terça-feira, 31 de dezembro de 2013


31/12/2013 e 01/01/2014 | N° 17660
MARTHA MEDEIROS

Oferendas ao nada

Ao reler o livro A alma imoral, do rabino Nilton Bonder, encasquetei com uma expressão que, na primeira leitura, feita anos antes, não havia me despertado a atenção – e isso explica a razão de releituras serem necessárias, pois acontecem num outro momento da vida, em que o que não era relevante passa a ser. E nem preciso dizer que essa predisposição à releitura deveria existir para tudo, não só para livros.

Mas retornando ao ponto.

No livro, o rabino diz que muitos dos nossos sacrifícios e esforços são oferendas ao nada. Oferendas ao nada. Foi esta a expressão que me fez refletir sobre a quantidade de privações e abstinências a que nos submetemos e que têm serventia nula. Zero.

Todo novo ano que se inicia é um convite a uma releitura de si mesmo. Você já passou pelos mesmos janeiros e fevereiros e marços que aí vêm, os mesmos carnavais e páscoas, as mesmas mordidas do Leão, as mesmas estações, o mesmo do mesmo. Se daqui para frente queremos extrair alguma novidade de fato, ela virá da nossa maneira de encarar a vida, de desfrutá-la com mais proveito.

Então, que se oferende flores à Iemanjá, já que rituais de otimismo e fé não fazem mal a ninguém, e que se oferte abraços e bons votos aos amigos, já que a alegria é uma energia que vale a pena ser trocada, e que a gente doe sempre o que temos de melhor, aquilo que nos movimenta – e não o que nos trava.

A timidez, por exemplo. O que a timidez tem feito por você? Ela impede que você se relacione olho no olho, que arrisque uma conversa com um desconhecido, que apresente aos outros seu trabalho, suas propostas, suas ideias. Orgulhar-se da sua timidez, colocando-a num altar, é fazer uma oferenda ao nada.

O que a culpa tem feito por você? Tem impedido você de se responsabilizar pelos seus atos e renegociar com a vida, tem trancafiado você em casa, obrigando-o a lidar incessantemente com questões passadas, tem envelhecido você, consumido você, paralisado você, e você ainda se ajoelha e reza para cultuá-la. Outra oferenda ao nada.

O que a insegurança tem feito por você? Nada. O que o medo tem feito por você? Nada.

O narcisismo, menos ainda. Cultuando esse deus chamado “Eu”, você não olha para fora, não exercita a solidariedade, não considera o sentimento dos outros, não compreende, não perdoa, não evolui. Oferece a si próprio uma homenagem patética, fica preso a uma energia que não circula, não realiza troca alguma. Joga flores para a solidão.

Que em 2014 consigamos romper com nossos receios sobre o que os outros irão pensar de nós, com o que não nos traz retorno, com o que não nos insere no universo de uma forma mais efetiva e bonita. Chega de cultuar impedimentos. Façamos, para variar, oferendas ao risco. 

31/12/2013 e 01/01/2014 | N° 17660
CARLOS GERBASE

O surfista cadeirante

Tem certas coisas na vida que valem a pena, apesar de serem potencialmente perigosas. É o que sempre pensei antes de me atirar no público durante os shows dos Replicantes. Às vezes, quando a plateia estava especialmente compacta, dava umas voltas pelo salão, deitado, erguido por dezenas de braços desconhecidos. Não pensem que esse é um ato de insensatez, ou que é tão excepcional assim. Faz parte da tradição do punk rock, que criou até um pequeno glossário para identificar as possibilidades de expressão corporal do público e dos músicos.

O pogo – que dizem ter sido inventado por Sid Vicious nos primeiros shows dos Sex Pistols – é a dança que parece uma briga, cheia de encontrões, cotoveladas e eventuais botinadas. Tudo com boa educação, pra evitar que os empurrões dessa roda punk virem briga de verdade. É muito divertido.

Recomendo. Atirar-se no público, dando um salto a partir do palco, chama-se stage diving. Aqui no Brasil, muita gente chama de mosh, mas parece que é um erro de tradução. Li recentemente que mosh é o nosso pogo. Antes de mergulhar, é bom ter certeza de que aquelas mãos erguidas vão mesmo te segurar. Recomendo. Com supervisão médica e o telefone do Samu no bolso.

Mas o movimento mais interessante é o “crowd surfing”. Surfar na multidão é estabelecer um pacto existencial com os espectadores: naquele momento não há mais distância entre o músico e a plateia. Somos todos um mesmo corpo, agradecendo aos deuses do rock’n’roll a oportunidade de fazer uma poderosa catarse coletiva, que não tem equivalente no mundo da música e da arte em geral. Também recomendo, sem contraindicações. Não exige prática nem habilidade. Só um pouquinho de coragem.

No show dos 30 anos dos Replicantes, que aconteceu no dia 9 de dezembro, pude reviver, depois de 10 anos, toda essa venerável tradição do punk rock. Claro que, aos 54, não se faz as coisas como se fazia aos 24. Mas e daí? Melhor dois minutos de surf na multidão que dois anos vendo clipes no YouTube.

Mas aquela noite especial tinha que apresentar alguma atração inédita. E ela veio durante a execução de Surfista Calhorda. De repente, olhei para a plateia e, erguido por dezenas de mãos, lá estava um cadeirante passeando pelo bar Opinião. Sorridente, provavelmente mais bêbado que os bêbados que sustentavam sua cadeira, ele erguia os braços, gritava e cantava. Depois de alguns segundos, mergulhou outra vez no oceano e não foi mais visto.


Não sei seu nome, nem de onde veio, nem se o ato foi planejado por seus amigos, ou se foi resultado de uma iluminação súbita. Mas nunca vou esquecer a imagem do surfista cadeirante. Agora posso ficar mais uma dezena de anos me preparando para um show dos Replicantes. A banda terá 40, eu terei 64, e, independentemente da idade que ele tiver, quero ver o surfista cadeirante fazer suas manobras radicais outra vez. E Porto Alegre continuará a ensinar ao mundo uma ou duas coisas sobre o sempre jovem espírito do rock’n’roll.

