segunda-feira, 15 de abril de 2024


15 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

A Terceira Guerra Mundial

Não é a primeira vez que acontece uma Terceira Guerra Mundial. Já existiram várias situações de estremecimento no Oriente Médio ou na Guerra Fria que acreditávamos ser o fim dos tempos.

O senso comum quer sempre saber quem atacou primeiro, quem iniciou a provocação. Não há como definir. A crise se agravou no dia 1º de abril, após Israel bombardear o consulado do Irã em Damasco, na Síria.

No último sábado, Teerã, alegando legítima defesa, ofereceu sua resposta com o lançamento de drones de seu território, fustigando uma região abalada por mais de seis meses de guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza.

Irã estaria respondendo à investida israelense que matou seu comandante sênior da guarda revolucionária e outras seis pessoas na Síria.

Só que a natureza do ataque do Irã foi mais simbólica do que real. Tratou-se de uma performance telegráfica, interessada exclusivamente em dar um recado, justificando à opinião pública que irá se defender contra qualquer abuso ou invasão de suas fronteiras. Funcionou como uma advertência ao Ocidente.

Vivemos esse impasse: se houver réplica de Israel, mesmo sem mortes e sem danos evidentes na sondagem inimiga, não podemos prever as consequências, já que tanto o aiatolá quanto o premier israelense detêm armas nucleares.

O personagem mais perigoso no tabuleiro é o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que vem negando mediações da ONU e agindo por sua conta e risco. O alarmismo parte de suas decisões unilaterais e truculentas, pois afirmou que Israel estaria preparado "para a possibilidade de um ataque frontal". Vem criando um cenário de esgoelamento diplomático para trazer os Estados Unidos ao seu lado, em decisiva coalizão, e dispor assim das bases militares estadunidenses no Qatar, no Bahrein, no Kuwait, no Iraque, na Síria e na Jordânia.

Um conflito paralelo entre os dois países poderia se tornar efetivamente direto. As duas nações religiosas estão envolvidas há anos numa guerra paralela (shadow war). O Irã até então vinha usando as chamadas forças "por procuração" (proxy), ou seja, usando terceiros - forças regionais com grupos armados em Gaza, no Líbano, no Iraque, na Síria e no Iêmen.

Os véus cairiam por terra. Não seria mais uma disputa de Davi com Golias, como é Israel com o Hamas, de um país com uma facção, mas o embate entre duas potências bélicas. O exército do Irã tem três vezes o tamanho do de Israel, levando em conta as tropas de soldados, e uma marinha poderosa. Por sua vez, Israel domina o espaço aéreo. Adota o Domo de Ferro, sistema ultra-avançado de defesa, para interceptar mísseis de cruzeiro e mísseis balísticos.

A guerra atômica não será acionada por um botão vermelho, como nos fantasiosos filmes, e sim no aprofundamento da radicalização.

Ainda nos encontramos na antessala de qualquer premonição apocalíptica. Porém é momento de extrema cautela. A trégua deve vir para socorrer a paz.

CARPINEJAR

15 DE ABRIL DE 2024
PERSONA

Grupo RBS divulga estudo inédito sobre os gaúchos

O Grupo RBS divulga, na manhã desta terça-feira, em um evento especial para convidados no Instituto Caldeira, os resultados de uma pesquisa inédita sobre os gaúchos. O estudo, intitulado Persona, foi encomendado pela RBS e realizado em parceria com as empresas de pesquisa Coletivo Tsuru e Cúrcuma. O objetivo é entender os perfis, comportamentos e hábitos de consumo do gaúcho em meio às mudanças contemporâneas.

O evento terá participação de Patrícia Fraga, diretora-executiva de Mercado do Grupo RBS, e Caroline Torma, diretora de Marketing do Grupo RBS, que apresentará o estudo ao lado do comunicador Luciano Potter. Em seguida, será realizado um bate-papo sobre a pesquisa, com representantes dos institutos de pesquisa envolvidos e com espaço para perguntas dos convidados.

O estudo busca trazer à tona os elementos que estão por trás de uma imagem consolidada sobre o povo do Rio Grande do Sul - e o que se transformou nesta percepção ao longo dos últimos anos. Como resultado, foram identificados três perfis de gaúchos e suas características. A pesquisa também traz dados sobre a felicidade e o otimismo dos gaúchos, a permanência no Estado e a relação com marcas e produtos.

Metodologias

A pesquisa Persona foi realizada de maio a novembro de 2023, com mais de 5,5 mil gaúchos e um grupo de controle em São Paulo. Foram utilizadas metodologias qualitativas e quantitativas, com questionários por telefone, abordagens presenciais na rua, entrevistas em profundidade, grupos de discussão virtuais e questionários online. Além disso, tanto o mercado publicitário quanto especialistas foram consultados.


15 DE ABRIL DE 2024
CLAUDIA LAITANO

Biblioteca que fala

Nem sempre, ou quase nunca, um discurso de posse na Academia Brasileira de Letras provoca algum tipo de expectativa. A coisa muda um pouco de figura quando o novo imortal, além de fazer História ao ser admitido na casa, tornou-se conhecido exatamente pela repercussão de um discurso.

É difícil evocar qualquer outra ocasião na história do Brasil em que o impacto estético de um pronunciamento tenha comunicado tão bem uma ideia, e chamado tanta atenção para uma causa, quanto o dia em que Ailton Krenak ocupou a tribuna da Assembleia Constituinte, em setembro de 1987, para lembrar os deputados encarregados de escrever a nova Constituição de que existia um jeito de viver e de pensar nas comunidades indígenas que era legítimo e devia ser respeitado.

Mais velho, mais relaxado e falando para uma plateia de admiradores, Krenak é outro, mas continua o mesmo - como o Brasil. Em seu discurso de posse, no último dia 5 de abril, o primeiro imortal indígena em 127 anos de ABL respeitou os rituais da casa, mas não ignorou a fricção entre a cultura letrada da língua portuguesa e os 305 povos que ele passou a representar na instituição. Vestiu o fardão, mas manteve a bandana Kaxinawá que o identifica. 

Homenageou o patrono e os antigos ocupantes da cadeira número 5 (entre eles, Rachel de Queiroz, a primeira mulher a ingressar na Academia, em 1977), como manda o protocolo, mas não abriu mão do improviso e do bom humor. (Poderia ter feito alguma referência irônica ao poema O Elixir do Pajé, publicado pelo patrono Bernardo Guimarães em 1875, mesmo ano de A Escrava Isaura, seu livro mais conhecido, mas basta ler os dois primeiros versos para entender por que a citação talvez não pegasse muito bem, mesmo diante de uma plateia tão selecionada.)

Ailton Krenak tem 15 livros publicados e é traduzido em vários países e idiomas. Sua obra mais conhecida, Ideias para adiar o fim do mundo, de 2019, contribuiu para que ele recebesse o Troféu Juca Pato de intelectual do ano em 2020. Ainda assim, o novo imortal não se considera um escritor. Krenak habita o "oceano da oralidade", que ele também fez questão de evocar no discurso de posse: "Todo mundo que escreve livros incríveis escutou histórias de alguém que não escreveu livros". Muitas dessas histórias, na forma de conversas, entrevistas e conferências, estão disponíveis no YouTube (inclusive os dois discursos, o de 1987 e o de 2024), e o canal Selvagem - Ciclo de estudos sobre a vida vem selecionando e organizando o acervo oral do autor.

