quarta-feira, 24 de outubro de 2012



24 de outubro de 2012 | N° 17232
MARTHA MEDEIROS

Para que serve uma crônica?

Como trabalho em casa, não costumo trocar ideias com meus colegas de jornal a respeito da nossa atividade, mas desconfio de que nossos pensamentos sejam parecidos. Talvez eles também se perguntem “por que logo eu tenho um espaço para escrever o que me dá na telha, enquanto tantas outras pessoas que escrevem bem e teriam algo a dizer se expressam apenas nas redes sociais e olhe lá?”. Por reconhecer que é um privilégio ter conquistado esta coluna, busco dar-lhe alguma utilidade pública de vez em quando. Mas adianta?

Respondendo à pergunta do título: para que serve uma crônica? Serve para estimular o gosto pela leitura, já que é um texto rápido e cotidiano, que atrai os que têm pouco ânimo para ensaios mais complexos. Serve para conhecer pontos de vista diferentes e assim sentir-se convocado a refletir sobre o assunto proposto. Serve para divertir, já que muitos cronistas aproveitam sua liberdade autoral para olhar o mundo com alguma graça.

Serve para estabelecer um contato mais estreito com os leitores, que acabam vendo o cronista não como um jornalista distante, mas como um amigo de bar, tal o coloquialismo do gênero. Serve para emocionar, dependendo do tema e do tom. Mas não serve para mudar o que está errado. Essa é a pretensiosa utilidade pública que eu, vez que outra, gostaria de alcançar.

Sobre o que escrever nesta quarta-feira? Cogitei questionar o número incrível de mortes no trânsito que são contabilizadas a cada final de semana, quase todas por imprudência dos motoristas, que seguem bebendo e correndo, a despeito de todas as crônicas, matérias na imprensa e campanhas de esclarecimento que buscam despertar consciências.

Cogitei escrever sobre a absurda violência urbana, que faz com que um homem roube carros na companhia dos filhos pequenos, que uma garota de 15 anos seja assassinada na saída de uma festa ou que delinquentes sejam presos e soltos no mesmo dia, como bem relatou ontem em ZH a médica que foi atacada perto da Redenção, mas crônica alguma consegue fazer com que as autoridades coloquem mais policiais nas ruas, essa medida tão vergonhosamente adiada.

Cogitei chamar a atenção sobre a negligência do nosso sistema de saúde, que possibilita que doentes recebam injeções de sopa, injeções de café com leite, um escândalo que deixa o país de calças arriadas, nossa incompetência é indecente e risível. Mas uma simples crônica muda alguma coisa?

De vez em quando, um leitor confidencia que minhas palavras o ajudaram a destravar um sentimento, outra me escreve dizendo que consegui estimular seu filho a ler um livro pela primeira vez, alguém me conta que finalmente agendou uma mamografia depois de ler o que escrevi, e me gratifico: crônicas não precisam servir para nada, mas às vezes servem, individualmente. Só resta seguir confiando em que fazer diferença para uns possa significar a diferença para muitos.

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