31/12/2013 e 01/01/2014 | N° 17660
 LUÍS AUGUSTO FISCHER

Uma história de atropelos

Não é por ser fim de ano, mas me ocorreu fazer um balanço sobre tema espinhoso: a história do ensino de leitura no Brasil. Assunto que vai longe, mas pode ser sumariado a cinco momentos.

Um: enquanto durou a escravidão no país, não dá pra pensar que tenha havido ensino de leitura realmente sério. Para os muito poucos que tinham acesso, até podia haver alguma sofisticação, mas era realmente exceção. Não se reconhecia esse direito essencial a todos.

Cem anos depois da Queda da Bastilha é que o Brasil aboliu o estado servil, e a república cogitou oferecer escola para todos. Cogitou, apenas. E quando começava a haver um certo crescimento nessa oferta, eis que surge o rádio, na virada dos anos 1920. E as massas urbanas encontraram nele o meio de sobreviver na cidade sem ler, nem para saber das notícias, nem para ler poesia (agora havia a canção em lugar dela, oferecendo toda uma forma de ver e viver o mundo, em alta qualidade estética).

Uma geração depois, anos 1960, com uma população mais urbanizada do que nunca e querendo escola e até universidade, outro atropelamento: era a vez da televisão oferecer notícia e narração, passando por fora das letras escritas. (A telenovela faz a formação sentimental do brasileiro há duas gerações inteiras.)

Aí veio a reforma do ensino do começo dos anos 1970, auge da ditadura. Ecoando teorias novidadeiras (e mal digeridas, como quase sempre acontece com os gestores da educação no país) do momento, rebaixou-se o ensino de português e de literatura ao estatuto de, argh, “comunicação e expressão”. A leitura funcional foi prestigiada, mas a leitura literária, culturalmente mais exigente, perdeu lugar e prestígio.

Agora apareceu o Enem, que repisa o mesmo procedimento: estamos assistindo a mais um momento da mesma força, da mesma lógica, aquela que quer que os alunos na escola (que pela primeira vez está acessível a todos, mas ainda sem qualidade) tenham boa leitura funcional, mas sem exigência de leitura literária.

Por que não quer essa leitura? São várias respostas: muitos gestores da educação brasileira acham que literatura é coisa de elite, coisa nefasta para as massas que pela primeira vez se aproximam da escola. É uma sonora bobagem, concordo. Mas é, na minha triste conta, mais um atropelo do ensino de leitura no país.


Que o ano novo nos ajude a reverter essa tendência.

31/12/2013 e 01/01/2014 | N° 17660
PAULO SANT´ANNA | MOISÉS MENDES (Interino)

Algumas perguntas

Reuni perguntas que ficaram de 2013 e que remeto para 2014. Acrescente as suas e experimente algumas respostas:

Quem dará emprego a José Dirceu?

Por que as paradas de ônibus de Porto Alegre não têm bancos e sobram bancos nos estádios de futebol?

Tem como deixar em paz as almas do Leminski, do Caio Fernando Abreu e da Clarice Lispector, para que não frequentem mais citações de autoajuda nas redes sociais?

A teoria do domínio do fato, que valeu para o mensalão do PT, será aplicada pelo Supremo aos mensaleiros tucanos?

Esta não é pergunta, é uma certeza: Roberto Carlos, Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil formarão um novo grupo, para se queixar de alguma coisa, mas ainda não se sabe do quê.

Por que as tampas dos bueiros da Capital continuam afundando? A meta seria afundar todas as tampas até a Copa? E se um australiano desaparecer num bueiro com uma argentina?

Que história é essa de que Obama é o mais importante líder republicano dos últimos 50 anos?

Devo entrar finalmente no Facebook, agora que a rede foi ocupada por maiores de 60 anos, ou espero que a média de idade aumente ainda mais?

O sapato masculino de bico fino resistirá até o outono? A franja picotada para senhores de meia idade continuará na moda?

Teremos passeatas de novo, ou ninguém vai correr o risco de erguer bandeira ao lado de um seguidor do Feliciano com desodorante vencido?

A turma do esquema do Detran vai escapar mesmo? Se escapar, a quem perguntaremos onde foi parar aquela dinheirama?

A ciclovia da Ipiranga ficará pronta até 2018?

Os que nos venderam Eike Batista como gênio finalmente nos pedirão desculpas?

Para repetir uma indagação do grande Cláudio Cabral: chegará o dia em que os fabricantes pintarão a bola de futebol de verde?

A China se afirmará como modelo ideal do novo capitalismo?

Depois da ureia e do formol, o que mais eles colocarão no leite? Só falta colocarem cálcio.

Por que não acontece nada com as fábricas de alimentos que fornecem informações falsas nos rótulos de produtos para crianças?

Por que as latas e garrafas de marcas conhecidas de azeite de oliva não têm azeite de oliva e não acontece nada?

Por que os ônibus continuam lotados? E por que não acontece nada?

Em que confusão boa se meterá Ana Paula Maciel, a guria que meteu o dedo na cara do Putin?

E por onde andarão Belchior e o Tatu Bola?

Que o novo ano nos dê mais Anas Paulas para peitar os Putins e os Felicianos.


Boa travessia em 2014.

31/12/2013 e 01/01/2014 | N° 17660
FABRÍCIO CARPINEJAR

Não é amor

Por que ela não conta? Por que ela não presta ocorrência na delegacia?

Todos acham um absurdo apanhar e não revidar publicamente.

Não é fácil se separar. Não é simples para muitas mulheres denunciar o companheiro.

Eu entendo a vergonha de quem suporta maus-tratos em casa.