Em 2024, essa "biblioteca que fala e não pede silêncio", na definição do próprio Krenak, que o Brasil nem sempre soube ou quis escutar, é o que boa parte do mundo está interessada em ouvir.

CLÁUDIA LAITANO


15 DE ABRIL DE 2024
INFORME ESPECIAL

Novidade no antigo terminal aéreo

Cenário de partidas e chegadas por décadas, o antigo terminal do Aeroporto Salgado Filho, na Capital, voltará a atrair a atenção em 2024: o prédio vai sediar a CasaCor RS, uma das maiores mostras de arquitetura, design e paisagismo das Américas. Responsável por movimentar o segmento com novas ideias e tendências, o evento será entre os dias 6 de setembro e 3 de novembro e irá repaginar o edifício de 1953 com a ajuda de arquitetos gaúchos.

É uma ótima notícia, já que, desde 2019, o local, ocupado pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo, não recebe mais voos. A mostra vai se espalhar por 5,4 mil metros quadrados no térreo, onde fica o painel A Conquista do Espaço (na foto maior), uma das jóias do italiano Aldo Locatelli em Porto Alegre.

Ali serão criados cerca de 45 ambientes para visitação. Haverá, também, um bar e um restaurante para atender o público durante a mostra, que ficou famosa não só pela beleza, mas por revitalizar lugares na cidade - como o edifício Pia Chaves Barcellos, de 1923, no bairro Rio Branco.

- A trajetória de 33 anos da CasaCor RS é reconhecida por ressignificar espaços. Realizar a mostra no antigo terminal do aeroporto, reativando um dos prédios mais icônicos da cidade, é um grande marco para o evento e para Porto Alegre - diz Karina Capaverde (no detalhe), diretora do evento.

Na Nasa

Um artigo escrito por alunos do curso de Engenharia Civil da Universidade Estácio no Rio Grande do Sul foi parar no banco de dados da Nasa. Assinado por Rodrigo Krischke e Michele Machado, com orientação do professor André Felipe da Silva Guedes, o texto trata do impacto da radiação em placas solares e dos efeitos térmicos em painéis flexíveis (usados por espaçonaves e satélites). O documento está disponível no Astrophysics Data System (ADS) e também no repositório de Harvard.

Em reconhecimento, os pesquisadores vão receber medalhas do programa Artemis, hoje, às 18h30min, na Estácio, em Porto Alegre.

Em busca do piá raiz

Sucesso na internet, o comediante Cris Pereira (foto) volta aos palcos com um espetáculo inédito (e hilário): Gaudêncio Em Busca do Piá Raiz. Será no dia 24 abril, às 20h, no Auditório Araújo Vianna, na Capital.

Se você ainda não conhece o artista, Cris é um craque no "Stand Up Bagual", show de piadas contadas pelo impagável Gaudêncio (que você vê aí ao lado). Ingressos à venda em sympla.com.br. Te apressa, vivente!

JULIANA BUBLITZ

sábado, 13 de abril de 2024


13/04/2024
Martha Medeiros

Virgem Santíssima, e se ela seduzir nossos maridos?

Escutei de uma funcionária de uma indústria automotiva. “Depois de me separar, fiquei mais de 10 anos sem namorar. Minhas amigas não se conformavam, viviam perguntando: e aí, onde estão os crushs, vai ficar sozinha para sempre? Como insistiam nisso. Não aceitavam que eu estivesse legal comigo mesma. Até que conheci um cara e a gente começou a se relacionar. Parecia que eu tinha ganhado na loteria. Elas diziam: agora sim! Você está muito melhor!! Como podiam saber se eu estava melhor?”

Elementar: as amigas estavam falando delas mesmas. Elas, sim, agora se sentiam melhores. Uma mulher solta no bando é sempre inquietante.

Estimular as solteiras a formarem um par pode ser um carinho, mas também é um sintoma do medo que a sociedade tem das pessoas avulsas, principalmente se forem mulheres. As solteiras desapegaram do conceito arcaico de que uma mulher só tem valor com um homem do lado. Elas não topam qualquer arranjo para ter alguém. 

A solitude deixou de ser um bicho papão e ter filhos não é a única saída para dar sentido à vida: elas se sentem preenchidas pelo trabalho, pelas viagens, pelos livros e pelos amigos, inclusive aqueles que tentam “salvá-las” de tanta independência. A estrutura social do casal ainda embute a ideia de adequação, enquadramento – duas pessoas com o destino entrelaçado parecem previsíveis, nenhum susto virá dali.

Já a mulher avulsa é um enigma. O que faz, do que se alimenta, com quem acasala? Ela pode estar na cidade hoje e amanhã embarcar para a Índia. Não mora com ninguém, não dá satisfações, troca de planos em dois minutos. Se não tem um namorado, talvez tenha vários. Virgem Santíssima, e se ela seduzir nossos maridos?

Case logo, criatura. Case para deixar de ser um risco aos nossos casamentos. Case para que você se vista de forma menos extravagante e engorde um pouco. Para que você não nos faça lembrar de como era boa a liberdade de ir e vir, e de como a vida era mais barata quando não tínhamos que sustentar uma família. 

Case logo e tire esse sorriso do rosto, não fique escancarando que é possível ser feliz sozinha. Case e vamos jantar a quatro numa cantina, porque mesa com três pessoas desequilibra a ordem social. Case e contribua para a conversa da turma com as queixas habituais, em vez de falar sobre filmes que não vimos, cursos que não fizemos e noites bem dormidas, sem ninguém roncando ao lado. Não nos irrite.

Parece assunto do século passado, mas ainda há quem não sossegue antes de apresentar um bom partido para a coitada da amiga solteira, aquela que finge que está tudo bem. É CLARO QUE ELA ESTÁ MENTINDO!! Calma, não grite. Evite o descontrole. Eu sei, é um stress essa gente que se faz de moderna.


13/04/2024 - 09h00min
Claudia Tajes

Os pêssegos em calda sempre foram um doce sério

Eles fizeram parte dos almoços de família sempre que a minha mãe não estava inspirada para fazer a torta de bolacha dos domingos

O homem jovem, 40 e poucos anos, bonito, todo moderno em seus gostos culturais, sempre vestido com camisetas de bandas de rock – as mais clássicas ou as tão obscuras que só ele e mais meia dúzia de aficionados conhecem –, chegou ao churrasco dos amigos levando uma lata de pêssegos em calda e outra de creme de leite.

Pêssegos em calda com creme de leite.

Os convidados mais novinhos, muito provavelmente, jamais tinham visto uma lata daquelas fora das prateleiras do supermercado. E quase dá para apostar que nenhum havia parado no corredor das caldas de pêssegos, abacaxis, figos, goiabas, abóboras.

Que fique claro: não estou falando mal dos pêssegos em calda. Eles fizeram parte dos almoços de família sempre que a minha mãe não estava inspirada para fazer a torta de bolacha dos domingos. Mas então éramos crianças e os pêssegos em calda sempre foram um doce sério, não tinham o mesmo encanto do pudim, outra sobremesa que ela fazia bem.

