domingo, 31 de maio de 2009



Saiba mais sobre Porto Alegre, uma das cidades-sedes da Copa-2014

Publicidade - da Folha Online

Inaugurado em 6 de abril de 1969, o Beira-Rio começou a ser projetado em 1956, quando o vereador Ephraim Pinheiro Cabral apresentou à Câmara de Porto Alegre o projeto de doação de uma área às margens do rio Guaíba ao Internacional.

Atualmente, o estádio, que chegou a abrigar 106.554 pessoas em um amistoso da seleção gaúcha, tem capacidade para 56 mil espectadores --mas terá uma pequena ampliação para o Mundial brasileiro.

Beira-Rio
Situação: será reformado
Potenciais investidores: Internacional
Capacidade final: 60.000
Estacionamento: 4.860 vagas
Orçamento: R$ 120 milhões
Previsão das obras: Entre agosto/2009 e dezembro/2012

Porto Alegre-RS

População: 1.420.667
Área territorial: 497 km 2
PIB per capita: R$ 20.900
IDH-M (2000): 0,865

Times na Série A: 2 times (Grêmio e Internacional)
Times na Série B: nenhum
Times na Série C: nenhum

Capacidade hoteleira atual: 13.000 leitos
Previsão para 2014: 16.000 leitos

Bandeirada (taxi): R$ 3,36 *
Preço por km (taxi): R$ 1,68 *
Passagem de ônibus: R$ 2,30 *
Média de temperatura máxima para junho: 19º C

Preço das passagens aéreas de São Paulo (Cumbica): R$ 209,50 (TAM) e R$ 119 (GOL) *

* Cotação realizada em 18 de maio de 2009
Não esqueça de desligar o rádio que toca automatiamente ao abrir a página.


Publicidade - da Folha Online - da Folha de S.Paulo

Sem surpresas, Fifa anuncia sedes de 2014; Manaus e Cuiabá vencem duelos

Sem grandes surpresas, a Fifa anunciou neste domingo, em Nassau, nas Bahamas, as 12 cidades-sedes da Copa de 2014, que será disputada no Brasil. Como era esperado, entre as 17 candidatas, Belém, Campo Grande, Florianópolis, Goiânia e Rio Branco ficaram de fora.

Desta maneira, Porto Alegre e Curitiba (Região Sul); São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte (Sudeste); Natal, Recife, Fortaleza e Salvador (Nordeste); Cuiabá e Brasília (Centro-Oeste); e Manaus (Norte) são as 12 escolhidas para abrigar o segundo Mundial de futebol sediado no Brasil.

A coletiva de Joseph Blatter, presidente da Fifa, começou pontualmente às 15h30 (de Brasília), e o dirigente cumprimentou o Brasil antes de citar as cidades escolhidas. Blatter também lembrou que a Fifa indicaria apenas dez cidades, mas que, por intervenção de Ricardo Teixeira, resolveu escolher 12 sedes.

Manaus venceu um duelo particular com Belém --já que Rio Branco corria por fora-- para ser a sede amazônica da competição. A cidade já havia até organizado uma festa para celebrar a indicação, com financiamento da Coca-Cola, também patrocinadora da Fifa.

E Manaus recorreu à empresa e à Sony, ambas com sede na capital, para fazer lobby junto à Fifa para incluir a cidade no Mundial de 2014. E as duas atuaram.

Já Cuiabá, capital do Mato Grosso, também teve que superar um duelo para ter sua indicação confirmada, contra Campo Grande, capital sul-matogrossense, como a sede pantaneira do torneio.

A cidade também tinha uma festa pronta para o anúncio, com 12 pontos de concentração, cinco telões espalhados e ainda shows pirotécnicos nas 33 maiores cidades de Mato Grosso. A influência política de Blairo Maggi, governador do Estado, era tida como decisiva para a confirmação da cidade.

Natal, por sua vez, mostrava confiança e enfrentava Florianópolis pela vaga de uma cidade de porte menor, mas com forte apelo e estrutura turística. A capital potiguar planejou uma grande festa, até com a presença de DJs, na Ponta Negra, um de seus principais cartões-postais.

Assim como Rio Branco, Goiânia tinha poucas chances de ser confirmada, principalmente por conta da pouca distância em relação à sede Brasília --de aproximadamente 200 km.

As outras nove cidades escolhidas já figuravam na lista de certezas como sedes da Copa-2014.

Todos os 12 municípios que abrigarão a Copa já tem a promessa de receberem investimentos do governo federal para obras de infraestrutura, especialmente em meios de transporte.

DANUZÃO LEÃO

Sobre a coragem

Você já ouviu falar de algum homem que seja capaz de dizer a uma mulher que a relação acabou, que não quer mais

VOCÊ se acha uma pessoa corajosa? A resposta provavelmente vai ser "mais ou menos", até porque se pode ser corajoso para umas coisas e covarde para outras.

Os homens costumam ser mais que as mulheres; eles não têm medo de trovoada, são capazes de matar uma barata na maior tranquilidade e se aparecer uma cobra sabem exatamente que atitude tomar.

Mulher não faz nada disso, mas em compensação faz coisas de que raros homens são capazes. Você já ouviu falar de algum que seja capaz de dizer a uma mulher que a relação acabou, que não quer mais? Aquele "tudo acabado entre nós já não há mais nada" é coisa que só mulher faz; não com prazer, mas faz.

Os homens - todos -, se pudessem, apertariam um botão para a mulher sumir e assim não terem aquela conversa penosa; não aquela para discutir a relação, mas para botar um ponto final e definitivo. Não há um, um só, que cumpra esse ritual de maneira mais ou menos decente; se puderem, eles viajam, disfarçam, mentem e até fingem um infarto, para não precisarem falar.

Eles não suportam essas conversas, e se a mulher chorar, aí então a coisa pega. Já se foi o tempo em que as lágrimas de uma mulher comoviam os homens. Ainda sobre a coragem: você para no sinal em seu carro fechado, com ar-condicionado, ouvindo um belo som; um menino vem pedir um troco ou tenta te vender um drops, você diz não. Por acaso já reparou que diz não sem olhar nos olhos dele?

Algum dia se deu conta disso ou muda de assunto mentalmente com a maior rapidez e começa a pensar em outra coisa? Não é assim mesmo que acontece? Mas se tiver coragem, olhe nos olhos do próximo menino, dando ou não o dinheiro que ele está pedindo. Tenha a coragem de olhar - só isso - e talvez, a partir daí, sua vida mude.

Ah, a coragem; a coragem de reconhecer que, grande parte das coisas que te acontecem, você é que foi buscar. Está sozinho? Será que a culpa é dos outros, que não conseguiram enxergar todas suas fantásticas qualidades?

O trabalho vai mal? Mas será que você se esforçou o suficiente, vestiu a camisa da empresa em que trabalha, ou só foi levando, e não fica nem bem tocar nesse assunto? E a mediocridade de sua relação, digamos assim, é culpa só do outro? Será?

Tenha coragem e pense: você tem tido um comportamento correto em sua vida pessoal, com todos os que te cercam? Mudar de assunto não vale: é para pensar, e se for preciso, sofrer e se arrepender. Aliás, se arrepender só, não: ter a firme intenção de procurar ser um pouco melhor.

Os anos vão passando e cada um vai escrevendo sua biografia, pensando e agindo do jeito que quer. Pense que, cada ato que pratica, poderá ser, cedo ou tarde, conhecido por seus amigos, seus filhos, seus companheiros de trabalho. É preciso ser correto o tempo todo - pensar corretamente, agir corretamente; só assim se pode ter coragem, a verdadeira, que raros têm.

A coragem de chegar diante do espelho e se olhar nos olhos; se olhar e pensar em alguns momentos de sua vida, momentos em que foi menos leal do que deveria ter sido, menos sincera do que teria a obrigação de ser, mais interesseira do que o aceitável.

Pensar em tudo isso e até em outras coisas, aquelas que prefere nem lembrar.

Vamos, coragem: deve ter um espelho aí perto. Mas seria um pouco ridículo, se levantar de onde está para ir se olhar nos olhos; talvez seja melhor deixar para fazer isso em casa, antes de dormir, com mais calma. Claro.

danuza.leao@uol.com.br

Um ótimo domingo, especial para você, minha amiga

FERREIRA GULLAR

A gripe da Dilma

A ministra Dilma talvez não tenha condições de enfrentar fatigante campanha eleitoral

ESTE NÃO é um assunto novo mas, a cada dia, ganha novos contornos e exige novas avaliações. Por isso mesmo, em face dos acontecimentos que se sucedem, fica evidente que a candidatura da ministra Dilma Rousself à Presidência da República -que já está abertamente admitida pelo presidente Lula e pelo seu partido- tornou-se uma espécie de bomba-relógio que pode explodir a qualquer momento;

ou, mais precisamente, que tanto pode explodir amanhã como daqui a um mês ou daqui a um ano.
Não tenho nenhuma informação de cocheira a revelar. Tudo o que pretendo é tentar ver clara a situação criada, depois que se soube da doença da ministra.

Uma doença grave, que tanto pode ser detida pelo tratamento a que ela se submete, como não, já que se trata de um câncer que surgiu no sistema imunológico e, por isso, não pode ser extirpado: a esperança dos médicos -e de todos nós- é que a quimioterapia o extinga definitivamente.

Isso no plano das possibilidades terapêuticas. No plano político, essa incerteza se transforma em indisfarçável problema, uma vez que o que está em jogo é o poder central do país. Por isso mesmo, a incerteza quanto ao desdobramento desta situação, aumenta na medida em que novos fatos ocorrem. Por exemplo, as dores nas pernas da ministra que a obrigaram a correr para São Paulo, internar-se no hospital e submeter-se a urgentes exames.

Pode-se imaginar o pânico que tal situação provocou em todo o governo e seus aliados. Ninguém sabia a causa daquelas dores, nem os médicos que, no final, afirmaram ter sido efeito da quimioterapia. Será verdade ou não?

Se for verdade, isso indica que, de qualquer modo, a ministra Dilma talvez não tenha condições de enfrentar uma fatigante campanha eleitoral. Ou terá? Pode ser que tenha, mas, como é impossível afirmá-lo com indiscutível certeza, a insegurança se instala.

Em função disso, surgem as discussões e as divergências. Pelo sim, pelo não, um setor do PMDB decidiu dar curso a um projeto que possibilitaria uma segunda reeleição do presidente Lula. Sim, porque, se a candidatura da Dilma naufragar, só resta a Lula (ao PT e aliados) recandidatar-se. O projeto prevê um plebiscito, no estilo Chávez que, segundo o PSDB, não passaria no Senado.

Mas há uma questão que vem antes disso: a própria apresentação do projeto, que esvaziaria a candidatura da ministra. E por aí se vê o "dilema retrós", em que Lula e sua turma se encontram: os dias se passam, o limite para inscrever candidaturas termina em setembro próximo, dentro de apenas quatro meses, e ninguém pode apostar se a candidata terá condições de se manter candidata e muito menos de enfrentar durante meses uma estafante batalha eleitoral. Mas que fazer?

A alternativa seria a candidatura de Lula, que exigiria mudar a Constituição. Vamos admitir que, convencido da inviabilidade da candidatura Dilma, ele aceitasse esta alternativa. Mas, e se a proposta for rechaçada no Congresso? Ficariam ele e sua turma no mato sem cachorro.

Como já dissemos, ninguém tem certeza de nada mas a opinião de Lula, conforme se deduz de suas declarações, é manter a candidatura de Dilma, dê no que der. Pelo menos por enquanto.

Por isso, quando surgiu a notícia de sua urgente internação no hospital Sírio-Libanês devido às dores nas pernas, ele garantiu: "A Dilma está curada, ela não tem problema nenhum". E o PT, seguindo a voz do dono, reafirmou seu apoio à candidatura da ministra.

Ela, de fato, não tem problema algum; só um câncer linfático, que exige, para ser tratado, uma quimioterapia muito violenta, a tal ponto que não pode ser administrada senão através de um cateter, nas artérias coronarianas, mais resistentes. Daí os fortes efeitos colaterais após cada aplicação.

