quarta-feira, 31 de julho de 2019



31 DE JULHO DE 2019
EM CLOSE

O NOVO CHIQUE

SEM EXCESSOS MAS COM MUITA ELEGÂNCIA, VEJA MAIS TRÊS AMBIENTES DA CASACOR RS

O "menos é mais" nunca saiu de moda. Mas a tecnologia dos materiais e o design atravessando cada vez mais fronteiras decretaram: chique é ter personalidade.

Na edição 2019 da CasaCor RS, este padrão foi levado ao máximo da criatividade, com propostas com pedras, tons amadeirados e texturas que criam uma série de estímulos visuais sem cansar. Pelo contrário, são inspirações de ambientes para se estar por muitos anos.

Selecionamos aqui três representantes dos chiques na medida certa. A mostra fica aberta ao público até o dia 8 de setembro no antigo Hospital da Criança Santo Antônio.

Informações de horários e valores pelo site: casacor.abril.com.br/mostras/rio-grande-do-sul/.

Luiz Sentinger

O painel de MDF, padrão Cronos, é o fundo para o living que conta com peças como a poltrona Moleca, de Sérgio Rodrigues

Joana Deicke e Maria Manoela Bento Pereira

O piso de tacos de tauari e a lareira de mármore Donatelo escovado estão ao lado dos painéis ripados

Francisco Humberto Franck

O arquiteto promove um passeio pelo design italiano em sua Casa Roma, com uso de mármore e tecido de couro na parede.

31 DE JULHO DE 2019
PEDRO GONZAGA

Decálogos

Das muitas coisas que li sobre a arte da escrita, sempre tive especial encanto pelos mandamentos literários, espécies de tábuas da lei para o universo ficcional, mais fáceis de cumprir ou desrespeitar do que aquelas ditadas a Moisés. O escritor uruguaio Horácio Quiroga tem um famoso decálogo para o contista, deliciosamente arbitrário e útil. Juan Carlos Onetti, seu conterrâneo, escreveu 12 e não 10 mandamentos, supondo que dois podiam ser descartados. Hemingway e Raymond Carver também têm suas listas, cheias de caprichos.

Gosto em especial das proibições. No Decálogo original, nada pode ser melhor em estilo e matéria de reflexão do que os vetos enxutos: Não matarás, não roubarás, não adulterarás. Também uma lição sobre o fracasso das leis, mesmo quando divinas.

Anos atrás, preparando uma oficina, modestamente compus um decálogo, que tantas vezes desrespeitei, brasileiro que sou. Mas se uns cinco artigos pegarem, terei vencido a média nacional.

Decálogo da crônica

1 - No canto, como na escrita, trata-se de encontrar o tom certo para a canção.

2 - Valorize o evento que justifica a crônica. Que não seja óbvio a ponto que todos já o conheçam, que não seja particular a ponto de que ninguém mais o entenda.

3 - Seja breve, mesmo que não consiga.

4 - Trata-se de uma conversa. É preciso saber ouvir, mais do que saber falar.

5 - Equilibre razão e sensibilidade. Nem só artigo, nem só confissão. A crônica precisa do comprometimento dos diálogos de botequim quando as gentes já se foram.

6 - A crônica é sobre a luta da criatura humana contra o tempo: o que se perde, o que se preserva, o que se transforma durante o combate. Os despojos desse combate, a isso chamamos crônica.

7 - Lembre-se das duas melhores armas para a crônica (e talvez para a vida): humor e lirismo. O riso e a poesia estão entre as poucas vitórias de nossa triste espécie.

8 - Se tiver certeza, duvide. Se for opinar, espere. Se quiser propor, não imponha. Escrever muitas vezes é descobrir o que ainda não se sabe.

9 - Que seja sempre sobre nós, nunca sobre mim, mesmo que a crônica pareça um relato sumamente pessoal.

10 - Escreva sem pensar o quão perecível é o assunto da crônica. Abrace o problema da experiência humana, fonte do prazer da criação, que é, se tudo der certo, o próprio prazer da leitura também.

PEDRO GONZAGA


31 DE JULHO DE 2019
DAVID COIMBRA

Os terraplanistas da política

Lula e Bolsonaro, Moro e Greenwald. Você pode ter boa vontade com os quatro, sem deixar de ver seus erros. Até porque eles estão inter-relacionados. Ou melhor: Lula está no centro desse sistema, como estava no daquele powerpoint famoso do Dallagnol. É por causa de Lula que os outros se movimentam, como satélites.

Lula está ladeado por terraplanistas da política. Como aqueles que acreditam que a Terra é plana, apesar de todas as provas em contrário, os petistas amam Lula incondicionalmente e os antipetistas o odeiam incondicionalmente. Não existe possibilidade de ponderação nesse assunto. Não existe boa vontade.

Já eu aqui, que sei que o mundo é redondo e achatado nos polos e que sei que Lula não é santo nem demônio, eu aqui posso usar da boa vontade. Com ela, compreendo que Lula não chegou ao poder, Lula foi chegando. Neste processo, assimilou como o Estado brasileiro funciona: é um sistema que, há 500 anos, transita entre o paternalismo e o patrimonialismo.

Países parecidos com o Brasil, como os Estados Unidos, também fazem esse balanço, só que entre Estado e Mercado: ora o Estado é mais forte, como com Roosevelt; ora o Mercado, como com Reagan. No Brasil, o jogo se tornou viciado. Porque o Estado não dá proteção, dá privilégios. Assim, se beneficiam parte da classe dos trabalhadores e parte da classe dos empresários, sempre em detrimento do todo.

Lula e os intelectuais do PT, como Palocci e José Dirceu, perceberam que, para participar desse jogo, teriam de aceitar suas regras. Foi o que prometeram que fariam. E fizeram. Enquanto isso, o Brasil se estabilizava economicamente, graças ao Plano Real. E, numa última pincelada do azul da boa sorte (no caso, vermelho), a China entrou na OMC mais ou menos na mesma época em que Lula brindava com um cálice de Romanèe-Conti a sua ascensão ao poder.

Você consegue ver o quadro agora? O Brasil enfim livre da inflação e a China puxando a economia para cima, Lula com prestígio com as esquerdas e acertado com empreiteiros e banqueiros, um Congresso submisso, a oposição manietada. É um Monet!

A ideia de transformar o Brasil no líder de um bloco de países até então marginalizados na economia mundial era muito engenhosa. Tinha tudo para funcionar e manter o PT no poder por mais 40 ou 50 anos. O problema é que, para dar certo, o jogo tinha que continuar sendo sujo e os vencedores tinham que continuar sendo os mesmos.

Há um exemplo perfeito para provar o que digo: o Rio de Janeiro.

Vargas dizia que o Rio é o tambor do Brasil, e é mesmo. No Rio, os defeitos e as qualidades do país se acentuam quase como se fossem caricaturas. Pois olhe para o Rio do Pan, da Olimpíada, do Maracanã, do pré-sal e de Sérgio Cabral e você verá um resumo da farra patrocinada pelo consórcio espúrio do dinheiro público com o privado que sempre existiu e se profissionalizou nos tempos do PT.

Lula compreendeu esse sistema, nele ingressou com entusiasmo e, mais, se apropriou dos seus mecanismos de funcionamento. Não é por acaso que Maluf, Renan, Collor e Sarney o defendiam - Lula era a garantia de que tudo sempre continuaria igual.

Esse foi o maior pecado de Lula: ter se entregado sem pejo ao patrimonialismo histórico do país.

Seu mérito? Foi ter, em contrapartida, robustecido o paternalismo histórico do país.

Valeu a pena? Tudo vale a pena, em determinadas condições, como diria Fernando Pessoa.

Quanto a Moro, ele também tem seus terraplanistas. Falarei deles amanhã.

DAVID COIMBRA


31 DE JULHO DE 2019
ARTIGOS

TRANSIÇÃO SEM RUPTURA

A Assembleia Legislativa viveu um primeiro semestre muito importante. Foi responsável por ajudar na transição do governo, enfrentando temas que restavam pendentes para continuar o enfrentamento da maior crise fiscal que já vivemos, sem grandes rupturas que pudessem causar a descontinuidade de ações fundamentais.

Entre 2015 e 2018, cumpri o desafio de integrar a equipe de José Ivo Sartori, que desencadeou um processo de transformação histórico para o Estado.

Implementamos medidas e aprovamos no parlamento projetos de mudanças estruturais, modernizando o Estado para direcionar o dinheiro da população para o que ela mais precisa: segurança, saúde, educação e infraestrutura.

Como secretário de Planejamento, contribuí para atingirmos esses objetivos. Iniciamos a desmistificação do debate quanto à privatização de empresas estatais que enfrentam enormes dificuldades financeiras ou não contam com a capacidade de investimentos necessários. Casos claros de CEEE, CRM e Sulgás. O processo de discussão e sensibilização da opinião pública, que em sua maioria apoiou a decisão, culminou com a aprovação na Assembleia da autorização para alienação, venda ou federalização dessas empresas.

Votei com coerência e convicção, aprovando a permissão para o novo governo avançar nesta direção. Oportunidade rara de prosseguir no Legislativo aquilo que iniciamos no Executivo.

