07
de outubro de 2012 | N° 17215
MARTHA
MEDEIROS
Narrar-se
Quem escreve está sempre se delatando, seja de forma
direta ou camuflada
Sou
fã de psicanálise, de livros de psicanálise, de filmes sobre psicanálise e não
pretendo desgrudar o olho da nova série do GNT, Sessão de Terapia, dirigida por
Selton Mello. Algum voyeurismo nisso? Total.
Quem
não gostaria de ter acesso ao raio-x emocional dos outros? Somos todos bem
resolvidos na hora de falar sobre nós mesmos num bar, num almoço em família,
até escrevendo crônicas. Mas, em colóquio secreto e confidencial com um
terapeuta, nossas fraquezas é que protagonizam a conversa.
Por
50 minutos, despejamos nossas dúvidas, traumas, desejos, sem temer passar por
egocêntricos. É a hora de abrir-se profundamente para uma pessoa que não está
ali para condenar ou absolver, e sim para estimular que você escute atentamente
a si mesmo e assim consiga exorcizar seus fantasmas e viver de forma mais
desestressada. Alguns pacientes desaparecem do consultório logo após o início
das sessões não estão preparados para esse enfrentamento.
Outros
levam anos até receber alta. E há os que nem quando recebem vão embora, tal é o
prazer de se autoconhecer, um processo que não termina nunca. Desconfio que
será o meu caso. Minha psicanalista um dia terá que correr comigo e colocar um
rottweiler na recepção para impedir que eu volte. Já estou bolando umas
neuroses bem cabeludas para o caso de ela tentar me dispensar.
Analisar-se
é aprender a narrar a si mesmo. Parece fácil, mas muitas pessoas não conseguem
falar de si, não sabem dizer o que sentem. Para mim não é tão difícil, já que
escrever ajuda muito no exercício de expor-se. Quem escreve está sempre se
delatando, seja de forma direta ou camuflada. E como temos inquietações
parecidas, os leitores se identificam: “Parece que você lê meus pensamentos”.
Não raro, eles levam textos de seus autores preferidos para as consultas com o
analista, a fim de que aqueles escritos ajudem a elaborar sua própria
narrativa.
Meus
pensamentos também são provocados por diversos outros escritores, e ainda por
músicos, jornalistas, cineastas. Esse intercâmbio de palavras e sentimentos ajuda
de maneira significativa na nossa própria narração interna. Escutando o outro,
lendo o outro, se emocionando com o outro, vamos escrevendo vários capítulos da
nossa própria história e tornando-nos cada vez mais íntimos do personagem
principal – você sabe quem.
Selton
Mello, em entrevista, disse que para algumas pessoas o programa pode parecer
chato, pois é todo baseado no diálogo entre terapeuta e paciente, e isso é algo
incomum na televisão, que vive de muita ação e gritaria.
De
minha parte, terá audiência cativa até o último episódio, pois, mesmo não
vivenciando os problemas específicos que a série apresenta, todos nós
aprendemos com os dramas que acontecem na porta ao lado, é um bem-vindo convite
a valorizar o humano que há em cada um. A introspecção não costuma atingir
muitos pontos no ibope, mas é a partir dela que se constrói uma vida que merece
ser contada.
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