Mas Lula não tem muita escolha. Se a cada fato novo, que ameaça a candidatura de Dilma, ele se mantiver calado, estará admitindo a sua inviabilidade. E a coisa chega a tal ponto que, após ter ela declarado que iria reduzir sua participação nos eventos políticos, ele, lá dos quintos da Turquia, imediatamente reagiu:

"Quando a gente fica em casa, por doença, a gente fica mais doente. A gente tem que espantar qualquer doença. Nesse negócio, mulher é especialista.

Qualquer homem,quando tem uma gripezinha, já quer ficar deitado. Você nunca viu uma mulher deixar de trabalhar por causa de gripe ou deixar de cuidar do filho por causa de gripe".

Pois é, assim como ele a obrigou a ir para a TV revelar sua doença, quer agora obrigá-la a manter-se no palanque, já que está apenas gripada.

JOSÉ SIMÃO

Buemba! Vai ter CPI do Pancake!

Quando a gente pensa que os políticos vão começar a trabalhar, eles inventam uma CPI!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! E nasce um bebê de sete quilos no agreste de Pernambuco. Como é o nome da cidade? BEZERROS!

E sabe o que a Susan Boyle disse? Eu seeei que eu soooou BONITA E GOSTOSA! Rarará! E um amigo disse que se ficasse numa ilha deserta com a Susan Boyle, ele namorava com o coqueiro!

Efeito Maisa: menina inglesa de 3 anos desperta do coma cantando ABBA! Isso que é menina prodígio, e não a menina Maisa. Acordar do coma cantando "Mamma Mia!"
E a grande perda da semana: morreu o inventor do Viagra! Um minuto de ereção, por favor.

Rarará! Morreu o doutor Robert Guchoff, criador do Viagra. E conseguiram fechar o caixão?! E ele era Nobel de Medicina.

Merece. Porque eu acho que depois da geladeira foi a maior invenção dos século 20! Um amigo disse que sem Viagra eu não levanto nem falso testemunho. E o genérico do Viagra é o milho.

Você bota o milho no umbigo e o pinto sobe pra comer. Rarará! E uma amiga tem uma vida sexual tão chocha, mas tão chocha, que toda vez que rola alguma coisa, tem bolo e brigadeiro no final.

E o Silvio Santos que fez a menina Maisa se assustar e chorar? Aliás, sabe como faz pra assustar criança? Grita: "Silvio Santos vem aí". Buááá! E o Silvio Santos tem cara de bicho papão? Tem! E aquela menina Maisa é uma pentelha de cabelo macarrão parafuso.

E o Ministério Público quer que o Seu Silvio pague R$ 1 milhão pra menina. Ela ganha por susto! Então eu também quero R$ 1 milhão do Bradesco. Toda vez que eu tiro o saldo eu levo um susto. E choro. E quer ver a menina Maisa chorar de novo? "Menina Maisa, você vai ganhar R$ 1 milhão, mas deixa R$ 300 mil de impostos!" BUUUÁÁÁ!

O País da CPI! Chega de CPI! CPI quer dizer Comissão de Perguntas Imbecis! Cheiro de Pizza Iminente! Toda vez que a gente pensa que os politicos vão começar a trabalhar, eles inventam uma CPI. E essa CPI da Petrobras podia ter patrocínio da Petrobras.

Rarará! CPI da Petrobras! Apoio cultural: Petrobras! Eu queria saber quanto o senador Alvaro Dias gasta em pancake? CPI do Pancake!

E a Ideli Salvatti é filha do ET de Varginha com a Mãe do Sarampo. E o ACM Neto com cara de sagui desmamado. E depois disso você acha que eu tenho medo do ditador da Coreia do Norte? Eu tenho medo é da perereca da Hebe!

Rarará! É mole? É mole, mas sobe. Ou como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

simao@uol.com.br

PAULO SKAF

O direito essencial

A educação consubstancia o direito humano essencial para a inclusão de milhões de habitantes do planeta nos benefícios da economia

O PROCESSO de inclusão social não pode mais ser analisado à margem do desempenho macroeconômico de qualquer país. O crescimento sustentado implica, necessariamente, melhorar a distribuição de renda e democratizar os benefícios da economia.

De nada adianta expansão significativa do PIB se o avanço não se refletir, também, na renda per capita e na melhoria dos indicadores referentes às prerrogativas básicas da cidadania, em especial alimentação, moradia, saúde e educação. Contemplá-los é decisivo para viabilizar o verdadeiro conceito de desenvolvimento.

Parece não haver discordâncias quanto a esses preceitos. Entretanto, ainda há imensa distância entre a tese e a prática. São numerosos os países nos quais persistem dívidas sociais em patamares inconcebíveis à luz das definições mais contemporâneas de democracia e capitalismo.

Numa visão prática, não há dúvida -como demonstra a experiência bem-sucedida de algumas nações- de que a solução começa na área da educação.

Somente o ensino de qualidade universalizado será capaz de promover oportunidades menos díspares na sociedade, impedindo que classes distintas de renda, como no pior regime de castas, estabeleçam de modo pétreo o destino cultural, acadêmico e profissional das novas gerações.

A educação, portanto, consubstancia o direito humano essencial para a inclusão de milhões de habitantes nos benefícios da economia e o exercício pleno das prerrogativas do civismo. Por isso, é muito preocupante o resultado de recente pesquisa indicando que os estudantes brasileiros, na faixa etária de quatro a 17 anos, ficam, em média, 3,8 horas por dia na escola.

Ou seja, menos do que a jornada mínima de quatro horas prevista para os níveis fundamental e médio na Lei das Diretrizes e Bases da Educação. Ante tais números, constantes de estudo recentemente divulgado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), inúmeros especialistas se manifestaram francamente favoráveis ao segundo turno sob responsabilidade da escola.

Ou seja, o aluno o dia todo na escola. Sabemos, é verdade, que o ensino fundamental e o ensino médio não são responsabilidade da União, mas dos Estados e municípios. Porém, considerada a relevância do tema, já é tempo de uma mobilização nacional no sentido de solucionar o problema.

Já houve muitos avanços quanto à garantia de vagas, mas ainda há um vácuo de qualidade, que inclui a permanência diária e a longevidade dos alunos na escola, já que também é elevada a evasão dos jovens antes de concluírem o ciclo básico. O desafio implica a participação da sociedade. De nada adianta cobrar do Estado o cumprimento de modo pleno de uma responsabilidade constitucional se cada um não fizer a sua parte para o sucesso da educação como elemento transformador.

Nesse sentido, o setor industrial tem colaborado no limite de suas possibilidades, como ocorre no âmbito da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), por meio do Sesi-SP (Serviço Social da Indústria). Em suas escolas, já está sendo praticada a jornada integral, e as unidades, além de ensino de qualidade, têm assistência de nutricionista, psicólogo, fonoaudiólogo, médico e, ainda, atividades de esportes, lazer e cultura.

Há, também, a possibilidade de o aluno fazer curso profissionalizante integrado, por intermédio do Senai-SP (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). Como se observa, soluções são viáveis. Entretanto, será necessária, nos próximos anos, firme vontade política para que o ensino seja convertido, de fato, em prioridade dos países emergentes e em desenvolvimento.

Para isso, governos, sociedade e os setores produtivos devem associar-se, resgatando as oportunidades de ascensão dos 72 milhões de crianças sem escola em todo o mundo, dos 20% da população do planeta considerados analfabetos funcionais e do volumoso número de alunos que passam pelas salas de aula em tempo insuficiente e saem delas sem adquirir os conhecimentos necessários para uma vida produtiva.

O Brasil, a despeito dos avanços, ainda é parte dessas estatísticas. As soluções, portanto, são urgentes!

PAULO SKAF, 53, empresário, é presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo).

sábado, 30 de maio de 2009



31 de maio de 2009
N° 15986 - MARTHA MEDEIROS


Nem pensar

Em Divã, ainda em cartaz nos cinemas, há uma cena que não existe no livro em que o filme foi inspirado. É uma cena em que a personagem de Lilia Cabral, desbundada com o caso amoroso que está tendo com um homem mais novo, experimenta um baseado pela primeira e única vez.

O cinema vem abaixo: o público se mata de tanto rir. A cena é realmente engraçada e quase infantil. Naquele momento, a maioria dos espectadores deve lembrar de ter passado por algo parecido: um ato de transgressão que não levou a nada, foi só uma brincadeira, um “ver qual é”.

Hoje sabe-se que o “ver qual é” tem consequências trágicas quando a droga em questão é o crack. Segundo especialistas, basta consumir uma ou duas vezes para que você deixe de ser dono da sua vontade. Você perde para o vício no primeiro minuto de jogo, e sua vida termina bem antes do tempo regulamentar. Num estalar de dedos, você já era.

Isso que estou escrevendo vai ser repetido exaustivamente daqui pra frente: está começando uma guerra contra o crack aqui no sul. Uma guerra necessária, diferente das outras: uma guerra para evitar mortos. Cerca de 10 anos atrás, nosso Estado não tinha um único caso de vício em crack. Hoje, já são 50 mil. A projeção é de que nos próximos dois anos haja 300 mil viciados. Sem recuperação. O crack não dá uma segunda chance. Não se trata de uma viagenzinha alucinatória – ele arrebenta com a sua cabeça.

As palavras soam dramáticas, alarmistas, mas o que se quer é que esse número atual de 50 mil reféns do crack não aumente como está previsto, e a única maneira de evitar um tsunami social é apelar para a prevenção, e prevenção significa não chegar perto. Nem de brincadeira, nem uma vez só. Podemos nos autoafirmar através de maneiras mais saudáveis.

Uma crônica não salva a vida de ninguém, uma campanha publicitária não muda sozinha a sociedade, uma empresa de comunicação não pode impedir que um criminoso ofereça uma droga barata a você ou aos seus filhos e tranforme a todos em zumbis que vão querer mais, mais e mais. Só quem pode frear essa epidemia é o usuário em potencial – basta que não seja usuário nunca.

Vesti essa camiseta porque, mesmo que o mundo jamais venha a ser um lugar idílico, alguma esperança temos que ter.

Nosso Estado, tão orgulhoso do seu nível cultural, tão orgulhoso da sua natureza, tão orgulhoso do seu Inter e Grêmio, tão orgulhoso do Erico e Luis Fernando Verissimo, da Lya Luft, do Vitor Ramil, do Nei Lisboa, da Eva Sopher, do Mario Quintana, dos Fagundes, do Xico Stockinger, do Iberê Camargo, tão orgulhoso dos nossos talentos e cabeças pensantes, precisa se orgulhar também dos gaúchos anônimos que possuem o brio de dizer: crack, nem pensar.

Que o seu domingo ainda que com chuva tenha muita luz e seja super lindo minha amiga.


31 de maio de 2009 | N° 15986
PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES (interino)


Vicky, Cristina e Daiane

Ouvi na sexta-feira num café aqui perto da Redação. Um guri disse para o colega ao lado: hoje em dia, é preciso saber de tudo. Era um trainee, com jeito de trainee, corte de cabelo de trainee.

Trainees falam com as duas mãos enfiadas nos bolsos da calça e sabem tudo. Eu sei regra de três composta, que poucos sabem, mas isso vale pouco hoje em dia. Sei fazer quase tudo num computador. Uso o mouse com as duas mãos.

Mas não domino um celular que comprei há dois dias porque o meu ficou mudo, depois de um ano de uso, e o modelo saiu de catálogo. Celulares se renovam, no design, nas configurações, nos teclados e se transformam em máquinas enigmáticas para quem tem mais de 50 anos. O meu tem visor rosa-choque, e a moça assegurou que é unissex. Não basta ser uma esfinge, é uma esfinge rosa.

Na loja, a moça pediu que eu testasse o aparelho, que ligasse para alguém. Liguei para um amigo e avisei, meio empolgado: estou aqui comprando este celular e telefono neste momento para fazer um teste. Recebi os parabéns do amigo e recolhi todos os olhares da loja. Celular é uma máquina de propagar bobagens e pensamentos em voz alta. Recolhe-se o que se pode de quem conversa por perto, os fragmentos, as personagens, os apelos, as angústias, os silêncios.