Ainda nesse contexto, a aprovação de uma LDO novamente realista, que consolida 2020 como o quinto ano consecutivo de responsabilidade fiscal com as contas estaduais, foi outra chance de mostrarmos isso.

Não há mais espaço para demagogia com o dinheiro da sociedade. Ainda não conseguimos colocar a despesa dentro da receita. Temos um longo caminho para recolocar o Rio Grande do Sul nos trilhos. Mas seguimos para o restante do ano com a certeza de ter não somente auxiliado na transição entre governos, mas sustentado o interesse da maioria dos gaúchos, que é o de tornar nossa máquina mais eficiente e menos ideológica e corporativista.

CARLOS BÚRIGO



31 DE JULHO DE 2019
ARTIGOS

TRANSIÇÃO SEM RUPTURA

A Assembleia Legislativa viveu um primeiro semestre muito importante. Foi responsável por ajudar na transição do governo, enfrentando temas que restavam pendentes para continuar o enfrentamento da maior crise fiscal que já vivemos, sem grandes rupturas que pudessem causar a descontinuidade de ações fundamentais.

Entre 2015 e 2018, cumpri o desafio de integrar a equipe de José Ivo Sartori, que desencadeou um processo de transformação histórico para o Estado.

Implementamos medidas e aprovamos no parlamento projetos de mudanças estruturais, modernizando o Estado para direcionar o dinheiro da população para o que ela mais precisa: segurança, saúde, educação e infraestrutura.

Como secretário de Planejamento, contribuí para atingirmos esses objetivos. Iniciamos a desmistificação do debate quanto à privatização de empresas estatais que enfrentam enormes dificuldades financeiras ou não contam com a capacidade de investimentos necessários. Casos claros de CEEE, CRM e Sulgás. O processo de discussão e sensibilização da opinião pública, que em sua maioria apoiou a decisão, culminou com a aprovação na Assembleia da autorização para alienação, venda ou federalização dessas empresas.

Votei com coerência e convicção, aprovando a permissão para o novo governo avançar nesta direção. Oportunidade rara de prosseguir no Legislativo aquilo que iniciamos no Executivo.

Ainda nesse contexto, a aprovação de uma LDO novamente realista, que consolida 2020 como o quinto ano consecutivo de responsabilidade fiscal com as contas estaduais, foi outra chance de mostrarmos isso.

Não há mais espaço para demagogia com o dinheiro da sociedade. Ainda não conseguimos colocar a despesa dentro da receita. Temos um longo caminho para recolocar o Rio Grande do Sul nos trilhos. Mas seguimos para o restante do ano com a certeza de ter não somente auxiliado na transição entre governos, mas sustentado o interesse da maioria dos gaúchos, que é o de tornar nossa máquina mais eficiente e menos ideológica e corporativista.

CARLOS BÚRIGO




30 DE JULHO DE 2019

DAVID COIMBRA

Teste de inteligência: tente ler um só parágrafo de Kant

O humorista Antonio Tabet, do Porta dos Fundos, cunhou, dias atrás, a frase definidora do nosso começo de século:

"Saímos da era do 'todos são inocentes até que se prove o contrário', passamos pelo momento 'todos são culpados até que se prove o contrário' e, finalmente, chegamos ao tempo do 'quem eu gosto é inocente e quem eu não gosto é culpado, mesmo que se prove o contrário'".

Trata-se de uma realidade bem brasileira, mas não é exclusividade nossa. Há outros pedaços do mundo que estão assim. Os Estados Unidos, inclusive.

Tome o exemplo mais divertido: os terraplanistas. Você não conseguirá convencer um terraplanista de que o mundo é redondo. Não adianta vir com dados e argumentos, ele também terá seus dados e argumentos. Qualquer um, se tiver disposição, pode jogar uma discussão para o infinito e além, se a intenção for vencer o debate em vez de descobrir a verdade.

Vencer debates é fácil. Você não precisa nem sequer analisar o argumento apresentado. Basta puxar o assunto para um lado ou para outro, desviar, fazer um contorno, dar sempre a última palavra. Ou ironizar. Ou desclassificar o "oponente". Mas isso é cansativo. E vazio.

Porque não existe campeonato de ideias. Você não tem de "derrotar" uma pessoa quando ela pensa diferente, a não ser que os dois sejam candidatos ao mesmo cargo. O ideal, quando você conversa com outros seres humanos, é que a interação gere luz. "Fiat lux!", como está escrito no gênesis do Gênesis. Aí você vê as coisas sob outra perspectiva e diz: "Eis uma verdade que eu não tinha enxergado!". E fica feliz porque aprendeu.

Quando alguém lhe mostra algo que você ainda não tinha visto, você é que cresceu; o outro ficou do mesmo tamanho. Se você entende que o outro tem razão e muda o seu pensamento, você ganhou com o debate.

Mas, para que isso seja possível, para que você e a sociedade melhorem, é preciso boa vontade. Aí está uma qualidade pouco valorizada, mas ela é indispensável. Tem a ver com tolerância. Com sensatez.

Para me ajudar, vou pegar emprestado o trecho de um livro de Kant. Esse metódico e levemente neurótico professor alemão foi um dos maiores filósofos da História, mas seu texto é pesado. Outros pensadores, como Schopenhauer e Freud, escreviam com mais graça.

Por isso, vou colher de Kant um único parágrafo, o primeiro de Fundamentação da Metafísica dos Costumes, para mostrar como é importante esse predicado do qual falo. Vale também para você treinar a sua capacidade de interpretação de texto. Lembre-se: sua mente tem de ser exercitada tanto quanto seus glúteos e suas panturrilhas. Os três, mente, glúteos e panturrilhas, são importantes. Um parágrafo só. Se você não entender, leia de novo. Vamos lá:

"Neste mundo, e até também fora dele, nada é possível pensar que possa ser considerado como bom sem limitação a não ser uma só coisa: uma boa vontade. Discernimento, argúcia de espírito, capacidade de julgar e como quer que possam chamar-se os demais talentos do espírito, ou ainda coragem, decisão, constância de propósito, como qualidades do temperamento, são sem dúvida a muitos respeitos coisas boas e desejáveis, mas também podem tornar-se extremamente más e prejudiciais se a vontade, que haja de fazer uso destes dons naturais e cuja constituição particular por isso se chama caráter, não for boa.

O mesmo acontece com os dons da fortuna. Poder, riqueza, honra, mesmo a saúde, e todo o bem-estar e contentamento com a sua sorte, sob o nome de felicidade, dão ânimo que muitas vezes por isso mesmo desanda em soberba, se não existir também a boa vontade que corrija a sua influência sobre a alma e juntamente todo o princípio de agir e lhe dê utilidade geral, isto sem mencionar o fato de que um espectador razoável e imparcial em face da prosperidade ininterrupta duma pessoa a quem não adorna nenhum traço duma pura e boa vontade nunca poderá sentir satisfação, e assim a boa vontade parece constituir a condição indispensável do próprio fato de sermos dignos da felicidade".

Boa vontade. Amanhã tentarei usá-la para falar de alguns personagens, como Lula e Bolsonaro, Moro e Greenwald. É possível empregar boa vontade com eles. Você verá.

DAVID COIMBRA


30 DE JULHO DE 2019
OPINIÃO DA RBS

A HORA DE O RS DISCUTIR A PREVIDÊNCIA

Acerta o governador Eduardo Leite em começar a preparar o terreno para uma mudança das regras das aposentadorias do funcionalismo público do Rio Grande do Sul. Ainda se espera que, no Senado, Estados e municípios possam ser incluídos na reforma da Previdência por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) paralela ao texto que a Casa vai analisar, mas uma ação local do Piratini é essencial, por uma série de razões.

Primeiro, porque ainda é incerto que a câmara alta conseguirá, de fato, contemplar os demais entes federados, diante de obstáculos políticos no próprio Congresso. Segundo, porque, mesmo se os Estados acabarem alcançados, o impacto, no caso gaúcho, seria reduzido. Desta forma, o Piratini não poderia apenas cruzar os braços e teria, de qualquer forma, que pensar em medidas complementares. E o déficit previdenciário, é notório, está na raiz do desequilíbrio crônico das finanças do Estado.

É bom recordar que, de acordo com recente estudo da Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado, a reforma da Previdência hoje em análise no Congresso traria um impacto de cerca de R$ 16,2 bilhões para o Rio Grande no período de uma década. Ajuda, mas nada muito significativo diante de um déficit que, apenas em 2019, é projetado em R$ 12,3 bilhões.

É preciso ainda aproveitar o momento. Institutos de pesquisa mostram que, nos últimos meses, aumentou a compreensão da população em relação à necessidade de reformar a Previdência, diante do irrefutável fato demográfico de que a população brasileira está envelhecendo. Ou seja, tenderia a ficar muito mais desequilibrada a relação entre os que sustentam e os que se beneficiam do sistema, levando à implosão das contas públicas. O apoio das ruas acabou se refletindo na votação na Câmara, com uma vitória com margem muito superior ao que se poderia esperar poucas semanas antes. Ao mesmo tempo, como indicaram as votações na Assembleia relacionadas às privatizações de estatais, existe no parlamento gaúcho clareza quanto à gravidade da situação do Estado e, mais do que isso, sentido de responsabilidade e compromisso em enfrentar o problema.

