-lhe com todo o carinho a música Pensando em ti, com Nélson Gonçalves.

E o tiro ao alvo, as pescarias, o carrossel, às vezes até a roda-gigante. E o amendoim torrado rolando com picolé e refresco.

Idiotamente arrisco dizer que se era mais feliz do que agora, pelo menos não se pensava no futuro, isso não acontece agora, o que nos aterroriza.


28 de julho de 2010 | N° 16410
DAVID COIMBRA


Como ser um disciplinador

Às vezes tenho de ser mais duro com o meu Pocolino. Não, não sou favorável à “palmada educativa”. Alguém algum dia disse que o corpo é um templo sagrado blablablá. Não lembro exatamente da frase, não lembro exatamente quem a disse, mas concordo com o sentido: o corpo é intocável. É por isso que o relativismo cultural é uma bobiça antropológica: certas culturas que afrontam o corpo são abomináveis, como as que mutilam mulheres ou as obrigam a cobrir-se da cabeça aos pés com lençóis pretos.

Mas tergiverso. Voltando ao Pocolino, com quem às vezes tenho de ser mais duro: quando o repreendo ou o ponho de castigo, minha intenção não é apenas corrigir-lhe o erro eventual. O que pretendo é imprimir-lhe no escaninho mais recôndito do cérebro uma mensagem: que aquele cara ali, no caso o pai dele, vela por sua segurança, que lhe deseja o bem sem nenhuma condição e que, o mais importante, oferece-lhe um bom conselho.

Ou seja: quando ele crescer, deixar de ser um Pocolino e eu não puder mais simplesmente enganchá-lo debaixo do braço e levá-lo para longe do perigo, quando ele próprio estiver pronto para escolher seu caminho pelo mundo, saberá que existe alguém que se importa com ele e que lhe dará sempre uma opinião na qual pode confiar.

Em suma, ele tem que saber que EU ESTOU CERTO.

O importante, para um pai, não é disciplinar o filho. É ter credibilidade. É deixar entranhada na alma do filho o sentimento de que a palavra do pai é a palavra da sabedoria. E assim torna-se fácil disciplinar.

O mesmo princípio se aplica a um chefe no trabalho ou a um técnico de futebol. Um chefe, um técnico ou um pai precisam de credibilidade. E eles só têm credibilidade quando as coisas funcionam. Se elas não funcionam, se um time perde e perde e continua perdendo, os jogadores não acreditam mais no técnico. Aí é o fim. O técnico tem de ser trocado. Essa é a vantagem de dirigentes e torcedores de clubes de futebol em relação aos filhos. Os filhos, como o Pocolino, não podem trocar de pai. Os clubes podem trocar de técnico.

Às vezes, devem.

Um nó no lençol

Um amigo de um amigo meu, ele tem uma filha. Mas ele é um homem que trabalha muito. Quando sai de casa, de manhã, a menina está dormindo; quando volta, à noite, ela está dormindo também. Incomodado com a situação, um dia ele a chamou e propôs-lhe um pacto. Disse-lhe assim:

– Filhinha, quero combinar uma coisa contigo: sempre que tu acordar e vir um nó no teu lençol é porque o papai te deu um beijo antes de sair de casa.

Desta forma tão singela, ele deixa registrado o seu afeto diário. O que, não tenho dúvida, educa mais do que qualquer palmada.

As mulheres de Paris

Logo depois que a Bastilha caiu, ergueram-se as mulheres de Paris em revolta contra a carestia do pão. Tomaram de um canhão desativado e saíram em marcha para Versalhes. Venceram 14 quilômetros de lama gritando palavras de ordem e cantando canções de guerra, os punhos erguidos em fúria, os corações pulsando de indignação.

A intenção delas era arrastar a família real do nababesco palácio dos luíses a fim de mantê-la sob vigilância em Paris. A monarquia ainda não havia sido abolida, estava quase quase, e elas queriam dar-lhe o derradeiro empurrão.

Ao chegarem a Versalhes, promoveram tamanho alarido que, embora fosse alarido em francês, o que é muito elegante em questão de alaridos, incomodou Luís XVI, e ele cedeu: anunciou que receberia uma comissão das protestantes. As mulheres escolheram duas para representá-las. Eram jovens, uma mal aflorava os 17 anos.

Entraram no palácio, nervosas, e nervosas avançaram pelas galerias rebrilhantes, olhando com timidez para as paredes cobertas de obras de arte. Quando viram o rei debaixo de sua peruca empoada, não resistiram: desmaiaram de emoção. Luís XVI as socorreu bondosamente, amparou-as e deu-lhes água de beber. Eram duas republicanas ferozes que tinham se desmanchado diante do monarca; foram duas monarquistas ferrenhas que saíram do palácio.

Por que isso?

Porque, historicamente, os reis conseguiram imprimir uma imagem na alma do povo. A imagem de que eram superiores, de que eram melhores, de que ESTAVAM CERTOS. Como um pai sempre tem de estar. Ou um bom técnico de futebol.

terça-feira, 27 de julho de 2010


RUBEM ALVES

Dor

Só sabe o que é a dor aquele que a está sentindo. Passada a dor, ela fica na memória. Passa a morar no passado

GOSTO DA ADÉLIA PRADO por várias razões. É poeta. Tem o jeitão mineiro. E é teóloga. Sempre que ela fala sobre os mistérios do mundo sagrado eu me calo e medito. Quase sempre as palavras dela iluminam as minhas dúvidas. Sugestão para algum estudante que esteja à procura de tema para dissertação: "A Teologia da Adélia Prado"...

Mas hoje peço perdão. Discordo do que ela escreveu. Estava falando sobre a coisa mais terrível que há no mundo, o demônio, e foi isso, mais ou menos, o que ela escreveu. Digo "mais ou menos" porque não sei de cor e não posso consultar os livros dela que estão encaixotados, prontos para uma mudança, que julgo, será a última...

Foi isso que acho que ela disse: "O céu será igualzinho a essa vida, menos uma coisa: o medo..." Tanta coisa boa! Não é preciso mais nada. O que está aí chega. Precisa só tirar uma coisa, uma única coisa, e a Terra se transformará no céu. Qual é o nome dessa coisa terrível? Ela responde: o medo.

Concordo. Mas acho que tem coisa pior, que é a causa de todos os medos: a dor. Nunca tive medo de cálculo renal. A despeito de nunca ter tido medo, ele veio, sem pedir licença e sem consultar se eu tinha medo ou não. Foi assim que conheci pela primeira vez a dor do inferno. Cessam todos os pensamentos. O corpo só deseja uma coisa: parar de sentir dor, a qualquer preço.

Dor não tem jeito de explicar. Bernardo Soares diz que tudo o que é sentimento é inexplicável. O artista, para comunicar seus sentimentos inexplicáveis, se vale de um artifício: invoca um sentimento "parecido".

De que comparação vou me valer para explicar a dor a alguém que não a está sentindo? Só sabe o que é a dor aquele que a está sentindo, no presente. Enquanto a dor está doendo, meu corpo -não minha cabeça- sabe o que ela é. Passada a dor, ela fica na memória. Passa a morar no passado. Mas isso que está na memória não é conhecimento da dor porque o passado não dói. A memória da dor, por terrível que tenha sido, não me dá conhecimento da dor, depois que ela se foi.

Minha memória mais antiga de dor me leva de volta à roça onde vivi quando menino. Lembro-me, mas não sinto. Acho até engraçado. Era dor de dente. A dor fazia ele inchar até ficar do tamanho do universo- e eu, chorando, sem saber contar a minha dor, dizia que tinha inveja das galinhas que não tinham dentes... Foi meu primeiro encontro.

Mais tarde ela voltou sem se anunciar. Não a mesma. Cada dor é única. Chegou bruta, definitiva. Lutei usando as armas que se compram nas farmácias. Inutilmente. Levaram-me (nesse ponto eu já não era dono de mim mesmo; estava à mercê dos outros) então para o hospital. As injeções são mais potentes que os comprimidos.

Aplicaram-me seis Buscopan. A dor não tomou conhecimento. Ficou mais forte. Comecei a vomitar. O médico, reconhecendo a derrota dos recursos penúltimos, dirigiu-se à enfermeira e disse o nome do último, nenhum mais forte: "Aplica uma Dolantina nele..."

Ela aplicou. Passados cinco minutos, senti a mais deliciosa sensação que tive em toda minha vida. Não era sensação de nada. Que me importava música, sexo ou flores? Era simplesmente a sensação de não ter dor.

Pensei se essa euforia não deveria ser o estado normal da alma, sempre que o corpo não estivesse sentindo dor... Rindo e feliz, brinquei que o Paraíso morava dentro de uma ampola de Dolantina...