A humilhação de apanhar do marido. De receber tapa ou empurrão e guardar para si. De levar soco ou pontapé e cuidar dos hematomas em sigilo.

Ninguém tem ideia de como essas pessoas sofrem.

Sofrem pela dor física, mas sofrem ainda mais pela esperança de que um dia seu homem vai se recuperar. E isso não acontece.

As mulheres que aguentam violência doméstica são solitárias. Absurdamente sozinhas. Loucamente desamparadas.

Perdem a paciência e a tolerância de quem poderia salvá-las.

Elas se isolam dos amigos, pois não têm mais coragem de disfarçar as histórias.

Elas se distanciam dos familiares porque nenhum parente admitiria a hipótese sequer de um insulto.

Morrem socialmente: enterradas vivas em suas próprias residências.

Apesar do calor excessivo, não podem usar vestidos e mangas curtas para não ostentar as feridas e os inchaços. Acordam de óculos escuros para se encarar no espelho. Colocam sua maquiagem a reparar os danos noturnos.

Para os colegas, estão constantemente caindo da escada e tropeçando nos móveis.

Para os filhos, fingem que não choram com um sorriso que não mexe nem as rugas.

Elas mentem no lugar do agressor. Mentem pelo medo de não ter outra chance de ser feliz.

Dedicam suas horas a zelar por uma farsa, a proteger um conto de fadas que existe na aparência, tentando salvar o casamento a qualquer custo.

Festejam as semanas sadias como milagres. Saúdam os momentos calmos como férias. Esmolam olhares de ternura para compensar o inferno.

Eu entendo as mulheres agredidas. Entendo, e dói entender.

É uma espiral de constrangimentos, que abole as defesas, que apaga a personalidade, que anula o temperamento.

São frágeis, quebradiças, carentes.

Atravessam um domingo inteiro procurando uma desculpa para continuar.

São as únicas que não enxergam que terminou o relacionamento, que não há jeito de recuperar o respeito.

Não são apenas cegas de amor, porém também surdas e mudas. O amor roubou todos os sentidos, todo o sentido de suas vidas.

Juram que foi uma exceção quando é a terceira ou quarta vez que a discussão desanda em briga.

Invertem a perspectiva do mundo: a tranquilidade é a exceção em sua rotina e se enganam que é a regra.

Juram que o marido não é violento, que há muita pressão do trabalho, que é efeito da bebida.

Explicam e justificam e argumentam o impossível, naquela mania de se convencer da pobreza para aceitar a miséria.

Ele se arrepende, ele chora, ele promete que não fará de novo, ele se ajoelha, ele manda flores, mas será reincidente.

Para essas mulheres que resistem em segredo, só tenho uma coisa a dizer: quem bate uma vez baterá sempre.


Apanhar por amor jamais melhora o amor.

31/12/2013 e 01/01/2014 | N° 17660
PAMPA DO SILÍCIO

Programa busca atrair startups para o Estado

Governo e iniciativa privada unem esforços para criar ambiente favorável a empresas inovadoras.

Seguindo os passos de Minas Gerais e Rio de Janeiro, o governo gaúcho com apoio de empresários locais, planeja lançar um programa para atrair empresas de tecnologia para Porto Alegre. A ideia é criar um ambiente que seja referência em inovação, semelhante ao que ocorreu no Vale do Silício (EUA), berço de empresas que nasceram nanicas, mas que hoje são colossais, como Google e Apple.

O valor para tirar o projeto do papel ainda é incerto, mas deve ficar perto de R$ 20 milhões, cifra modesta se comparada com o faturamento de qualquer gigante da internet.

A iniciativa vem na esteira do programa Startup Brasil, criado no início de 2013. Ao dar dinheiro para as empresas de tecnologia iniciantes, mas não definir um local para que se estabelecessem, o governo federal acabou criando uma competição entre os Estados, que agora tentam oferecer benefícios extras para atrair bons negócios.

A aposta é que, ao colocar empreendedores de diferentes regiões em contato diário – seja em um mesmo bairro ou prédio –, haja aumento no volume de negócios e seja criado um ambiente de inovação que possa ser referência no continente. A partir daí, outras startups viriam de forma espontânea. Até agora, isso ainda não ocorreu no país.

Além de evitar que boas ideias migrem para outras regiões, a proposta do programa gaúcho, cuja data de lançamento ainda está indefinida, é conquistar empresas de outros países, como já acontece em Israel e Chile.

Cleber Prodanov, secretário estadual da Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico, diz que, em janeiro, serão realizadas as primeiras reuniões para definir o financiamento do programa, mas adianta que a ideia não é tornar o governo protagonista:

– Já recebi ligações de empresários interessados em participar. Trabalharemos para atrair mais investidores.

Diego Remus, sócio da Startupi, empresa com sede em São Paulo e que promove interação entre inovadores e investidores potenciais, vê com entusiasmo a iniciativa, mas lembra que inovação não se dá por decreto.

– O empresariado precisa entrar de cabeça. Outro ponto determinante para o sucesso é a escolha de bons mentores. Só funciona se tiver gente boa ajudando gente boa – afirma.


cadu.caldas@zerohora.com.br

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013


30 de dezembro de 2013 | N° 17659
ARTIGOS - Paulo Brossard*

O Julinho e o ensino Artigos

Um fato chocante e de inegável importância social foi divulgado por ZH dias antes do Natal ao retratar a alarmante deterioração de um dos mais conceituados colégios de Porto Alegre, o Julinho, como era familiarmente denominado o Julio de Castilhos. Ao tempo em que surgiam colégios de inspiração religiosa, logo consagrados pela excelência do ensino ministrado por notáveis educadores, o governo rio-grandense, de forte tintura comtiana, cuidou de formar seu colégio padrão, que viria a levar o nome do chefe republicano; cansei de ouvir referências respeitosas ao colégio laico destinado a cotejar com os católicos e evangélicos; o maior louvor suponho viesse daquele que o houvessem frequentado.