Há seis anos, quando ainda sentia estranhamento com essas conferências públicas de intimidades, caminhava pela Rua Lobo da Costa e um rapaz andava logo adiante falando ao celular. O moço disse: Daiane, jura que tu vai ser sincera, jura. O rapaz andava devagar. Na ultrapassagem, ouvi a segunda frase, uma interrogação dolorida: Daiane, tu voltou pro André? E o moço insistiu: tu voltou pro André, Daiane?

Na esquina da João Pessoa, em marcha mais lenta, constrangido e atraído pelo drama público do rapaz, fui para um lado e ele para outro. Desci a João Pessoa, e o guri grandão subiu a rua levando junto as próximas frases e o mistério. Eu nunca mais saberia se Daiane voltara para André.

Uns dois anos depois, esperava uma vaga no estacionamento do Shopping Praia de Belas, e uma moça descia do carro. Falava ao celular. Dizia: para com isso, cara, eu não tenho nada, nada, nada com esse André. Temi que uma vaga se oferecesse ali por perto.

Queria ficar e queria sair, me sentia de novo constrangido e atraído por uma conversa da qual conhecia o início. Era Daiane, claro. Morena, pequena, inquieta. Eu ouvia ali, dois anos depois, a frase que o rapaz deve ter ouvido lá na Lobo da Costa. Ou tudo se repetia, e Daiane passara todo aquele tempo explicando que não tinha nada com André.

A moça se foi e desde então, quando ouço um jovem falando alto ao telefone, me flagro, ainda constrangido, tentando identificar o terceiro personagem. Mas o roteiro, que asseguro ser real, em nome de todos os que já se submeteram aos vexames acionados ao celular pelas inseguranças do amor, ainda é muito incompleto. Conheci o primeiro personagem, o rapaz que temia André, mas não sei seu nome. Estive ao lado de Daiane. Mas nunca encontrei André.

É quase certo que nunca vou encontrá-lo e sei que, contando essa história, posso provocar a vaidade de farsantes. Quantos Andrés sairão contando que chamaram, sim, Daiane de volta e a dispensaram depois, por piedade ou enfaro, para que retornasse chorando ao moço da Lobo da Costa. Eu torço pelo rapaz, por sua perseverança, pela capacidade de compartilhar em voz alta a dúvida que o atormentava e por ter concluído que ele é de fato o melhor para Daiane.

Só agora conto essa história porque comprei um celular novo e porque assisti tardiamente, na semana passada, a Vicky Cristina Barcelona. O filme nos põe diante do dilema de escolher quem fica com quem, mesmo que às vezes ninguém fique com ninguém. Claro que não vou contar o final, mas fiz minhas escolhas e nenhuma combinou com o desfecho.

Meu final era previsível, com tudo bem amarradinho, como na novela das oito. É difícil ser Woody Allen. Penso em Vicky e Cristina e penso com quem estará Daiane, enquanto continuo desconfortável com esse visor rosa. Às vezes, nem a cor da tela de um celular é como esperamos que seja. Mas a moça da loja me disse que a gente acaba se acostumando.


31 de maio de 2009
N° 15986 - MOACYR SCLIAR


Os problemas da poligamia

A África do Sul, onde estive há três anos, é, como o Brasil, uma sociedade complexa, multicultural. O presidente eleito, Jacob Zuma, que acabou de assumir, é um exemplo disso. Trata-se de uma personalidade controversa, e as controvérsias a seu respeito não raro envolvem sexo. Quando era vice-presidente, foi muito criticado por ter tido uma relação sexual com uma soropositiva sem usar preservativo, o que o levou a pedir desculpas em público.

Na ocasião, alegou, em sua defesa, que, depois do coito, tomara uma ducha, o que, segundo ele, eliminaria o risco de infecção. Esse tipo de declaração, num país em que 11% da população está infectada pelo HIV, não chega a ser exatamente animador, principalmente quando se considera que o próprio ex-presidente, Thabo Mbeki, pusera em dúvida a etiologia viral da Aids.

Há mais, porém. Jacob Zuma já foi casado quatro vezes e atualmente tem duas esposas (morando em cidades diferentes) mais uma noiva. O que suscita questões: quais dessas senhoras será a primeira-dama? Haverá um triunvirato (ou uma dupla, ao menos) de primeiras-damas? Como serão distribuídas as tarefas entre elas?

Poligamia faz parte da tradição de vários grupos humanos. No Velho Testamento, encontramos a venerável figura de Jacó, que teve duas mulheres e 13 filhos, alguns com as esposas, outros com servas. E o rei Salomão teve 700 esposas e 300 concubinas (essas últimas eram compradas).

Entre os muçulmanos, a prática também não era rara, e daí se originaram os haréns – a palavra vem do árabe “proibido”, porque era vedada a entrada no local a homens estranhos.

O mais famoso harém ficava na Turquia, e era conhecido pelos europeus como “Grande Serralho” (daí vem o título da ópera de Mozart, O Rapto no Serralho). O sultão Abdul Hamid II, que governou na passagem do século 19 para o século 20, tinha, como Salomão, cerca de mil mulheres no harém.

Entre os cristãos, houve uma época em que a Igreja dos Santos dos Últimos Dias, fundada por Joseph Smith, permitiu a poligamia, que, aliás era, no período, permitida pela lei americana. A prática ainda é mantida, de forma clandestina, por grupos dissidentes isolados, não filiados à igreja oficial. Mas provavelmente o campeão da poligamia foi o imperador azteca Montezuma II, que tinha 4 mil mulheres.

A poligamia era (é) antes de mais nada uma questão de poder, de mostrar quem é o macho alfa, aquele que comanda os outros e monopoliza as fêmeas, dentro da luta darwiniana pela existência.

Mas esse poder tem seu preço. Para começar, é duvidoso que o rei Salomão, Montezuma, ou o sultão Abdul Hamid II, identificassem suas mulheres pelo nome, a menos que elas usassem crachá.

Depois, havia a questão das brigas do harém. Além do que, a prática sexual teria de ser intensiva, tipo tempo integral e dedicação exclusiva, sob pena de inspirar dúvidas quanto à potência real, o que sempre é desagradável.

Pensando bem, a monogamia tem suas vantagens. Pelo menos para presidentes: é uma única primeira-dama, e estamos conversados.

Agradeço as mensagens de Marcia Pettenon, Nilo de Lima e Silva Filho, Lilian Pinto, Liete Carmo Alves, Egon Muller (que está escrevendo um livro sobre a saudosa Lygia Averbuck, uma das pessoas que mais impulsionou a literatura no RS), Heldes P.Mayer, Flavia Drago, Nelson O.de Souza, Gustavo Schlottfeldt, Dr.Fernando Luiz Brauner, Piero Costa, Anelise Silveira.

E um nome que condiciona destino, o do mafioso Leonardo Badalamenti, recentemente detido no Brasil. Prisão justa: se o cara só badalasse, tudo bem. Se o cara só mentisse, tudo bem. Mas o Leonardo badala e mente. Aí é demais.


31 de maio de 2009
N° 15986 - DAVID COIMBRA


Seio

Esse negócio de a Venezuela ser o país das misses é uma indústria de ilusões. Você chega a Caracas e espera encontrar uma morena de um metro e oitenta encostada em cada poste.

Morena, sim, que as morenas reagiram, definitivamente. Tempos atrás, o que se via nos concursos de misses e de rainhas glamours girls? Loiras. Loiras douradas, loiras lívidas, loiras voluptuosas ou loiras esquálidas, tanto faz, porém, sempre loiras.

Por algum motivo, as coisas mudaram, de uns tempos para cá. As morenas se organizaram, foram se insinuando, ganhando espaço e, hoje, uma miss tem que ser morena. Você olha para uma mulher magra, cheia de dentes, de cabelos lisos e negros e luminosos, e já sabe: é miss.

Logo, é isso que se espera, quando se chega à Venezuela: morenas do tamanho de zagueiros do Huracán à mancheia, empurrando carrinhos de supermercado, manejando vassouras nos corredores das lojas, contando dinheiro nos caixas dos bancos.

Não é bem assim. A Venezuela está repleta de mulheres... normais. Decepcionante. O que se pode dizer sobre as mulheres da Venezuela é que, olhando para elas, um homem compreende o que realmente, eu disse re-al-men-te, é importante para uma mulher. Qualquer mulher. É o seguinte:

O seio.

Ou: os seios, que eles costumam vir aos pares. As venezuelanas são adeptas ferozes do silicone. Já havia visto algo parecido na Colômbia, coincidentemente, outra pátria bolivariana. Em Cali, as meninas, quando completam 15 anos, não ganham viagens à Disney ou bailes de debutantes; ganham implantes de silicone. Duzentos litros aqui, duzentos e cinquenta ali. Na Venezuela, a ânsia por seios fartos parece ainda maior. Porque os seios inflados estão em toda parte, aí sim, sobre os carrinhos de supermercados, em frente às vassouras que espanam os corredores das lojas, nos caixas de bancos.

Por que isso? Será que o presidente Chávez tem razão, e os Estados Unidos de fato colonizaram culturalmente a América Latina? Não...

Não é isso. É que, com a emancipação feminina, as mulheres finalmente puderam dar vazão a essa sua angústia atávica, a essa vontade primeva de possuir grandes, duros e balofos seios, seios que aparentassem estar sempre intumescidos de leite nutritivo, dadivosos de vida, seios que anunciassem ao mundo que elas, as mulheres, estão preparadas para sua função primacial, a única coisa para a qual elas dão importância de verdade: a santa maternidade.

Porque até o século 20 as mulheres tinham de se conformar. Seios pequenos, seios flácidos, seios vesgos, constituídos os seios após a menarca, ainda na primeira adolescência, eles as acompanhavam até o fim de seus dias. Mas, passada a Segunda Guerra, com o advento libertador da pílula e da minissaia, as mulheres concluíram que podiam, elas também, domar a Natureza nem sempre sábia.

E é isso que se conclui observando as venezuelanas de seios túrgidos: que uma mulher sente sua identidade no peito.

Essa a palavra definitiva: identidade. Identidade! Todos temos que ter identidade, precisamos nos reconhecer de alguma maneira. O que faço eu?

Eu escrevo, é isso que sou: um homem que escreve. E aquela mulher ali adiante? Ela está satisfeita com seus seios pequenos e, no entanto, rígidos como a vontade de Simón Bolívar, ela caminha altaneira pelo mundo.

Ela tem identidade. A outra, ao seu lado? Ela agora é uma nova mulher com seus seios-balão. Alguém pode achar artificial, não interessa, ela se sente orgulhosa cada vez que respira fundo ou exala um suspiro. Ela não precisa mais erguer os braços quando vai tirar uma foto na praia.

E um jogador de futebol? Ele tem de ser zagueiro, ou meio-campo, ou atacante, ou lateral, nunca um ala. Um ala não tem identidade. Não é ponta, não é lateral; o ala não existe, o ala é uma ficção. Aprendi isso aqui em Caracas, filosofando sobre o local onde as mulheres sentem re-al-men-te estar sua identidade.

Cristiane Segatto, Ivan Martins, Andres Vera, Marcela Buscato e Mariana Sanches

"Dói internar um filho. Às vezes não há outro jeito"

O poeta Ferreira Gullar, pai de dois esquizofrênicos, levanta uma das maiores controvérsias da psiquiatria: o que fazer com doentes mentais em estado grave?

Quando o escritor Ferreira Gullar publicou em 1999 o poema “Internação” (leia ao lado), já era um veterano na convivência com doentes mentais. Quem fez a observação sobre o vento foi Paulo, seu filho mais velho, que hoje tem 50 anos.

Ele sofre de esquizofrenia, doença caracterizada, entre outras coisas, por dificuldade em distinguir o real do imaginado. Desde os anos 70, Gullar tenta administrar a moléstia. Fazia o mesmo com Marcos, o filho dois anos mais jovem, que também tinha esquizofrenia e morreu de cirrose hepática em 1992.