Há ainda a pressão do calendário. É preciso dar celeridade ao debate, para que as discussões e a posição dos deputados não fiquem contaminadas pela maior sensibilidade própria de anos eleitorais, como 2020. É quando a pressão de corporações que possam vir a ser contrariadas acaba tendo mais êxito. O segundo semestre de 2019, portanto, é o momento certo para começar a corrigir distorções que não combinam com a penúria financeira do Estado.


30 DE JULHO DE 2019
GERAL

BB reduz cargos e agências e abre programa de demissão

O Banco do Brasil (BB) anunciou, ontem, um programa de reestruturação de cargos e pontos de atendimento, além do lançamento de programa de demissão incentivada e da criação de unidade de inteligência artificial. As mudanças foram aprovadas pelo conselho de administração do BB e serão implantadas neste segundo semestre. O impacto financeiro do programa será divulgado até o final de agosto.

Embora não tenha sido informada redução no número total de pontos de atendimento, o BB vai transformar 333 agências em postos avançados (estrutura menor e mais barata) e 49 postos em agências. Serão abertas 42 agências empresas. O objetivo, segundo a instituição, é "propiciar melhor experiência aos clientes e incrementar a eficiência".

A instituição afirma ainda que, com o objetivo de acelerar a transformação digital do banco, será criada a Unidade Inteligência Analítica, que acompanhará o desenvolvimento de técnicas, ferramentas e inovações que utilizam inteligência artificial.

O conselho também aprovou o Programa Adequação de Quadros (PAQ), que prevê redistribuição da força de trabalho e adesão voluntária a plano de demissão incentivada.

Segundo o BB, as ações aprovadas incluem revisão e redimensionamento de cargos de direção geral e em superintendências, órgãos regionais e agências. Não foi informado o número de demissões esperadas. Em maio, a Caixa anunciou programa de desligamento voluntário com meta de reduzir 3,5 mil vagas.




30 DE JULHO DE 2019
+ ECONOMIA

Confiança menor na indústria

A confiança da indústria no país caiu ao menor nível desde outubro do ano passado. Em julho, o indicador que mede esse sentimento nas fábricas, o ICI, teve baixa de 0,9 ponto e atingiu a marca de 94,8, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). Em outubro, estava em 94,2 pontos (veja no gráfico abaixo). A escala vai de zero a 200 - a média é cem.

A mensagem deixada pelos números é de que a confiança de empresários perdeu o fôlego acumulado depois das eleições presidenciais. Ou seja, o bom humor industrial com a mudança de governo foi zerado.

Parte da explicação para o resultado está relacionada ao desempenho decepcionante da economia no primeiro semestre. A fraca atividade no período reflete combinação de fatores internos e externos.

Dentro do país, a falta de demanda por produtos e serviços preocupa empresários. Além disso, recentes turbulências entre governistas e parlamentares diminuíram o ritmo de andamento da reforma da Previdência e também respingaram no ânimo industrial. No front externo, a condição mais desfavorável a exportações completou a receita de baixa na confiança.

O ICI é formado por dois indicadores: o de situação atual e o de expectativas futuras. O primeiro caiu, em julho, para 94,4 pontos. A marca é a menor desde novembro. Já o índice de expectativas futuras subiu para 95,3 pontos. Foi a primeira alta desde janeiro e o maior resultado desde maio. Significa que, apesar das dificuldades, industriais enxergam possibilidade de melhora nos próximos meses.

Para analistas, isso tende a estar ligado à leitura de que a reforma da Previdência será aprovada no Congresso. Segundo especialistas, a proposta deverá gerar alívio fiscal, sem resolver todos os problemas da economia. Ou seja, o crescimento depende de ações adicionais.

LEONARDO VIECELI - INTERINO


30 DE JULHO DE 2019
+ ECONOMIA

Confiança menor na indústria

A confiança da indústria no país caiu ao menor nível desde outubro do ano passado. Em julho, o indicador que mede esse sentimento nas fábricas, o ICI, teve baixa de 0,9 ponto e atingiu a marca de 94,8, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). Em outubro, estava em 94,2 pontos (veja no gráfico abaixo). A escala vai de zero a 200 - a média é cem.

A mensagem deixada pelos números é de que a confiança de empresários perdeu o fôlego acumulado depois das eleições presidenciais. Ou seja, o bom humor industrial com a mudança de governo foi zerado.

Parte da explicação para o resultado está relacionada ao desempenho decepcionante da economia no primeiro semestre. A fraca atividade no período reflete combinação de fatores internos e externos.

Dentro do país, a falta de demanda por produtos e serviços preocupa empresários. Além disso, recentes turbulências entre governistas e parlamentares diminuíram o ritmo de andamento da reforma da Previdência e também respingaram no ânimo industrial. No front externo, a condição mais desfavorável a exportações completou a receita de baixa na confiança.

O ICI é formado por dois indicadores: o de situação atual e o de expectativas futuras. O primeiro caiu, em julho, para 94,4 pontos. A marca é a menor desde novembro. Já o índice de expectativas futuras subiu para 95,3 pontos. Foi a primeira alta desde janeiro e o maior resultado desde maio. Significa que, apesar das dificuldades, industriais enxergam possibilidade de melhora nos próximos meses.

Para analistas, isso tende a estar ligado à leitura de que a reforma da Previdência será aprovada no Congresso. Segundo especialistas, a proposta deverá gerar alívio fiscal, sem resolver todos os problemas da economia. Ou seja, o crescimento depende de ações adicionais.

LEONARDO VIECELI - INTERINO


30 DE JULHO DE 2019
INFORME ESPECIAL

O dedo democrático

O cadastramento biométrico atingia, até a manhã de ontem, 69,99% do eleitorado brasileiro. São cerca de 102,3 milhões de pessoas identificadas pela tecnologia, conforme acompanhamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Onze Estados concluíram o processo até agora. São do Norte, Nordeste e Centro Oeste.

O Rio Grande do Sul está em um segundo grupo, embora uma grande parte de municípios menores já tenha encerrado a tarefa de cadastrar seus eleitores. Os gaúchos atingiram percentual de 74,48%. Atrás dos vizinhos do Paraná e de Santa Catarina, mas mais adiantados do que fluminenses, paulistas e mineiros, por exemplo.

A vantagem da biometria, por meio da impressão digital, fotografia e assinatura, é aprimorar a identificação do cidadão no momento do sufrágio, o que dá mais segurança à eleição. Assim, garante que quem está na urna é realmente o titular do voto.

Em Porto Alegre, o cadastramento passará a ser compulsório entre janeiro de 2021 e maio de 2022. Por isso, apenas um quarto dos eleitores atualizou sua situação até agora. Hoje, há 47 cidades do Estado que estão na fase obrigatória. O serviço é oferecido nos cartórios dos municípios. É possível agendar atendimento no site do TRE-RS.

Abaixo, veja os percentuais dos Estados do Sul e Sudeste.

CAIO CIGANA - INTERINO

segunda-feira, 29 de julho de 2019



29 DE JULHO DE 2019
DAVID COIMBRA

O que aproxima Bolsonaro de Sócrates

Com o inexorável passar do tempo, Bolsonaro vai se acostumando com a Presidência. O que não significa que tenha compreendido o que é ser presidente do Brasil. Não compreendeu ainda, mas sente-se mais confortável na função e, por isso, está mais confiante. E mais propenso a falar o que pensa. Eis o problema.

Bolsonaro sempre foi um homem com baixa capacidade de filtragem de opiniões. O que lhe vem à cabeça rapidamente desce para a boca, sem grandes obstáculos. Talvez seja ele também um fruto das redes sociais, que estão sempre solicitando o nosso alvitre sobre tudo.

Vá saber.

O fato é que Bolsonaro está falando sem parar, e isso tem sido uma experiência assustadora para quem ouve. Nos últimos dias, foi como se estivéssemos em um tiroteio. Bolsonaro nos metralhou com disparates verbais sem descanso. Foi bala vindo de todas as direções, impossível não ser atingido por uma: filmes como Bruna Surfistinha não devem ter financiamento por causa da família brasileira, governadores do Nordeste são "paraíbas", não existe fome no Brasil, Miriam Leitão não foi torturada, a questão ambiental é para veganos que só comem vegetais, a recusa a responder sobre a carona para parentes na aeronave da FAB, a defesa do trabalho infantil, não deveria ser exigido exame na concessão de carteira de motorista e, finalmente, Glenn Greenwald "pode pegar uma cana".

Meu Deus!

Por favor, não me chame de petista só porque estou apavorado com esse espancamento opinativo. Sei que Bolsonaro se justifica por ser oposição eterna ao PT e que, quando alguém o critica, o argumento sempre é a lembrança de algo que Lula fez. Tipo: "Ah, você está falando que ele persegue o Greenwald, mas o Lula também quis expulsar um jornalista americano do Brasil". É verdade. O Lula fez muita coisa errada. Mas não é com o Lula que devemos nos preocupar agora. Lula está preso.

