09
de outubro de 2012 | N° 17217
DAVID
COIMBRA
O rei não queria tirar a roupa
Um
dia, o rei adoeceu, mas, por algum motivo misterioso, recusava-se a tirar a
roupa para ser tratado pelos médicos.
Refiro-me
a Bernadotte, rei da Suécia e da Noruega no começo do século 19.
Ainda
vou escrever mais sobre esse Bernadotte. Grande personagem. Imagine que ele foi
rei da Suécia e da Noruega, mas não era sueco nem norueguês, nem mesmo nórdico
era.
Era
francês.
Bernadotte
foi general vitorioso da Revolução Francesa e depois se consagrou como o
principal marechal de Napoleão Bonaparte. Em meio a lutas tantas, conquistou,
além de terras, o coração de Desirèe, uma beldade que havia sido noiva de
Napoleão nos tempos da juventude do pequeno grande corso.
Há quem
diga que Desirèe era o grande amor de Napoleão e existe até um filme a respeito
exatamente com esse título: “Desirèe, o Amor de Napoleão”. O papel de Napoleão
coube a ninguém menos do que Marlon Brando, o maior ator de cinema de todos os
tempos. O de Bernadotte foi de Michael Rennie, um galalau de queixo quadrado
que interpretou o alienígena daquele filme “O Dia em que a Terra parou”.
Bem.
Por
aquelas questões intrincadas da política europeia da época, Bernadotte acabou
eleito rei da Suécia e da Noruega. E foi em meio ao seu reinado que adoeceu e,
doente, não admitia despir-se a fim de ser submetido à sangria prescrita pelos
doutores.
O
problema é que o rei ia piorando, seu estado se agravava a cada dia. A corte
inteira insistia, os médicos insistiam, Desirèe insistia, e nada de ele querer
tirar a roupa. Por quê? Por quê??? Ninguém compreendia tanta teimosia.
Até que,
temendo mais a morte do que a vergonha, Bernadotte concordou em desnudar-se. E
então os médicos viram tatuada em seu braço uma frase que ele mandou gravar nos
tempos febris da Revolução Francesa:
“Morra
o rei!”
O
rei era contra a monarquia. Ou foi contra, antes de ser rei.
É assim
em qualquer instância da vida. Na política, Fernando Henrique, eleito
presidente, pediu que seus leitores esquecessem o que escreveu em livros, e,
depois dele, o suposto esquerdista Lula aliou-se a Sarney e Maluf. Nas
empresas, um funcionário, promovido a chefe, torna-se opressor dos antigos
colegas.
E,
no futebol, a crítica depende do posto que se ocupa. Os técnicos dos clubes se
queixam das convocações de Mano para a Seleção, mas, se estivessem no lugar
dele, não convocariam os mesmos jogadores? Mano, se não conseguir resultados,
cai. Haverá ele de ser compreensivo com seus colegas dos clubes, tendo essa
ameaça a lhe rondar? É muito fácil pedir a cabeça do rei quando não se está debaixo
da coroa.
O
choro em Londres
Houve
um momento, na Olimpíada de Londres, em que me emocionei. Foi depois da derrota
da judoca Maria Portela, eliminada da competição já na primeira luta. Maria
desceu do tatame chorando, deu uma entrevista coletiva compassiva, dizendo, aos
soluços, que tinha se boicotado e que não sabia o que seria feito dela no
futuro. Arrastou-se, então, para o vestiário. Fiquei esperando que saísse a fim
de colher uma entrevista exclusiva.
Esperei
bastante, mais de hora. Quando ela saiu, parecia recomposta. Parecia. Logo às
primeiras perguntas, Maria engasgou, embargou a voz e começou a balbuciar
censuras a si mesma. Eu já sabia da história dela, já sabia que vinha de família
humilde e que a Olimpíada, para ela, significava o seu futuro. Maria começou a
chorar mais uma vez e balançava a cabeça e repetia que não sabia o que havia
acontecido, não sabia, não sabia...
Eu,
de bloco e caneta na mão, vacilei. Olhava para ela e queria dizer-lhe algo que
a consolasse, mas, ao mesmo tempo, tinha de manter a distância profissional. Senti
que meus olhos marejaram, mas me contive. Acho que falei algo. Na verdade, não
lembro, mas acho que falei. De qualquer forma, é certo que, para ela, não foi
importante. Nada que eu pudesse dizer seria, naquele momento.
Agora,
diante da vitória do judoca João Derly na eleição de domingo, imaginei que, de
alguma forma, esse resultado compensa um pouco o sofrimento de Maria Portela. Porque
Derly, na Câmara, decerto irá trabalhar por esses atletas heroicos do esporte
amador, tão esquecidos antes da Olimpíada, tão cobrados durante e depois dela. Derly
pode fazer com que uma Maria Portela compreenda que a luta, afinal, vale a pena.
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