27 de julho de 2010 | N° 16409
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Tarde de chuva

Tínhamos combinado um piquenique na beira do rio, mas o domingo amanheceu gris. O céu era toda uma nuvem compacta e ameaçadora, de modo que Isabela sugeriu que nos encontrássemos à tarde, em sua casa, que ficava nas Três Paineiras. Quem conhece a cidade de Santaclara sabe que as Três Paineiras em verdade são quatro e que em nenhum lugar do universo chove tanto como ali.

Chovia quando cheguei na casa de Isabela e continuava a chover quando a deixei, perto das sete da noite para tomar o ônibus rumo a Porto Alegre. Isabela morava com uma tia que era tão simpática que só me dizia como vai? e até logo. Todo o resto do tempo era de propriedade exclusiva minha e de Isabela, na mais doce solidão do mundo.

É claro que com toda aquela chuva só havia uma coisa a fazer. E foi ao que eu e Isabela nos dedicamos, caladas todas as palavras avulsas. Nós nos beijamos e nos acariciamos em uma sensualidade íntima e sideral, de que hoje só recordo pelo trajeto de minhas mãos em seus seios e em suas pernas decoradas por uma fina, suave penugem dourada.

Mentira: lembro também de que evoquei, no clímax de nosso abraço, se é que de algo se possa relembrar desses momentos, de um trecho de verso de Cecília Meireles: “A chuva é a música de um poema de Verlaine.”

Já eram quase sete horas e eu devia tomar o ônibus. Abracei Isabela, falei até logo para a sua tia e saí pelo rumo do que agora era uma tempestade. Corri, encharcado, até a Estação Rodoviária, que era então um prédio simples e abarrotado.

Nada disso era muito romântico, mas eu trazia comigo a memória de cada instante daquela tarde. Sentei-me no ônibus ao lado de um figurão de Santaclara, um sujeito que cultivava especial apreço pelo som da própria voz.

Eu o ouvi distraído, respondendo-lhe a intervalos, conforme ditava o tom de minha educação. Mas meu ser inteiro jazia na chuva, tanto a que caía enquanto eu me entregava à ternura de Isabela, quanto a que me acompanhava, torrencial, até aquele ônibus.

Nunca mais vi Isabela. Nunca mais a revi, entregue e deliciada, a mim, numa tarde de chuva. Hoje será, talvez, toda uma senhora. Eu sou todo um senhor e minha única fortuna é a reinvenção do tempo que se foi.


27 de julho de 2010 | N° 16409
CLÁUDIO MORENO


Visitando os clássicos

1 - “Todos os seres estão minguando”, nos diz Aeliano. “Não nos espanta que o próprio homem, que nasce para durar tão pouco tempo, vá ficando mais mirrado a cada nova geração - se até mesmo os rios vão secando e as mais altas montanhas têm diminuído sensivelmente de altura!

Os marinheiros me asseguram que já não conseguem ver o vulcão Etna da distância de que antes o avistavam, e o mesmo dizem do monte Olimpo e do monte Parnaso. Aqueles que observam atentamente a natureza estão convencidos de que o mundo caminha para sua destruição”. Aeliano escreveu essas linhas no início da Era Cristã, há quase dois mil anos.

2 - Um casal de centauros contempla embevecido o centaurinho que brinca inocentemente nas areias de uma praia do Mediterrâneo. O pai centauro então se vira para a mãe e pergunta: “Devemos contar-lhe que ele não passa de um mito?”. Esta bela história encontra-se nos Contos Filosóficos, de Kostas Axelos, filósofo grego moderno. Um cínico acrescentaria, com certeza: “Não adianta, porque o bichinho não vai acreditar. É sempre assim; eles só vão se dar conta de certas coisas quando chegam à idade dos pais”.

3 - “Forasteiro, para e lê; é pouco o que tenho para dizer-te. Este é o triste sepulcro de uma mulher adorável, a quem os pais deram o nome de Cláudia. Amou seu marido de todo o coração; dos dois filhos que teve, um continua entre os vivos, o outro jaz debaixo da terra. Era graciosa ao falar e tinha um andar delicado. Cuidava da casa e fiava a lã. Era o que eu tinha a dizer. Adeus.” - Epitáfio em túmulo romano do segundo século antes de Cristo.

4 - É Heródoto quem conta: Cambises, rei da Pérsia, era um governante severíssimo, inflexível com tudo aquilo que se relacionasse com a justiça. Certa feita, tendo nomeado um de seus favoritos, um tal Sisamnes, para o cargo de juiz, descobriu que o amigo traía sua confiança e vendia sentenças com a mesma naturalidade que as bancas do mercado vendiam frutas e legumes.

Ao ver que a liberdade e os bens de seus súditos eram assim sacrificados para enriquecer o corrupto, ficou tão indignado que mandou prender Sisamnes e executá-lo de uma forma exemplarmente terrível: o condenado foi esfolado vivo, tendo a pele extraída em tiras cortadas a partir do pescoço, com as quais foi recoberta a cadeira usada no tribunal.

Ao mesmo tempo, para mostrar ao povo que essa crueldade provinha apenas de seu amor pela justiça, indicou Otanes, que era filho do condenado, para ocupar o mesmo cargo do pai, advertindo-o de que qualquer parcialidade seria punida de maneira semelhante.

Dizem que, ao julgar certas causas, o sucessor, que foi um dos juízes mais corretos que a Pérsia já teve, não conseguia esconder a agitação, remexendo-se desconfortavelmente sobre o assento.


27 de julho de 2010 | N° 16409AlertaVoltar para a edição de hoje
PAULO SANT’ANA

A estrela maior

Astrônomos vêm de descobrir no universo uma estrela gigantesca, com calor e luminosidade maiores que as do Sol.

É tão distante esta estrela da Terra que, calculam os astrônomos, o homem levaria, com os equipamentos que hoje possui, um bilhão de anos para chegar na nova estrela.

A estrela possui uma massa corpórea 256 vezes maior que o Sol. Se ela tomasse o lugar do Sol em nosso sistema solar, o Sol seria ofuscado na mesma intensidade em que ele ofusca a Lua hoje.

É uma descoberta fascinante.

E como a nova estrela ainda não possui nome bem definido, se é maior e mais luminosa que o Sol, só poderá vir a ter um nome: Pablo.

Seria a forma de dar a uma nova estrela o mesmo nome de uma velha e hoje decadente estrela.

Decadente em tamanho e calor, mas não em brilho.

Parece que é do Nélson Rodrigues o personagem chamado Palhares, um “cafajeste que foi capaz de apaixonar-se pela própria cunhada”.

Agora me mandam de Livramento a história de um homem que se casou com duas cunhadas.

Morreu sua mulher e ele casou com a irmã dela. Morreu a segunda mulher e ele veio a se casar com uma irmã das duas defuntas.

Mas como se pode chamar a isso: fetiche, tara ou meramente coerência genética no alvo?

Resta saber se, enquanto sobreviviam suas duas primeiras esposas, ele desejava as outras irmãs.

Se desejava, não tem perdão. Se se atraiu pelas esposas vindouras somente depois que as outras duas morreram, trata-se para mim de um homem normal.

Mais intrigante foi o que aconteceu estes dias em Cachoeirinha: um homem apaixonou-se pelo... cunhado.

Flagrou-se domingo passado, em Minas Gerais, o primeiro grande e imperdoável erro do treinador Silas do Grêmio: logo após ter sido marcado o segundo gol gremista, fixando o escore em 2 a 1 parciais favoráveis ao time de Silas, o treinador gremista, mandou sair do time exatamente o avante Jonas, autor do gol, colocando um volante em seu lugar.

Por que fez isso? Por que desmanchou o equilíbrio do time, que vencia com méritos o Cruzeiro?

Minutos depois da substituição errada e indevida, o Cruzeiro marcou o gol de empate.

Antes, quando estava ainda 2 a 1, eu bradava perante vários companheiros do Esporte de ZH, diante da televisão, que mesmo que o Grêmio ganhasse a partida iria criticar acerbamente Silas pelo erro. Meus colegas são testemunhas.

Por que os treinadores querem se tornar protagonistas principais, mexendo no time, quando o escore lhes fica favorável? Por que esta ânsia de aparecer?

Deu no que deu e quase sempre dá. Ao tornar o Grêmio mais defensivo, o infeliz Silas tornou o Cruzeiro mais ofensivo.

E foi-se por água abaixo a oportunidade magnífica do Grêmio sair da zona do rebaixamento e exorcizar de vez este fantasma que ronda novamente o Olímpico.