Já Bolsonaro governará por mais três anos e meio. O risco de que ele passe a fazer as coisas que diz é enorme. O que pode nos salvar?

Eu sei o que pode nos salvar. O próprio Bolsonaro mostrou o caminho. Basta se perguntar: qual é a melhor área do governo?

Resposta: é a economia. Você pode não concordar com a pauta liberal de Guedes, mas ele sabe o que está fazendo, ele entende do assunto, e sua receita, ao fim e ao cabo, tem chance de dar certo.

Vem então a segunda pergunta: por que esse setor do governo funciona? Segunda resposta: porque Bolsonaro admitiu que não sabe nada de economia. Ele reconheceu a sua ignorância e fez o correto: cercou-se de quem sabe.

É isso que Bolsonaro precisa entender: a sua própria ignorância. Sua profunda, sua imensa ignorância.

Compreenda que não estou ofendendo Bolsonaro. Estou compreendendo que ele tem preconceitos porque não conhece acerca do que fala. Não é por maldade, é por desconhecimento. Ele não conhece a questão ambiental, ele não conhece a história de Miriam Leitão, ele não conhece os estudos mundiais sobre segurança no trânsito, ele não conhece muita coisa.

Bolsonaro, portanto, é um ignorante, o que jamais será um mérito, mas também não é nenhuma falha de caráter. Ninguém sabe tudo sobre tudo. Mesmo a pessoa que sabe muito sobre muito sabe pouco. Donde a necessidade de mais calar do que falar. E de se consultar com quem sabe. Isso seria mais do que prudência; seria inteligência. Seria se espelhar em um dos homens mais sábios da história do mundo, o velho moscardo Sócrates, que vivia a repetir: "Eu só sei que nada sei".

DAVID COIMBRA

29 DE JULHO DE 2019
CLÁUDIA LAITANO

Lavrando a alma


Em uma gelada manhã de inverno, um pai agasalha a filha de três anos antes de saírem juntos para ir até o supermercado. Pai e filha conversam e se divertem pelo caminho. No caixa da loja, o pai se distrai tirando as mercadorias do carrinho e perde a menina de vista por alguns instantes. Quando procura por ela, percebe que a filha desapareceu. Esse é o ponto de partida do romance A Criança no Tempo, de Ian McEwan, que dá forma a um dos piores pesadelos de pais e mães. O livro, na verdade, vai além, abordando de forma ampla a maneira como nossa época lida com a infância, mas muita gente considera o argumento simplesmente intransponível.

Todos temos nossos limites - terror, violência explícita, tortura psicológica... - mas, nos últimos tempos, parece haver uma epidemia de sensibilidade exagerada em relação ao tratamento de determinados assuntos na arte. Os americanos batizaram de "trigger warnings" (algo como "avisos de gatilho") os sinais de alerta que acompanham obras que

podem vir a ferir suscetibilidades. Os "trigger warnings" costumam aparecer onde menos se espera: Simba sofrendo com a morte do pai em Rei Leão, Chapeuzinho Vermelho sentindo-se ameaçada pelo lobo, Harry Potter sendo maltratado pelos tios... Tudo potencialmente devastador. Ou assim pensam alguns.

O extremo oposto da sensibilidade exagerada é a eliminação de todas as sutilezas. Ali alimenta-se a ilusão de que é possível domesticar o potencial transgressor da arte classificando as obras conforme uma noção particularmente estreita de moral. Segundo esse ponto de vista, uma cinebiografia de Irmã Dulce sempre será melhor do que a de Bruna Surfistinha - não importando se o diretor do filme é Bergman ou Mazzaropi.

Aristóteles dizia que a tragédia nos fascina pelo seu poder catártico. Vivendo as emoções dos heróis trágicos como se fossem nossas, de alguma forma purgamos esses sentimentos e nos libertamos deles. Gosto da ideia de que a arte lavra nossa alma, tornando-a mais fértil para sentir e compreender o mundo a nossa volta. Li A Criança no Tempo sentindo cada excruciante detalhe da dor de Stephen e Julie, pais da pequena Kate. Não porque gosto de sofrer, mas porque gosto de autores que nos convidam a contemplar o abismo. E voltar.

CLÁUDIA LAITANO

sábado, 27 de julho de 2019

Para você ouvir nesta tarde / noite deeste sábado sem sol...



Gerard Lenorman - Je n'aurai pas le temps




Je n`aurai pas le temps... Michel Fugain



Comme un soleil de Michel Fugain




27 DE JULHO DE 2019
LYA LUFT

Trocando sinais

Tenho falado e escrito sobre dramas ou alegrias no convívio humano, amigos, amores, família (que significa amor e amizade também).

A dificuldade de comunicação é uma realidade, por vezes pungente, outras até cômica, ou ainda dramática. O filho ou amigo que de repente se queixa: “Aquela vez você me disse isso, e me doeu tanto, que ainda não consegui esquecer”. Mas quando foi isso? Uns 10 anos. Cinco. Mais ainda. E a gente se espanta: “Mas que loucura! Eu jamais te diria isso! Aliás, nem uso essas palavras!”.

Um dos dois tem razão, jamais saberemos qual, pois memórias são muitas vezes fantasias, não só em crianças, em adultos também. Tudo se confunde um pouco nas névoas do tempo, análise e terapia podem mostrar isso. Quanto sofrimento por engano, quanta chateação vã.

E mesmo que a gente tenha dito aquilo, ou feito aquele gesto, ou virado as costas e ido embora, hoje já não somos aquela pessoa de anos atrás: podemos estar piores, mas muitas vezes mais mansos, mais amorosos, mais generosos, porque mais sofridos.

Mais experientes, o que em geral nos torna mais tolerantes, menos críticos. (Ou não.) Enfim, o que pretendo aqui é comentar, mais uma vez porque é sempre real e frequente, essa troca de sinais confusos, esse desencontro entre a intenção de quem dá ou faz, ou diz, e o que recebe, sente, sofre – com ou sem razão. Muito conflito assim se desenrola injustamente, tolamente, porque mal-entendidos, enganos, nos atropelam a cada hora neste labirinto numa floresta que é o dia a dia.

Além de tudo, há tantas visões do mundo, tantas interpretações dos fatos mais corriqueiros, quantos seres pensantes existem: cada um com sua disposição: cética, otimista, trágica ou indiferente. Feliz ou tristonha. No fundo, a vida é um teatro, e um cenário com muitas portas, que estavam ali – ou que nós desenhamos. Mas, aqui e ali, abrem-se para encontros que nos transformam, nos tranquilizam, ou nos servem e servirão de apoio, porto, acolhida e força. Além daqueles que nos destroem, nos fazem adoecer, nos rasgam ao meio, ou por alguns momentos nos sombreiam com surpresa e decepção.

Somos em parte vítimas, em parte autores, desse teatro simples e terno, ou louco e trágico, ou maravilhoso. Nos vestimos nos camarins, rimos ou choramos atrás das cortinas. Também vendemos entradas; às vezes, vendemos a alma.

Atropelos, tolices, dramas ou mal-entendidos, embora criados por nós, dificultam essa tarefa existencial, que precisa de resistência, calma, audácia e fervor – e de alegria, quando aprendemos a contornar as armadilhas e nos construímos, do jeito que dá, do jeito de cada um, muitas vezes com alguém.

Da mesma forma que entre amigos, família, amantes, ou meros conhecidos, todos trocamos sinais – também eu e meus amigos imaginários de agora: meus leitores. Por isso, escrevo.

LYA LUFT

27 DE JULHO DE 2019
MARTHA MEDEIROS

Um projeto de passado



Em 1970, eu tinha nove anos e a certeza de que vivia no melhor país do mundo: não havia violência, fome, desemprego, só paz e amor. Um general assumiu a presidência e dali por diante eu cantarolava pela casa uma música que dizia "Ninguém segura a juventude do Brasil". Nos adesivos dos carros, lia-se "Brasil, ame-o ou deixe-o". Se alguém não gostava daquele paraíso, tinha mesmo que sumir, pô, que ousadia se queixar de uma nação próspera e pacífica. Ganhamos a Copa do México, ninguém perdia um capítulo de Irmãos Coragem e eu rezava todas as noites, agradecida a Deus pela sorte de ser brasileira - aliás, o que Ele também era.

Em 1980, eu tinha 19. Fazia a faculdade de Comunicação e namorava um colega que não parecia em nada com um galã de novela. Assistia aos filmes do Godard, tinha Simone de Beauvoir na mesa de cabeceira e cantarolava Beatles e Rolling Stones. Colecionava uma revista chamada Pop e ainda estava impactada pela peça Trate-me Leão, do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone. Pela TV, acompanhava a volta de exilados políticos (Gabeira, Brizola, Betinho), entendendo finalmente que aquele país da minha infância era um paraíso de fachada - não havia liberdade. Seguravam a juventude do Brasil, sim, com tortura e desaparecimentos súbitos. Já não rezava.