O trabalho da jornalista Letícia Duarte estendeu-se pelo ano escolar, de 27 de fevereiro a 22 de novembro de 2013; registrando o colapso do que fora um colégio modelar; é impossível resumi-lo, o espaço seria insuficiente para um resumo do resumo, limito-me a dizer que, a todos os títulos, o quadro é deplorável.

É óbvio que sem professor não há escola nem ensino, no entanto, no Julinho, até sete professores por dia faltam às aulas, 89% dos alunos chegam ao final do Ensino Médio sem aprender o mínimo em matemática, 38% saem do Ensino Médio e chegam ao Superior e não sabem ler e escrever plenamente; ao fundo da sala, alunos se divertem com equipamentos eletrônicos durante as aulas; essas singelas observações esclarecem por que a classificação do Brasil entre 65 nações ocupa posição desoladora. É de notar-se que isto acontece em um colégio que durante muitos anos foi dos melhores aqui existentes e em consequência no Brasil inteiro. Esta metamorfose não se operou de repente, o mal, por conseguinte não começou ontem.

O colégio que foi o melhor não se transforma no pior da noite para o dia. E o mais grave é que a degradação se infiltra a setores relevantes do país, do governo inclusive a de instituições docentes. Dir-se-á que existem, Deus seja louvado, colégios da melhor e mais justificada reputação e eu sei disso e como brasileiro por isto me felicito, mas infelizmente isto não justifica a cota de colégios de inqualificável reputação. Segundo as repercussões até agora conhecidas, verifica-se que há os que pensam que o fenômeno que deformou o Julinho tem caráter geral e há os que entendem que a falência do antigo e modelar ornamento do colégio oficial é uma exceção.

Não tenho elementos para opinar em favor de uma ou outra das interpretações, mas confesso a minha angústia cívica diante do espetáculo público do caso funesto e vexatório do Julinho, uma vez que os efeitos dele se irradiam aos demais graus do ensino; é evidente que o ensino primário contamina o Ensino Médio e este compromete o Ensino Superior; a esse respeito, louvores seriam poucos, se as numerosas universidades emergentes realmente encarnassem o que a sua denominação anuncia. Também neste caso me confesso sem condições de opinar em assunto de tal relevância, pois não conheço o real teor do ensino oferecido e, mais do que o ensino, da real formação de seus jovens frequentadores.

No entanto, há um dado idôneo que ajuda a esclarecer o problema em causa, não é segredo, foi amplamente divulgado que dos 65 países que participam do exame de avaliação internacional de alunos de 15 e 16 anos em várias áreas ficou o Brasil na 55ª posição em leitura, 58ª em matemática e 59ª em ciências. Dispensável dizer que esses dados indicam as carências do ensino no Brasil. Os dados referidos são dolorosos para não dizer humilhantes. O caso do Julinho soa como uma espécie de S.O.S. partindo da educação.

*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF



30 de dezembro de 2013 | N° 17659
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Um ano fora do comum

Já vi filmes como Os Melhores Anos de Nossas Vidas ou O Ano em que Vivemos em Perigo, mas raramente presenciei, em tempo real, algo tão impactante como 2013. Foi um ano extraordinário, e ainda agora me dou conta de que o adjetivo talvez não seja suficiente.

Tudo começou com aquela tragédia arrasadora de Santa Maria que extinguiu em chamas 242 mentes e corações jovens e provocou imensas cicatrizes em milhares de pessoas que os amavam. Nada retrata melhor as dimensões daquele holocausto do que a foto de Yasmin Müller como que desfalecida sobre as cinzas do noivo, no instantâneo pungente e magnífico de Lauro Alves.

Moços como aqueles ganharam as ruas em junho em colossais manifestações que sacudiram o país. Lembro que trocava e-mails com uma amiga de São Paulo, quando ela me avisou que ia sair do ar: seu carro, preso num gigantesco congestionamento, estava cercado por uma multidão inumerável na Avenida Paulista. “O que os manifestantes querem?” – perguntei. “Mudar o Brasil” – respondeu ela, e nessa resposta, desculpado o incômodo, estava dito tudo.

Foi este também o ano em que o mais carismático dos pontífices de que há memória conquistou o Brasil com sua incrível capacidade de comunicação. Não foi um episódio isolado. O Papa Francisco continua a varrer as teias seculares que encobrem a hierarquia do Vaticano. O Bispo de Roma proscreve velhos usos do poder, mora num apartamento simples, usa sapatos gastos, carrega sua própria mala. Há algo que se pode chamar de mais cristão? E por falar nisso, partiu outro gigante: Nelson Mandela, o homem que derrubou o regime racista do apartheid.

Em Pindorama, o Dia da República desta vez fez justiça ao nome. O presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, marcou a data mandando para a cadeia quatro dos principais líderes da quadrilha que protagonizou o maior dos assaltos aos cofres da nação.


Como diria Edward Snowden, não é pouco para um ano só, fora o que ainda não foi revelado.

30 de dezembro de 2013 | N° 17659
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL

Conjugal

A diplomacia conjugal estabelece acordos tácitos que, numa longa relação, são cumpridos sem esforço, pois os termos são baseados no afeto e livremente aceitos. Isso não é difícil de acontecer, desde que haja a disposição de entender o outro em sua integridade biológica e humana – e não estamos dizendo nada de novo. O novo é quando essa relação se transforma em poesia; quer-se dizer: poesia forte, sem o sentimentalismo que costuma frequentar os cadernos escolares da extrema juventude.