Até o momento em que foi substituído, Jonas foi indiscutivelmente o melhor jogador do Grêmio na partida.

Que lance infeliz de Silas! Que substituição tragicamente burra!

Bailarina Sem Breu, livro de crônicas de Mariana Bertolucci será o livro autografado pela autora, colunista de ZH, em sessão de hoje às 19h no Centro de Eventos do BarraShoppingSul.


julho de 2010 | N° 16409
MOACYR SCLIAR

Entre o mar e o rochedo

Médico de saúde pública, trabalhei numa vila popular na periferia de Porto Alegre, lugar paupérrimo, e, como seria de esperar, violento; pessoas de fora não se atreviam a ali entrar.

Mas uma professora da escola local garantiu-me que esse problema para ela não existia; podia andar por toda a vila, sem receio, porque tinha a proteção dos moradores. E ela não era exceção. O mesmo acontecia com funcionários da escola e do posto de saúde.

Não é a regra no Brasil de hoje. Pessoas que servem à comunidade não se sentem seguras, e com razão. Mostra-o o noticiário: professores são constantemente agredidos em sala de aula; a médica Cláudia Hilbig foi baleada por assaltantes dentro do Posto de Saúde Beco dos Coqueiros, na zona norte de Porto Alegre. Dois homens entraram no local, armados, e quando a médica tentou, conforme exigência deles, apanhar na bolsa as chaves do carro para entregar-lhes, atiraram nela.

A doutora escapou com leves ferimentos, mas uma funcionária da Secretaria Municipal da Saúde de Correia Pinto (SC) foi morta a tiros por um homem que alegou ter sido mal atendido. Violência é também comumente praticada contra os médicos peritos da Previdência Social, por pessoas que se sentem prejudicadas pelo laudo emitido: em 2008, foram registradas 102 dessas agressões, uma média de duas por semana.

Por causa disso tramita no Congresso um projeto de lei concedendo porte de arma para esses profissionais.

Será esta a solução? Será que a solução é aumentar o número de pessoas armadas, o número de policiais, o número de presídios? Ou isso é apenas jogar mais combustível na fogueira da violência, que já adquire características de uma guerra civil? Será que não existem outras alternativas?

A posição de médicos, professores e outros servidores públicos que trabalham em contato direto com a população é muito difícil. Estão, como mariscos, entre o mar e o rochedo; o mar de necessidades e reivindicações nunca completamente atendidas e o rochedo da escassez de verbas públicas (que, no entanto, não faltam para certas finalidades; veja-se Senado).

Golpeadas pelas ondas do desespero e da raiva, essas pessoas precisam ser ajudadas. Aumentar as medidas de segurança é coisa óbvia, mas temos de ir mais adiante. E aqui lembro as palavras da professora da vila popular: a comunidade a protegia. Será que não está na hora de recorrer a esta comunidade? A violência só é possível porque a população tacitamente a aceita.

E o faz por medo, ou porque os bandidos compram o apoio de pessoas. Mas é possível mudar esse enfoque. Uma associação de moradores que se mobiliza para conseguir um posto de saúde, uma escola, uma creche, pode também se mobilizar para proteger os servidores dessas instituições e assim mantê-las funcionando.

Entendam bem: não se trata de instituir grupos de “vigilantes” como aqueles que a gente vê em filmes de faroeste; trata-se de criar um clima de apoio aos serviços comunitários e de repúdio à violência que acaba prejudicando toda a população.

Mais fácil de dizer do que de fazer? Talvez. Mas é uma medida alternativa que precisa ser tentada, entre outras coisas porque representa uma forma de mudança social mais racional do que aquelas que apenas aumentam a repressão. O mar e o rochedo têm de mudar para que os pobres mariscos sofram menos.

segunda-feira, 26 de julho de 2010



26 de julho de 2010 | N° 16408
KLEDIR RAMIL


Persona non grata

João Schmidt, meu produtor de shows, é um sujeito divertido. Uma figura agradável e ótimo companheiro de viagem. Como se não bastasse, é um profissional da melhor qualidade. Nossas viagens a trabalho são sempre em clima de alto astral, graças a esse parceiro que vive em estado de euforia permanente. Dizem que caiu no pote quando era criança.

Como ninguém é perfeito, ele também tem suas particularidades. É um fumador compulsivo e, como todos nós, tem alguns “desvios de comportamento”. Mas se recusa a entrar na igreja pra se confessar, sob o argumento de que ainda é cedo. Quando garoto era conhecido como João Maçaneta, apelido que trazia subentendido o significado de “onde todo mundo mete a mão”. O que ele considera um exagero dos colegas.

João adora organizar festas. São famosas. E nunca me convida. Este ano organizou uma feijoada pra festejar o Dia de São Jorge em seu apartamento na Lapa. Convidou todo o meio artístico do Rio de Janeiro, menos eu. Fiquei deprimido.

Chamei pra uma conversa e ele foi bem sincero comigo: “Kledir, você atrapalha. Chega nos lugares e pede pra desligar o ar condicionado. Não bebe, se incomoda com fumaça de cigarro, pede pra abaixar o volume do som... me poupe! Eu gosto é de farra! Vai jantar com esses teus amiguinhos da literatura!”.

Me senti rejeitado, persona non grata.

Dias depois, tentei uma jogada. Liguei pra Márcia, sua fiel escudeira que ele chama de “minha Babá”, disfarcei a voz e falei que estava retornando a ligação para confirmar minha presença no pagode de segunda-feira. Inventei um nome qualquer e disse que era amigo do Túlio. Foi aí que Márcia reconheceu minha voz e falou:

“Ô, Kledir, vai te catar! Você sabe que eu tenho ordens pra não te deixar entrar. Aqui não tem essa frescura de RSVP”. Tentei argumentar: “Mas eu também sou filho de Deus”. E ela: “Pros filhos de Deus tem um templo ali na esquina. Aqui é só pro pessoal do balacobaco”.

Resolvi então partir pra ignorância. Chamei meu advogado e entrei com um mandato judicial contra o Sr. João Schmidt, por discriminação de minorias, no caso, nós os vegetarianos, não fumantes e sem sal. O processo está tramitando na justiça e tenho esperança que o veredicto saia antes da festa de Cosme e Damião. Que, em geral, é das mais animadas.

Neste dia das Avós, o abraço e os parabéns para todas as vovós leitoras deste blogger. Uma ótima semana


26 de julho de 2010 | N° 16408
L. F. VERISSIMO


Símbolos

No outro dia escrevi sobre a campanha em curso na África do Sul pós-apartheid para apagar os vestígios do seu passado colonial, inclusive mudando nomes de lugares públicos que homenageavam colonizadores e seus magnatas e monarcas.

Não vai ser uma tarefa fácil, e não apenas porque mexe com a geografia pessoal de cada um. É difícil imaginar que conseguirão desmontar, ou colocar num lugar menos conspícuo, a estátua da rainha Vitória erguida em frente à Biblioteca Pública de Port Elizabeth.

A baixinha está lá, bem no centrão da cidade, olhando para o infinito com empáfia imperial. Em Port Elizabeth ficamos hospedados no que seria a Zona Sul, ou a Barra no que ela tem de mais Miami.

Mas fomos visitar o Centro, onde éramos os únicos brancos nas suas ruas movimentadas, e onde a figura da rainha, apesar de não ser muito grande, domina os arredores. O desmantelamento de estátuas como as de Lenin e Saddam Hussein significou um rompimento radical com o passado.

Desmantelar a estátua da Vitória simbolizaria, talvez, uma emancipação definitiva da sua História para os negros sul-africanos. Não vai acontecer, mas se acontecesse daria para imaginar a rainha dizendo, quando as picaretas começassem a destruí-la, o que disse quando lhe trouxeram a notícia da rebelião dos boxers na China: “We are not amused.” Sua frase mais famosa, cuja tradução aproximada seria “Não estamos achando a menor graça”.

Esse negócio de corrigir o passado se complica quando o que simbolizava uma coisa passa a simbolizar outra. Por exemplo: Penny Lane, em Liverpool, na Inglaterra.

O nome original da rua foi em homenagem a James Penny, um rico proprietário de navios negreiros, com tanto prestígio entre seus pares que foi o escalado para defender o tráfego de escravos no Parlamento, quando a prática começou a ser questionada.

No século 18, mais de 1 milhão e meio de negros africanos atravessaram o Atlântico como escravos em navios cujo porto de origem era Liverpool. A cidade chegou a dominar 40% do tráfego mundial de escravos e percentagem quase igual do comércio marítimo em geral, e enriqueceu com isso a ponto de rivalizar com Londres.