No curto espaço de 10 anos, deixei para trás a alienação e entrei na vida adulta, bem menos cor-de-rosa, porém mais verdadeira e interessante. E a partir de então, fui moldando minha mentalidade à medida que o mundo mudava, e como mudou. Se antes mulheres eram obrigadas a trocar de sobrenome ao casar, logo passaram a praticar livremente sua sexualidade e a ganhar seu próprio dinheiro. Depois da ditadura, vieram eleições diretas. Viajar ficou mais fácil. 

O cinema brasileiro se fortaleceu, escolas promoviam Feiras do Livro, veio a TV por assinatura e seus múltiplos canais. As alterações climáticas provocaram consciência ambiental, a internet revolucionou a forma de se trabalhar e se relacionar, o preconceito contra homossexuais diminuiu. O politicamente correto, mesmo chato, ajudou a civilizar as relações. Passamos a ter acesso ilimitado à informação, evoluções na ciência e na medicina, mais proteção aos animais, inúmeros movimentos pró-aceitação das diferenças. O mundo avançou, mesmo aos trancos, mesmo ainda com muita violência, mesmo ainda com desigualdade. Avançou porque todos nós - cidadãos, instituições, nações - temos um projeto de futuro.

Ninguém em sã consciência investe num projeto de passado. Não é natural, não é racional, não é inteligente. Portanto, que sigamos abrindo portas e janelas, arejando nossas cabeças, saudando o novo, aprimorando o que ainda não está bom, amadurecendo nossas escolhas - crescendo, enfim. Com alegria, liberdade e confiança. Enfrentemos as dificuldades inerentes a toda caminhada, em vez de apoiar um retrocesso piegas, simplório e mal-intencionado, que só visa nos iludir com um mundo que não existe mais.

MARTHA MEDEIROS


27 DE JULHO DE 2019
CARPINEJAR

Bicho de duas cabeças

Apaixonado esquece tudo. Como se a memória anterior não valesse mais, só porque a pessoa com quem vem saindo não estava nela antes.

Apaixonado perde celular, chaves, fones, carregador, cartão de crédito, identidade - é um caos ambulante. Tem grande chances de entrar no Serasa pela primeira vez, por atrasos em suas faturas.

Quanto maior o apagão, maior a paixão.

No momento em que conheci Beatriz, a minha esposa, eu permaneci com o olhar boiando, a ver navios, a ver aviões, a ver unicamente o próximo encontro com ela.

Cheguei ao extremo de esquecer uma mala na portaria do hotel. Estava em São Paulo para uma palestra. Na hora do check-in, peguei a minha mochila e segui embora, para Porto Alegre. Abstraí que estava com bagagem. A amnésia foi tão grave que percebi o lapso apenas quatro dias depois. Ou seja, embarquei sem nenhum sofrimento, sem sentir nenhuma pontada de remorso por estar deixando algo para trás. A fissura não tem passado. E não me desesperei para localizá-la, não queria mesmo perder a mulher de minha vida. O meu foco se destinava a um rosto, apagava todo o resto.

Resisti a uma época de vultuosa displicência. Não sei como não fui preso. Comprei roupas em uma loja e parti sem pagar, na maior cara-de-pau. O atendente correu em meu encalço pelo shopping para avisar que não havia acertado o valor. Tentei entrar em um carro que não era meu no estacionamento, disparei o alarme em minhas vãs tentativas de arrombamento e chamei o seguro por não estar conseguindo abrir a porta. Também faltei a reuniões de negócios, cabulei aniversários de amigos, não retornava as ligações para ninguém... Empilhei vexame em cima de vexame. E nenhum incidente estragava o meu bom humor. Tudo o que acontecia de errado tornava-se história para mostrar a Beatriz o quanto ela estava se envolvendo com um louco. Louco por ela.

Se paixão é desmemória, o amor é o contrário: excesso de memória. Não esquecemos mais nada e passamos a cobrar e fiscalizar o outro. Trocamos de extremos. Substituímos a leveza pela possessividade. Não aceitamos enganos com a mesma facilidade de antes. Não perdoamos a mínima mudança de hábitos. Ficamos em cima controlando o que cada um faz e deixa de fazer. É um estresse da intimidade, um excesso de visibilidade que beira à neurose. Temos ataques quando alguém perde algo. Já soltamos os cachorros: "Não presta atenção, não dá valor ao que tem, não se importa, onde anda com a cabeça". Armamos escândalo quando um dos dois deixa vencer a data de um boleto. Telefonamos para os amigos quando o celular anda desligado. Contamos os minutos, os trocos, numa completa avareza de viver.

Para quê? Deveríamos nos apaixonar de novo e sempre por quem a gente ama. Para perceber que objetos vão e vêm, desde que resista ao nosso lado aquele com quem escolhemos nos casar.

CARPINEJAR


27 DE JULHO DE 2019
CLAUDIA TAJES

A tinhosa

Tudo certo para uma noite muito esperada, nada de festa, sexo e loucuras, algo muito melhor do que tudo isso junto. Uma noite de sono. O banho deixou na pele aquele cheiro reconfortante de sabonete que se espalha pelas cobertas, a coluna vertebral enfim terá seu prêmio por segurar no osso - literalmente - mais uma jornada: o colchão. Não foi um dia fácil, os dias não têm sido fáceis. Nada que se compare ao perrengue que tantos vêm passando, mas o cansaço é forte. Você decide que não vai ler, nem espiar a vida excitante dos outros nas redes sociais. Então puxa o edredom até a cabeça, apaga a luz, fecha os olhos para antecipar a delícia de não existir por algumas horas. E continua acordado.

Por que ela aparece assim, do nada, sem aviso, sem convite? Sem ter dado uma pista de que surgiria no escuro do quarto, na beirada da cama? Insônia, sua bandida. Danada. Safada. Pulguenta. Filha do tinhoso. Sua coisa ruim.

Quanto mais você lembra que precisa acordar cedo, que não se beneficiará sequer da função soneca do despertador, a corda no pescoço no dia seguinte, mais espaço ela ocupa. No início, seu otimismo acredita que a visita será breve. Tão logo termine de se culpar pelo trabalho que não terminou, e sofrer pelos boletos que não pagou, vai fechar os olhos e entrar naquele estado maravilhoso do nada, a alma fora da tomada. 

Vã esperança. Você já pensou no trabalho, nos boletos, na discussão com a colega de escritório, nas provas da faculdade, na lição de casa que o seu pequeno não fez, na ração da gata que você não comprou e até na roupa que esqueceu dentro da máquina. Só lavando de novo para tirar o cheiro de cachorro molhado que, talvez seja paranoia sua, já dá para sentir no quarto.

Insônia, sua infeliz. Miserável. Medonha. Diabólica. Pérfida. Capeta. Sua biltre.

Agora ela já não é visita, chuta suas canelas, faz bololô nas cobertas. A você resta a bordinha da cama, como quando seu marido abre os braços na queen size. Ou quando a sua namorada executa, dormindo, o espacato que faria o cotovelo da Daiane dos Santos doer. Ficar insone ao lado de alguém que rapidamente passa para o estágio mais profundo do sono significa se adaptar ao que sobra, alguns centímetros de área, um pedaço de lençol. De pouco adianta cutucar aquele/aquela que, ao seu lado, ressona. O sono alheio é egoísta, é mertiolate na ferida.

Mequetrefe. Pulha. Sacripanta. Sórdida. Chata de galochas. Futre. Nóxia. Tóxica. Insônia, sua mistura de mal com atraso e pitadas de psicopatia.

Você faz o seu Esta é Sua Vida em looping e, a cada edição, entram mais personagens que o certo seria não lembrar. Vontade de processar uns e outros pelo sono perdido. Talvez a sua advogada encontre alguma brecha na lei para isso. Aos poucos você entra na fase dos planos mirabolantes. A exaustão é tamanha que as ideias mais estapafúrdias parecem saídas perfeitas. 

O Macedo acaba de dar bom dia para os ouvintes no rádio. Alguma claridade já atravessa as frestas da persiana. Justo agora que a cama parece abraçar e que vem um calor tão bom do corpo ao seu lado. Aliás, se não fossem os roncos, você diria que era um corpo mesmo, nenhum outro sinal vital há horas. Seus olhos pesam, pesam, pesam até fechar. Por alguns instantes, a cabeça vazia. Até que o despertador toca.

Insônia, sua desalmada. Sem serventia. Insensível. Perversa. Malévola. Moléstia da peste. Malvada. Se vier deitar comigo esta noite, vê se me traz um bom assunto para a coluna da semana que vem. Sua celerada.

CLAUDIA TAJES



27 DE JULHO DE 2019
LEANDRO KARNAL

O HUMANO E O DIVINO

Se sua religião não permite o riso, recomendo evitar esta crônica. Descrevo caso verídico e, quase sempre, a realidade é ofensiva para gente pudica. Siga por sua conta e risco. Perante todos os tribunais, posso garantir: tudo é expressão fiel dos fatos. Fora a tentativa de redação mais retórica, estamos diante da verdade.

Eu estava dando curso em uma pós-graduação no Sul. A instituição é católica e dispõe de uma capela no campus. Estudioso de arte religiosa e admirador de arquitetura sacra, dediquei o intervalo do almoço para conhecer o local.