Remédios modernos permitem que pessoas como Paulo passem longos períodos em estado praticamente normal. Sem alucinações, sem agitação, sem agressividade. Mas o tratamento só funciona se o doente tomar os medicamentos antipsicóticos todos os dias e na dose certa. Isso nem sempre acontece. O resultado são os surtos, quando o paciente se torna quase incontrolável.

Pode cometer suicídio ou agredir quem está por perto. Nesses momentos, esses doentes costumam precisar de internação. “Dói ter de internar um filho”, diz Gullar, hoje com 78 anos. “Às vezes, não há outro jeito.”

No Brasil, estima-se que haja 17 milhões de pessoas com algum transtorno mental grave – como esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo. Em algum momento, eles podem precisar de um hospital psiquiátrico. Encontrar uma vaga, porém, tornou-se uma tarefa difícil.

Nos últimos 20 anos, quase 70% dos leitos psiquiátricos do país foram fechados. Sem conseguir quem os ajude a cuidar dos doentes, pais e irmãos afirmam ter várias dimensões de sua vida pessoal comprometidas, dos compromissos de trabalho às amizades.

É o que revela uma pesquisa feita em 2006 em Minas Gerais com 150 famílias com pessoas atendidas nos Centros de Referência em Saúde Mental. Em muitos casos, os doentes em surto fogem sem deixar rastro.

Podem acabar embaixo dos viadutos. O aumento da população de rua nas grandes cidades não é fruto exclusivo da desigualdade social. Uma pesquisa feita em 1999 com moradores de rua em Juiz de Fora conclui que 10% deles eram psicóticos sem assistência.

“As famílias, principalmente as que não têm recursos, não têm mais onde pôr seus filhos”, diz Gullar. “Eles viram mendigos loucos, mendigos delirantes que podem agredir alguém.

O Ministério da Saúde tem de olhar para isso.” Gullar decidiu expor publicamente um problema que não é só seu. Nas últimas semanas, escreveu três artigos sobre o assunto em sua coluna no jornal Folha de S.Paulo. “Não pretendo liderar movimento algum. Sou um cidadão que tem uma tribuna e pode falar sobre o que está errado.”

Ele afirmou, no primeiro texto, que a campanha contra a internação de doentes mentais é uma forma de demagogia. Foi o suficiente para fazer eclodir uma controvérsia latente. Nos dias seguintes, dezenas de leitores enviaram cartas ao jornal. Representavam dois grupos. O primeiro, em apoio a Gullar, aponta as razões fisiológicas da doença mental e considera que a internação é um instrumento necessário nos momentos de surto.

O segundo, contra ele, afirma que os doentes devem ser atendidos em Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Nesses locais, o paciente recebe medicação e acompanhamento semanal. A ideia é atendê-lo sem retirá-lo do convívio da família e da comunidade. Para esse grupo, mesmo nos momentos de crise, o doente deve ser atendido nos Caps.

Ele passaria alguns dias internado na própria instituição (ou em hospitais comuns, com alas psiquiátricas) e depois voltaria para casa. “O hospital é um lugar de isolamento, funciona como uma prisão. As pessoas vão e não voltam”, diz Humberto Verona, presidente do Conselho Federal de Psicologia. “Algumas famílias querem que a pessoa fique internada. É a ideia da instituição como depósito.”

Gullar se ofende com comentários como esse, que ouve desde o final dos anos 80, quando a reforma psiquiátrica que levou à situação atual começou a ser discutida no Brasil. “Essas pessoas não sabem o que é conviver com esquizofrênicos, que muitas vezes ameaçam se matar ou matar alguém. Elas têm a audácia de fingir que amam mais a meus filhos do que eu.”

Lya Luft

É o fim do mundo

"Se a menininha da televisão puder voltar a ser criança, os bugios forem deixados em paz, os gordinhos não se sentirem os últimos da face da Terra, quem sabe o fim do mundo ainda demore um pouco para chegar"

Fui uma das primeiras meninas a usar calças jeans na minha pequena cidade. Uma de minhas avós, luterana fervorosa, embora fosse uma mulher culta, exclamou: "Isso é o fim do mundo!". Nem o mundo acabou nem deixaram de acontecer coisas bem mais esquisitas, a me recordar aquele episódio, que na hora achei muito engraçado.

Ilustração Atômica Studio

Lembro-me dessa expressão com certa frequência. Por exemplo, quando uma criança de 6 anos serviu de atração num programa de TV, eventualmente chorando de medo, nervosismo ou cansaço. Ninguém interveio logo. Se levassem a um programa desses, semana após semana, um filhote de cachorro para fazer gracinhas, as sociedades protetoras dos animais já estariam reclamando. (Quem cuida dos humanos?) Finalmente, uma promotora impediu a criança de exercer esse "trabalho". Parabéns – e que não haja recurso.

Lembro-me de minha avó espantada quando assisto ao sofrimento de mulheres magras, muito magras, constantemente lutando para perder mais uns gramas, olhos ávidos da eterna dieta, sorriso forçado de automutiladoras. Para alegria de quem sempre foi fora do esquadro, leio (eu já sabia) que alguns já arriscam dizer que se pode ser saudável e feliz com algum sobrepeso.

Não precisamos nos odiar, mas ser naturais, ser quem nos fez a mãe natureza. Porém, a nova onda é a gente se torturar, por falta ou excesso: a bunda pequena, o nariz grande, a barriga balofa, os peitos caídos, os bíceps insuficientes (o ralo QI não preocupa tanto). Aí nos matamos de fome, ou ostentamos um novo nariz estranho à estrutura do rosto em que foi metido, damos uma lipinho de presente de 14 anos a nossa filha.

Nós mal conseguimos falar, com uma boca ginecológica, nada sensual. Um terço do nosso dia transcorremos suando e sofrendo muito além do recomendado em academias: não para ser saudáveis, mas para estar em forma, enquanto a alma passa uma fome danada e o tempo passa, a vida encolhe, nós nos desperdiçamos perseguindo modelos impossíveis e burros.

Minha avó acharia que o mundo está por acabar diante da confusão entre pessoa pública e propriedade do público: agora o normal é querer que o outro baixe até as calças da alma e mostre as feridas. Algumas chamadas celebridades parecem forçadas a anunciar o que fazem na cama, e com quem. Elas nem são "vistas" na rua, são "flagradas": o seu mero existir já é suspeito.

O mundo vai acabar, diria minha severa avó luterana, vendo que a política se troca por politicagem, o jogo de interesses infinitamente acima do bem do povo, a calúnia como ferramenta geral. Gente atirada como bicho (bicho, não, aí viria a defesa dos animais!) em pseudo-hospitais é fato menos comentado do que mosquitos, que podem trazer febre amarela (por isso pessoas assustadas e ignorantes matam saudáveis bugios no interior).

Meu amigo atropelou um simpático tatu e quase pegou cadeia; se matasse uma pessoa, sendo réu primário aguardaria em liberdade. Viva o tatu. Abaixo as pessoas. Também se comenta que moradores de rua e pseudocolonos vão ganhar Bolsa Família. Quem ainda vai querer pegar na enxada ou lavar o chão de uma casinha?

O mais novo anúncio do fim do mundo pode ser a recomendação de fazermos xixi no banho. É questão ambiental? Enquanto for só xixi que nos recomendam, estamos salvos.

Sou a favor de um ambientalismo sensato, que harmonize o convívio entre natureza e humanos, não dê mais atenção a baleias do que a crianças e aceite o progresso, fomente a educação e a higiene. A gente passa anos ensinando aos filhos: não façam xixi no banho nem na piscina. Xixi no chuveiro (e na banheira também?), sinto muito: aqui em casa, não.

Nesse cenário de absurdos, às vezes falta o botão para trocar de canal. Mas, se a menininha da televisão puder voltar a ser criança, os bugios da minha mata forem deixados em paz, os gordinhos não se sentirem os últimos da face da Terra, a gente não for multada por fazer xixi no vaso, quem sabe o fim do mundo ainda demore um pouco para chegar.

Lya Luft é escritora

Juliana Arini

40% do Pantanal já foi embora

Um estudo inédito mostra como a cana, o gado e a mineração estão acabando com o frágil equilíbrio que sustenta a região. Dá para salvar este paraíso?



CORES NATURAIS

Lagoas da planície do Pantanal unem beleza e diversidade biológica. Mas as jazidas minerais no subsolo criaram uma corrida à regiãoDesde a virada do século se discute qual seria a dimensão do estrago ambiental na região do Pantanal. Que há problemas, ninguém duvida.

Mas alguns produtores rurais diziam que o problema era pontual, próximo das regiões densamente povoadas. Alguns ambientalistas, ao contrário, alardeavam que 70% da região já estava comprometida. Um estudo ainda inédito, revelado com exclusividade a ÉPOCA, mostra o verdadeiro tamanho do problema: já perdemos 40% da cobertura vegetal da região.

É um índice preocupante. O que sustenta a beleza e a diversidade biológica extraordinárias do Pantanal é um equilíbrio frágil entre períodos de cheia e de seca. Esse equilíbrio está ameaçado pela expansão da pecuária e pela produção de carvão vegetal para siderúrgicas.

O mapeamento foi feito por cinco entidades ambientalistas – WWF-Brasil, SOS Mata Atlântica, Conservação Internacional, Avina e Ecoa. A conclusão: embora a planície esteja bem preservada, com 85% de sua vegetação intacta, a região das terras altas já tem 58% das matas comprometidas.

Nesses planaltos estão as cabeceiras dos rios responsáveis pelos ciclos de cheias que tornam o Pantanal a maior área alagada do mundo. Essas inundações são fundamentais para manter a biodiversidade da região – suas 263 espécies de peixes, 122 de mamíferos, 93 de répteis e 656 de aves, além de 1.132 espécies de borboletas catalogadas.

A ampliação de pastagens é uma das principais causas do desmatamento no Pantanal. Nos últimos seis anos foram abertos 12.000 quilômetros quadrados de novos pastos na região, o equivalente a dez municípios do Rio de Janeiro.

O processo deve se acelerar. “Só em Mato Grosso do Sul existem 22 milhões de cabeças de gado, que crescem a cada ano e são a base da economia local”, diz o engenheiro ambiental Michael Becker, do WWF-Brasil, um dos coordenadores do mapeamento.

Além de aumentar, o rebanho está migrando para uma área menos adequada. Antes, a pecuária se concentrava nos campos naturais da região de planície, a área alagável do Pantanal. Agora, os rebanhos estão seguindo para as partes altas, onde a vegetação natural precisa ser derrubada para a formação de pastagens. O que empurra o gado é o crescimento do cultivo de cana-de-açúcar nas planícies pantaneiras nos períodos de seca.

Esse estudo da vegetação se junta a outro, do Coppe (centro de pesquisa de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro), que fez um diagnóstico de uma área crítica do Pantanal, um conjunto de morros perto de Corumbá, em Mato Grosso do Sul.

A região, conhecida como a Morraria de Urucum, tem montanhas de até 1.000 metros de altitude e guarda a terceira maior jazida de minério de ferro e manganês do país. A riqueza mineral atraiu dezenas de mineradoras e siderúrgicas nos últimos dez anos.

Se causam alarme por revelar uma devastação bem maior do que se esperava, esses dois estudos também trazem esperança. Agora que se sabe onde está a devastação, e como ela se espalha, é possível criar mecanismos e políticas públicas para combatê- -la.

Segundo o levantamento do Coppe, um dos primeiros impactos da mineração é a redução na quantidade de água. Dois rios da região de Maria Coelho, em Corumbá, já teriam praticamente secado.

“Não podemos afirmar que esse esgotamento foi todo gerado pelas empresas, pois a população também faz uso indevido da água e canalizações irregulares nos córregos”, diz Ricardo Melo, promotor do meio ambiente de Corumbá. “Mas estimamos que 70% do problema é causado pela mineração.