A lata de pêssegos em calda me lembrou de outras coisas que eram parte da vida das famílias e que hoje amargam o ostracismo. Novamente: não que o pêssego em calda esteja arquivado, fabricantes e apreciadores, não me cancelem. Foi só que aquela lata me levou a uma viagem no tempo, e de repente me vi na casa dos meus pais, com tantos e diversos caprichos hoje desaparecidos.

A roupinha xadrez do liquidificador, que combinava com a roupinha do botijão de gás. O Fabrício Carpinejar escreveu que as famílias se transformaram na hora em que a mãe parou de vestir o botijão de gás.

Os conjuntinhos de privada. Uma capa sempre meio peluda que cobria a tampa do vaso sanitário e fazia par com o tapetinho peludo que tornava o ato de sentar ali mais reconfortante. O tal do conjuntinho acabava ficando meio nojento pela água que pingava da descarga e pela sua própria natureza, e de vez em quando era substituído por outro. O cheiro era o de um cachorro molhado eternamente deitado no banheiro.

O abajur de uísque. Esses dias vi um filme da diretora Lucia Murat sobre o golpe de 1964 e lá estava, na casa de uma das entrevistadas, o abajur de uísque JB, um clássico dos anos 1970. Quem não teve um não viveu um capítulo marcante da decoração da casa brasileira.

A TV ligada no programa Sílvio Santos da manhã até a noite. Tudo o que acontecia no domingo era em função do Programa Silvio Santos. Almoço na hora do Qual é a Música? – duas notas, Maestro Zezinho –, banho quando entrava algum quadro chato de competição entre estudantes, janta na mesa tão logo começava o Show de Calouros. Ninguém precisava de relógio no domingo, qualquer criança sabia que ia para a cama quando o Quem Quer Dinheiro? acabasse.

Depois, bem depois, veio o Fantástico e a terrível sensação de fim do mundo com aquela musiquinha da abertura anunciando que o domingo já era.

Para encurtar o caso, o churrasco dos amigos chegou ao fim, e a lata de pêssegos em calda se ofereceu para quem quisesse desbravar sabores de outros Carnavais. O creme de leite se mistura com a calda e ameniza a doçura, disse o homem da camiseta de banda, expert no assunto. E todos gostaram e repetiram até limpar a lata.

No próximo encontro com seus pais, os jovens presentes certamente contarão que naquele domingo, ao som de phonk, trap, hyperpop ou outra dessas modernidades, experimentaram uma sobremesa diferente, pêssegos em calda. Eles já ouviram falar?


13 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

De onde vem minha habilidade no futebol

Quem já me viu jogando futebol - sim, eu jogo bem, apesar da minha postura inofensiva e cômica de gafanhoto - sabe que evito cair. Não tombo com facilidade. Não rolo no chão. Posso levar peteleco no calcanhar, carrinho, trombada, voadora, e faço de tudo para me manter de pé. Cambaleio, porém jamais me entrego. Tento me segurar em corrimões imaginários ou nas costas dos meus adversários.

Eu mesmo me driblo, se for o caso. Prefiro seguir adiante a cavar uma falta ou um pênalti e parar o jogo. Minha resiliência partiu de um trauma, que me condicionou a jamais beijar o gramado na boca.

A quadra da escola em que estudei no Ensino Fundamental - Escola Municipal Imperatriz Leopoldina, no bairro Petrópolis - era simplesmente de piche e brita. Uma BR seria mais convidativa. Uma pista de aeroporto seria mais confortável.

As pedras saltavam do solo escuro, pequenas lâminas e facas refletindo o sol. Cair ali somente em último caso. Não fingia, não me dava ao luxo de fazer cera. Eu me desequilibrava, tonteava, e permanecia ereto, de queixo erguido, aos trancos e barrancos.

Tinha que sobreviver. Tinha noção do quanto custaria cada queda. Ficaria absolutamente esfolado, como presunto fatiado em guilhotina de açougue.

Você não se machucava, você se acidentava. Tão grave quanto cair de uma moto. As feridas terminavam absolutamente infeccionadas com o betume.

Havia a necessidade de limpar a pele com água oxigenada - e como ardia - e depois pincelar camadas de mercúrio-cromo - e como ardia. As sequelas continuavam doendo na hora de tomar o banho e de dormir.

Minha habilidade com a bola foi forjada a evitar aquela sensação da calça colando no corpo. Nenhum band-aid era capaz de cobrir os ferimentos. Ao me machucar, sofria para colocar ou tirar a roupa.

Isso quando o abrigo não rasgava por inteiro e vinha o suplício. Pois meus irmãos e eu contávamos com um par de abrigos para o ano, e os pais não compravam outro. Se estragávamos um deles em nossas peladas indevidas durante o recreio, a família mandava para a costureira com o propósito cafona de colocar remendo de couro.

Começava o bullying. Vivíamos vestidos para uma festa junina. Lembro que uma vez rasguei os fundilhos da calça descendo um barranco e, para minha surpresa, recebi de volta a peça com um remendo de couro no traseiro.

Eu entrava na escola já com uma sela embutida em mim. Diante da piada pronta, precisava ser, pelo menos, rápido como um cavalo nas notas, e nunca lento como um burro.

CARPINEJAR

13 DE ABRIL DE 2024
FLÁVIO TAVARES

MUDAR DE SEXO?

Existem posições que parecem conservadoras e atrasadas, mas que são um descobrimento positivo de algo que não vemos nem vislumbramos porque se esconde tal qual um ladrão noturno.

Isso é o que nos deixa o mais recente documento do papa Francisco, em que alerta sobre a "indignidade" das cirurgias de mudança de sexo e a "fluidez" de gênero. A "barriga de aluguel" torna-se também "mero meio subordinado ao ganho arbitrário ou desejo de outros" para quem carrega o bebê ou escolhe se submeter a isso livremente.

O documento é comparável à encíclica Laudato Sii, que nos fez conhecer o descaso com a defesa da vida do planeta e nos levou a identificar o perigo das mudanças climáticas.

Agora, o novo documento papal (preparado ao longo de cinco anos) qualifica o sexo de nascimento como "um presente irrevogável de Deus". De fato, trata-se de uma enciclopédia sobre a existência humana e, assim, critica com veemência também a exploração de pobres, mulheres, migrantes e pessoas vulneráveis.

"Toda intervenção de mudança de sexo corre o risco de ameaçar a dignidade única recebida pela pessoa desde o momento da concepção", adverte o documento. Faz ver ainda que todos aqueles que almejam "autodeterminação pessoal, como prescreve a teoria de gênero", arriscam-se a ceder "à tentação milenar de se fazerem Deus".

A posição do Papa me leva a recordar que só no reino vegetal existem hermafroditas, mas são plantas. É impossível encontrar um eucalipto que busque ser roseira ou vice-versa. Já pensaram se, no mundo animal, um sabiá buscasse virar canário? Cada um sabe cantar, mas cada qual tem um canto próprio e inconfundível que não imita nem se atrita com o outro.

