31
de outubro de 2012 | N° 17239
PAULO
SANT’ANA
A morte de um jornal
Circula
hoje pela última vez, creio que por falência múltipla dos órgãos, um dos
melhores jornais brasileiros de todos os tempos: o Jornal da Tarde, com sede em
São Paulo.
A
maior manchete que li entre todas as famosas manchetes do Jornal da Tarde deu-se
quando tomava posse no Chile o presidente comunista Salvador Allende.
Travou-se
um dilema entre o presidente eleito e o protocolo para a cerimônia de posse: ele
se recusava a usar casaca para o ato e também, como comunista convicto, não
queria que se rezasse missa, o que sempre foi ritual de todas as posses
presidenciais.
Houve
uma negociação entre Allende e o protocolo e chegaram a um meio-termo: ele não
usaria casaca mas seria rezada a missa.
O
Jornal da Tarde, na véspera da posse, estampou a seguinte manchete: “Amanhã,
depois da missa, o comunismo no Chile”.
Outro
título célebre do Jornal da Tarde aconteceu quando em uma partida noturna
disputada pelo Santos no interior paulista, pelo campeonato estadual, o time de
Pelé venceu por 8 a 0, os oitos gols de autoria de Pelé.
O
Jornal da Tarde lascou o seguinte e genial título: “Noite negra de Pelé”.
O
Jornal da Tarde foi uma universidade do jornalismo, seus textos eram apurados,
foram levados para trabalhar lá grandes repórteres e, acima de tudo, algumas
das pessoas que melhor escreviam no país.
Meu
amigo Marcos Faerman foi um dos melhores jornalistas que trabalharam no Jornal
da Tarde e obteve reportagens espetaculares.
O
Jornal da Tarde foi criado durante a ditadura militar e eu me lembro que não
deixava de lê-lo por um só dia.
Um
jornal, quando é extinto, significa a tristeza do pensamento, a desolação das
ideias. Desejo que este jornal em que escrevo, a Zero Hora, que tem 48 anos de
existência e na qual trabalho há 41 anos sem tirar férias, nunca seja extinto.
O
que eu mais desejaria é que daqui a 52 anos, quando Zero Hora completar o seu
centenário, em algum canto da edição comemorativa fossem lembrados para os pósteros
alguns pensamentos que esculpi nas mais de 17 mil colunas que já escrevi neste jornal.
E
que fossem lembrados todos que passaram por Zero Hora e construíram este periódico
glorioso em que a História do Brasil se confundiu num êxtase de informação e
opinião que tornaram nosso jornal forte como um rochedo.
É muito
triste que tenha morrido o Jornal da Tarde.
Jornais
não deveriam morrer assim como as espécies. Eles tinham de ser tombados para a
eternidade.
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