E agora sabemos o que as empresas podem fazer para reduzir seu impacto.” Melo afirma que as empresas vão ter de criar um ponto de captação de água diretamente no Rio Paraguai, que tem uma vazão maior, e prestar conta sobre o volume de água que consomem.

“Temos de aproveitar que, com a crise econômica, as empresas estão com suas atividades parcialmente suspensas para colocar em prática esses mecanismos de regulação”, afirma. “Assim, quando a demanda do ferro voltar a crescer, poderemos evitar o pior.”

A queima de vegetação nativa para a fabricação de carvão foi a segunda ameaça revelada pelo estudo. Esse carvão teria como destino a produção de ferro-gusa, principal matéria do aço.

Uma das surpresas foi constatar que 70% desse carvão seria vendido às empresas de Minas Gerais, e não para as siderúrgicas de Mato Grosso do Sul, como se acreditava.

“Precisamos descobrir como evitar que o Pantanal seja destruído para um fim tão pouco promissor como a produção de carvão.

Estamos literalmente queimando biodiversidade, sendo que já existem opções de combustíveis mais sustentáveis para fabricar ferro-gusa”, diz Alcides Faria, diretor da ONG Ecoa (Ecologia e Ação), de Campo Grande.


30 de maio de 2009
N° 15985 - NILSON SOUZA


Labirinto de ilusões

Vou abordar hoje um tema pesado para os padrões deste caderno de amenidades, mas, como diz a mensagem televisiva, não tire as crianças da sala, por favor. Desde a última quinta-feira, estamos todos engajados numa árdua missão: trabalhar incansavelmente para interromper uma terrível epidemia que assola o nosso Estado e uma parte expressiva do país.

Refiro-me ao surto nacional de consumo de crack, uma droga letal que transforma seres humanos em zumbis descerebrados e a realidade de muitas famílias num verdadeiro filme de terror.

Mesmo para nós, que lidamos diariamente com as anomalias da vida no nosso ofício de informar, é estarrecedor constatar a frequência de tragédias familiares que eram raras até pouco tempo atrás. Não passa semana sem que um adolescente apareça acorrentado dentro de sua própria casa, na tentativa desesperada dos pais de mantê-lo afastado do vício.

Outro dia, uma mãe confessou ter matado o filho numa reação às agressões sucessivas que vinha sofrendo por parte do jovem. Se isso ocorre nos lares, na rua é muito pior: traficantes mutilam e executam dependentes endividados, lutam entre si pelos pontos de venda das drogas, matam e morrem por qualquer trocado.

Ninguém escapa dessa insanidade dos tempos modernos. Enfeitiçados pela pedra, crianças, jovens e adultos perambulam como mortos-vivos pelos desvãos escuros das cidades, habitam sarjetas, dormem sob pontes e marquises, reúnem-se em confrarias de desesperançados. São escravos da fumaça tóxica que lhes degrada o corpo e o cérebro.

A droga também está na origem dos achaques nas esquinas, dos assaltos e dos roubos, da violência indiscriminada que atinge a todos indiscriminadamente. Somos todos personagens deste filme de terror, tristemente real, que parece não ter fim.

Mas haverá de ter.

Neste momento, estamos todos sendo convocados para uma luta de libertação, destinada a interromper este ciclo vicioso de desgraças. O inimigo é forte, poderoso, cruel. Mas a causa é justa.

E cada um de nós pode contribuir com a arma de que dispuser neste combate. Pode ser uma ideia, pode ser uma iniciativa, pode ser uma ação, pode ser apenas um grito de alerta.

Chegou a hora de dizer não ao engodo do prazer artificial, chegou a hora de exorcizar esta maldição de nossas vidas e do futuro das pessoas que amamos. Temos que encontrar a saída deste terrível labirinto de ilusões que já aprisionou tantas almas.

Uma ótimo sábado e um lindo fim de semana, especialmente para vc minha amiga.


30 de maio de 2009
N° 15985 - MOACYR SCLIAR


A tentação da carne (e a alternativa para isso)

É só andar por Porto Alegre num domingo e sentir o cheiro que vem das churrasqueiras para constatar: o Rio Grande do Sul é um Estado carnívoro. O que não é de hoje.

A abundância de gado semisselvagem – o gado criado nas Missões e que depois, livre nos campos, multiplicou-se espetacularmente – representava uma fonte barata e acessível de alimento, sobretudo de proteína, a matéria-prima da qual é feita o nosso corpo.

A isto é preciso acrescentar o apelo da carne, vista como um alimento que fortifica, que dá coragem, que prepara para a luta e para a vitória: não por acaso o rei dos animais é o leão, carnívoro por excelência.

Mas, diferente do leão, o ser humano é omnívoro, come de tudo. Mais: transforma o ato de comer em algo psicológico, cultural. E por causa disso a cultura da carne está sendo posta em cheque. Ser vegetariano já não é o resultado de religião ou de uma idiossincrasia pessoal.

É uma escolha racional, adotada por um número cada vez maior de pessoas. Não se trata só da Índia, tradicionalmente vegetariana; 10% dos ingleses já aderiram à dieta, que, ao longo do tempo, teve adeptos famosos: Abraham Lincoln, Brad Pitt, Brigitte Bardot, Mahatma Gandhi, Franz Kafka, Isaac Bashevis Singer, Paul McCartney, Pierce Brosnan, Platão.

O que tem fundamento. Uma dieta vegetariana pode fornecer todos os componentes nutritivos essenciais sem os riscos da carne, cujo consumo está associado a doença cardíaca, câncer e uma menor expectativa de vida, além de ser relativamente cara.

A criação de gado traz riscos para o meio ambiente (o metano eliminado pelos herbívoros contribui muito para o efeito estufa), está associada com doenças, como a hidatidose e os surtos de gripe que periodicamente assolam o mundo.

Parece, portanto, conveniente que a gente comece a cogitar de uma mudança em nossa dieta. E aí temos um choque de mentalidades. Um vegetariano convicto, que faz de sua opção uma causa, é uma pessoa que, olhando para um bife sangrento, vê ali o animal que foi morto e esquartejado. O fã de churrasco, ao contrário, vê um prato saboroso. Como conciliar estas duas atitudes?

A expressão-chave pode ser “vegetarianismo limitado”. Numa experiência na Faculdade de Medicina da Universidade de Michigan (EUA), alunos mostraram-se dispostos a aceitar a ideia de “um dia vegetariano” – no caso quarta-feira, o que talvez seja a origem da “quarta-feira verde” adotada por supermercados.

Mesmo porque há diferentes tipos de vegetarianos: aqueles mais estritos, que não comem nada de origem animal, aqueles que consumirão ovos e/ou laticínios, aqueles que incluem na dieta peixe (muito saudável) ou aves.

In meso virtus, diz o antigo provérbio latino; no meio, não nos extremos, está a virtude. Mesmo um gaúcho extremado concordaria com isso.


30 de maio de 2009
N° 15985 - PAULO SANT’ANA | LUIZ ZINI PIRES (interino)


A melhor notícia do novo milênio

Em 24 horas, os gaúchos espicharão o ouvido, quase entupido de informações ruins, em busca da confirmação da melhor notícia do novo milênio. A Fifa, mãe do futebol, acomodada nas Bahamas, estará classificando Porto Alegre como uma das 12 cidades-sede da Copa do Mundo de 2014.

Ótimo, comemore, erga uma taça do bom espumante da Serra. Nossa capital nunca mais será a mesma. Pode avançar meio século em quatro anos ou pode encontrar 2014 no seu pique normal, sem progredir 12 centímetros. Estacionar.

O pesadelo da Copa, superior a um gol contra na final, envolve os políticos, que serão responsáveis por investir milhões e escolher obras definitivas de 12 capitais. É medo comum. Eles, na sua maioria, estarão no mesmo estágio ético dos nossos dias? Como será a face do político em 60 meses?

Nós, povo, evoluiremos? O país será outro? Mais civilizado? Pergunte. Eu me pergunto. Afinal, do vereador ao senador, cada político eleito reflete um naco de nós mesmos, da nossa vontade, embora não sejamos obrigados a nos reconhecer em todos, nem nos que escolhemos na íngreme beira da urna. A Copa será muito deles, dos condutores do dinheiro público. Do privado, fico tranquilo.

A Copa não faz milagres. Mas a Copa ajuda a promover pequenas e definitivas mudanças em algumas cidades dispostas a mudar, lideradas por políticos competentes, gestores qualificados, empresários com visão de futuro. A Alemanha da Copa de 2006 é perto, faz parte do nosso sangue gaúcho (do meu pelo menos), e está carregada de bons e maus exemplos.

Podemos beber do melhor. Não vamos deixar que a África do Sul seja nossa referência em organização, segurança e gestão. Neste caso, prefiro retrovisor de Primeiro Mundo. A África que nos forneça exemplo em alegria e amor ao futebol, de que precisamos menos.

Uma Copa se faz com dinheiro público (que medo!) e privado. O primeiro se destina a infraestrutura, ruas, metrô, rodoviárias, aeroportos. O segundo constrói e reforma estádios, ergue novos hotéis, planta bares e restaurantes, trata dos shoppings.

O Estado patrocina a nova via que vai facilitar a chegada e saída dos fãs do estádio, por exemplo. O dono do complexo esportivo cuida da própria casa com o seu próprio dinheiro. Não é comum em Mundiais dinheiro de fontes públicas e privadas se unirem e erguerem o mesmo projeto. Um não deve tocar no outro, mas podem se complementar. Onde brota um novo hotel, a luz aparece, a segurança nasce.

Os dois grandes presentes que a Fifa deixa aos países que abrigam uma Copa são uma sequência de novos e reformados estádios, acomodação para mais três décadas, no mínimo, e melhorias na infraestrutura das cidades, facilitando a vida de milhões. Há outros menores e que ficaram diluídos no tempo, uma vez que o país entra na moda e atrai turistas com todos os tipos de bolsos e sotaques.

O Mundial convoca o planeta para ocupar um país durante 30 dias. É um evento espetacularmente familiar, de gente que atravessa dois continentes para estar com a sua seleção, mas também para consumir a cultura local, depositar alguns milhares de dólares em diferentes cidades. São 30 dias de festas, de celebração, de pura alegria.

A Copa do Mundo, poucos sabem, é também uma tarefa para voluntários estrangeiros e locais. É minha, é sua, é do seu filho que domina o espanhol, da sua filha que fala inglês. É de quem deseja ser motorista, guia, gandula ou tradutor no aeroporto.

Gaúchos que precisarão trabalhar de graça, por um almoço, dois lanches diários, apenas para dizer que fizeram parte da Copa Porto Alegre. A Copa é perfeita para saber em que país vivemos, quem é quem e com quem podemos contar. É evento planetário. O mundo vai ver, ouvir, falar, comentar, julgar.

Homem de muitas Copas, Pablo, dono do espaço e de muitas taças, está doente, mas volta na semana que vem.


30 de maio de 2009
N° 15985 - CLÁUDIA LAITANO


Perigo real e imediato

“As relações sociais são inteiramente interligadas às forças produtivas. Adquirindo novas forças produtivas, os homens modificam o seu modo de produção, a maneira de ganhar a vida, modificam todas as relações sociais.”

Com essa frase, escrita há mais de 150 anos, Marx sintetiza a tese central do materialismo histórico: o destino das pessoas é determinado, em grande parte, por fatos econômicos. Movida por outros ideais e em ritmo de musical da Broadway, uma canção celebrizada por Liza Minnelli daria mais ou menos o mesmo recado: “Money makes the world go round”.

E se o dinheiro faz girar o mundo, seguir sua trilha ajuda a entender algumas coisas. (Um professor meu de jornalismo, um velhinho espanhol com mais anos de imprensa do que eu tenho de vida, costumava ensinar aos jovens repórteres que, cobrindo qualquer assunto, a primeira pergunta a se fazer é sempre a mesma: quem (e como) está lucrando com isso.)

Por trás da explosão do crack no Brasil nos últimos 10 anos, a princípio na periferia e mais recentemente também na classe média urbana e em cidades do Interior, existe um fato econômico. Maconha e cocaína dão dinheiro, mas não tão rapidamente quanto o crack.