Meses antes desse documento, o papa Francisco permitiu que os sacerdotes abençoassem a união de homossexuais e outros da chamada área LGBT+. O documento de agora pode ser só o início de uma verdadeira revolução na maior e mais influente confissão religiosa do mundo ocidental. É um novo aggiornamento do catolicismo, iniciado pelo papa João XXIII no final do século passado.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

13 DE ABRIL DE 2024
CONSELHO EDITORIAL

EDUCAÇÃO, INOVAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO

Os aspectos centrais da atividade jornalística estão relacionados com a busca da verdade, a transparência e o compartilhamento de valores globais fundamentais para a sociedade, como a paz, os direitos humanos e a liberdade. Ao definir suas bandeiras editoriais, as empresas de comunicação ao mesmo tempo refletem e pautam as discussões relevantes que ajudam a sociedade a se conhecer, a refletir criticamente sobre seu passado e a construir seu futuro. Emergem assim temas atuais como mudanças climáticas, energias renováveis, ESG, educação, inovação e desenvolvimento social.

Uma visão mais propositiva do papel do jornalismo profissional e de seu compromisso com a sociedade em que atua envolve uma dimensão pedagógica relevante. Sob um certo aspecto, significa uma busca constante de um novo jornalismo para uma sociedade em transformação para o tempo que vivemos. Para o nosso tempo.

E quanto mais se configura o mundo digital, em que as dimensões física, digital e social se confundem, mais importante é estarmos atentos aos vetores da transformação que vivemos. As redes sociais e as novas tecnologias, como inteligência artificial, terapias gênicas, ciência de dados e internet das coisas, não são elementos neutros ou passivos nos processos de comunicação e interação entre as pessoas. As novas tecnologias, em especial as deep techs, quanto mais pervasivas se tornam, mais influenciam e afetam nossas relações. E mais atentos devemos estar a elas.

Voltando ao tema da dimensão pedagógica do jornalismo profissional na busca da verdade com transparência, um bom exemplo envolve a discussão, tanto nacional como regional, da construção de planos e definição de estratégias de desenvolvimento. E a identificação das relações entre o desenvolvimento, a inovação e a educação. No tempo em que vivemos, desenvolvimento deve envolver sempre as perspectivas econômica, social, cultural e ambiental.

Quando falamos de inovação, globalmente aceita como um atributo essencial na busca de produtividade e de competitividade no mundo empresarial, devemos ter também em mente que ela (a inovação) sequer faz sentido se não se traduzir em impacto social e melhorias na qualidade de vida das pessoas ao longo do tempo.

A educação é em si o fator principal e preliminar para qualquer processo de desenvolvimento. Além de ser o mais eficaz processo de mobilidade e justiça social, a educação é fator crítico para o desempenho de uma economia e uma sociedade moderna. Uma educação inclusiva e de qualidade, que ofereça oportunidades para o pleno desenvolvimento das pessoas, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Todos os países do mundo que se desenvolveram de forma destacada a partir da revolução da tecnociência da metade do século 20, primeiro realizaram uma transformação na educação de seu povo. Somente depois definiram e implantaram planos nacionais de desenvolvimento, tendo a inovação como um dos pilares do processo. Não adianta a inovação ser uma prioridade sem ter a educação como o elemento central da estratégia de desenvolvimento.

Conectando novamente com o papel do jornalismo neste mundo cada vez mais complexo e com fontes de informações diversas e pouco confiáveis, os veículos de comunicação, ao darem espaço para discussões relevantes e atuais, como a do desenvolvimento, acabam atuando, também, como propulsores dessas transformações.


13 DE ABRIL DE 2024
OPINIÃO DA RBS

DILEMAS A PONDERAR

Há preocupações legítimas e boas razões elencadas por todos os envolvidos na controvérsia sobre a busca do Estado para elevar a arrecadação. De um lado, o Piratini quer assegurar um aumento de receitas que não ameace a manutenção de serviços básicos, salários em dia e a garantia de verbas para investimentos prometidos após perder recursos por uma decisão eleitoreira tomada em Brasília no período eleitoral.

No outro polo, empresários rejeitam qualquer aumento de carga por princípios e pelo temor de perda de competitividade das empresas gaúchas. Na posição alternativa, entidades ligadas especialmente ao agronegócio sugeriram a elevação da alíquota do modal de ICMS de 17% para 19% como opção ao corte de incentivos fiscais, o plano B do governo. Algo como um mal menor. 

O mais recente lance foi o envio pelo governo gaúcho de novo projeto de lei à Assembleia nos moldes propostos por esta última corrente empresarial, formada por setores que seriam os mais atingidos pelo fim abrupto de benefícios tributários. A principal diferença em relação à ideia inicial do Piratini, que sequer foi a votação em dezembro do ano passado pela alta resistência, é que a alíquota subiria para 19%, e não 19,5%.

Como o projeto de lei foi protocolado em regime de urgência, deve ser votado no próximo dia 14 de maio pelos deputados. As próximas semanas prometem ser de intensas negociações e pressões. Espera-se que exista, de parte a parte, disposição para preservar o espaço de diálogo e abertura para transigir. Parece claro que o governador Eduardo Leite está disposto a enfrentar o desgaste e, de alguma forma, obter o aumento de receita que diz necessitar. Assim, está posto o desafio de construir uma saída negociada, que contemple, da forma possível, as necessidades do Estado, sem que as atividades produtivas, geradoras de emprego e renda, sejam sufocadas.

Não há empresário que goste de pagar mais tributos ou cidadão que queira ver o preço dos produtos e serviços consumidos subir. Ainda assim, a vida em sociedade exige um poder público que consiga cumprir seus compromissos com a população, em especial os essenciais, como saúde, educação e segurança. Para isso, também é basilar que busque eficiência nas despesas para que se constate retorno dos impostos recolhidos.

Se é verdade que a maioria dos demais Estados do país fez o mesmo movimento de elevar o ICMS, também é fato que a vizinha Santa Catarina optou por permanecer com a alíquota de 17%. Pela proximidade, é a unidade da federação que mais compete com os gaúchos por investimentos. E o Rio Grande do Sul, pela posição geográfica, tem desvantagens logísticas que poderiam ser diminuídas pela manutenção do ICMS no patamar atual. Dilemas não faltam.

Ao fim, a definição sairá do parlamento, casa democrática onde estão representados todos os segmentos da sociedade. Aguarda-se ponderação e responsabilidade para se encontrar o desfecho menos traumático. Em caso de elevação da alíquota modal, é possível até que exista margem para negociar um patamar inferior a 19%. O tema da elevação da carga tributária se arrasta desde novembro do ano passado e chega a hora de uma definição. Por outro lado, deve ser cobrado do Estado máxima transparência em relação ao quadro e às perspectivas para as finanças públicas.

OPINIÃO DA RBS


13 DE ABRIL DE 2024
PRIMEIRO TRIMESTRE

Estado teve ao menos seis estupros por dia

Nos três primeiros meses deste ano, em média, seis mulheres procuraram a polícia por dia no RS para relatar um caso de estupro. Ou seja, um registro do crime foi realizado a cada quatro horas. Foram 559 ocorrências entre janeiro e março. No comparativo com o mesmo período de 2023, quando foram 739, houve redução de 24,3%. Os indicadores de violência contra a mulher são da Secretaria da Segurança Pública.