Tinha toda razão, portanto, em homenagear Mr. Penny e similares. Mas em 2006 o conselho municipal resolveu que os nomes de ruas que lembravam a escravatura deveriam ser substituídos por nomes de abolicionistas, inclusive Penny Lane – que a esta altura era uma das ruas mais famosas do mundo e uma atração turística, graças à música dos Beatles.

A reação foi grande e deixaram que Penny Lane continuasse sendo Penny Lane, sob o azul céu suburbano da letra de Paul McCartney. Afinal, ninguém mais se lembra de James Penny e do comércio de negros africanos, que tanto fizeram por Liverpool. A não ser, talvez, na África.


26 de julho de 2010 | N° 16408
PAULO SANT’ANA


Mano Menezes

Desejo felicidades a Mano Menezes na Seleção Brasileira.

Mas cumpro o dever de recordar dois casos que se passaram em 2005, no campeonato nacional da segunda divisão, protagonizados por Mano Menezes.

Impossível sonegá-los da lembrança do povo brasileiro.

Porque fomos testemunhas oculares ou auditivas dos episódios.

Corria o ano de 2005, novembro, e o Grêmio jogava contra o Santa Cruz no Olímpico.

O treinador era Mano Menezes. Para estupefação de todos, Mano Menezes descobriu uma sala com um televisor e ordenou que Anderson, a maior revelação do clube, tanto que foi logo vendido ao Porto de Lisboa, ficasse encerrado no cubículo, sem comunicar-se com ninguém, enquanto o jogo se desenrolava.

O episódio foi tão grotesto e bizarro que logo foi atribuída a Mano Menezes a intenção de não deixar Anderson no banco, onde ficaria exposto às súplicas dos torcedores e indicações dos jornalistas para que figurasse na escalação titular.

Mas incrivelmente Mano Menezes não só sonegou a Anderson um lugar no time como trancafiou-o num tugúrio, lá na ala administrativa do estádio, sem contato com a torcida e não podendo ver o jogo ao vivo do banco.

No banco, disse-se, Anderson seria solicitado veementemente pela torcida e pela imprensa a integrar o time titular, e isso poderia conturbar o ambiente no clube e no time.

Até agora o episódio restou como exótico e extravagante.

Dias depois, o Grêmio iria decidir contra o Náutico o título de campeão da segunda divisão, no Estádio dos Aflitos em Recife.

Era tão complicado aquele jogo que o Grêmio podia até não sair da segunda divisão, se perdesse.

O Grêmio teve quatro jogadores expulsos, restaram somente sete gremistas em campo.

Além disso, foi cobrado um pênalti contra o Grêmio, defendido pelo goleiro gremista Galatto.

Um jogo como nunca o Brasil e o mundo tinham assistido, tantas foram as desventuras de um time de futebol num mesmo jogo, antes de conseguir ainda um gol salvador que deu a vitória ao Grêmio e fê-lo sagrar-se campeão da segunda divisão.

Ironicamente, o fabuloso gol da vitória gremista foi de autoria de Anderson, o jogador que o técnico Mano Menezes tinha recolhido ao presídio privado daquela sala fatídica no jogo contra o Santa Cruz.

Mas onde eu queria chegar depois de contar tudo isso? É que estapafurdiamente o treinador Mano Menezes tinha deixado no banco naquele jogo os jogadores Anderson e Lucas, as duas maiores revelações gremistas, tanto que o Lucas seria logo em seguida vendido para o Liverpool.

Anderson, vendido ao Porto, Lucas, vendido ao Liverpool, por duas fortunas, estavam sentados no banco por ordem de Mano Menezes.

Só no segundo tempo é que entraram no time e levaram o Grêmio à maior vitória de toda a sua história mais que centenária.

No banco, Anderson e Lucas!

Deus queira que na Seleção Brasileira o treinador Mano Menezes não cometa mais estas tropelias atentatórias ao bom senso e à razão.

Nunca mais sairá da lembrança dos gremistas esses dois episódios surrealistas que encerraram dois dos maiores erros cometidos por treinadores entre nós.

Felicidades, na Seleção, Mano Menezes.

Mas não ouse mais tantas loucuras.

sexta-feira, 23 de julho de 2010


Jaime Cimenti

E Deus criou Porto Alegre....

Depois de ter criado Londres, Paris, Nova Iorque, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, Roma e algumas outras cidades, e de ter “pegado experiência”, Deus criou Porto Alegre.

O Patrão lá de riba caprichou nos sete morros, que não fizeram muito sucesso, mas deixaram a city com cara de São Francisco da Califórnia. Deus criou uma espécie de lago-estuário-praia do Guaíba, que a galera chamou de rio mas não cuidou e aí foi abandonado até pelos navios maiorezinhos. No primeiro dia, segunda, Deus encaminhou portugueses, índios e afro-descendentes para povoar o pedaço.

No segundo dia, a pedido dos médicos otorrinos e pneumos, dos necessitados de cobertores de orelha e dos noivos em geral, Deus criou o inverno na Capital. Rinite, sinusite, alergia, gripe, resfriado, febre, pneumonia e outras “ias” surgiram para desafiar e fortalecer os nativos.

No terceiro dia Deus deu um refresco e mandou abrir uma primavera desabrochantemente linda, com outubros maravilhosos, flores lilás, ventos e Feira do Livro.

No quarto dia Deus resolveu completar o povoamento e civilizar e embelezar ainda mais o Porto e aí mandou vir italianos, alemães, franceses, japoneses, poloneses, chineses, espanhóis e outros importados. Porto Alegre se tornou muitas, tipo Lisboa no centro, Paris na Redenção, Itália na Vilanova, Alemanha na Floresta e no Moinhos e etc.

No quinto dia com os porto-alegrenses já meio erotizados, bronzeados, menos roupa e mais descontração nos bares, Deus criou aqueles “calorezinhos” de verão, para animar os habitantes a irem “pras praia”. No sexto dia Deus aproveitou para criar sua obra-prima outonal em Porto: o mês de abril, o mês que até os turistas de lazer em Porto gostam.

No sétimo dia, domingo, Deus se superou e, além do abril, misturou as estações num só dia, para testar o nariz de todos e para todo mundo dizer que aqui nem o tempo é rotineiro. Bom, aí o Patrão lá de riba resolveu dar uma descansada do trânsito, da segurança, da falta do metrô e de umas outras coisas e foi curar o resfriado num sítio no Lami, tomando chá de mel com limão.

Teve de pedir churrasco pela tele-entrega, ficou pensando, se arrependeu de ter botado tantos morrinhos por aí, que desanimam os ciclistas, pensou que no morro do cemitério poderia ter providenciado um condomínio horizontal mas, ao fim e ao cabo, refletiu que acertou muito mais do que errou e que os porto-alegrenses deram, dão e darão um “âpigreide” no local.


Eletrizante luta do bem contra o mal
Jaime Cimenti

O ancestral tema da luta do bem contra o mal já rendeu muita e boa literatura e, claro, segue rendendo, embora hoje em dia saber o que exatamente bem e mal são não é das tarefas mais simples.

O romance Rio escuro, do escritor John Twelve Hawks, que incrivelmente faz questão de manter sua identidade no anonimato, tem como trama central a luta de dois irmãos peregrinos, Gabriel e Michael Corrigan, que, em lados opostos, batalham por causas totalmente diferentes.

Gabriel acredita num mundo livre, fora do domínio da opressora Irmandade e Michael preferiu trair as próprias origens familiares e apostar no controle exercido pela instituição. A narrativa se constitui no segundo volume da Trilogia do Quarto Mundo e faz uma fantástica incursão ao mundo da ficção científica, nas trilhas de romances consagrados como 1984 e Matrix.

Acerca dos peregrinos existe apenas uma verdade: a capacidade de se libertar do próprio corpo e de enviar sua energia consciente, ou “Luz”, para um dos seis mundos, realidades paralelas descritas por visionários de todas as crenças.

Todavia, as revelações e conhecimentos por eles apreendidos tornaram-se uma ameaça ao status quo, monitorado e controlado através da Imensa Máquina por um grupo, A Irmandade. Identificar e exterminar os peregrinos, antes que possam desafiar a ordem estabelecida, tornou-se o principal objetivo dos membros da Irmandade.

O extermínio ainda não foi conluído por causa dos Arlequins, uma linhagem de guerreiros cuja missão é proteger os peregrinos a qualquer custo. Matthew Corrigan, pai de Gabriel e Michael, criador de Nova Harmonia, comunidade do Arizona à margem da vasta rede de sistemas de informação computadorizada e controle social, é um destes seres iluminados. Seus dois filhos têm o mesmo poder. Todavia, um filho seguiu os ideais e as lutas do pai e o outro, pensando que a Irmandade tomaria conta do mundo, uniu-se às forças do mal, da Irmandade.