A solução do espaço é de rara felicidade. Nem repetia algum neogótico estranho nem se aventurava em uma modernidade além do plausível. O espaço fora concebido em forma de tenda com um belíssimo mosaico junto ao altar. Vitrais modernos, claridade, luz e nosso olhar dirigido com habilidade para um vórtice ao alto. Tudo me agradou no ambiente cercado de verde. Fiquei ali por quase uma hora decifrando as imagens e lendo sobre o projeto na internet. O frio intenso da rua não chegava ao interior. Era um espaço silencioso e que convidava à reflexão.

Minha descoberta parecia ter outros adeptos. Jovens universitários entravam, persignavam-se, faziam genuflexões variadas (os códigos católicos têm menor padronização do que outros credos) e passavam alguns minutos imersos em oração.

Havia um suave entra e sai da sacra e silenciosa atmosfera. Um rapaz chamou minha atenção, pois entrou e ficou alguns metros à minha frente. Ajoelhou-se no chão de pedra fria e lá se quedou, extático. Era um asceta moderno, um penitente talvez, certamente um ser sem artrite ou problemas nas articulações.

"A graça supõe a natureza", dizia o grande Tomás de Aquino, outro afeito a ambientes universitários e piedade. Já tendo tomado notas para uma futura escrita sobre arte sacra, eu apenas admirava a capacidade daquele fiel em permanecer tanto tempo com as patelas (as antigas rótulas) pespegadas à dura pedra.

Como diria um sábio confessor na minha juventude, "o inimigo é ardiloso". Quando eu já me preparava para sair do mundo diáfano e transcendente, o orante cometeu sonoríssimo flato. Foram sons prolongados e com variações de timbre e intensidade quase musicais, seguido de repiques menores à guisa de contratema aos estampidos iniciais. A duração foi inacreditável, e, graças à acústica do lugar, de efeito redobrado. Aquele som tão humano, seguido de acre e sulfúrica exalação pestilenta, surpreendeu-me muito. Era algo que não combinava com a cena, ou, usando o verbo que aprendi em São Paulo, não "ornava".

E o autor do "atentado"? Como ele reagiu à, digamos, "involuntária" confissão de humanidade? Nada parecia denunciar que aquela alma se perturbara com a interferência do corpo. Talvez sua mente flanasse entre coros de querubins, indiferente aos males da Terra, inclusive aos danos causados. Nenhuma reação, abismada leitora e estupefato leitor. Nada! Ele continuava de joelhos, mãos postas em oração e olhos cerrados. Nem sequer um discreto risinho, uma tosse ou um rubor, tão comum em autores dessas infrações, denunciaria ser ele o réu incontestável do delito de lesa-sociabilidade. Estivesse lotado o ambiente e nunca se diria que partiu daquele místico tão pútrida emanação.

Saí às gargalhadas e rindo segui para a sala. Contei o caso a um amigo que levantou hipótese inaudita. E se a graça pedida com tal fervor tivesse sido, exatamente, essa? E se o foco da dedicação mística tivesse relação com o incômodo de um intestino preso e, tendo demonstrado a capacidade de sacrifício corporal, ele tivesse obtido aquilo que anelava? Não imaginaria tal dado, porém, se fosse verdade, eu teria presenciado uma ação direta do divino, ou, se preferirem, um milagre. O que meu olhar incrédulo supunha ser uma profanação poderia ser o atendimento de um sincero e justo desejo. Supus delito, poderia ser prece ouvida.

Nunca saberei se eu estive diante de alguém com incontinência gasosa ou uma pessoa agraciada por forças superiores. A capela continua lá, linda na sua singeleza. Alunos e professores passam rapidamente pelo local. Somente eu, aquele devoto e Deus fomos testemunhas do ocorrido. Sendo cético, em um processo de canonização futuro, meu depoimento teria um valor enorme. Como o poeta Gonçalves Dias, "meninos, eu vi". Aliás, vi, ouvi, cheirei, fugi e ri.

O humano se insinua em tudo. Na Teologia, o plano de Deus tece urdiduras complexas com a percepção dos homens. Sob "a espécie da eternidade", o que presenciei foi um sopro passageiro, com o caráter duvidoso da expressão para o caso. A religião é maior do que um cronista irônico ou até do que um orante flatulento. A piedade sempre superou as falhas individuais. Seria o caso de evitar o cacófato e deplorar "fé demais"? Deveríamos recriminar o rapaz pela conduta inadequada no local? Melhor perdoar com misericórdia o caráter humano que, afinal, nos irmana e iguala. Ainda que nem sempre em locais sagrados, todos já imitaram o devoto. É preciso manter a esperança e, provavelmente, um pouco de humor.

LEANDRO KARNAL


27 DE JULHO DE 2019
FABRO STEIBEL

A SEGURANÇA NO CELULAR

O vazamento de mensagens da Lava-Jato deveria deixar todos nós em alerta. Afinal, quão seguras são as mensagens que compartilhamos por aplicativos? Não há motivos para pânico, mas existem coisas que você - e principalmente o governo - deveria fazer para que os vazamentos sejam evitados.

Antes de tudo, lembre-se de que estamos falando de um fenômeno global. Em Porto Rico, as mensagens vazadas do governador Ricardo Rosselló levaram à renúncia de seu gabinete, à instauração de um pedido de impeachment e, depois, à saída do próprio Rosselló. Vieram a público palavrões, conteúdos misóginos e homofóbicos, além de atos irregulares (e possivelmente ilegais).

Você pode e deve contribuir para evitar vazamentos. Ative a verificação de dois níveis, use senhas diferentes e mais fortes e mantenha seu celular sempre atualizado. Eis dicas que te protegem. De todo modo, o que se sabe dos vazamentos até agora é que são ataques pontuais e, portanto, controláveis.

A técnica possivelmente usada para obter acesso ao Telegram já circulava em fóruns especializados desde outubro de 2018 e, agora, está em tudo quanto é canto. Não é nenhuma ciência astrofísica, pelo contrário. E, se você viu House of Cards, já compreende que há quem pague muito por esse serviço (ilícito). Mas o problema mesmo são as falhas de segurança em massa.

Governos em todo o mundo - o Brasil inclusive - têm travado uma guerra contra a criptografia de ponta a ponta, a mesma usada por aplicativos de mensagem instantânea. Motivados pelo medo de ficar sem acesso à interceptação de mensagens, o setor público tenta convencer (ou obrigar) o setor privado a instalar uma chave-mestra ou porta secreta na criptografia embarcada nos aplicativos. Se isso acontecer, aí sim você pode começar a ter medo, pois estaremos todos desprotegidos.

Vazamentos em massa são raros porque a criptografia que usamos não inclui a opção de chaves embaixo do tapete. Só ataques pontuais são possíveis. Ataques em massa são impedidos logo na forma como desenhamos tecnologia. Mas governos querem mudar isso.

Foi uma dessas fragilidades em massa que permitiu à agência americana de inteligência, a NSA, a espiar todos, incluindo chefes de Estado, para fins de segurança, mas também comerciais. Se outras fragilidades existirem, todos inimigos do Brasil podem espiar o que escrevemos. Vale o risco? Outra dica para governos tomarem é exigir que as caixas de mensagem de telefone tenham senha de acesso. O News International é um grupo de mídia inglês que abusou dessa fragilidade por anos para espiar, chantagear e expor a privacidade de celebridades e políticos.

A segurança do seu celular depende de você. Mas quem pode realmente nos proteger são os governos. Ter uma rede segura, com criptografia bem feita, é algo que governos precisam apoiar com vigor. Antes que nós - e, pelo visto, inclusive eles - experimentem a fragilidade que é ter nossa privacidade exposta por aí.

FABRO STEIBEL


27 DE JULHO DE 2019
COM A PALAVRA

"SÓ NO BRASIL EXISTE PRISÃO EM CASA. É UM SISTEMA QUE FUNCIONA MAL."

Entrevista | FAUSTO DE SANCTIS - Desembargador, 55 anos, Hoje juiz do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), em São Paulo, foi o responsável pelas operações Satiagraha e Castelo de Areia.
Juiz responsável pela Satiagraha e a Castelo de Areia, operações da Polícia Federal que antecederam a Lava-Jato, Fausto De Sanctis condena o vazamento das conversas entre integrantes da força-tarefa, publicadas pela imprensa há mais de um mês. Para ele, os diálogos só servem como "curiosidade" - acessados de modo ilegal, sequer podem ser periciados ou considerados provas, afirma.

Polêmico, Sanctis viu suas duas principais ações serem anuladas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e se indispôs com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje desembargador no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), em São Paulo, concedeu entrevista por telefone a ZH de seu gabinete na Avenida Paulista.

- Não falo de casos concretos - alertou, no início da conversa.

Durante uma hora, defendeu os colegas da Lava-Jato e criticou o STF. No passado acusado de parcialidade (assim como Sergio Moro), diz que a influência política não se dá sobre o juiz de primeiro grau, mas sobre os ministros da mais alta corte do país.

A OPERAÇÃO CASTELO DE AREIA FOI UMA ESPÉCIE DE ESBOÇO DA LAVA-JATO, MAS QUE NÃO ATINGIU A MESMA REPERCUSSÃO. O HOUVE DE DIFERENTE?