A média é formada só pelos casos que chegam à polícia. No entanto, boa parte dos delitos cometidos contra mulheres por razões de gênero é impactado pela subnotificação. Nos casos de crimes sexuais, isso não é diferente.

- Estima-se que só 10% dos casos (de violência contra a mulher) são notificados. Os crimes sexuais existem numa quantidade muito maior do que a gente imagina. As mulheres são estupradas dentro dos relacionamentos, e nem sequer sabem que é um estupro - alerta a promotora de Justiça do Centro de Apoio Operacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, Ivana Battaglin.

Provas

Fatores como vergonha, medo, culpa e receio de ser vítima de violência institucional são apontados como aspectos que acabam influenciando as mulheres a não buscarem ajuda.

Nos casos de estupro, segundo a delegada Ana Luiza Caruso, que responde pela 1ª Delegacia da Mulher de Porto Alegre, quanto mais cedo a vítima pedir ajuda, maior a chance de coletar indícios para identificar e punir o autor. A maioria dos casos ocorre sem qualquer testemunha, fazendo com que a prova pericial seja ainda mais relevante.

- Depois que o fato já ocorreu, solicitamos que as vítimas façam uma coisa que muitas vezes é difícil, que é não tomar banho. Após um caso de estupro, a mulher quer retirar qualquer vestígio do corpo dela. Mas esse material genético do autor é muito importante como prova. A palavra da vítima vale muito, mas quanto mais elementos de prova conseguirmos, melhor - diz Ana Luiza.

LETICIA MENDES

13 DE ABRIL DE 2024
CARTA DA EDITORA

CARTA DA EDITORA A cobertura do Brasileirão

A dupla Gre-Nal inicia neste final de semana a participação no Brasileirão. O Inter, instável na Sul-Americana (dois pontos somados em seis disputados), estreia com o desafio de quebrar um jejum de 45 anos sem o título da competição nacional. O Grêmio, que preocupa a torcida na Libertadores (soma zero ponto em seis disputados), almeja encerrar a seca de 28 anos sem o título. Juventude, o terceiro representante gaúcho na Série A, tem outras pretensões, como seus próprios dirigentes dizem. O objetivo é a permanência na elite do futebol. Leitores, ouvintes e espectadores que acompanham os produtos da Redação Integrada terão ampla cobertura da competição, em diferentes plataformas.

O jornal que você tem em mãos, e que pode também ser acessado em GZH, tem um guia de oito páginas com todas as informações sobre os 20 clubes envolvidos na competição. O Guia do Brasileirão revela que o campeonato de 2024 será o mais "estrangeiro" da história. Nunca, desde que foi criado com este nome, ou desde 1959 com os nomes de Taça Brasil e Robertão, houve um número tão grande de jogadores nascidos fora do país.

- É um conteúdo que já consta no calendário de Zero Hora. Sempre no começo do campeonato, trazemos um diagnóstico de cada um dos adversários da dupla Gre-Nal na competição. Levamos o leitor para mais perto das facilidades e adversidades que nossos times vão encarar até dezembro - diz o narrador e comunicador Gustavo Manhago, responsável pelo guia.

Em GZH, além dos gols e dos melhores momentos das partidas, teremos o especial "palpitômetro": projeção da equipe de Esporte sobre times que "lutam por título", "disputam vaga na Libertadores", "tentarão vaga na Sul-Americana" e "lutarão contra o rebaixamento".

Na Gaúcha, será mantida a tradição de narrar nos estádios todos os 38 jogos de Inter e Grêmio. Nos dois turnos, as equipes estarão em 11 cidades que hospedam clubes da Série A. Repórteres, técnicos e narradores percorrerão mais de 88 mil quilômetros (o equivalente a duas voltas ao redor do mundo) para narrar os jogos da Dupla e contar os bastidores.

- A riqueza de detalhes sobre o ambiente do jogo, seja ele no estádio ou na concentração, só é possível em função da presença da Gaúcha junto aos times - avalia Leonardo Acosta, um dos coordenadores do Esporte da Gaúcha.

E por falar em coberturas esportivas, em breve falaremos de Olimpíadas.

DIONE KUHN

sexta-feira, 12 de abril de 2024


12 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

Síndrome de Saturno

Tenho visto com frequência crianças assassinadas porque "atrapalham" o romance. Crianças com as suas infâncias roubadas por omissão da mãe ou do pai, que deixam o parceiro ou a parceira agirem com extrema violência, castigando meninos e meninas indefesos e vulneráveis sem piedade. Crianças com seu futuro subtraído de repente, espancadas, vilipendiadas e torturadas pela madrasta ou pelo padrasto, em crimes acobertados pelos parceiros para manter a fachada do casamento.

Amor ao filho está acima do amor conjugal. O filho é para toda a vida, a relação é até onde existir felicidade. O que vem ocorrendo é uma perigosa inversão: a criação dos filhos tem sido refém dos caprichos sádicos do relacionamento.

São casos e casos de pessoas que não nasceram para a maternidade ou a paternidade e querem se livrar da responsabilidade tutelar - como se fosse um estorvo, um incômodo - para desfrutar da desobrigação do namoro.

Uma série de homicídios no Estado se enquadra naquilo que chamo de síndrome de Saturno. De acordo com a mitologia romana, Saturno devorou os filhos que teve com a esposa Reia por medo de que um deles o destronasse. Ou seja, o filho surge como uma ameaça para o reinado do marido ou da esposa, tirando o tempo da convivência a dois. Ele sobra na dinâmica familiar.

O julgamento da morte de Anthony, que começou ontem, no Tribunal de Tramandaí, no Litoral Norte, é uma ilustração dos efeitos nocivos de um casal que privilegiou o egoísmo fatal.

O curioso é que o júri sucede em uma semana à condenação de Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues, 28 anos, e Bruna Nathiele Porto da Rosa, 26, por torturar, matar e arremessar Miguel, de sete, respectivamente filho e enteado, no Rio Tramandaí, em julho de 2021.

Os eventos são parecidos pela motivação torpe e ambos transcorreram no Litoral Norte (o do Miguel, em Imbé, e o de Anthony, em Cidreira). Em outubro de 2022, Anthony, de dois anos, chegou inconsciente ao posto de saúde, onde se constatou que ele havia sofrido múltiplas lesões. O menino não resistiu aos ferimentos e faleceu no local.

O que ele fez de errado? Chorou! Estava chorando, como faria qualquer garoto em pânico, encurralado com gritos e ameaças. O padrasto, que tinha 21 anos na época do ocorrido, é acusado de agredir a criança com socos, tapas, puxões e empurrões, com tal agressividade que ela desmaiou. Responde por tortura e homicídio qualificado por motivo fútil, cruel, recurso que dificultou a defesa da vítima e cometido contra menor de 14 anos.

Não se tratou de uma palmada corretiva, o que tampouco seria certo, mas de uma sequência aterrorizante de murros, acarretando politraumatismo contuso (traumas de diversas naturezas comprometendo órgãos essenciais).

O bebê acabou literalmente demolido.

Agora, mentalize o que significa a desproporção de um adulto bater num serzinho incapaz de se defender, de apenas 12 quilos. É o equivalente a um atropelamento de uma jamanta sobre um triciclo. Não há tolerância aceitável. A pequena vítima não conseguiu relacionar o que fez para provocar aquilo.