A narrativa dá continuidade ao best-seller O Peregrino e convida o leitor a conhecer um pouco mais sobre os diferentes mundos, incluindo portais e a Arca da Aliança.

De Nova Iorque a Londres, Irlanda, Etiópia e Alemanha, o leitor acompanhará as aventuras do Peregrino Gabriel e da bela Arlequim Maya, que, juntamente com seus aliados, o protegerá dos perigos que a Irmandade pode trazer com a implantação de mudanças terríveis e do chamado Quarto Mundo. Rocco, www.rocco.com.br, 384 páginas.


23 de julho de 2010 | N° 16405
PAULO SANT’ANA


É só engarrafamento

Eu tinha de assinar autógrafos às 19h30min no Bourbon Country, Livraria Cultura, ontem.

Por que então resolvi sair aqui de ZH às 17h30min? Está na cara, por causa do engarrafamento.

O engarrafamento passou a ser um inferno diário para os porto-alegrenses. Dezenas de governos municipais omissos, com exceção do engenheiro Telmo Thompson Flores, que encheu a cidade de elevadas, levaram a esse purgatório torturante do engarrafamento em nossa cidade.

Sempre que pego um táxi, repito ao taxista a frase célebre de Dom Pedro I ao seu cocheiro: “Devagar, que eu estou com pressa”.

Imaginem os imensos embaraços por que têm passado os porto-alegrenses com os congestionamentos. Examinem o e-mail que recebi ontem e que relata os tormentos de andar pela Porto Alegre engarrafada:

“Caro Sant’Ana. Permita-me ‘filosofar’ um pouco sobre o dia de ontem, um dia de loucura no trânsito, mas nunca imaginei que na minha vida fosse acontecer o que, abaixo, quero relatar.

Ontem, ao meio-dia, recebi uma ligação de um primo. A nossa tia que mora em PoA tinha falecido e as cerimônias seriam às 18h30min no Jardim Saint Hilaire, em Viamão.

Diga-se de passagem que a falecida era uma querida madrinha de batismo da minha esposa.

Decidimos ir dar nosso último adeus e, para ganharmos tempo, nossa saída foi programada para as 16h.

Pensei que duas horas e meia fossem mais do que suficientes para chegar em tempo ao cemitério Saint Hilaire de Viamão, pois conhecia bem o trajeto.

Quando passamos pelo zoológico de Sapucaia, avisamos aos primos que, de qualquer maneira, nós iríamos até lá, mesmo chegando tarde, pois, o trânsito estava lento.

Imagina, Sant’Ana, às 18h40min, devido ao trânsito lento (eterno suplício!), apenas estávamos chegando à rótula da Carlos Gomes/Protásio, da Perimetral... e ainda faltava todo o trajeto dali até o Saint Hilaire.

Foi a hora em que o primo nos ligou para dizer que a cerimônia já estava encerrada (lógico, lá no cemitério não podem esperar, tudo é programado) e que estavam todos indo embora, já era noite.

Naquele momento, essa ligação significava um solene e definitivo ‘adeus ao nosso adeus’, que tanto queríamos dar à nossa madrinha.

Restou-nos uma única saída... retornarmos. E chegamos em casa com uma incrível ‘maratona’ de quase cinco horas ao volante.

Mas o pior: naquele momento, uma tristeza imensa, inexplicável, se apossou de nós (só quem sentiu isso pode falar) e, especialmente, da minha esposa, quando notei seu rosto. Discretamente, ela estava lacrimejando!

Cara... como se diz na gíria... isso doeu!

Querido Sant’Ana, leio quase sempre a Zero Hora de trás pra frente.

Tua imensa experiência, capacidade psicológica e filosófica de escrever sobre tudo e sobre todos, duvido que alguém neste mundo conseguiria descrever a sensação que senti do ‘momento’ de tanta desolação e tristeza espiritual que se abateu sobre a gente!

Somos impotentes, humanos, sem o que dizer!

Desculpe este desabafo, esta carta que te envio, para dizer que sou mais uma voz que se junta a tantas que, certamente, fazem crescer, mais ainda, a montanha de mensagens solidárias ao teu raciocínio sobre a fortuna que vai se gastar para a Copa 2014 em detrimento a tantas outras necessidades extremas e urgentes, como a de dotar nossa cidade de obras que possam tornar o trânsito cada vez menos lento. Atenciosamente, (ass.) Albano Stein, Portão (RS)”.


23 de julho de 2010 | N° 16405
DAVID COIMBRA


Além da cor da pele

Depois de alguns dias de África, comecei a me sentir meio estranho. Algo me incomodava no lugar. Ou não exatamente no lugar. Tratava-se de algo... nas pessoas. Não havia lógica, os africanos são gentis, são educados, são boa gente. O que podia ser? Levei tempo para descobrir.

Descobri. Era o racismo.

O racismo está impregnado na alma dos africanos. Não me refiro ao racismo óbvio, motivado pela cor da pele, brancos versus negros. Para este racismo estava preparado. O que me chocou foi como o fator racial é importante para os africanos, como está presente no dia a dia deles. Um africano sempre sabe qual é a tribo do outro africano. É uma informação basilar. A partir dela, ele constrói a imagem do outro.

Mesmo Mandela, um santo acima de quaisquer questionamentos, ninguém esquece que ele é um xhôsa. Já seu sucessor, Thabo Mbeki, não era bem aceito pelos zulus exatamente por ser xhôsa. O atual presidente, Jacob Zuma, é um zulu. Os zulus ficam satisfeitos, mesmo que ele não faça uma grande administração. Os xhôsas nem tanto.

Os outros africanos que chegam à África do Sul também são identificados por suas tribos. Você não é só de Ruanda ou do Burundi. É um tútsi ou um hutu, e ser uma coisa ou outra faz toda a diferença.

Em pouco tempo, eu mesmo, ao conhecer alguém, perguntava qual era a sua tribo. Para quê? Que importância tinha aquilo para mim? Que importância tem isso para qualquer pessoa? O horror: eu também via distinções raciais.

Os africanos acreditam que isso é fundamental. Não é, claro que não é, e esse desvio ainda será a causa de muita dor no continente africano. Porém...

Existe um porém. E é fundamental.

Porém, na África do Sul veem-se negros atrás de volantes de carrões, veem-se negros em restaurantes internacionais, há uma classe média-alta de negros que moram em bairros elegantes, que dirigem empresas, que são astros de TV.

E isso também me intrigou. Como é que os negros estão ascendendo tão vertiginosamente naquele país em que o racismo era oficial há 15 anos e que ainda hoje pulsa, e pulsa mesmo entre eles, negros? E como é que aqui, no país mais miscigenado do mundo, os negros têm tanta dificuldade em escalar os degraus sociais?

A resposta está no Estado.

No Brasil, as fronteiras raciais são difusas. Mas, no Brasil, quando o Estado age para diminuir as diferenças não o faz na base. Não o faz na formação. Na África do Sul, a educação básica se tornou prioridade. A partir da educação básica, uma nova classe negra se formou.

Em meros 15 anos.

É a partir daí que se resolvem os problemas, mesmo os mais viscerais, como o racismo. A África do Sul, onde a raça ainda significa algo para as pessoas, onde a desigualdade está na alma do povo, a África do Sul planeja o futuro. Um futuro de um povo só. E o Brasil, onde todos somos brasileiros, até quando a igualdade será protagonizada pelo povo, só?

quinta-feira, 22 de julho de 2010


ELIANE CANTANHÊDE

Plínio, o provocador

BRASÍLIA - No próximo dia 26, Plínio Arruda Sampaio faz 80 anos. Viu e participou de muita coisa que ocorreu neste país nas últimas seis décadas, pelo menos. Em 1964, fugiu de Brasília de carro com um casal amigo e os dois filhos pequenos de André Reis, um figuraça do velho "partidão", que os "emprestara" para fingir que era uma família.

Depois de 12 anos no exílio, no Chile e nos EUA, ele articulou com Fernando Henrique e Almino Afonso, ex-ministro de Jango, o Partido Socialista Democrático Popular (PSDP), que já tinha até programa e manifesto, mas não vingou. Segundo ele, FHC roeu a corda e passou a defendeu a união do antigo MDB contra a ditadura.

Plínio pulou para outra empreitada e fez o primeiro estatuto do PT em 1980. Mas, com o tempo, se desiludiu: "Acompanhei a virada do PT para a direita. Aí, fim de papo".

E foi um dos fundadores do PSOL, pelo qual concorre agora contra Serra, Dilma e Marina, na condição de "nanico". O dissidente do PT nasceu com discurso vigoroso, mas condições frágeis.