A Castelo de Areia buscava a corrupção sistêmica, exatamente o que se descobriu na Lava-Jato - uma rede de grandes empreiteiras com conexões políticas que desvirtuavam os princípios das leis de licitações. Mas, na época, não existia esse apoio popular que a Lava-Jato obteve. Pouco a pouco, por conta das operações do passado, a população começou a tomar conhecimento da existência de uma corrupção sistêmica. E não existiam os mesmos instrumentos, como o uso das mídias sociais de forma livre, com críticas e questionamentos das decisões públicas. Esse uso permitiu a contestação pública de atos de autoridades políticas ou do Judiciário. Assim, quebrou-se o controle da informação, porque a mídia social não permite o filtro da informação dada à população. Na época, havia um certo controle por boa parte da imprensa. A Castelo de Areia enfrentou esse obstáculo, de não ter o apoio da população em ver o caso e considerá-lo grave, para dar uma resposta à altura da organização criminosa que havia no Brasil.

OS MÉRITOS DA LAVA-JATO PASSAM PELO APOIO POPULAR?

Há também a crise econômica, que notabilizou o momento da Lava-Jato e permitiu essa insatisfação popular. Na Castelo de Areia, havia crescimento econômico, as pessoas não estavam preocupadas com a corrupção porque estavam em um ambiente satisfatório. A corrupção dos agentes públicos, aliada à crise econômica decorrente dessa corrupção, provoca a manifestação pública, a insatisfação. Estudos mostram que a satisfação econômica faz com que as pessoas fiquem alheias ao combate à corrupção. Hoje, a população sabe que qualquer desvio de olhar para as instituições vai a favor do ambiente da corrupção. Esse combate é um trabalho permanente de vigilância social sobre as ações das autoridades públicas.

NESSES MOVIMENTOS, SURGIU A FIGURA DO EX-JUIZ SERGIO MORO COMO SUPER-HERÓI. O SENHOR CONSIDERA ESSE PROTAGONISMO POSITIVO?

Diante dos escândalos revelados pela Lava-Jato, a população ficou carente de líderes políticos. Aí, passou a eleger outros líderes. Todos aqueles que estão combatendo de maneira legítima o status quo acabaram sendo vistos como heróis. Eu também passei por isso e não acho correto. Quando a população identifica heróis, ela também identifica vilões. E esses vilões estão cada vez mais claros.

A SATIAGRAHA E A CASTELO DE AREIA ACABARAM ANULADAS. AO OLHAR PARA TRÁS, O QUE O SENHOR TERIA FEITO DIFERENTE?

Nenhuma decisão minha foi como hoje, quando as autoridades judiciais tomam uma decisão e, após dois meses, vem uma liminar contra a decisão colegiada, aí a decisão colegiada não vale mais, passa a valer outro entendimento... Essa insegurança jurídica propiciada pela alta cúpula tem desacreditado o Judiciário no Brasil e no Exterior. Para mim, que tenho dado palestras no Exterior, é constrangedor. Em termos de eficiência, a Lava-Jato é considerada o único exemplo institucional da Justiça brasileira. E é atacada por todos os lados.

MAS O SENHOR TERIA AGIDO DIFERENTE?

As decisões foram baseadas na minha experiência doutrinária e jurídica. Todas foram confirmadas pelo mensalão e pela Lava-Jato. Estive à frente de várias investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, quase nada foi anulado. Toda a Satiagraha, por exemplo, foi anulada porque a transcrição da interceptação telefônica, feita por agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), foi considerada irregular. A Castelo de Areia foi anulada porque a interceptação teria começado com uma denúncia anônima. Mas havia delação premiada, um procedimento que estava em curso em outra vara especializada e investigações preliminares da polícia. Anulações ocorreram, mas, hoje, acredito que não ocorreriam por causa da vigilância social e da comunicação entre o Judiciário e a população.

O SENHOR QUER DIZER QUE PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILEGAL PODEM SER USADAS EM PROCESSOS?

Pela história da jurisprudência brasileira, não pode, de forma alguma. Recentemente, o ministro Gilmar Mendes, do STF, decidiu soltar uma pessoa acusada de tráfico de entorpecentes porque a polícia teria extraído o conteúdo de seu WhatsApp sem autorização judicial. A pessoa foi solta, e a prova, considerada nula. Pela jurisprudência do STF, toda prova originada de ilicitude está contaminada. É ilícita.

O SENHOR COSTUMA DIZER QUE, PELOS MÉTODOS TRADICIONAIS, UMA INVESTIGAÇÃO DE LAVAGEM DE DINHEIRO NÃO TEM RESULTADOS. QUAIS SÃO OS MÉTODOS EXCEPCIONAIS?

Os métodos tradicionais eram aqueles que todo mundo sabia que existiam na polícia - instauração de inquérito, chamamento de testemunhas, apreensão de documentos. O cenário mundial estimula os organismos a usarem métodos especiais de investigação, previstos em convenções contra corrupção da ONU. Sem eles, não se apuram esses crimes sofisticados. Esses só são descobertos quando passamos a usar interceptações telefônicas, captação ambiental, delação premiada, informante do bem e agente infiltrado.

O PAÍS ENFRENTA UM MOMENTO DE DESCRÉDITO NO JUDICIÁRIO. PEDIDOS DE UMA LAVA-TOGA, POR EXEMPLO, TÊM SIDO RECORRENTES EM MANIFESTAÇÕES. COMO RECUPERAR A CONFIANÇA?

As pessoas agem por incentivos ou desincentivos. Quando são incentivadas a agir de forma correta, assim o fazem. E a grande maioria da população é de pessoas corretas. Elas esperam das instituições a concretização da democracia, uma ação equitativa do Estado de direito. A lei tem de valer para todos, sem exceção, e o Judiciário está aí para afirmar que a igualdade de tratamento deve prevalecer. Quando existe tratamento dual pela Justiça, há descrédito nas ações da própria Justiça, a ponto de deslegitimá-la e causar risco à democracia. Muitos defendem posicionamentos em prol do princípio da inocência, da não culpabilidade, do contraditório e da ampla defesa. São argumentos muito bons, mas a arte de julgar é de direitos e deveres, não só de direitos. No Judiciário, a pretexto de defender a inocência, a não culpabilidade, a ampla defesa e o contraditório, muitos estão em defesa das suas tentações internas e do ganho de dinheiro fácil, indo contra a ideia de democracia. A democracia é reconhecida por aquilo que constrói, e não pela vitalidade das estruturas institucionais. O Brasil tem instituições há anos, mas que nunca fizeram face à corrupção. Pelo contrário, em nada a contiveram ou preveniram. Uma das funções do Judiciário é realinhar incentivos e desincentivos e, a meu ver, os incentivos para que as pessoas não se corrompam está quebrado. A população pode não entender uma decisão específica, mas entende o conjunto. Ela entende que, por detrás de decisões maravilhosas em defesa de princípios democráticos, está a mensagem de que a corrupção compensa, defendendo a elite política e econômica que sempre esteve no poder e criou essa mazela entre ricos e pobres do Brasil.

O SENHOR COSTUMA DIZER QUE A INFLUÊNCIA POLÍTICA ESTÁ NO STF, E NÃO NOS JUÍZES DE PRIMEIRA INSTÂNCIA.

O que se espera de uma corte constitucional de Justiça é tecnicismo. Quando se mistura técnica com política, é muito complicado. Nos EUA, discute-se o lobby no Executivo e Legislativo. Grupos se dirigem a políticos para conseguir leis vantajosas. Na teoria, o Judiciário, por não agir por agenda própria, mas por distribuição, seria menos vulnerável. Mas hoje há lobby também sobre o Judiciário, para que as interpretações favoreçam grupos econômicos que atuam com corrupção. Quando o Estado é substituído por poderes sociais e políticos paralelos, pode se criar uma situação insustentável da democracia formal. Há alto risco de o crime organizado tomar de vez o poder. Vimos isso nos anos recentes, com relação ao crime econômico, mas há a possibilidade de que o crime envolvendo tráfico de drogas, milícias, tome o poder aos poucos. Essas brechas de interpretações jurisdicionais têm permitido a impunidade, e, quando se fala em impunidade, se fala em estímulo. Estamos em um Estado institucionalmente falido, chegando à paralisação da luta contra a corrupção.

QUAL É A SOLUÇÃO?

O reforço da sociedade civil. Atualmente, há um movimento de repensar o que funciona. Agora, para repensar o que não funciona não há movimento. O abuso de autoridade, incluído nas 10 medidas contra a corrupção, tolhe a independência dos juízes, essencial em qualquer país. Esse movimento foi visto com preocupação pelos organismos internacionais. É preciso reforçar os institutos que permitiram a descoberta da corrupção - a delação premiada, o juiz independente de primeiro grau. E não, por exemplo, estabelecer o juiz das garantias, que tem o poder de rever as decisões de primeiro grau. Vão sendo criados instrumentos que burocratizam aquilo que já é ruim para destruir aquilo que está funcionando. Também querem controlar as delações premiadas, sempre gerando escândalos: "Olha, fulano foi pressionado para fazer delação". Espera lá! Estamos falando com réus adultos, assessorados por advogados, acompanhados pelo Ministério Público e por um juiz. A palavra do delator não vale nada sem prova complementar. Tentam colocar isso como escândalo no país.