Qual foi a reação da mãe, da qual esperaríamos que protegesse o seu filho acima de tudo? Ela é acusada de cumplicidade, apontada como conivente com as agressões do seu companheiro.

O par não deve ser julgado unicamente pelo fim trágico de Anthony, mas pela vida miserável e dolorida que infligiu a ele. Na sua breve existência, teve que arcar com sofrimentos tão longos e inexplicáveis. Talvez tenha partido sem conhecer sequer um dia feliz, um dia de paz.

CARPINEJAR

12 DE ABRIL DE 2024
OPINIÃO DA RBS

ALÉM DO DIAGNÓSTICO

Diagnósticos corretos são o ponto de partida para buscar as melhores soluções para qualquer problema. É um princípio que também vale para o progresso socioeconômico. Merece crédito, neste sentido, a iniciativa do governo gaúcho de propor a formulação de uma agenda de desenvolvimento para o Estado nas próximas décadas, com a colaboração da iniciativa privada e da sociedade civil. O desafio posto, outra vez, será implementar de fato as iniciativas que forem consideradas essenciais. Não foi por falta de identificação dos entraves centrais, afinal, que o Rio Grande do Sul deixou de resolver seus impasses.

O trabalho terá a supervisão da consultoria internacional McKinsey, que de largada já aponta alguns desafios basilares. Um dos principais, sem dúvida, é a demografia do Rio Grande do Sul, Estado brasileiro em que o envelhecimento da população caminha de forma mais rápida. Hoje, cerca de 70% dos gaúchos estão em idade ativa. Em 2060, o percentual cairá para 57%. A força de trabalho vai encolher, o que sempre é um obstáculo para o crescimento econômico.

A solução lógica é colocar as fichas na educação. Um ensino forte forja cidadãos mais instruídos, com conhecimento, habilidades e capacidades. Ou seja, mais produtivos. Formar gente apta a produzir mais riqueza por hora trabalhada, inventiva e adaptável a transformações é um propósito que ganha premência pela constatação de que os avanços tecnológicos são cada vez mais rápidos e a exigência por inovação constante só tende a acelerar. A confirmação de que o Estado terá quantidade menor de crianças e jovens no futuro vai permitir ao menos maior investimento per capita em educação. Está longe de ser a bala de prata, mas permitirá perseguir maior eficiência com esses gastos.

Outra necessidade será a diversificação da economia. Não há dúvida de que o agronegócio, altamente competitivo, é um dos principais motores do desenvolvimento local e ajudou o Rio Grande do Sul a se consolidar como um dos Estados com maior PIB do país. Os últimos anos, porém, testemunham que as grandes variações climáticas também levam grandes incertezas à atividade. 

Torna-se imperioso desenvolver novas potencialidades, sintonizadas com as tendências globais, como a inteligência artificial. A inovação e um perfil mais tecnológico da indústria surgem como alternativas viáveis devido à própria tradição fabril do Rio Grande do Sul e à característica empreendedora do gaúcho. O Estado tem de produzir com maior valor agregado, aumentando a densidade e a complexidade tecnológica dos itens que fabrica e comercializa.

Capital humano qualificado e uma economia mais digital e moderna são dois lados da mesma moeda. A formação de um ambiente amigável para o surgimento e a atração de empresas de vanguarda, nos mais variados segmentos, é capaz de evitar a evasão de cérebros e, na via inversa, conquistar talentos de outras regiões.

É possível que a população do Rio Grande do Sul comece a entrar em declínio já na próxima década. Não deve tardar também a discussão sobre a necessidade de o Estado atrair mão de obra para outras ocupações. E não apenas sazonais.

Aguarda-se que a prometida agenda de desenvolvimento planejada pelo Piratini produza resultados concretos, pelo bem do Rio Grande do Sul e das novas gerações de gaúchos. Não são poucos os desafios estruturantes. Mas precisam ser encarados desde já, tanto quanto as pautas mais urgentes, como a sustentabilidade financeira de curto prazo.


12 DE ABRIL DE 2024
POLÍTICA +

Por que Leite optou por elevar o ICMS

Entre o desgaste de propor o aumento da alíquota básica do ICMS de 17% para 19%, agora com nova embalagem, e o risco de ficar sem dinheiro para o essencial nos dois últimos anos de mandato, Eduardo Leite preferiu a primeira opção.

A avaliação no Piratini é de que nada pode ser pior do que voltar ao tempo do atraso nos salários ou de não ter dinheiro para investimentos. Por isso, não se cogita revogar os decretos que cortam benefícios fiscais, se o projeto for rejeitado.

- Não podemos deixar tudo como está para ver como é que fica - disse o chefe da Casa Civil, Artur Lemos, referindo-se à proposta de empresários de esperar para ver como se comporta a arrecadação.

Na apresentação da proposta e na entrevista que deu à Rádio Gaúcha à tarde, Leite citou os motivos pelos quais precisa garantir o aumento da receita. Um deles é a obrigatoriedade de excluir do percentual de gastos obrigatórios com educação o pagamento de professores aposentados. Essa irregularidade foi levantada na campanha de 2022.

Leite reconheceu que precisa­va excluir os aposen­tados, mas, para isso, precisava de aumento da receita.

Outro motivo é a obrigação legal de quitar os precatórios até 2029. O governo tem encaminhado um pedido de empréstimo internacional de US$ 1 bilhão para reduzir o estoque de precatórios, mediante pagamento com desconto de 40%, mas esse dinheiro não será suficiente para liquidar a conta.

São dívidas herdadas de governos anteriores, já transitadas em julgado, e que muitos credores morrem sem ver a cor do dinheiro.

Leite voltou a comparar os impostos cobrados em São Paulo e Minas Gerais (18% de ICMS e 4% de IPVA) com os 17% de ICMS e 3% de IPVA do Rio Grande do Sul para mostrar que isso não torna o RS mais competitivo.

ROSANE DE OLIVEIRA

Descobertas em Pompeia

Afrescos - técnica de pintura em paredes ou tetos - inspirados na Guerra de Troia que adornam um salão de banquetes foram descobertos em Pompeia, anunciou ontem a organização que cuida do famoso sítio arqueológico perto de Nápoles, no sul da Itália.

O cômodo, com dimensões de 15 metros por seis, apresenta refinadas decorações com temas mitológicos sobre paredes e mosaicos de fundo preto, que testemunham o luxuoso modo de vida na antiga cidade, soterrada pelas cinzas da erupção do vulcão Vesúvio no ano 79.

O heroísmo é o tema dominante nos afrescos, que mostram representações de heróis e divindades protagonistas da Guerra de Troia. Entre os personagens representados estão Páris, o príncipe troiano que sequestrou Helena, a esposa do rei espartano Menelau, o que desencadeou a guerra, segundo a mitologia.

Também é possível observar Cassandra, irmã de Páris, e o deus Apolo, de quem recebe o dom de ver o futuro, embora suas previsões nunca tenham sido levadas a sério. Ela alertou em vão seus compatriotas de que o cavalo oferecido pelos gregos era um subterfúgio que levaria Troia à ruína.

