14
de outubro de 2012 | N° 17222
VERISSIMO
Tá
–
Você quer?
– Se
você quiser...
–
Como, se eu quiser? Você quer ou não quer?
– Se
você quiser eu quero.
– Se
eu não quisesse não teria perguntado.
–
Então você quer?
–
Quero.
–
Então tá.
–
Como, “tá”?
–
Tá. Está bem. Sim. Vamos.
–
“Tá”... Que coisa triste. A que ponto chegamos. Francamente: “tá”?
–
Pedro Henrique, você não vai fazer um drama só porque...
–
Não, não. Tudo bem. Eu acho perfeito. Assim termina um grande amor. Não com uma
explosão, não com um suspiro. Com um “tá”.
–
Pedro Henrique...
– É
perfeito. Curto, preciso e definitivo. “Tá”. Como um ponto final. “Tá”, ponto.
Que vida conjugal pode existir depois de um “tá”? Nenhuma. Boa noite.
–
Sabe o que que eu acho, Pedro Henrique? Acho que você também não estava a fim e
está usando um pretexto para...
–
Ah, então você não estava a fim? O “tá”, além de tudo, era mentiroso?
–
Não desconversa, Pedro Henrique. Você é que estava louco para ir dormir mas
decidiu que, já que fazia tanto tempo, tinha a obrigação
de
perguntar se eu queria. Não era vontade, era descargo de consciência.
– E
já me arrependi. Se era para ouvir um “tá”, melhor não ter perguntado.
–
Confesse. Você não sente mais nada por mim.
–
Não é verdade.
–
Não faz tanto tempo assim, você nem teria perguntado.
–
Ah, desculpe a boa educação. Você preferia que eu atacasse você sem avisar?
Pimba, sem dizer nada?
–
Sem dizer nada, não, Pedro Henrique. Dizendo tudo o que você costumava dizer no
meu ouvido, antes do pimba, lembra? Você nem se
lembra.
–
Lembro. E lembro de muito mais. Lembro de quando você é que tomava a
iniciativa. Coisa que não acontece desde, sei lá. Desde o governo
Sarney.
– O
Sarney não.
– O
Collor então.
–
Não tomava a iniciativa para não ser repelida, porque sabia que você não me
amava mais.
–
Que injustiça. Que injustiça! Eu nunca deixei de amar você. Não sou mais o
mesmo, reconheço. Não digo mais coisas no seu ouvido.
O
tempo passa, que diabo. Ninguém é mais o mesmo. Nem o Agnaldo Rayol, que não
envelhece, mas aposto que não diz mais o que dizia. Nós todos mudamos com o
tempo. Mas isso não quer dizer que eu ame você menos.
– Tá
certo...
–
Jurema, você, pra mim, é uma semideusa!
-
“Semi”, Pedro Henrique?!
–
Hein?
–
Você disse “semideusa”.
–
Bom...
–
Antigamente era uma deusa.
– É
o tempo, Jurema. Nós todos nos desgastamos um pouco.
–
Quer saber de uma coisa, Pedro Henrique? Boa noite.
–
Tá.
O
escritor Luís Fernando Verissimo está de férias. Esta coluna foi originalmente
publicada em 26 de agosto de 2007.
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