Com uma curiosa trajetória, que começa na comportada democracia cristã -era deputado do PDC quando, aos 32 anos, relatou a reforma agrária na Câmara-, Plínio saiu do centro, guinou para a esquerda e fincou raízes na extrema esquerda, se é que é possível falar em extrema esquerda no Brasil.

Há quem entre em campanha para ganhar, custe o que custar (em vários sentidos). Não é o caso do octogenário Plínio, que entrou porque seu partido decidiu ter candidato próprio sem ter opções de nomes e porque ele quis um espaço para pregar a justiça social.

Na sua opinião, FHC e Lula avançaram pouco nessa questão fundamental, porque a redistribuição de renda é lenta e tem sido via salário, não via capital. Mas ressalva: "Eu não sou contra governos, sou contra o Estado brasileiro".

Numa eleição polarizada, Plínio pode cumprir o papel de... provocador. O que pode ser muito bom.


Abuso e intimidação

Responsáveis por flagrantes e reincidentes desrespeitos à legislação eleitoral, o presidente Lula e o PT resolveram lançar mão de uma lamentável estratégia intimidatória contra a vice-procuradora-geral eleitoral, Sandra Cureau. No exercício de suas funções, a integrante do Ministério Público é autora de ações que resultaram em multas contra o mandatário por campanha antecipada.

Lula, que já afirmou não ter "por hábito desafiar nem o mais humilde dos brasileiros", a ela se referiu como uma "procuradora qualquer". O presidente do PT, José Eduardo Dutra, declarou que estudava entrar com uma representação contra a advogada dos interesses do eleitor no Conselho Nacional do Ministério Público

Segundo sua interpretação distorcida dos fatos, Cureau impõe tratamento mais rigoroso aos aliados da campanha de Dilma Rousseff (PT) do que a seus opositores.

Ao fazer tal avaliação, Dutra omite ou ignora, convenientemente, as representações que a procuradora já apresentou ao Tribunal Superior Eleitoral contra o candidato presidencial tucano, José Serra, e diretórios regionais do PSDB.

Melhor fariam o PT e o presidente da República se seguissem o simples princípio enunciado anteontem por sua candidata. "Leis e instituições devem ser respeitadas", afirmou Dilma, que se vê à vontade para evitar "polêmicas" com o Ministério Público enquanto seus pares buscam deslegitimar qualquer fiscalização ou sanção a sua candidatura.

Ainda que a lei eleitoral seja, em alguns aspectos, criticável -inclusive ao estabelecer um prazo artificial para o início da campanha-, compete ao presidente cumpri-la. Mais do que "propaganda eleitoral antecipada", seu governo organizou atos em que a administração pública foi posta a serviço de interesses partidários.

É um sinal de maturidade das instituições do país que o Ministério Público resista, com a serenidade da procuradora Cureau, a tais tentativas de abuso de poder.

CLÓVIS ROSSI

O risco do fiscal da esquina

SÃO PAULO - Duas coisas incomodam muito nesse episódio da violação do sigilo fiscal de Eduardo Jorge Caldas Pereira, o vice-presidente do PSDB. Uma é a óbvia: a inescapável sensação de que funcionários do Estado sentem-se à vontade para agir sordidamente.

Afinal, ninguém vai conseguir convencer ninguém, salvo os petistas hidrófobos, de que o acesso aos dados se deu por mera curiosidade ou para que a funcionária agora exposta os exibisse para a família. O objetivo, evidente, foi o de lançar sujeira na campanha eleitoral.

Objetivo, de resto, atingido, independentemente do que venha a acontecer com a funcionária: os dados tornaram-se públicos e a única coisa que a vítima da violência do Estado pode fazer é reclamar, protestar, denunciar.

O segundo incômodo está dado pela constatação de que qualquer um pode acessar dados sigilosos sob guarda do Estado.

Afinal, a investigação aberta pela própria Receita descobriu que foram feitos ao menos cinco acessos ao imposto de renda de Eduardo Jorge, mas apenas a consulta atribuída à funcionária agora afastada ocorreu sem "motivação", ou seja, fora de procedimentos de rotina do fisco e sem autorização judicial.

Primeiro: autorização judicial deveria ser a única maneira de a Receita ter acesso a dados de quem quer que seja. Aceitar que a violação faça parte de "procedimentos de rotina do fisco" é abrir uma autoestrada imensa para todo tipo de criminalidade, eleitoral ou de qualquer outra natureza.

Não dá para acreditar que todos os agentes fiscais sejam imunes à tentações, sejam os mais honestos seres humanos na face da Terra. Não existe um único conjunto humano com essas características.

Vale nesse caso o que se diz de ditaduras: o problema é menos o general que a chefia e mais a arbitrariedade do guarda da esquina. Ou, no caso, do fiscal da esquina.

crossi@uol.com.br

CRISTINA GRILLO

Dois meninos

RIO DE JANEIRO - Quatro dias separam as mortes trágicas de dois meninos cariocas, vítimas da inconsequência e do descaso com o próximo. Dois dramas que poderiam ter sido evitados se não vivêssemos em tempos descuidados, nos quais não pensamos nos efeitos de nossos atos.

Wesley Guilber Rodrigues de Andrade, 11, assistia à aula de matemática no Ciep Rubens Gomes, em Costa Barros, na zona norte, quando mais um dos rotineiros confrontos nas favelas cariocas, entre policiais e criminosos, irrompeu do lado de fora.

Triste cidade onde crianças de 11 anos reconhecem o som de tiros e, instintivamente, buscam proteção. Alguns se jogaram no chão; outros, como Wesley, buscaram refúgio no corredor, longe das janelas.

Para Wesley não houve tempo de encontrar abrigo. Foi atingido no peito por um tiro de fuzil. De onde veio, se de policiais ou de criminosos, não importa. O que choca é ver que os responsáveis por nossa segurança não levam em conta os riscos de uma operação policial diante de uma escola.

Rafael Mascarenhas, 18, aproveitava a pista interditada do túnel Acústico, na Gávea, zona sul, para andar de skate, prática comum entre a garotada carioca, apesar de proibida. Foi morto por outro jovem que, com seu carro, também invadira o túnel.

O motivo: fazer um "pega" com amigos que estavam em outro veículo, suspeita a polícia; encurtar o caminho de volta à zona sul e saciar a fome que batera àquela hora da madrugada, diz o atropelador.

Como no caso de Wesley, não importam os motivos. O vão de serviço de um túnel não é um retorno para encurtar caminhos, quer ele esteja aberto ou interditado.

Dois meninos, que em vida possivelmente jamais se encontrariam, descobrem na tragédia de suas mortes um ponto que os une: o ato irrefletido de seus algozes.

KENNETH MAXWELL

O príncipe das trevas

Peter Mandelson está atarefado com a promoção de seu novo livro: "The Third Man°-Life at the Heart of New Labour" [O Terceiro Homem-Uma Vida no Coração do Novo Trabalhismo]. O título é tomado de empréstimo a um "film noir" de 1949 estrelado por Orson Welles, no papel de Harry Lime, um criminoso manipulador que trai os amigos e opera dos esgotos de Viena.

O título remete à reputação de Mandelson como "o príncipe das trevas", em reconhecimento não muito elogioso a sua habilidade na arte da manipulação política. Extratos do livro foram publicados como série no "Times" de Londres, parte do império de mídia de Rupert Murdoch.

No comercial de TV que gravou sobre o livro, Mandelson aparece diante de um cenário jocosamente macabro, sentado em uma poltrona e vestindo um elegante paletó e uma gravata em estilo antiquado.

Mandelson, 56, foi tão responsável quanto Tony Blair e Gordon Brown pela reconstrução do Partido Trabalhista, e relata seu papel na evolução do "novo trabalhismo".

Também revela as disfunções crônicas no cerne do poder do Partido Trabalhista e critica a baixa capacidade de comunicação de Brown e seu uso de prepostos políticos para destruir os oponentes.
Depois de sua derrota eleitoral, Brown está recolhido na Escócia e vem mantendo o silêncio. As memórias de Blair devem sair em breve.

Mandelson tornou-se uma espécie de símbolo para os gays, ainda que o brasileiro Reinaldo Avila da Silva, 38, seu parceiro há muito tempo, mal seja mencionado.

Os atuais candidatos à liderança dos trabalhistas, no entanto, foram unânimes em suas críticas ao livro. O ex-secretário do Exterior David Milibrand compara a presença de Mandelson em seu comercial de TV à de Ernst Blofeld, um vilão nos filmes de James Bond. Só faltou, diz Miliband, que ele aparecesse "acariciando um gato branco".