"A presença frequente de figuras mitológicas nos afrescos das salas de recepção das casas romanas tinha justamente a função social de entreter convidados, proporcionando temas de conversa e reflexão sobre o sentido da existência", explicou a direção do Parque Arqueológico de Pompeia.

Patrimônio

As paredes foram pintadas de preto para evitar que marcas de fumaça das lamparinas a óleo fossem vistas. Segundo o diretor do parque, Gabriel Zuchtriegel, as pessoas se reuniam neste salão para banquetes depois do pôr do sol.

- A luz das lamparinas dava a impressão de que as imagens pintadas se moviam, sobretudo após alguns copos de um bom vinho - disse Zuchtriegel.

As cinzas vulcânicas expelidas há cerca de 2 mil anos pelo Vesúvio tomaram conta da maior parte das casas de Pompeia, o que garantiu a preservação quase completa destas habitações, bem como muitos dos corpos dos 3 mil mortos.

Listada como Patrimônio Mundial pela Unesco, Pompeia é o segundo ponto turístico mais visitado da Itália depois do Coliseu de Roma, e ocupa uma área de 22 hectares, dos quais um terço ainda está enterrado sob as cinzas. 

quinta-feira, 11 de abril de 2024


11 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

Tremendo amor pela vida

A escritora Roseana Murray, de 73 anos, acabou cruelmente agredida por três cães da raça pit-bull no bairro Gravatá, em Saquarema, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro, enquanto fazia uma inofensiva caminhada na manhã da última sexta-feira. Perdeu um braço e teve uma orelha decepada no episódio que quase abreviou a sua existência.

Ela não entrou na residência do vizinho, não pulou nenhum muro, não ameaçou a segurança de outro terreno, apenas seguia ordeiramente pela calçada, na rua comum a todos, durante sua andança matinal, em que costuma arejar as ideias antes de se sentar diante do computador e elaborar suas histórias infantojuvenis de grande sucesso.

O que aconteceu com ela poderia ter acontecido com qualquer criança do bairro indo para a escola (com pouquíssimas chances de sobrevivência). Afinal, os cães não defendiam um local, encontravam-se apenas soltos. Existiu a inconsequência letal de um portão aberto.

Antes de demonizá-los, temos que responsabilizar os tutores dos animais. Os bichos esfomeados, estressados e maltratados só conseguiriam ter uma reação de ataque e de fúria. Foram aculturados ao ódio, deram de volta apenas o que receberam.

O que não é possível mais admitir é cachorros pit-bull ou rottweiler passearem sem focinheira. Não há como descobrir se eles serão dóceis ou não pela aparência, já que jamais saberemos como são tratados pelos seus criadores no interior de seus lares.

A princípio, eles não são perigosos. Pertencem a raças trabalhadoras, dependendo de treinamento e sociabilização.

Na dúvida, a adoção do acessório deve ser obrigatória e geral, para não existir risco de ataques gratuitos. Não vale explicar que o cachorro é inofensivo e carinhoso. Explicações chegam sempre tarde demais. Não vale mais alegar que a violência é uma exceção entre tantos casos de aproximação mansa.

A imolação pública e sangrenta de coliseu envolvendo Roseana se mostrou escandalosamente anunciada. Outros vizinhos tinham feito ocorrências porque os animais já haviam mordido e assustado moradores. Nada foi feito. Tanto que três testemunhas relataram que os cães rotineiramente saíam para a via pública desprovidos de vigilância e avançavam contra as pessoas.

A vítima da sanha da matilha é, paradoxalmente, uma devota dos bichanos. Fez um livro terno sobre uma menina que busca convencer os pais a ter um mascote (Um Cachorro para Maya). Entre os motivos, a personagem destaca que está cansada de ser sozinha. Não tem como não se emocionar lendo a obra e lembrando o incidente. No atentado dos pit-bulls, eles é que estavam cansados de ser sozinhos, de se sentir excluídos e torturados.

Autora de cem livros, largamente premiada e adotada como leitura obrigatória nas escolas, Roseana Murray deu uma prova de amor incondicional à vida. Numa situação de absoluta desvantagem, combateu bravamente as três feras famintas, dispostas a matá-la, protegendo-se com o cotovelo.

Ao receber a notícia da amputação do braço direito, o que usava para escrever, ela apenas disse:

- Paciência, vou ter que aprender a escrever com a mão esquerda.

Roseana nos alfabetiza para a esperança. Transformou a tragédia em ode de resiliência.

CARPINEJAR

11 DE ABRIL DE 2024
OPINIÃO DA RBS

A CÂMARA NÃO PODE SE OMITIR

Ainda não está clara a real intenção do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao anunciar na terça-feira a criação de um grupo de trabalho na Casa para debater um novo projeto de lei para a regulamentação das redes sociais no país. A iniciativa, afirma ele, seria para construir uma alternativa viável ao PL 2630/20. O texto atual, relatado pelo deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) e também conhecido como PL das Fake News, não tem mais condições de angariar maioria para passar no plenário, sustenta Lira. Outro relator seria designado.

Não são exageradas as desconfianças de que seria uma manobra para postergar indefinidamente o momento de a Câmara enfrentar o tema. O PL 2630 foi aprovado em 2020 no Senado e, ao chegar aos deputados, enfrentou uma série de resistências, inclusive com campanhas de desinformação com o dedo das big techs. Até uma inexistente ameaça à liberdade religiosa foi inventada para sabotar a votação.

É de interesse das grandes empresas proprietárias das redes sociais manter a situação atual, em que em regra lavam as mãos quanto ao cuidado que deveriam ter com o discurso de ódio, as notícias fraudulentas e os conteúdos criminosos. Trata-se, no fundo, apenas de interesse em lucro fácil e descompromisso com deveres éticos. Ao contrário do que é alegado maliciosamente, não há preocupação sincera com risco à liberdade de expressão. Este é um pilar para qualquer democracia sadia, mas seu conceito é reiteradamente distorcido para justificar a inércia na moderação e deixar delinquências impunes.

Será preciso permanecer atento quanto ao progresso do tal grupo de trabalho a ser formado na Câmara. Espera-se que as dúvidas quanto à verdadeira pretensão de Lira mostrem-se infundadas e rapidamente forme-se um consenso em torno de um texto que jogue luz sobre as zonas cinzentas das redes sociais.

O tema ressurgiu com o embate entre o bilionário Elon Musk, dono do X, o antigo Twitter, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Imediatamente, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), cobrou a Câmara quanto à paralisia para apreciar o PL das Fake News, que é fruto não apenas de debates no parlamento, mas da contribuição de amplos setores da sociedade civil e da análise de regulamentações com o mesmo objetivo no Exterior.

Será lamentável se a Câmara se omitir em um tema candente, que precisa de uma legislação específica. O ministro do STF Dias Toffoli avisou na terça-feira que deve liberar até junho votação relativa à ação que analisa a responsabilidade das redes sociais sobre os conteúdos que publicam. Versa sobre um artigo do marco civil da internet, mas se conecta com um dos aspectos tratados no PL das Fake News.