Como a pedra tem um poder de vício muito maior do que a maconha ou a cocaína, quem compra e consome não volta para casa para repetir a dose na semana seguinte: quem experimenta sempre vai dar um jeito de continuar comprando, até o corpo (e o bolso) chegarem ao limite – e ainda depois.

Em média, um papelote de cocaína custa cerca de R$ 20, enquanto uma pedra de crack sai por R$ 5. Um usuário de cocaína pode consumir em uma noite dois ou três papelotes, mas muitos dependentes do crack relatam fazer uso médio de 15 a 20 pedras por dia.

É só fazer as contas. A estrutura para comércio, transporte e armazenamento também é mais simples, e a base consumidora não se restringe a uma única classe social – do desembargador ao menino de rua, todo mundo é cliente em potencial. É tão fácil vender crack quanto DVD de filme pirata.

Do lado de quem consome, a engrenagem econômica também precisa funcionar. Depois de gastar o que tem e o que consegue tirar da família, a alternativa dos usuários são a criminalidade e a prostituição.

É aqui que quem nunca experimentou crack também se torna uma vítima em potencial da droga: toda vez que alguém é assaltado ou morto pelos R$ 5 que vão virar fumaça na próxima esquina, o crack faz mais uma vítima que não entra para as estatísticas oficiais da droga – que já são suficientemente assustadoras, dando ao problema ares de epidemia.

Esse mercado só não é perfeito do ponto de vista do traficante porque o consumidor de crack se torna uma vítima tão vulnerável à violência e a decrepitude física que ninguém sobrevive muito tempo ao vício.

É preciso, portanto, fazer novos clientes, espalhar o desejo de experimentar, “alargar a base de demanda” – como em qualquer negócio que quer se manter lucrativo.

Se deixarmos esse empreendimento livre para se expandir, ele vai continuar crescendo – como qualquer mercado onde há oferta e demanda. É por isso que a campanha “Crack, Nem Pensar”, lançada esta semana em todos os veículos da RBS, é tão oportuna.

Está mais do que na hora de encarar o tamanho do problema. A epidemia do crack é uma ameaça real e imediata – e pode nos apanhar, distraídos, na esquina da nossa casa. Crack, é hora de pensar.

sexta-feira, 29 de maio de 2009



Dicionário de Humor Infantil" - Pedro Bloch

ABOLIÇÃO - É um coisa assinada pela Escrava Isaura / Todo mundo sabe o que é, mas eu espero é o dia da abolição das crianças

ABUSO - Mamãe acha qe eu vou ficar queimado e que eu abuso do sol. O sol é que abusa de mim.

ABSTRATO - Sim, eu sei o que é abstrato. Esta sopa, por exemplo, leva abstrado de tomate.

ACAMPAMENTO - Quem gosta de acampamento é musquito e machucado.

ADIVINHAÇÃO - Uma coisa que tem cabeça e não fala parece alfinete, né? Não é, não. É leão / É uma pessoa com desconfiômetro.

ADULTO - É uma pessoa que sabe tudo, mas quando não sabe diz logo: "veja na enciclopédia". / É uma pessoa que tem desconfiômetro. / É uma pessoa que não entende de chuva, criança ou bala

AEROMOÇA - Será que eu posso dizer para mamãe, que quer ser aeromoça, que ela só pode ser aerovelha!

ÁFRICA - Não sei todos os países da África. Nasce um todos os dias.

AGIOTA - Ele é rico porque vende dinheiro. Você, por exemplo, quer comprar dez reais. Chega lá, leva dez e paga quinze.

ALEGRIA - É um palhacinho no coração da gente.

ALEGRIA E TRISTEZA - Alegria de criança é uma coisa muito grande. Quando a alegria é demais, ela vira bagunça. Já tristeza não é bem assim a gente não estar alegre. É uma alegria zangada. / A coisa mais alegre do mundo é OVO DE PÁSCOA . A mais triste ainda não sei, poruqe sou muito pequeno e tenho muito para ver.

ALUNO - Melhor aluno? Contando de trás para diante sou eu mesmo. / Se eu sou um bom aluno? Sou o melhor dos piores e o pior dos melhores.

AMAR – É pensar no outro nem mesmo quando a gente está pensando.

AMAR – É não pedir nada em troca. Quem pede troco não ama.

AMAR – É olhar para o outro como mais nada existisse no mundo.

AMOR – Só não enche barriga? Enche, sim. Ela está grávida de novo.

AMOR - Mamãe, lá na escola tem uma menina tão bonita, mas tão bonita que, quando eu vejo meu coração fica todo azul.

AMOR – (carta) “Você tem os olhos cor do céu. Só que você é muito mais céu que o céu.

ARCO-ÍRIS - é uma ponte de vento.

ARTE MODERNA - é uma coisa que criança não tinha coragem de pintar

AVESTRUZ - é a girafa dos passarinhos

BEIJA-FLOR - É o passarinho que inventou o movimento parado.

BONITA - Se eu sou bonita ou inteligente? Se eu sou bonita você vê na cara e se sou inteligente, nem respondo uma pergunta dessas.

BELEZA – Tem menina que só é bonita por dentro, mas eu não posso ver porque não tenho periscópio.

BIBLIOTECA – É uma coleção de livros. A minha já tem um.

BICHO – O bicho mais bonito do mundo é aquele que pensa que é. É o que agente gosta mais.

BOBO – É quem pensa que sabe tudo. Meio bobo é que pensa que sabe quase tudo. Sábio pensa que não sabe nada. Sabe, sim, mas não quer dizer. E eu, nem penso.

BOLETIM – Meu boletim só pode ser erro de computador. Vocês acham que eu tenho cara de nota dez?

BOLETIM – O pior de um boletim é quando papai briga e me passa um carão pelas notas que ele tirou.

BOLETIM – O meu boletim só tem zero pra baixo. Virou temperatura.

BORBOLETA - é uma flor que pensa que sabe voar.

CABEÇA - Todo mundo quer saber o que se passa na minha cabeça. Xampu, né?

CACHORRO - É o melhor amigo do homem, quando é pequeno e não morde.

CARETA - Meu pai é tão careta que, quando peço dinheiro para paquerar a Marcelinha, pensa que quero pra comprar bala.

CARIDADE - Não é dando com a mão. Tem que misturar coração.

COBRA - é um bicho que só tem rabo.

CHOPE - é o refrigerante de adulto.

DESERTO - é uma floresta sem árvores.

DEUS - Eu não rezo para pedir nada a Deus. Só rezo para perguntar se ele precisa de mim para alguma coisa.

DEVER - Não vou fazer. A professora só deu lição de casa. E eu moro em Apartamento.

ESPERANÇA - é um pedaço da gente que sabe que vai dar certo.

FAMÍLIA - A galinha tem pintinhos, bananeira tem banana e família tem televisão.

FELICIDADE - é uma palavra que tem música.

HELICÓPITERO - é um carro com ventilador em cima.

PACIÊNCIA - é uma coisa que mamãe perde sempre.

PALHAÇO - é um homem todo pintado de piadas.

REDE - é uma porção de buracos amarrados com barbante.

RELÂMPAGO - é um barulho rabiscando o céu.

SONO- é saudade de dormir.

SRIP-TEASE - é mulher tirando a roupa toda, na frente de todo mundo, sem ser pra tomar banho.

VENTO - é ar com muita pressa.

E mais:

- O que é ter fé?
- É uma menininha, na praia, esvaziando o mar com um baldezinho de plástico furado.

Ainda:

Garoto, ao ver irmãs gêmeas na rua:
- Mãe, eu vi duas meninas de cara repetida!

"Dicionário de Humor Infantil", coletânea de definições espontâneas e achados poéticos de crianças entre 3 e 11 anos de idade, compilada por Pedro Bloch


Atriz Angelina Jolie é hospitalizada após bater a cabeça em set
Publicidade da Associated Press, em Nova York

A atriz Angelina Jolie, 33, foi brevemente hospitalizada após bater a cabeça durante filmagens da produção "Salt".

Steve Elzer, porta-voz da Columbia Pictures, afirmou que Jolie já voltou ao set do filme e que a ida ao hospital foi por precaução.

O incidente ocorreu nesta sexta-feira enquanto a atriz filmava uma sequência de ação em Long Island, em Nova York. A atriz completa 34 anos na próxima quinta-feira

JOSÉ SIMÃO

Coreia do Norte! Kim Jongou a bomba?

Eu não tenho medo dele; tenho medo da Miriam Leitão e da perereca da Hebe!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!

Bebê nasce com sete quilos no agreste de Pernambuco. Qual o nome da cidade? Bezerros! E eu vi na Bahia um menino de nove anos mamando. Em pé!

E essa: "Iraniana dá luz a um sapo"! Perereca pariu um sapo! E eu tenho um amigo meu que tá tão duro que pega fila do cinema só pra ficar sentindo o cheiro da pipoca e assim não jantar! E um amigo me disse que o dia em que eu pagar uma bolacha Maria pra alguém, a dona Marisa desanda a falar, o Maluf vira honesto e a Lucianta Gimenez termina o doutorado em física quântica. E a Coreia do Norte? E o ditador?

O Kim Jong-il! Kim Jongou a bomba?! Ele enfiou o dedo na tomada pra ter aquele topete? LAQUÊ-BOMBA!
Ele parece toy art.

E eu não tenho medo dele. Eu tenho medo da Miriam Leitão! Eu tenho medo da perereca da Hebe. Rarará! Eu tenho medo de estar no Jardim Ângela às duas da madrugada, numa rua mal iluminada, quando o último ônibus acabou de passar! Eu tenho medo de dormir brasileiro e acordar argentino.

E um amigo disse que tem medo mesmo é de se encontrar com a Monique Evans no cio! E um artista me disse que tem medo de perder o patrocínio da Petrobras!

E a CPI da Petrobras podia ter o patrocínio da Petrobras, né? Rarará! Eu tenho medo da CPI! O Rock Horror Show! Tales from the Cript!

Eu quero saber quanto o senador Álvaro Dias gasta em pancake! E o ACM Neto tem cara de sagui desmamado! E a Ideli Salvatti é filha do ET de Varginha com a mãe do sarampo!

E eu ainda vou ter medo do ditador da Coreia do Norte? Eu não tenho medo da Coreia do Norte. Eu tenho medo de encontrar o Serra na porta do cemitério numa sexta-feira de lua cheia! É mole? É mole, mas sobe! Ou como disse aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.

Continuo com a minha heroica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês. É que lá em Porto Alegre tem um grupo da terceira idade chamado Juventude Acumulada! Rarará.

Vou adotar essas expressão: juventude acumulada. Não tô velho, tenho juventude acumulada. Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Orélio do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Muçulmano": companheiro irmão do Mussum. Rarará. O lulês é mais fácil que o ingrêis. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno! E vai indo que eu não vou!

simao@uol.com.br


Gaúchos, Erico, Grenal e anjos

Ao menos pelos próximos dez anos, por decisão da família, o Acervo Literário Erico Verissimo permanecerá no Rio de Janeiro. Os familiares disseram que no Rio há melhores condições de conservação. Não entro propriamente no mérito da questão, que é quase toda de caráter privado.

Mas o fato deve ser analisado do ponto de vista simbólico. Nós, gaúchos, infelizmente somos divididos demais, opiniáticos demais e muitas vezes não conseguimos conversar e unir-nos em torno de nossos interesses coletivos.

O resultado é que muitas vezes, diante de nossas desavenças e divisões, os do Mampituba para cima ou da fronteira da Metade-Sul para baixo acabam levando vantagem. Não sou, nunca fui e nem pretendo ser separatista. Não acho, também, que devemos nos bastar a nós mesmos e que não devemos dialogar em diversos níveis com os outros estados e com o resto do mundo.

Acontece que tantas e tantas vezes nossos líderes políticos, religiosos, empresariais, culturais etc não conseguem conversar minimamente e buscar entendimentos que beneficiem a todos, ou, ao menos, à maior parte da coletividade.