Mandelson foi demitido duas vezes do governo de Blair. Depois, serviu em Bruxelas como comissário do Comércio da União Europeia.

Mesmo assim, em 2008, foi agraciado com um título de nobreza vitalício, como barão Mandelson, e retornou ao governo como principal assessor de Brown. Charles More, no jornal "Daily Telegraph", define o livro de Mandelson como "um manual essencial... sobre como não governar".

E Nick Cohen, no "Observer", compara o livro às gravações das conversas de Richard Nixon na Casa Branca, mostrando "um brutamontes paranoico e boca-suja, antissemita e iludido, que costumava propor as mais cruéis e revanchistas teorias de conspiração". Às vezes para Henry Kissinger. Um lembrete de que nem todos os políticos são boas pessoas.

KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.


22 de julho de 2010 | N° 16404
LETICIA WIERZCHOWSKI


A mão e o pão

Aconteceu uma pequena e saborosa revolução aqui em casa: compramos uma máquina de fazer pão. Uma máquina pequena, extremamente eficaz e deliciosamente capaz – os poderes daquela caixinha aquecida trouxeram grandes benesses para o nosso lar.

Uma coisa trivial e, talvez por isso, maravilhosa: entrar numa casa cheirando a pão quente. Há um aconchego nisso, uma lembrança infantil e delicada – quase nada é tão bom como uma fatia de pão fresco, ainda fumegante, com um naco de manteiga derretendo-se por cima.

Lembro a minha infância em Cidreira e uma padaria improvisada que funcionava na última casa da nossa rua: quando voltávamos da praia, à tardinha, o cheiro morno e doce dos pães caseiros, das cucas e dos bolos que assavam se enrodilhava fundo, enfeitiçando nossos estômagos.

Tomávamos o banho com pressa e corríamos a ruazinha até a esquina, dinheiro na palma da mão, para comprar o pão do lanche vespertino que já voltávamos comendo, aos nacos, naquela fome única e buliçosa que é a fome nascida dos banhos de mar.

Passados os anos, e tão distante aquela ruazinha das minhas memórias, agora estou aqui reinventando esses cheiros, brincando orgulhosamente com a minha máquina, testando receitas e esperando os meninos com a casa a exalar o inigualável aroma de pão recém-saído do forno.

Volto do mercado carregada de diversas farinhas, grãos, sementes e especiarias, e venho produzindo nossos jantares e lanches com uma alegria assim meio atávica – cheguei à conclusão de que todos temos um quê de padeiro lá no fundinho da alma:

a massa com ovos, água, sal, açúcar e fermento, sovada, aberta com o rolo, a massa que é o começo de tudo, o básico de qualquer mesa, simples ou requintada que seja, perfeita para qualquer fome, para qualquer hora, parceira de todos os gostos: o pão, essa unanimidade.

Pães para os amigos, cucas para o lanche da tarde, geleias, pizzas, medialunas – a cozinha aqui de casa vai a pleno vapor. De inventar personagens, passei agora a inventar receitas, e sempre é uma boa hora para uma fatia de pão quentinho. Então me lembro de um pequeno poema da Cecília Meirelles: “O chão, o grão, o grão no chão, o pão, o pão e a mão, a mão no pão, o pão na mão, o pão no chão?

Não.” Ah, o pão nosso de cada dia! Como nada é perfeito, porém, terei de voltar às compras sem demora: a nossa próxima aquisição familiar? Uma boa esteira ergométrica...


22 de julho de 2010 | N° 16404
PAULO SANT’ANA


O dia do autógrafo

Hoje é dia de eu dar os autógrafos do meu livro Eis o Homem, da RBS Publicações. Os autógrafos serão na Livraria Cultura, do Bourbon Country, a partir das 19h30min.

O livro consiste num apanhado de crônicas colhidas durante minha vida, aspectos íntimos, confessionais, crivado de reminiscências, enfim, coisas da vida.

Espero que vão lá à tardinha para tomar um vinho nos autógrafos, bater um papo, se isso for possível, eis que sonho com filas de gentes.

Como foi muito grande o assédio e o interesse do público pela Priscila Montandon, a personagem viva que criei nas duas últimas colunas, a menina bela da tarde que de repente ficou conhecida do Rio Grande sem ter seu rosto desvendado, convidei-a para estar presente nos autógrafos hoje à noite.

Priscila me disse que vai, e pode ser aí a oportunidade para que o público sacie sua curiosidade sobre a excitação do imaginário que criei em torno de seu delicado vulto.

É linda mesmo esta garota que serve para ser minha neta. Mas temo que sua presença hoje nos autógrafos me relegue a uma posição nitidamente secundária.

A manchete dos últimos dias: “Alceu Collares pode ser expulso do PDT”. Seria um acontecimento tão fantástico, que me atrevo a dizer que expulsar Collares do PDT seria o mesmo que expulsar Adão do Paraíso e expulsar os judeus da Terra Prometida.

Está me cheirando essa expulsão de Collares do PDT a um caso de amor mal solucionado. Amor e traição. As 13 mil crônicas diárias que escrevi em Zero Hora durante esses últimos 38 anos serviriam para se constituir em 330 livros.

Não sei de onde tirei tanta imaginação, tanto estudo, tanta reflexão, onde pude colher tantos flagrantes do cotidiano, farpas de recordações do passado ou lampejos do presente, além de medos do futuro.

Muitas dessas crônicas foram frutos de rasgos, repentinos e, modéstia à parte, luminosos.

Outras tantas foram feitas às pressas porque o jornal tinha de baixar e não têm a mesma qualidade.

Foram assim as minhas milhares de crônicas, fruto da pressa ou da inspiração.

Incomodei-me com muitas. Já em outras, os leitores foram bondosos e tolerantes com as bobagens que escrevi.

Mas houve algumas, centenas, em que coloquei meu estro supremo, vazei a minha dor extrema ou escrevi dominado por uma euforia extraordinária em que vibravam totalmente os meus sentidos, as minhas sensações, as minhas emoções, como as cordas de uma harpa.

Foram estas crônicas o sumo da minha modesta obra, em que fiz os leitores chorar ou gargalhar.

Houve leitores, muitas vezes, que me mandaram dizer que molharam as páginas do jornal de lágrimas enquanto liam minhas crônicas, outros que, tão pronto leram, recortaram a coluna, fizeram um quadro e o dependuraram na cozinha ou na sala, onde até hoje permanece.

Obra é isto: é o que permanece. O resto o vento leva.

Se daqui a 20 anos, 30 anos, quando eu já tiver baixado há muito tempo à sepultura, houver um gaúcho ou gaúcha que recordar alguma crônica minha com emoção de nostalgia, terá valido a pena esta aventura esplendorosa que tive no mundo do jornalismo.

A vida vale a pena quando a emoção não é pequena, por isso as melhores colunas foram aquelas em que escrevi intensamente emocionado.


22 de julho de 2010 | N° 16404
L. F. VERISSIMO


O poder imaginário

No México, mais do que em outros lugares da América Latina, nota-se a repartição de poderes que é comum a todos, o poder dos descendentes de europeus sobre a economia e a política – ou seja, o poder real – e o poder dos nativos sobre a identidade cultural – ou seja, sobre o imaginário – do país.

Isto talvez se deva ao fato de estar na Cidade do México o maior de todos os monumentos às civilizações pré-colombianas, o seu magnífico Museu Antropológico, onde se comemora uma vitória nativa que nunca houve.

E explica por que demorou 500 anos para que um descendente de indígenas fosse eleito presidente de um país com maioria indígena como a Bolívia.

Esta invasão do poder real pelo poder imaginário rompeu um acordo tácito de anos e é um precedente ameaçador para as oligarquias americanas – a não ser, claro, que o representante do poder imaginário apenas imagine ter conquistado o poder real.

Se você conseguir pensar no Lula como o primeiro índio brasileiro a chegar à presidência, também pode se perguntar se o governo dele é uma novidade ou uma concessão.

Na África do Sul, é clara essa divisão entre o poder real, que continua nas mesmas mãos brancas, e o domínio dos negros sobre os mitos, os ritos, as artes e até a memória do país. Na cidade de Durban estão fazendo uma espécie de higienização do passado, substituindo todos os nomes de ruas e praças que lembrem os tempos coloniais por nomes de líderes e guerreiros nativos e heróis da luta anti-apartheid.

Nesta ocupação do imaginário do país, cometem algumas injustiças. Vi poucas referências lá a, por exemplo, Nadine Gordimer, cujo prêmio Nobel de literatura se deveu em boa parte à sua oposição corajosa ao apartheid. O próprio J.M. Coetzee, hoje o mais conhecido escritor sul-africano, outro ganhador do Nobel e crítico do regime racista, também não parece ter o reconhecimento que merece – ou então eu é que não procurei direito.