A Corte mostra-se disposta a encarar o assunto, enquanto os deputados hesitam. Não haverá surpresa se logo surgirem mais queixas do Congresso de que o Supremo estaria usurpando atribuições do parlamento. Mas não há outra saída se a Câmara outra vez fugir de suas responsabilidades. O certo é que o país tarda em ter regras claras para as redes sociais. Assim, reduz-se também o risco de eventuais arbitrariedades do Judiciário. É o melhor caminho para preservar a liberdade de expressão, abarcando a proteção até às mais esdrúxulas opiniões, mas sem deixar o ambiente virtual se tornar território livre para crimes.

OPINIÃO DA RBS

11 DE ABRIL DE 2024
ACERTO DE CONTAS

Cinco maiores supermercados do RS no ranking nacional

Saiu o ranking completo da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que aponta todos os anos quais são as maiores redes em termos de faturamento no país. Em 2023, o setor bateu R$ 1 trilhão de receita, considerando de atacarejo a mercearia e loja de contêiner em condomínio. O valor representa 9,2% do PIB brasileiro. São 9 milhões de empregos.

Nacionalmente, o Grupo Carrefour Brasil lidera pela oitava vez o Ranking Abras, movimentando R$ 115,5 bilhões em 2023. O segundo colocado é o Assaí Atacadista, com R$ 72,8 bilhões, seguido pelo Grupo Mateus, com R$ 30,2 bilhões.

Não há gaúchos entre os 10 maiores faturamentos, mas a coluna garimpou novamente nas tabelas enviadas pela Abras as empresas que têm sede no Rio Grande do Sul. O ranking nacional mostra que todas aumentaram o faturamento, mesmo que tenham perdido posições.

A posição dos parques sobre os preços nas Hortênsias

Os motivos que levam à queda no movimento do turismo na Região das Hortênsias não se restringem a preço, argumentou à coluna o presidente da Associação de Parques e Atrações da Serra Gaúcha (Apasg), Renato Fensterseifer Junior. O empresário, que é CEO do Alpen Park, lista entraves de infraestrutura, da falta de um aeroporto mais próximo até problemas em estradas para acessar os municípios, principalmente Gramado e Canela. Também cita a falta de moradia e serviços de saúde e educação para os trabalhadores atraídos pelos empregos gerados pelos empreendimentos.

Em relação à reclamação dos gaúchos quanto aos preços, Fensterseifer, ao falar dos parques especificamente, diz que as estruturas exigem investimento constante e equipes, especialmente de segurança, que precisam ser mantidas mesmo em baixa temporada.

- É uma operação complexa. Ter produto bom e serviço de qualidade exige investimento e sai caro - comenta.

Ainda assim, entende que as manifestações dos turistas precisam ser analisadas e o modelo de turismo da região tem que ser debatido:

- É uma discussão necessária e importante. Qual a solução? Até onde interferir? Não se pode determinar os preços que as empresas vão cobrar, pois têm seus custos - reflete Fensterseifer.

O presidente da Apasg acredita que há produtos e serviços para todos os bolsos de turistas. Pondera, então, que uma solução seria mostrar mais isso.

GIANE GUERRA


11 DE ABRIL DE 2024
POLÍTICA +

Carraspana com elegância

Com a autoridade que seus cabelos brancos lhe conferem, o presidente da Cotrijal, Nei Mânica, porta-voz da proposta de retomada do projeto de aumento da alíquota do ICMS, aproveitou a reunião na Assembleia para passar uma carraspana no deputado Rodrigo Lorenzoni (PL):

- Quero considerar que foi infeliz a colocação quando ele disse que fomos chantageados. (...) Eles (os decretos) não foram suspensos por um movimento de 200, 300 pessoas na Assembleia. Foi um pedido das entidades que assinaram esse documento. Nós não fomos chantageados. Não temos mais idade para isso. (...) Nossa imagem não está maculada. Ficaria se nós tivéssemos ficado em casa.

MDB reafirma meta ambiciosa

Reunidos ontem em Brasília, os presidentes do MDB estadual, Vilmar Zanchin, e nacional, Baleia Rossi, reafirmaram a intenção de eleger o maior número de prefeitos e vereadores na eleição deste ano.

Baleia disse a Zanchin que conta com a força e a organização da seção gaúcha para garantir a vitória nas urnas em 2024. Segundo dados do Superior Tribunal Eleitoral (TSE), na eleição de 2020, o MDB elegeu 772 prefeitos e 7.277 vereadores no Brasil.

No Rio Grande do Sul, foram 135 prefeitos, 125 vices e 1.156 vereadores. Com a janela partidária, esse número baixou.

No vasto material apresentado no Palácio Piratini faltou um ponto essencial quando se fala em projeto de desenvolvimento: a educação. Ainda que esteja presente nas entrelinhas, deveria ganhar mais ênfase, dado que não

há projeto de futuro que pare em pé sem educação pública de qualidade.

ROSANE DE OLIVEIRA

11 DE ABRIL DE 2024
TULIO MILMAN

Inclua-me fora dessa

Tirando os nomes, fica mais fácil. Abdicando da compulsão por dar toda razão para um ou para outro lado, fica mais justo. O que está em jogo no mais novo e ruidoso bate-boca nacional vai além disso.

De um lado, um magistrado brasileiro que tomou para si o papel de fiscal das redes e de herói antigolpista. Não resta dúvida de que, se devidamente comprovados, movimentações e atos que afrontem a ordem democrática devam ser punidos. Mas dentro da lei e, de preferência, por colegiados cuja identidade supere nomes e sobrenomes próprios. Sobre a regulamentação das redes, entendo que a omissão e a lentidão de outros setores da sociedade não podem servir de pretexto para qualquer limitação da liberdade de expressão. 

E como nesse caso não há apenas o oito e o oitenta, é importante repactuar entre nós o que é liberdade de expressão. Definitivamente, não é o vale tudo e a banalização da violência, da desinformação e do discurso de ódio legitimados pela política, que mais tarde reclama dos excessos gerados por seus próprios equívocos.

É nesse terreno que um ministro de uma suprema corte jamais deveria entrar: no pântano das decisões e da lógica da disputa pelo poder político. Porque, se entra, depois não pode reclamar das consequências, inclusive pessoais. Entrar em um baile funk e querer dançar valsa é ingenuidade, loucura ou falta de inteligência.

Do outro lado, temos o dono de uma rede social que, assim como quase todas as demais, tem um modelo de negócio nada transparente. De fato, a fórmula do faturamento de boa parte desse segmento tecnológico está baseada em nos tirar informações, e não em fornecê-las. É o capitalismo de vigilância. Google, Facebook, X, TikTok e seus similares são programados para acompanhar e mapear nossas preferências, nossos hábitos e nossas emoções. A partir disso, se transformam naquilo que são, mas que não dizem: máquinas de vendas.

Por isso, é preciso regulamentá-las, de modo que assumam, do ponto de vista ético e legal, a sua verdadeira identidade.

Neste contexto, o bate-boca entre um magistrado e um empreendedor não me mobiliza a ter simpatia por qualquer um dos lados. Já sei. Sou murista, passador de panos etc. etc. etc. Aceitos os elogios. Até porque, até onde a minha dignidade intelectual permitir, não serei massa de manobra dos extremos que são causa e sintoma da maior patologia nacional: a radicalização. Ela é a nossa inimiga, e não o ministro ou o empreendedor.

TULIO MILMAN