NA SUA AVALIAÇÃO, O PRÓPRIO SUPREMO TEM VALIDADO ESSE MOVIMENTO?

Isso gera descrédito na população. Não é possível um poder sem amadurecimento, com todas as vênias possíveis, ficar decidindo de modo diferente de tempos em tempos. E não porque houve um aperfeiçoamento, mas por movimentos do Judiciário. Isso é muito sentido pela população. No Exterior, é constrangedor falar sobre as decisões do Judiciário brasileiro. Quando se fala que, no Brasil, o réu não pode ser algemado, é motivo de risada, de escárnio. Só no Brasil existe prisão em casa. É um sistema que funciona mal. No final, a corrupção tem gerado prisões domiciliares, a pessoa mal sente o que fez, não há arrependimento. Na Lava-Jato, políticos não tiveram consequência nenhuma até o momento, a não ser um que foi condenado pelo STF (deputado Nelson Meurer). Fora isso, a Lava-Jato, que se iniciou em 2014, depois de cinco anos e meio, não tem nenhuma prisão após o recebimento de 193 denúncias pelo Supremo.

HÁ POUCO MAIS DE UM MÊS, DIÁLOGOS ENTRE SERGIO MORO E DELTAN DALLAGNOL VÊM SENDO DIVULGADOS PELA IMPRENSA. É COMUM ESSA COMUNICAÇÃO, FORA DOS AUTOS, ENTRE JUIZ E PROMOTOR?

Conversas sempre existem na Justiça. O estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) determina que é direito do advogado contatar diretamente o juiz. No Exterior, já ouvi que o Brasil é o país dos advogados. Tem de haver a paridade. Se o advogado tem acesso direto, o MP também tem. Conversas existem, o que não pode existir é antecipação de decisão judicial. Não estou falando desse caso concreto, mas, por vezes, há uma tentativa de sondagem do juiz, querem saber a probabilidade de um pedido. No caso do Intercept, trata- se de invasão de privacidade, que não é tolerada pela Constituição. Se você permitir invasão virtual, você também vai permitir invasão física. Imagina alguém invadir a casa de um juiz para tentar descobrir algum documento? É a mesma coisa. Se isso for permitido, vamos invadir a casa do juiz e extrair a confissão de que ele condenou um réu injustamente. Hoje, estamos falando de Lava-Jato. Depois, poderemos estar falando de crime organizado envolvendo PCC ou Comando Vermelho. Qual juiz vai decidir livremente se isso for respaldado por um Judiciário que sempre condenou a ilicitude da prova produzida quando obtida ilicitamente? É grave. Quando se investe contra o juiz ou o MP, está se investindo contra a democracia. A pretexto de defender valores democráticos, na verdade está se indo contra a democracia. Toda prova produzida é nula, porque não pode ser objeto sequer de perícia. Se essa violação absurda de conversas privadas for legitimada, vai se permitir uma ilegalidade brutal contra a democracia. O material do Intercept pode ser a título de curiosidade. Nada mais do que isso. As instituições, se derem vazão a isso, estarão dando um tiro no pé. Hoje, são Moro e Dallagnol. Amanhã, pode ser qualquer um.

ALGUNS JURISTAS TÊM DITO QUE ESSES DIÁLOGOS PODEM SER USADOS PARA ANULAR A SENTENÇA, SE COMPROVADA A SUA VERACIDADE E A PARCIALIDADE DO JUIZ.

Entendo totalmente diferente. No Brasil, as pessoas não aplicam a lei. Pela lei, o acesso ao conteúdo só pode ser por decisão judicial. Não sei nesse caso específico, mas, quando eu expedia buscas e apreensões, autorizava judicialmente o acesso ao conteúdo. Não faz sentido apreender um aparelho se você não pode autorizar o acesso ao seu conteúdo. Para evitar nulidades, eu permitia mediante decisão judicial. Agora, sem autorização judicial... Me desculpem esses juristas, mas estou reaprendendo o Direito Processual Penal.

EM TESE, UM JUIZ QUE SUGERE INVERSÃO DE ORDEM DE OPERAÇÃO, DÁ DICA DE TESTEMUNHA E PEDE INCLUSÃO DE PROVA EM UMA DENÚNCIA NÃO ESTÁ SENDO PARCIAL?

Isso que foi obtido pelo Intercept foi obtido por invasão, por hacker. Conversei com uma pessoa dentro do MPF. Ela revelou que uma conversa privada de duas pessoas, dois membros do MPF, que em nenhuma hipótese divulgaram a conversa, foi noticiada pela imprensa. Parece que houve hacker invadindo sistema. E o hacker é muito bom, tanto para invadir quanto para manipular prova. Então, não posso aceitar isso como prova, nem o teor, para saber se é real. Nem se pode fazer perícia numa prova obtida ilicitamente, então, não tem validade para nenhum efeito. Agora, nem tudo que o juiz Sergio Moro fez eu teria feito. Tenho outros entendimentos. Mesmo assim, você não pode tirar o mérito do Moro, que tem uma história de coragem e combate ao crime. Você não pode destruir um trabalho positivo porque discorda de algo pontual. Não é papel do Judiciário julgar juiz. Precisamos de uma jurisprudência que oriente o juiz, e não o desoriente. De nada adianta termos pessoas engajadas no combate ao crime se o Judiciário, com suas decisões, torna o sistema tímido e inoperante, desestimulando as ações dos demais órgãos.

MORO É CRITICADO PORQUE, SUPOSTAMENTE, AO SE TORNAR MINISTRO, TERIA SE BENEFICIADO DAS SUAS PRÓPRIAS DECISÕES. O SENHOR CONCORDA?

Não posso falar especificamente, mas acredito que são decisões pessoais, fruto de um acúmulo de circunstâncias. A Lava-Jato exige exclusividade, o que gera um cansaço absoluto, físico e mental. É um cansaço injusto, porque muitos inimigos do juiz de primeiro grau não são os réus, mas o próprio sistema, por conta de vaidades. Até hoje sofro com isso. As pessoas querem puxar para baixo quem fez um brilhante trabalho. Acredito que ações como a tomada pelo ministro são fruto de uma série de situações. Talvez, entre elas, esteja o cansaço e a vontade de ir para outras frentes. Cheguei a ser cogitado para sair do Judiciário e nunca aceitei. Nunca quis desacreditar o que fiz. Dou palestras há anos e não cobro. Até estou repensando, porque sei de autoridades judiciais de Brasília que cobram. Elas dão aula, algumas têm até institutos de Direito e ganham por isso. Agora, quando é revelado que uma pessoa da Lava-Jato teria ganhado... "Ó, que surpresa." Espera lá! Se vamos discutir ética, vamos discutir de baixo para cima e de cima para baixo, e não pontualmente, para destruir uma operação.

MESMO DENTRO DA LEI, O SENHOR CONSIDERA ÉTICO COBRAR POR PALESTRAS?

Juízes e promotores estão legitimados a dar aulas. É a única coisa que podem fazer: dar aula e ganhar por isso. Palestras também são consideradas atividades docentes. Isso não significa que a pessoa agiu incorretamente na sua função. Se as pessoas querem ouvir determinadas autoridades, de que adianta não cobrar? Quase todos cobram. Isso é legítimo, natural, e se discute como se fosse um escândalo.

MÉRITOS E CRÍTICAS À LAVA-JATO SURGIRAM EM MEIO À POLARIZAÇÃO DO PAÍS. O SENHOR CONCORDA QUE ESSA SITUAÇÃO INFLUENCIA A ANÁLISE DA OPERAÇÃO?

Agora, com tudo o que está acontecendo, não é momento de repensar o sistema em termos de aperfeiçoamento de legislatura. Temos boa parte do Congresso condenada pela Lava-Jato ou em vias de ser. Esse mesmo Congresso está julgando o juiz com essas mudanças legislativas, para a punição do magistrado independente e imparcial. O momento é único para o combate à corrupção. Não há abusos, não se verificou nenhum abuso relevante que justifique esse movimento. Está se aproveitando desse escândalo criado forjadamente para desacreditar todos, poupar pessoas que estão presas e evitar novas ações.

O PRESIDENTE DO SUPREMO, DIAS TOFFOLI, SUSPENDEU INQUÉRITOS COM DADOS DO CONSELHO DE CONTROLE DE ATIVIDADES FINANCEIRAS (COAF). QUAL O IMPACTO DESSA DECISÃO NAS INVESTIGAÇÕES EM ANDAMENTO NO PAÍS?

Não posso falar do caso concreto, mas a comunicação de operações suspeitas é a espinha dorsal reconhecida mundialmente no combate à lavagem de dinheiro. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) determina que não se pode invocar sigilo que inviabilize a rápida troca de informações para esclarecer o crime de lavagem de dinheiro. Se não seguir isso, o Brasil vai ter problemas. O Coaf tem uma função muito específica de filtrar e repassar comunicações suspeitas. Não pode virar um órgão inútil a partir de decisões que obrigam a autorização judicial.

DÉBORA ELY