No caso do acervo de Erico, diálogos, esforços e união em torno do tema poderiam ter proporcionado final diverso para a questão. Esses tempos perguntei a um velho, querido e famoso artista gaúcho se ele era colorado ou gremista. "Sou Grenal.

Tenho amigos nos dois clubes e já fui homenageado por ambos. Gosto dos dois", disse ele. Nem todo mundo pode pensar assim e a ideia de unir os dois times é coisa para o quarto milênio, se for o caso, e com nome de Inter, mas, acho, que mesmo mantendo nossa cultura chimango x maragato, cidade x praia etc, é possível buscar mais aproximações, consensos e uniões que nos favoreçam.

Se seguirmos tão divididos, desunidos e individualistas, nossas empresas, nossas terras, nossos símbolos, nossa cultura e nosso dinheiro vão parar nas mãos de outros. Não tenho nada contra os outros, contra negócios, competência, globalização, livre iniciativa e coisa e tal, mas acho, sinceramente, que podemos nos juntar para muita coisa boa e para manter em nossas mãos o que levamos, não raro, séculos para conquistar.

Não somos anjos, somos humanos, ambiciosos e egoístas, mas é bom lembrar que, ao fim e ao cabo, quando temos a felicidade de sermos ou estarmos anjos, somos anjos de uma asa só e precisamos do próximo para voar nos céus deste Rio Grande amado.

Jaime Cimenti - Uma ótima sexta-feira e um Feliz fim de semana - Para você minha amiga que tudo esteja bem


29/5/2009 - Jaime Cimenti

Os dois mil anos da Cidade Luz

O exagerado Marivaux disse que Paris é o mundo, o resto do planeta Terra é apenas seu subúrbio. Exagero à parte, Paris, depois de dois mil anos de história, segue como uma das cidades mais visitadas e amadas. Nenhum lugar foi mais percorrido e mais imortalizado pela literatura, pelas artes plásticas, pelo cinema, pela fotografia e pela música do que a Cidade Luz.

Em Paris-Biografia de uma cidade, o professor e escritor Colin Jones, da Universidade de Londres Queen Mary e especialista em história da França, apresenta o relato histórico mais completo disponível sobre Paris. A obra tem linguagem rica, divertida e, com olhar atento ao detalhe, conduz prazerosamente o leitor pelos dois milênios da capital.

Desde os romanos até os dias atuais, Jones recria os altos e baixos da metrópole e dos seus habitantes, mostrando todas as grandezas: o formidável centro de estudos da Idade Média; a feroz arena da Guerra dos Cem Anos e das guerras religiosas; o coração da cultura europeia, do Iluminismo e da moda; o epicentro da Revolução Francesa,

do terror e da ambição napoleônica; a efervescente e febril cidade oitocentista de Balzac, Manet, Baudelaire e Zola; a capital Imperial atingida por duas guerras mundiais e pela ocupação nazista; o agitado centro urbano das barricadas das manifestações estudantis de maio de 1968; a própria capital contemporânea, sempre se metamorfoseando sob o peso de seu passado histórico; e a cidade do futuro no coração da Europa, com seus problemas e desafios.

Atento ao ambiente urbano e às experiências históricas, o autor mostra como Paris tem sido o palco de alguns dos maiores acontecimentos mundiais.

Fartamente ilustrado, o volume vai fazer a delícia de professores, especialistas, estudantes, leitores obcecados por Paris e, claro, dos viajantes e admiradores de primeira viagem da cidade, que segue atraindo olhares e paixões como pouquíssimas. Uma curiosidade, entre dezenas de outras do livro: no ano 250, Paris tinha 6 mil habitantes e ocupava 50 hectares.

Em 1999, eram 21 milhões de habitantes em 10.516 hectares. O livro foi o vencedor do prestigiado Prêmio Enid McLeod da Sociedade Franco Britânica. 592 páginas, R$ 94,00. Tradução de José Carlos Volcato e Henrique Guerra, L&PM Editores, telefone 3225-5777.


29 de maio de 2009
N° 15984 - PAULO SANT’ANA | CLÁUDIO BRITO (interino)


Lixo demolidor

Há 10 anos, nos morros do Rio, travou-se uma guerra inesperada. Traficantes contra traficantes. Na esteira, a chacina de muitos jovens, soldados do narcotráfico, sentinelas das vielas e gerentes de algumas “bocas”.

O motivo era inexplicável para quem visse aquele mundo apenas à distância. Matavam-se porque tinha gente vendendo droga demais. Não era uma droga qualquer, das conhecidas e mais procuradas.

Era uma sujeira que, segundo argumentavam alguns chefões que manipulavam a guerrilha, “estragaria o mercado”. De um poder avassalador para causar dependência, surgia com fartura e facilidade. A preços irrisórios e, se fosse possível dizer assim, aviltantes.

Então, a guerra. O comércio carioca de entorpecentes não queria reproduzir a periferia de São Paulo, já dominada pela novidade.

As favelas sabem tudo dessa droga desde então. Em 10 anos, perde-se a conta dos que morreram por causa do vício maldito, diretamente ou assassinado em algum canto de rua num ajuste de contas.

Cinco anos depois, na entrada de Porto Alegre, à margem de uma rodovia, um automóvel queimou até tornar irreconhecível o cadáver sentado em seu banco dianteiro. Poucos dias de investigação foram suficientes para definir que se tratava de uma execução no submundo do tráfico de entorpecentes. Poucos perceberam, no entanto, que havia alguma coisa em comum com crimes noticiados no eixo Rio-São Paulo. A motivação era a mesma.

A disseminação da nova porcaria tinha uma reação na intimidade do crime organizado. Quem ganhava dinheiro com maconha e cocaína pretendia preservar seu quinhão sem permitir que a devastação da novidade invadisse a área.

Não, aquele lixo brabo jamais. Li e ouvi depoimentos estranhos: “Tá louco, nego. Isso é doideira geral, nessa onda não vou não, não mexo com isso”.

Quem mexesse tomava tiro. O pavor foi geral. Dentro e fora dos espaços dominados pelos traficantes. Os últimos a conhecer e compreender o que estava ocorrendo foram os que deveriam cuidar da prevenção.

Nossos órgãos públicos e a rede social que atua na área da drogadição e seus tratamentos, médicos e jurídicos. Não que quisessem que fosse assim, mas foram todos vencidos pela rapidez com que o mal se espalhou.

Ainda é tempo, no entanto.

Ainda temos o que fazer. E vamos fazer. Todos. Sociedade, governos, operadores do direito e da saúde. Com um ingrediente principal, o amor. Amor ao próximo, amor-próprio, amor familiar. Amor, enfim.

Depois de capacitados da indispensabilidade do amor, o conhecimento. Vamos saber muito bem sabido que droga é essa. Fuma-se, aspira-se, injeta-se, afinal, como é que esse veneno invade o corpo e a alma, destruindo a ambos?

Como é que ele é alcançado às crianças que já se perderam engolfadas pela fumaça nojenta e bandida? Quanto custa, quem vende, quem prepara? Quais são os primeiros sintomas de quem já experimentou?

Como salvar essa gente? Talvez seja impossível libertar quem se deixou levar. Dramática realidade. A destruição é irreversível. Usou uma vez? Danou-se. Então, nada a fazer? Tudo a fazer. Tratar e devolver alguma qualidade de vida a quem se envenenou, cuidar, avisar, ensinar e impedir que seja tocado quem ainda não escorregou.

Todas as drogas são horríveis. Mesmo as lícitas. Bebida alcoólica e cigarro de tabaco. O que dizer da maconha, cocaína, anfetaminas, as voláteis e as sintéticas. Tudo é droga. Tudo é porcaria. Nada foi tão devastador, no entanto, quanto a droga que assustou até os traficantes dos morros do Rio.

E que já destrói mais de 50 mil gaúchos. E impedir que esse número se multiplique é nossa missão, dever de todos nós. Temos que retomar valores meio escondidos, como os da família, por exemplo. A ausência da figura paterna está na roda de causas da drogadição irremediável. Isso tem que ser corrigido.

Pelo comportamento dos pais pouco atentos, pela substituição dos que se ausentaram. É preciso sacudir, é preciso conscientizar, é preciso dizer não às drogas, mas, fundamentalmente, é indispensável afastar de todos o cálice horrendo desses dias.

O cachimbo mortífero onde se queima o lixo demolidor. Temos que parar a corrida assassina do crack. Nele, nem pensar!


29 de maio de 2009
N° 15984 - DAVID COIMBRA


Drama em Caracas

O grande drama urbano da humanidade no século 21 se desenrola com rara gravidade aqui, nas ruas de Caracas.

Não é da pobreza que falo. É do carro.

Esta é uma cidade de avenidas largas, recobertas por camadas de asfalto negro lisas como tábuas de bater bife. São ruas arborizadas, de calçadas amplas, margeadas por prédios de requintado gosto arquitetônico, alguns modernos, encimados por luminosas placas de propaganda que lembram Tóquio e Pequim, outros clássicos no estilo espanhol dos colonizadores.

O clima eternamente abafado dessas alturas caribenhas é amenizado por uma brisa fresca que desce os 2.600 metros da Montanha Ávila. Uma cidade do porte do Rio de Janeiro, mas com menos pontos de estrangulamento, porque os morros não ficam em meio à área urbana, ficam em torno – Caracas se situa no centro de um vale.

Cresceu como cresceram as cidades espanholas, a partir de uma praça maior, no caso, a Praça Bolívar. Da Bolívar, as ruas da capital se espraiam como os raios do sol.

Em tese, seria fácil organizá-la, seria um lugar aprazível de se viver. Isso, claro, desconsiderando-se as favelas embutidas nos morros do lado oeste, precárias como quaisquer favelas do planeta. O problema de Caracas, mesmo da Caracas rica, são os carros. Aqui há carros demais.

De manhã bem cedo, os carros já estão nas ruas e delas não se retiram até que o sol se ponha. Carros, carros carros, só o que se avista são carros arrastando-se entre os grandes edifícios. O trânsito é irritantemente vagaroso.

Percorre-se um metro, depois mais um metro, e mais um, e o carro para, e avança mais dois metros, mais dois, e para de novo. Qualquer deslocamento, por curto que seja, leva no mínimo vinte minutos. Se a viagem for um pouco mais longa, de uma zona a outra da cidade, pode-se ficar detido uma, duas, até três horas no trânsito.

Entre os carros, aproveitando-se da lentidão do tráfego, circulam comerciantes de ocasião. Vendem de tudo: pipoca, arepa e até cafezinho. Os vendedores de café carregam quatro ou cinco térmicas em um suporte parecido com uma caixa de engraxate e, nos engarrafamentos, oferecem copinhos de plástico aos motoristas. Que podem, tranquilamente, pagar, beber e pedir outro antes que o carro rode outra vez.

Carros, carros, carros. Os motoristas dirigem com a mão na buzina, em zigue-zague, trocando de pista sem dar sinal, desviando de motoqueiros que enxameiam pela esquerda, pela direita, na frente, atrás. Carros. Eles enfeiam a bela cidade que é Caracas. Eles a tornam dura e nervosa.

A gasolina custa 10 centavos de dólar. Às vezes menos. Com R$ 2 pode-se encher um tanque. Mesmo que o preço dos carros não seja barato (um popular sai por US$ 10 mil), os caraquenhos estão comprando a cada dia mais carros. Até porque o transporte público é uma tragédia. E a cidade não anda. A cidade um dia vai parar.

Eis o grande dilema do século nas cidades do Ocidente e do Oriente. O mundo tornou-se dependente dos carros, inclusive economicamente. Mas o mundo não suporta mais carros.