Utilizar o gênero lírico não é fácil, porque pressupõe o sentimento amoroso, mas a visão com um mínimo de distância do objeto do poema – em suma: pressupõe o uso simultâneo da razão e da emoção. Essa proeza conseguiu Daniel de Sá, açoriano da Ribeira Grande, com o livro As Rosas de Granada, publicado em 2013 pela Ver Açor. Trata-se, esta, de uma edição póstuma; o poeta, em vida, publicara-a em edição restrita à família e aos amigos. A edição da Ver Açor é visualmente luminosa, com expressiva capa em vermelho. O autor assume o nome de Ahmed ben Kassin, poeta árabe.

Não é o caso, aqui, de estudar a forma, pois teríamos um tratado inteiro sobre a poesia árabe. Fiquemos com Daniel de Sá, digo, Ahmed ben Kassin. O livro é um canto de fidelidade à esposa, todo ele. São poemas em que a lucidez junta-se ao mais terno amor e, ao mesmo tempo, remete à reflexão existencial: “A minha amada/ Faz-me a vida mais curta./ Junto dela,/ Todo tempo é breve”.

Há outro poema que impressiona, pois nele podemos pensar no poeta que já não está entre nós: “Quando eu era cativo,/ Só meu corpo tinha morada certa/ E o meu espírito andava livre/ Como os cordeiros da Alcárria.// Agora, que tenho mais liberdade do que os cordeiros da Alcárria,/ Estou preso sempre no coração da minha amada”. Há, também, achados poéticos e ao mesmo tempo plásticos: “As costas da minha amada são muito belas,/ Mas, quando as vejo, fico triste/ porque ela se afasta de mim”.


Daniel de Sá: grande escritor, prematuramente desaparecido deste mundo. Fiel cristão que era, harmonizava sua fé a outras, numa convivência expressiva e bela, capaz de um sincretismo que ele dava conta na maior harmonia. E de troco, nos ensina que as rosas de Granada são vermelhas como o amor.

30 de dezembro de 2013 | N° 17659
PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES (Interino)

Água, luz e a garrafa de Leiden

Aignorância nos recompensa com o prazer das descobertas tardias. O capacitor, por exemplo, você sabe para que serve? Vi um documentário no GNT na semana passada sobre a descoberta do armazenador de energia elétrica.

Agora sei tudo da garrafa de Leiden e da falha que deu origem ao capacitor. Pieter Musschenbroek, professor da Universidade de Leiden, nos Países Baixos, fazia um experimento com uma garrafa com água que recebia descargas. Esqueceu de colocar uma base na garrafa e acabou descobrindo como se armazena energia. Isso foi lá em 1746.

No mesmo GNT, neste mês, vi mais um documentário sobre Roma. E mais uma vez apareceram os aquedutos. Roma tinha 400 quilômetros de dutos subterrâneos ou suspensos. É uma tecnologia de antes de Cristo.

Agora, você aí que está sem água e sem luz ou já ficou sem água e sem luz neste ano. Você pode ter berrado como um vizinho meu berrou na escuridão de quinta-feira, quando a luz se foi na zona sul de Porto Alegre:

– De novo? Mas não é possível!!!!!

Como é possível? A garrafa de Leiden, com água e luz, tem 267 anos. Tales de Mileto intuiu o que era energia há mais de 2,5 mil anos. Os dutos são bíblicos. Então, como milhares de gaúchos podem ficar sem luz e sem água? Como alguém (mesmo nos grotões) fica sem luz e sem água no século 21?

Na quinta-feira, faltou luz por mais de uma hora na zona sul. Retornou por cinco minutos e se foi de novo. Foi quando meu vizinho gritou. Só voltou mesmo, dizem, de madrugada. Mas e você do Interior, que está há dias sem água porque faltou luz, ou sem luz porque faltou água?

Sei o que você ouve sobre a falta de luz: é a sobrecarga do sistema por causa do calor. O calor passou a surpreender... Era só o que faltava.

Dizem o mesmo sobre a água: excesso de consumo e reservatórios baixos. Um diretor do Dmae (eu já contei essa história) disse no ano passado que falta água também porque estão comprando muita piscina e, acredite, enchendo as piscinas com água.

Não há sobrecarga de energia, nem queda nos níveis de rios e reservatórios, não há excesso de piscina, não há nada que acalme quem fica sem luz e sem água. A tal sobrecarga (num começo de verão) virou fenômeno banal, corriqueiro, repetido com crueldade todos os anos. O que falta é gestão e investimento. Os cortes de água, no início de uma estiagem, têm a mesma origem.

Porto Alegre tem água e luz estatais. Você, do Interior, sabe que não há diferença nas regiões em que os serviços foram privatizados.

Na quinta, quando faltou luz (e a zona sul já se acostumou com a falta de água também), fiz pelo menos seis tentativas de falar com a CEEE. Por quase duas horas. As posições estavam ocupadas. Nos sonegam até o consolo de uma informação.

Nada é mais primitivo do que ficar sem luz e sem água. Que se recuperem as estruturas de transmissão de energia, que se cavem reservatórios. Nossas cidades estão separadas por mais de 20 séculos da ciência de Tales de Mileto e da engenharia dos dutos de Roma.


Daquela época, temos até as arenas (superfaturadas) para a Copa. Temos arenas, enfrentamos leões e pagamos tarifas de país europeu para serviços precários. Só faltam os bárbaros, ou talvez nem isso falte mais.

30 de dezembro de 2013 | N° 17659
L.F. VERISSIMO

Detalhes, detalhes

Há muitas maneiras de se medir progresso, ou pelo menos mudanças históricas, além dos frios números de uma economia ou além da sociologia convencional. Muitas vezes o detalhe que não é notado é o mais revelador. O Marshall McLuhan (lembra dele?) construiu uma tese inteira em cima da importância da invenção do estribo de cavalo na história do Ocidente. O estribo significou que o aristocrata também passasse a participar das batalhas junto com o pobre soldado a pé, com tudo que isso implicava de novo em questões como relações hierárquicas – e de mortandade entre aristocratas.

