21
de outubro de 2012 | N° 17229
MARTHA
MEDEIROS
Quando termina a novela
Pegar
a estrada é o primeiro pensamento de quem encerra uma etapa da vida
A
atriz havia passado os últimos meses na pele de uma personagem atormentada,
vulcânica, daquelas que não tem um dia de sossego. Era de se supor que ela
estivesse dando o sangue pra interpretar uma mulher tão diferente dela mesma,
ela que na vida real parecia ser bem tranquila.
Foi
então, na festa de encerramento, quando o elenco se reuniu para assistir ao último
capítulo juntos, que o repórter se aproximou da estrela e perguntou: Para onde
você irá viajar quando terminar a novela?.
Ele
não perguntou “se” ela iria viajar. Perguntou direto “para onde”, sem a menor dúvida
de que essa era a única opção após tanto empenho – nem passou pela cabeça do
jornalista que ela poderia emendar um personagem no outro. E de fato, ela não
emendaria. Respondeu que pretendia passar um mês em alguma praia deslumbrante e
secreta, sem especificar em que lugar exatamente.
Quando
termina a novela, a primeira providência é preparar a mala e se mandar.
O
mesmo se dá nas novelas particulares, fora da tela. O que não falta é dramalhão
no nosso cotidiano. A pessoa se doa, se escabela, chafurda em lamentações,
quase enlouquece, até que o desgaste se confirma (seja o de uma relação, de um
drama familiar, de um projeto profissional) e chega-se ao último capítulo, pois
sempre há um fim.
E
entre o fim e um novo começo, há que se recuperar a energia, abandonar o “personagem”
e marcar um encontro consigo próprio, de preferência bem longe do cenário onde
foram vividas as agruras. Pegar a estrada é o primeiro pensamento de quem
encerra uma etapa da vida.
Viajar
tem essa função terapêutica – também. Pretende-se que seja um divisor de águas,
um momento de desconexão com o passado e de preparo para um futuro que promete
ser mais promissor. E como tudo que foi intenso exaure nossas forças, espera-se
que uma viagem (para um local paradisíaco, de preferência), acelere o
reestabelecimento.
Claro,
pode ser também para um lugar lúgubre, abandonado, sem energia elétrica. Há quem
não queira ver ninguém, não queira ser interrompido em sua introspecção, e se
embrenha num lugarejo fora do mapa, na esquina de Deus nos Acuda com o Fim do
Mundo.
Mas
geralmente procura-se o belo e o alegre – desde que se conte com um bom pé-de-meia.
Separou? Itália. Encerrou um tratamento quimioterápico com sucesso? Porto de
Galinhas. Pediu demissão depois de 23 anos na mesma empresa? Um cruzeiro pelo
Caribe. Passou no vestibular? Garopaba. É preciso comemorar. Terminou a novela.
Algumas
pessoas carrancudas não sabem o que se ganha com uma viagem. Chamam de fuga, e
uma fuga bem cara. Gasta-se uma nota preta para trazer de volta apenas
fotografias. Qual o retorno de se comprar um bem imaterial? Não é melhor
investir num carro, renovar o guarda-roupa, trocar de computador?
Quando
acaba a novela, nem carro, nem guarda-roupa, nem iniciar outra novela na sequência.
Hora de sair de cena para recuperar o fôlego até que a próxima inicie – porque
sempre haverá outra.
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