As cidades estão cheias deles, a natureza já não aguenta mais seus excrementos, em pouco tempo metrópoles como Caracas ficarão presas para sempre em engarrafamentos monstros. Como o planeta haverá de se libertar da miserável dependência dos carros?

quinta-feira, 28 de maio de 2009


Dulce Critelli

Um lugar para beijar

[...] A SEXUALIDADE ESTÁ ENTRE AQUELAS QUE MAIS NOS INCOMODAM E CONSTRANGEM DE TODAS AS DIMENSÕES HUMANAS

Assisti na semana passada, no cine Olido (com próxima exibição no cine Bombril), ao documentário "Um Lugar para Beijar", dirigido pela jornalista Neide Duarte e produzido pelo departamento de DST/ Aids da Secretaria de Saúde do município de São Paulo.

O filme tem finalidade institucional nas ações de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e mostra a vida e as condições de homossexuais (e de travestis e transexuais) na periferia de São Paulo.

No fim da exibição, vi pessoas chocadas. Uma delas disse que sentia-se contaminada por aquilo que sempre tentou manter à distância. O que pensou que não existisse poderia estar ao lado, disfarçado. Ela contou estar com a sensação de perda de confiança em seu mundo. Acredito, porém, que ela tenha perdido a inocência ou a ilusão da normalidade.

A gente se acostuma com os cantos por onde anda e com as pessoas com quem convive, com nossas condições de vida e valores. A gente se acostuma com os próprios costumes e vai cultivando, assim, uma espécie de cegueira. Não vê que a vida é múltipla, irregular, e que os homens são criaturas que protagonizam novidades infinitas.

O que para a sociedade padronizada é aberração, desvio e imoralidade é apenas a experiência cotidiana de muitos. No entanto, quando condenada e entregue ao ocultamento, fica deformada e ameaçadora. No documentário, é a homossexualidade de moradores da periferia que está em foco. Mas ela não é desdenhada nem recriminada. Ela é o que é.

Também não é vista sob o olhar comum e preconceituoso que a faz ser lugar de muitos dos problemas sexuais da atualidade. A heterossexualidade, aceita pela sociedade, é também lugar de incontáveis desvios.

É só nos lembrarmos de casos como o do austríaco que manteve a filha encarcerada por 20 anos e teve com ela vários filhos. Ou dos inúmeros casos de abusos sexuais de meninas por pais e padrastos ou de violências contra a mulher.

Casos que, mais do que desvios, são crimes.

Mas não sou especialista em sexualidade nem pretendo teorizar sobre ela. O que me instiga são as perguntas que o documentário trouxe e nossas reações diante do sexo. A sexualidade, em qualquer uma de suas formas (bi, hetero, homo, trans), está entre aquelas que mais nos incomodam e constrangem de todas as dimensões humanas. Ou entre as que mais nos atraem. Por quê?

Numa cultura que nos faz acreditar que atos e palavras podem ser escolhidos pela razão, as questões sexuais nos desmentem e desorientam. Diante da aparente autonomia do sexo, ficamos perplexos, do mesmo modo que são Paulo se espantava diante da impotência de sua vontade: "Por que faço o mal que não quero e não faço o bem que quero?".

Somos um problema para nós mesmos quando afetados por uma dimensão da vida humana assim contundente e provocativa. Ficamos desarrumados em nossa moralidade, desafiados e desautorizados em nossos princípios e preceitos.

DULCE CRITELLI, terapeuta existencial e professora de filosofia da PUC-SP, é autora de "Educação e Dominação Cultural" e "Analítica de Sentido" e coordenadora do Existentia - Centro de Orientação e Estudos da Condição Humana

KENNETH MAXWELL

Nova Mazagão

EM 1769, SEBASTIÃO José de Carvalho e Melo, mais conhecido por seu título posterior de marquês de Pombal, decidiu abandonar a fortaleza portuguesa de Mazagão, na costa do Marrocos. Foi uma decisão sensata. Havia 120 mil soldados do sultão Sida Mohamad cercando a cidade fortificada de 2.092 habitantes.

Mazagão havia sido fundada em 1513, no ápice da expansão portuguesa. Mas os dias do grande império asiático de Portugal eram há muito coisa do passado. No século 18, os portugueses haviam transferido seu foco ao Brasil.

Quanto a Mazagão, a guarnição e a população foram retiradas. Em 11 de março, os moradores começaram a destruir tudo aquilo que não podiam carregar. Em três dias haviam partido, atravessando o portão da cidade em direção ao mar, onde foram apanhados por barcos que os transportaram até a frota que esperava ao largo.

Mas Mendonça Furtado, o irmão de Sebastião José, não queria que a história terminasse assim. Ele havia servido como governador do Grão-Pará e Maranhão, no Brasil, e, depois de seu retorno a Lisboa, tornou-se ministro da marinha e das colônias ultramarinas.

No Brasil, ele havia demarcado a fronteira amazônica e estabelecido fortalezas em posições importantes, tudo isso como parte do novo acordo de fronteiras assinado com a Espanha sob o Tratado de Madri, em 1750.

Ele tinha um propósito imperial em mente para os antigos moradores de Mazagão. Pretendia enviá-los a Belém e de lá para a margem norte do rio Amazonas, onde fundariam uma "nova" Mazagão. Em 1770, decidiu instalar a cidade no rio Mutuacá, no local anteriormente ocupado por uma missão jesuíta.

Os moradores de Mazagão foram virtualmente mantidos prisioneiros no mosteiro dos Jerônimos, em Portugal, enquanto aguardavam os navios que os transportariam ao Brasil. Quando chegaram a Belém, em 1771, foram mandados em canoas para sua nova cidade. Por volta de 1778, 1,8 mil deles haviam sido transferidos.

Mas a "Nova Mazagão" estava situada em uma várzea. As edificações começaram lentamente a ruir em torno de seus habitantes, a começar pela igreja, em 1779. Em 1783, Lisboa reconheceu o fracasso da experiência e os moradores foram autorizados a partir.

"Uma odisseia trágica" é a descrição que o historiador francês Laurent Vidal, da Universidade de La Rochelle, oferece sobre o acontecido, tanto em seu novo e maravilhoso livro "A Cidade que Atravessou o Atlântico" como em um artigo sobre a história de Mazagão publicado na edição de abril da "Revista de História da Biblioteca Nacional".

KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.


LEITE REQUENTADO

Fiquei nas alturas. Li o último romance de Chico Buarque, 'Leite Derramado', no avião entre Porto Alegre e Rio de Janeiro.

Moacyr Scliar dormia tranquilamente duas ou três poltronas atrás de mim. Ao chegarmos, ele, com sua gentileza proverbial, me deu uma carona até a Uerj, bem na frente do Maracanã.

Das janelas da universidade, os estudantes contemplam o mítico estádio e sonham com a glória. Alguns se suicidam. Não tive tempo de compartilhar com Moacyr as minhas impressões da leitura. Eu estava meio aéreo.

A vida é assim, rápida. Outro dia, filosofei durante três horas com um motorista, ex-jogador de futebol, num engarrafamento na marginal Tietê. A gente aprende muito em viagens. Basta não se ter pressa.

Pensaram que eu ia pipocar? Um colorado nunca amarela. Ao contrário do que tem dito a crítica burra, 'Leite Derramado' é o melhor livro do queridinho das cinquentonas. Supera facilmente 'Budapeste', que foi detestado pelos húngaros pelo excesso de clichês.

Também pudera, Chico se deu o luxo de escrevê-lo sem dar um pulinho à Hungria. Quem se importa com húngaros! Como diria o Garrincha, é tudo João. Não tem Chico. A questão central da história de 'Leite Derramado' é absolutamente original:

Matilde traiu ou não traiu? Se o texto fosse assinado por um qualquer, João ou Chico, se falaria em cópia de uma ideia, plágio de uma inspiração ou de café requentado. Como se trata de Chico Buarque, bem entendido, pode-se falar em intertextualidade, piscadela e citação. O bruxinho da zona Sul reinventa o Bruxo do Cosme Velho. De Capitu traiu ou não traiu a Matilde traiu ou não traiu, convenhamos, o salto é mesmo amazônico.

O texto é elegante, esmerado, com ritmo musical. Está certo o editor Luis Gomes, da Sulina, chiquista fanático: algumas notas das mais conhecidas músicas de Chico Buarque ecoam no romance. A literatura brasileira é tão mixuruca que um leite requentado tem mais gosto do que muito coquetel pretensamente sofisticado.

Para decolar e se manter em voo de brigadeiro, no entanto, 'Leite Derramado' precisava de um empurrãozinho. 'Caminho das Índias' tem ajudado mostrando em vários capítulos a capa do livro. Faz sentido. Uma mão lava a outra. 'Leite requentado' fala deste Brasil de relações e favores, de golpes e de senadores, de grandeza e decadência, de gente poderosa sempre com um pé na cozinha. Traiu ou não traiu?

Chico Buarque segue direitinho o mestre. Semeia pistas e dúvidas. Faz crer e descrer. Capricha na melodia. Cadencia o ritmo. Matilde é mulata. Matilde é filha de criação. Matilde pode ter fugido com um francês. Matilde ficou tísica. Matilde é apenas uma lembrança na mente confusa de um velho de 100 anos.

Matilde traiu ou é a memória do centenário que o trai? O Bentinho do Chico Buarque vai ao fundo do poço. 'Leite requentado', quer dizer, 'Leite Derramado', só não é um perfeito 'Dom Casmurro' por um detalhe: faltou a ironia cruel. Ora, quem se importa com ironia? Só mesmo um Machado de Assis.

juremir@correiodopovo.com.br

Aproveite a quinta-feira - Um bom dia, especial para você.


28 de maio de 2009
N° 15983 - LETICIA WIERZCHOWSKI


Katyn

Poucas pessoas têm o poder de contar o incontável. Andrzej Wajda é uma delas, e faz isso com maestria impressionante em seu Katyn, filme que estreou semana passada na cidade. Para quem não sabe, Katyn é uma floresta que fica na Rússia. Lá, em abril de 1940, 22 mil oficiais poloneses foram massacrados pelos soviéticos e enterrados em valas comuns, descobertas algum tempo mais tarde, quando os alemães invadiram a URSS rumo à Moscou.

Contar uma história de guerra não é fácil, os bons e os ruins ganham logo forma, criando uma dicotomia às vezes irreal. Porém, na triste história da nação polonesa durante a II Guerra, essa dicotomia não existiu. Os poloneses ficaram, o tempo todo, presos no limite da esfera dos vilões. Como assim? Em 1939, quando os alemães invadiram a Polônia por um lado, o Exército Vermelho invadiu a Polônia pelo lado oposto, apanhando numa cilada as tropas da cavalaria polonesa.

Era o pacto Germano-Soviético. Os poloneses tiveram de defender sua pátria em duas frentes, e obviamente perderam feio. Os oficiais poloneses capturados pelos soviéticos foram levados para a URSS e, um ano mais tarde, fuzilados em massa.

Com o fim do pacto entre Hitler e Stalin, a história desse terrível genocídio foi amplamente alardeada pelos alemães, afinal era uma boa forma de mostrar ao mundo que eles não eram tão maus assim.

Porém, quando a guerra acaba e a Polônia passa para o domínio soviético, o Kremlin culpa peremptoriamente os alemães pelo massacre de Katyn. No meio disso tudo, tendo passado do domínio nazista para o soviético, os poloneses tentam reconstruir sua vida, vivendo com uma mentira como quem convive com uma doença.

Mas mesmo que o tempo precise passar, a verdade um dia vem à tona. Apenas há poucos anos, com a queda do comunismo, os poloneses puderam chorar seus mortos e criar um memorial para as vítimas em Katyn.

Agora, Wajda nos traz esse filme incrível, de uma beleza sóbria, com emocionante trilha composta por Penderecki. Vá ver. Temos aí um filme sobre o homem, sobre a coragem e a baixeza humana, e sobre os insidiosos perigos dos regimes totalitários. Um filme que é quase um poema, digno do talento de Andrzej Wajda.

E curiosidade: um filme sobre a II Guerra que não versa sobre o Holocausto. Eu saí do cinema triste, aliviada e emocionada.

Triste porque Katyn é um episódio revoltante da história humana, aliviada porque conhecer a verdade é meio caminho para não repeti-la, e emocionada por constatar, pela lente de Wajda, que o cinema ainda pode ser arte.