A história das armas de guerra, que no fim é a história da civilização, pode ser medida em detalhes como o aumento da distância possível para se matar um inimigo, começando com o olho no olho e o tacape na mão do tempo das cavernas, passando pela espada, a lança, o arco e flecha, a catapulta, o mosquete, o fuzil, o canhão, o bombardeio aéreo etc., e culminando no drone teleguiado, o mais longe que se pode chegar do inimigo sem precisar olhar no seu olho.

Ainda não foi tema de nenhum tratado sociológico, que eu saiba, mas a diferença entre o status do negro nas sociedades norte-americana e brasileira, uma evidentemente racista e outra pretensamente não, pode ser encontrada em um detalhe, a quantidade de pianistas negros nos Estados Unidos em contraste com quase nenhum no Brasil.

O jazz teve duas vertentes, três se você contar os blues: as bandas de rua, que desfilavam, obviamente, sem pianos, e o “ragtime” que era jazz exclusivamente de piano, já tocado, lá nas origens, por músicos negros como Jelly Roll Morton. Pianistas negros pressupõem piano em casa, dinheiro para pagar as aulas, tempo para praticar – ou seja, pressupõem uma classe média.

Em Nova Orleans e em outras capitais do sul dos Estados Unidos, em meio ao apartheid oficial, à discriminação aberta, aos linchamentos e outros horrores, desenvolveu-se uma classe média negra, paralela à branca, com identidade e poder econômico próprios. No Brasil do racismo que não se reconhece como tal, e talvez por causa disto, não aconteceu nada parecido.


Claro, a história econômica dos dois países explica o contraste mais do que racismo declarado ou disfarçado, mas neste detalhe a diferença fica clara. No Brasil, como nos Estados Unidos, existem grandes músicos saídos de todas as classes sociais. Mas ainda não produzimos pianistas negros em número suficiente para desmentir a nossa hipocrisia racial.

domingo, 29 de dezembro de 2013



Pode ser virtual, pode ser pessoal...
Não importa !!!
O carinho de amigo é sempre real... 
Não importa
se nunca nos vimos frente a frente,
mas somos leais e coerentes..
Somos amigos para sempre.


O carinho de uma amizade
não tem distância...
ela vem por linhas,
vem através da nossa telinha
e pelos olhos de quem tem
a felicidade de enxergar...

Amizade Verdadeira existe sim.
Basta a gente acreditar
e fazer acontecer...
Não importa a nação, não importa a língua,
não importa a cor, não importa a origem,
porque todos somos humanos
e descendentes de um só Pai,


Lembre-se apenas
de um só verbo: AMAR.
Feliz Ano Novo !
Com Carinho
FERREIRA GULLAR

Alquimia na quitanda

A realidade é impermeável, enquanto a outra, feita de palavras, amolda-se a nossa insatisfação com o real

Pode ser que, no final das contas, isso que vou dizer aqui não interesse a ninguém, mas é que, numa crônica em que falava das poucas coisas que lembro, esqueci de mencionar uma das que mais me lembro: as bananas que, às vezes, ficavam sem vender e apodreciam na quitanda de meu pai.

Aliás, se bem me lembro, não era na quitanda dele e, sim, na de uma mulata gorda e simpática que, na rua de trás, vendia frutas: bananas, goiabas, tamarindo, atas, bagos de jaca e manga-rosa. Mas o que é verdade ou não, neste caso, pouco importa, porque o que vale é o momento lembrado (ou inventado) em que as bananas apodrecem. E mais que as bananas, o que importava mesmo era seu apodrecer, talvez porque o que conta, de fato, é que ele se torna poesia.

Essas bananas me vieram à lembrança quando escrevi o "Poema Sujo". Jamais havia pensado nelas ao longo daqueles últimos 30 anos. Mas, de repente, ao falar da quitanda de meu pai, me vieram à lembrança as bananas que, certo dia, vi dentro de um cesto, sobre o qual voejavam moscas varejeiras, zunindo.

Haverá coisa mais banal que bananas apodrecendo dentro de um cesto, certa tarde, na rua das Hortas, em São Luís do Maranhão? Pois é, não obstante entrei naquele barato e vi aquelas frutas enegrecidas pelo apodrecer, um fato fulgurante, quase cósmico, se se compara o chorume que pingava das frutas podres ao processo geral que muda as coisas, que faz da vida morte e vice-versa.

E essas bananas outras --não as da quitanda, mas as do poema-- inseriram-se em mim, integraram-se em minha memória, em minha carne, de tal modo que são agora parte do que sou.

Agora, se tivesse de dizer quem sou eu, diria que uma parte de mim são agora essas bananas que, no podre dourado da fantasia, me iluminaram, naquela tarde em Buenos Aires, inesperadamente, tornando-me dourados os olhos, as mãos, a pele de meu braço.

Entenderam agora por que costumo dizer que a arte não revela a realidade e, sim, a inventa? Pois é, as bananas de dona Margarida, apodrecendo num cesto, numa quitanda em São Luís --e que ela depois, se não as vendesse, as jogaria no lixo--, ganharam outra dimensão, outro significado nas palavras do poema e na existência do seu autor. Porque a banana real é pouca, já que a gente a torna mais rica de significados e beleza.

Veja bem, não é que a banana real não tenha ela mesma seu mistério, sua insondável significação. Tem, mas, embora tendo, não nos basta, porque nós, seres humanos, queremos sempre mais. Ou seria esse um modo de escapar da realidade inexplicável?

Se pensamos bem, a banana inventada pertence ao mundo humano, é mais nós do que a banana real. E não só isso: a realidade mesma é impermeável, enquanto a outra, feita de palavras, amolda-se a nossa irreparável insatisfação com o real.

Depois que as bananas podres surgiram no "Poema Sujo", numa situação de fato inventada por mim, e mais verdadeira que a verdadeira, incorporaram-se à memória do vivido, de modo que, mais tarde, elas voltaram, não como invenção poética, mas como parte da vida efetivamente vivida por mim.