E você não consegue evitar a impressão de que, na África do Sul como na América Latina, também existe um acordo tácito entre o real e o imaginário, e que a elite branca entrincheirada nos seus condomínios fechados cedeu tudo aos negros, inclusive a sua História, para preservar o poder verdadeiro.

Os campeões
Rescaldo da Copa. Quem via o Sergio Ramos entrando pela direita como um ponteiro clássico não podia acreditar na escalação oficial da seleção espanhola, em que ele aparecia como lateral.

O destaque de Sergio Ramos no ataque sublinha uma injustiça que se fez à defesa espanhola, ofuscada pelo brilho de Xavi, Iniesta e David Vila. O ataque brilhou mas fez poucos gol.

Quem segurou os resultados e ganhou a Copa foi a defesa, com Puyol, Xabi Alonso, Piqué, Busquets, Capdevila. E o metido Sergio Ramos. Enquanto isso, Maicon raramente fez o que faz melhor na Inter, que é ir fundo como ponteiro. Maicon acreditou na sua escalação oficial.

quarta-feira, 21 de julho de 2010



21 de julho de 2010 | N° 16403
MARTHA MEDEIROS


Cissa

Escrevo sob forte emoção. Acabei de saber da morte do filho da Cissa Guimarães, que foi atropelado essa manhã (de ontem) no Rio de Janeiro. Tinha 18 anos, o Rafael. Eu o conheci no apartamento da Cissa, em 2009, quando fizemos uma primeira reunião para discutir sobre a peça Doidas e Santas, baseada em livro meu, que ela estava encenando atualmente no Teatro Leblon.

Semana passada, ela ainda me telefonou para dizer que a temporada havia sido prorrogada por mais três meses e brincou: “Sou ou não sou a Cissa Torpedão?”. Com aquela gargalhada gostosa que todos conhecem, ela arrematou: “Estou na melhor fase da minha vida, guria”. Estamos sempre na melhor fase da nossa vida.

Este ano, Cissa esteve duas vezes aqui em casa, onde pudemos conversar com mais tranquilidade – ainda que ela seja tudo, menos tranquila – e confirmei o que já percebia pela tevê: é uma mulher que esbanja vitalidade. Para ela não há tempo ruim: diante de um problema, transforma a dor em energia e toca adiante. Não sei como vai ser agora.

Conheço muitas pessoas que já sentiram essa dor virulenta. Há mais de 10 anos, publiquei uma crônica sobre perda de filhos (“Imitação de vida”) e muitas mães entraram em contato, certas de que eu já havia passado pela experiência e dizendo-se confortadas pelo que eu havia escrito. Nunca passei por essa tragédia, e lembro de ter ficado constrangida por ter me atrevido a um assunto tão delicado.

Se aquelas mães desfalcadas de seus filhos haviam se sentido confortadas por palavras de quem nunca havia vivenciado o mesmo drama, talvez se sentissem ainda mais confortadas por quem realmente passou, e então tive a ideia de escrever um livro reunindo depoimentos de várias mulheres e suas mutilações particulares, para que servisse de amparo para quem viveu essa fatalidade (não estou desmerecendo de forma alguma a dor de um pai – é que eu tinha mais intimidade com as mulheres que pensei em entrevistar).

Só que não consegui levar a ideia adiante. Por mais bem-intencionada que estivesse, daria a impressão de estar explorando a dor alheia, sem falar que ficaria demolida ao ouvir os relatos. Desisti por covardia.

Havia preparado uma outra crônica para hoje, mas o tema anterior se tornou irrelevante. Tudo se torna irrelevante diante da perda de um filho, ainda mais quando é o filho de alguém que valoriza a família acima de tudo – como nós, aliás. Eu, que vinha passando por uns dias ruins, agora me pergunto: do que mesmo eu estava reclamando?

Cada um sabe o que lhe dói, e todas as dores são respeitáveis, mas às vezes é importante a gente lembrar que a única coisa de que precisamos é ter ao nosso lado as pessoas que amamos, o resto é negociável, e isso vale para artistas, balconistas, diaristas e todos que vivem em alta velocidade, sem perceber que, no balanço das horas, tudo pode mudar.

Ainda que com chuvas e ventos que possamos todos ter um bom dia. Aproveite


21 de julho de 2010 | N° 16403
DAVID COIMBRA


O egípcio

Os antigos egípcios, mas os antigos mesmo, egípcios que se extinguiram há 20 séculos, eles diziam que comemos quatro vezes mais do que necessitamos.

E que os 75% excedentes são a causa de todas as doenças.

Por conta disso, passavam o dia ingerindo beberagens, fazendo jejum e empregando vomitórios.

Profilaxia, pois.

Se a prevenção não funcionasse, apelavam para intervenções mais sérias. Faziam até trepanações.

Tempos atrás li um romance de um escritor finlandês chamado Mika Waltari. O protagonista da história era um médico do Egito de 1.300 antes de Cristo. O personagem descrevia os tratamentos que ministrava, as poções que preparava, as cirurgias que realizava.

É um livro alentado, meio palmo de espessura. Faz mais de 20 anos que o li. Na época considerei-o supimpa, para usar um adjetivo tão vetusto quanto os egípcios. Mas a gente muda com o tempo e os livros mudam junto. As Agatha Christie e os Morris West que sorvia com sofreguidão na adolescência hoje me enfaram. Não sei se recomendaria o livro do Waltari agora, mas eu dos anos 80 o recomendo.

O fato é que a medicina egípcia funcionava no tratamento de grande parte dos males que têm solução. Para os que não têm solução, como o resfriado, os egípcios apelavam para as fórmulas mágicas, nas quais, aliás, eram especialistas. Quando a coriza começava, eles recitavam:

“Retira-te, resfriado, filho dum frio, tu que quebras os ossos, destrois o crânio, transtornas as sete aberturas da cabeça! Sai, fedor, fedor, fedor!”

Num inverno brutal desses, não custa tentar. Mas, por precaução, faça também a vacina contra a gripe.

De qualquer forma, o que queria dizer é que os egípcios já haviam desenvolvido boa medicina nos primórdios da Civilização. E não apenas a medicina. A geometria egípcia calculou o pi em 3,16. Quatro mil anos depois, nós ocidentais concluímos que é 3,1416.

Já eu aqui, apesar de ter todos esses milênios de cultura ocidental a me anteceder, apesar das aulas de matemática da professora Íria, apesar de tudo o que estudei para passar no vestibular, ainda não sei o que é mesmo o pi.

O que é mesmo o pi?

Os egípcios sabiam. Os egípcios sabiam de muitas coisas, mas o que os imortalizou de verdade, o que os transformou em uma das civilizações mais admiradas da História, o que foi?

Foi a arquitetura.

As pirâmides imortais, sim, e também as suas colunatas, os seus templos, os seus palácios. Porque eram grandiosos e arrojados. Porque eram erguidos para a posteridade. Mais até: para a eternidade.

A arquitetura, escreveu Goethe, é a música congelada. Há que ter harmonia. Há que ter ritmo. E, às vezes, há que ter imponência.

Um estádio de futebol precisa ser imponente. Precisa impressionar. Até pôr medo no adversário que nele ingressa. Mas também tem de ser belo.

Conheci estádios belos e imponentes em todo o mundo. O que mais me tocou a alma foi o Olímpico de Berlim. Pelo peso da sua história, é claro, mas igualmente por sua arquitetura. Você sente que fatos importantes aconteceram e vão acontecer naquele palco de pedra.

Agora, na África do Sul, trabalhei no mais lindo e aconchegante estádio em que já pisei. O Estádio de Durban. Além de ser um lugar agradável de se estar, é espaçoso, é grande: nele cabem 70 mil pessoas com suas malditas cornetas africanas. Ao sair do Estádio de Durban, terminado o modorrento Brasil versus Portugal, um dos colegas observou, entre suspiros:

– Será que algum dia teremos um estádio assim?

Aí é que está: a resposta é não. O Beira-Rio será reformado, o Grêmio vai erguer um estádio novinho, e não vejo, nos planos de um e outro, nada que seja realmente grandioso, realmente belo, realmente diferente, capaz de encantar o visitante e oprimir o inimigo. Não vejo, nos projetos da Dupla, nada que não vá ser coberto pelo pó da história.

E uma história breve, nada dos cinco milênios dos egípcios, nada que em 30 ou 40 anos não tenha de ser refeito, posto abaixo e esquecido. Triste e rapidamente esquecido.