Sim, porque criar um poema é viver e viver mais intensamente que no correr dos dias. Por isso, como se tornaram vida vivida, me fizeram escrever outros poemas, já que a memória inventada se junta à experiência real, quando novos momentos também se tornarão memória. Até esgotarem-se, e se esgotam.

Do mesmo modo que não sei explicar como a lembrança das bananas apodrecidas na rua das Hortas voltou inesperadamente naquela dia em Buenos Aires, nem por que, depois de cinco reincidências, a lembrança das bananas cessou, apagou-se, nenhum poema mais nasceu daquela experiência banal, vivida por um menino de uns dez anos de idade sob o calor do versão maranhense.


Foi o que pensei, mas o assunto não morrera. Ao ver uma folha de jornal suja de tinta, onde limpava os pincéis, pareceu-me ser a mesma cor das bananas podres. Recortei o papel em forma de bananas e fiz uma colagem. Logo me veio a ideia de fazer outras para ilustrar os poemas sobre elas. E disso resultou um livro de colagens, com os poemas que preferi escrever a mão.
MAURICIO STYCER

Humor feminino

Tina Fey não vê diferença entre homens e mulheres, mas admite que, às vezes, um não entende a piada do outro

A comediante Tina Fey recorda que, no primeiro programa em que trabalhou como roteirista do "Saturday Night Live", em setembro de 1997, o ator Sylvester Stallone seria o convidado especial.

Ela conta que houve uma dúvida no momento de escalar um dos integrantes da turma do "SNL" para imitar Adrian, a mulher de Rocky, vivida por Talia Shire nos filmes da série. A humorista Cheri Oteri queria o papel, mas "alguém achou que seria mais engraçado colocar o comediante Chris Kattan de vestido".

"Eu me lembro de achar que aquilo era ridículo", escreve Tina Fey. "Na época em que fui embora, nove anos mais tarde, isso nunca teria acontecido. Ninguém teria imaginado nem por um segundo que um cara de vestido seria mais engraçado que uma mulher."

A história está relatada no livro "A Poderosa Chefona" (Best Seller, 272 págs., R$ 35), no qual Tina descreve, com bom humor, a sua infância e a sua trajetória profissional.

A questão de gênero perpassa todo o livro, ainda que Tina evite uma abordagem feminista.

Ao lembrar que Jerry Lewis disse não gostar de nenhuma mulher comediante, ela sugere: "Quando der de cara com a discriminação sexual [...], pergunte a você mesma: Essa pessoa está entre mim e o que quero fazer?'. Se a resposta for não', ignore e siga em frente".

Tina, como se sabe, entrou para a história como a primeira mulher a chefiar a equipe de roteiristas do "SNL", um dos mais tradicionais e importantes programas de humor da TV americana. Na sequência, foi convidada pela rede NBC para desenvolver uma série própria, o que resultou na premiada comédia "30 Rock", com Alec Baldwin, exibida entre 2006 e 2013.

Em 2008, Tina voltou ao "SNL" para uma participação especial que a tornou mundialmente famosa. Por seis semanas, imitou Sarah Palin, então candidata a vice-presidente dos Estados Unidos, na chapa do republicano John McCain. Explorando o despreparo e a caipirice da política, a paródia teve um efeito devastador na campanha.

A certa altura, Tina teve a oportunidade de conhecer Palin, que se ofereceu para contracenar com ela no programa. Diante das críticas que ouviu, ela observa: "Eu não sou cruel e a Sra. Palin não é frágil. Insinuar o contrário é um desserviço a nós duas".

Em outra passagem do livro, Tina diz que sempre perguntam a ela qual é a diferença entre comediantes masculinos e femininos. A sua reposta é evasiva, mas ela admite que, muitas vezes, os homens não fazem ideia do que as mulheres estão falando e vice-versa.

Sempre rindo, ela dá "dicas práticas sobre como se dar bem num ambiente dominado por homens". A saber: "Não use rabo de cavalo nem tomara que caia. Chore moderadamente. Ao escolher parceiros sexuais, lembre-se: o talento não é sexualmente transmissível. Mais uma coisa: não coma nada diet em reuniões".


Capa de inúmeras revistas ao longo de sua carreira, ela diz: "Deveria ser completamente obrigatório as revistas darem crédito à pessoa que fez o Photoshop, assim como fazem com a maquiadora e o cabeleireiro". Como todo bom humorista, homem ou mulher, Tina Fey sabe rir de si mesma.
ELIO GASPARI

A privataria petista mora nos detalhes

A privatização dos aeroportos da Viúva pode virar um grande espetáculo de especulação imobiliária

Durante o tucanato converteram-se papéis podres de dívidas da União em moeda corrente, juntaram-se financiamentos do BNDES, dinheiro dos fundos de pensão estatais e torrou-se a patrimônio do Viúva na festa da privataria. O comissariado petista diz que não faz isso, pois não vende o que é da Boa Senhora. Tomando-se o caso dos leilão dos aeroportos, resulta que fazem diferente, e pior.

Em novembro a Odebrecht, associada a uma operadora de aeroporto de Cingapura, arrematou a concessão do Galeão por R$ 19 bilhões. Quem ouve uma coisa dessas acredita que o futuro chegou. As vítimas da Infraero pensam que se livrarão do dinossauro e que o novo dono investirá seu dinheiro no aeroporto para torná-lo uma vitrine da cidade. Não é bem assim. A Infraero continua com 49% do negócio, e o velho e bom BNDES, mais um fundo de investimentos estatal, botaram R$ 1,4 bilhão na operadora de transportes da Odebrecht. Somando-se essa participação à da Infraero, a Viúva fica com mais de 50% do Galeão.

Pode-se argumentar que a gestão ganhará a eficácia da iniciativa privada, mas ganha uma passagem de ida a Davos quem sabe onde terminam os braços das empreiteiras e onde começa o Estado dos comissários. Ganha a passagem de volta quem sabe onde termina a máquina de administração de serviços do Estado e onde começa a das empreiteiras.

Até aí, ainda haveria lógica, mas, conforme o repórter Daniel Rittner revelou, as empreiteiras que arremataram as concessões dos aeroportos de Guarulhos, Brasília e Viracopos querem fazer uma pequena mudança nos contratos assinados em 2012. Pelo que se acertou, as concessionárias podem construir hotéis, centros de convenções e torres de escritórios nas áreas arrendadas, explorando-os por períodos de 20 a 30 anos. Agora, uma associação de concessionários cabala a prorrogação da posse dessas melhorias. Nesse caso, o negócio não é administrar aeroporto, mas explorar empreendimentos imobiliários. Parece a piada do chinês de Nova York: "Meu negócio é a tinturaria, venda de cocaína é disfarce".

A privataria tucana patrocinava grandes tacadas iniciais, a petista move-se suavemente nas mudanças dos contratos. Cada mudança, um negócio. Para quem quer desmoralizar o país como destino de investimentos estrangeiros, nada melhor. Nem a criatividade dos advogados da bancada da Papuda seria suficiente para explicar a uma empresa que entrou no leilão de um aeroporto e teve seu lance superado que devia ter previsto a possibilidade da extensão do período de exploração dos empreendimentos imobiliários.

A doutora Dilma deve botar sobre sua mesa um talonário do jogo do bicho carioca: "Casa Lotérica São Jorge, vale o que está escrito".

PRIVATARIA NO RIO

A Prefeitura do Rio e o Instituto do Patrimônio Histórico continuam apanhando dos aproveitadores que privatizaram o espaço público e tombado do Aterro do Flamengo.

O Iphan embargou a construção do Cirque do Soleil na Marina da Glória, a empresa que explora o espetáculo recorreu, e o próprio instituto voltou atrás. Jogo jogado. Ninguém está aqui para cortar a alegria de quem quer ir ao circo nem para atrapalhar os negócios de quem oferece festas ao povo.

A área do Aterro foi tombada pelo Iphan nos anos 60. Ali não podem ser montados circos nem mafuás. Quando Eike Batista tinha os poderes da kriptonita que faziam dele um super-homem, tentou transformar a Marina num centro de convenções anexo ao Hotel Glória. Para isso, contou com o estímulo da Prefeitura do Rio e com a distração do Iphan. Deu no que deu.

Tudo o que se pede é que o Iphan e a prefeitura anunciem que, com o fim da temporada do circo, o Aterro estará blindado, como manda a lei.

GUIDO VANDERBILT

Diante do avanço do Imposto de Renda sobre o andar de baixo, o ministro Guido Mantega recusou-se a discutir o assunto.

É o modelo Alice Vanderbilt. Um dia ela chegou atrasada a um jantar porque seu motorista não lembrava direito o endereço. Ela lembrava, mas não dirigia a palavra a criados.

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo transferirá seu domicílio eleitoral para o Estado do Paraná. Quer votar em Gleisi Hoffmann. Graças a ela, aprendeu que "não temos como evitar chuvas".

O cretino acreditava que o PT cuidaria disso, mas viu-se gratificado com a demonstração de modéstia da comissária.

BARROSO, A ESCOLHA FELIZ DOS COMISSÁRIOS

Se o ministro Luiz Fux foi uma decepção para o comissariado, seu colega Luís Roberto Barroso surge como uma surpresa alentadora. Num caso pode ter ocorrido um erro tático, no outro deu-se um acerto estratégico.

A simpatia dos comissários decorre da antiga militância do doutor Barroso na defesa de uma modalidade de voto de lista e na enfática condenação do atual sistema eleitoral. Ele aceita sistema distrital misto, com lista e voto majoritário, mas nem ele nem ninguém explicou como serão desenhados os distritos, fonte de corrupção na atual política dos Estados Unidos.

Num artigo para a revista eletrônica "Consultor Jurídico", Barroso classificou o "atual sistema de voto proporcional e lista aberta" como "antidemocrático e antirrepublicano". Direito dele, mas trata-se de algo decidido pelo competente poder democrático e republicano, que é o Congresso. Ainda não apareceu jurisconsulto palaciano defendendo que essa atribuição seja passada aos tribunais.

Barroso sustenta que, depois das sentenças do mensalão e da ida do povo para a rua, o país precisa de:

1) "A alteração drástica do sistema político, na qual o dinheiro sem procedência é o personagem principal."

2) A reforma do sistema punitivo brasileiro, "seletivo, racial e classista".

Precisa, mas faltou dizer que convém botar mais gente na cadeia, visto que "dinheiro sem procedência" não anda sozinho. É preciso que alguém o ponha no bolso.

Atualmente, o dinheiro rola porque, além das doações legais, há o caixa dois. Quando o Supremo proíbe as doações ilimitadas de empresas, trava apenas o ervanário com procedência. Nenhum tostão do mensalão saiu de doações legais. Para conter o dinheiro ilegal só há um caminho: o medo da Papuda, e povoá-la é função do Judiciário.

Isso tudo pode acabar na realização do sonho petista do financiamento público das campanhas. (Com o PT recebendo a maior fatia desses recursos.) Junto com o voto de lista, resultará no seguinte: o eleitor paga pelas campanhas e ainda por cima perde o direito de dizer que votou no candidato de sua escolha, pois quem fixa a ordem de sagração dos parlamentares é o partido.


No atual sistema, houve eleitores que votaram em Delfim Netto e foi para a Câmara Michel Temer. Coisa esquisita, mas o cidadão sempre poderá dizer que votou em Delfim. E o caixa dois? Barroso acredita que ele acaba.