segunda-feira, 31 de maio de 2010



Oficial tomba na guerra urbana

Tenente-coronel do 18º Batalhão de Infantaria Motorizada foi morto por assaltantes ao negar-se a entregar chaves do carro

Militar experiente de infantaria, o tenente-coronel César Luis Bezerra Sylos era treinado para o combate corpo a corpo até na selva amazônica. Subcomandante do 18º Batalhão de Infantaria Motorizado (18º BIMtz), estava à frente de uma das unidades de elite do Exército. No sábado à tarde, aos 47 anos, tombou morto a tiros por ladrões que atormentam motoristas e comerciantes em Sapucaia do Sul.

Sylos foi surpreendido quando entrava à paisana em um supermercado. Ele se negou a entregar a chave da sua S-10 a bandidos que tentavam fugir após assalto ao estabelecimento.

Foi também por instinto de pai que Sylos reagiu à abordagem dos ladrões. O militar queria evitar que a caminhonete dele fosse levada pelos bandidos, pois a filha adolescente estava a sua espera dentro do carro, estacionado a meia quadra da entrada do supermercado Pague Menos, no bairro Piratini, distante cerca de um quilômetro do apartamento do militar.

Conforme informações da Brigada Militar, depois de recolher pertences de vítimas e R$ 1,3 mil dos caixas do comércio, dois bandidos exigiram um carro para fugir. Pegariam um veículo dos donos do estabelecimento, mas na confusão – havia mais de 30 clientes no local – os proprietários se desvencilharam dos bandidos.

– Vi dois aqui dentro. Eram muito violentos. Me agrediram com coronhadas na cabeça, e quando a gente conseguiu escapar para os fundos, eles se atrapalharam. Iam saindo na porta e viram o senhor (Sylos) carregando a chave do carro. Estamos arrasados – relembrou ontem o comerciante Marco Aurélio Weide, 31 anos.

Um dos criminosos agarrou a mão do militar, que, sem perceber o que se passava, fez um movimento brusco, puxando o braço.

– Isso é assalto – gritou o bandido, irritado.

Polícia faz retratos falados, e BM vigia acessos a Sapucaia

O militar começou a caminhar para trás, saindo para a rua. Segundo informações da BM, Sylos teria tentado sacar da cintura sua pistola calibre nove milímetros. Os bandidos perceberam a intenção de Sylos e abriram fogo. Mesmo que conseguisse pegar a arma, possivelmente o oficial perderia tempo até poder disparar. Seguindo norma do Exército, a pistola de Sylos não estaria pronta para disparar – o pente tinha munição, mas não havia cartucho na câmara (junto ao cano).

– Ele precisaria fazer o que chamamos de golpe de segurança. A arma estava alimentada, mas, provavelmente, não municiada – afirmou o major Ronie Coimbra, comandante da BM em Sapucaia do Sul.

Na Brigada, por causa do risco iminente de confronto, os PMs são orientados a sempre usar pistolas prontas para o disparo. Sylos foi atingido por três tiros – o primeiro no ombro esquerdo e outros dois nas costas.

– Foi muito triste ver a cena do militar no chão e a filha, ao celular, ligando para a mãe – lamentou a comerciante Nelcina Weide, 62 anos.

Socorrido por PMs, Sylos foi levado ao hospital, onde morreu. Os bandidos fugiram em direção a Novo Hamburgo num Palio vermelho quatro portas. Dois suspeitos foram identificados pela Polícia Civil, que elaborou retratos falados. Eles seriam conhecidos por envolvimento em assaltos, mas até a noite permaneciam foragidos.

– Vamos pegá-los – garantiu o delegado regional Edilson Chagas Paim.

Segundo ele, uma equipe extra com seis policiais foi integrada à 1ª DP para reforçar as investigações. A BM incrementou o patrulhamento nas ruas com barreiras nos principais acessos a Sapucaia e cidades vizinhas.

joseluis.costa@zerohora.com.br

Ainda que com falta de segurança e vivenciando esses dramas e tragédias que possamos ter uma linda segunda-feira e uma semana gostosa. Esta que encerra maio para dar lugar a junho que vem ai


31 de maio de 2010 | N° 16352
Paulo Sant’Ana


A morte sob o tapete

Divulga-se que de 2002 para cá cerca de 45 mil brasileiros sofreram amputação de pernas, pés e dedos, originada em diabetes sem diagnóstico.

Funciona assim: os pacientes não sabem que têm diabetes, quando acorrem aos hospitais com feridas, não podem mais evitar a amputação de seus membros, em fase adiantada de necrose.

Essa é uma das faces trágicas da pobreza e omissão do serviço de saúde pública brasileiro.

Não só o diabetes apresenta este quadro, também a tuberculose e a dengue, que em grande parte das vezes só têm revelado seu diagnóstico tardiamente, depois que as lesões se tornam irreversíveis.

Tal é a sorte da população brasileira abandonada pelo sistema de saúde.

Entidades dedicadas à prevenção e combate de doenças afirmam que o número de 45 mil amputações entre 2002 e 2010 é subavaliado: se só no Rio de Janeiro, apenas em 2009, houve quase mil amputações, como pode em todo o país, em oito anos, ser de apenas 45 mil o número de amputados?

Dizem essas entidades que o número real de amputados no Brasil é de 40 mil por ano.

A exemplo da tuberculose, da hanseníase e da dengue, a omissão do sistema de saúde em diagnosticar diabetes, com os pacientes só conhecendo que têm as doenças quando suas lesões se tornam irreversíveis, atira milhões de pessoas à desgraça.

Este fato revela que em matéria de saúde pública o Brasil vive no tempo das cavernas.

E não só por falta de recursos, muitas vezes o SUS gasta mais com moléstia diagnosticada tardiamente do que teria gasto se houvesse prevenção.

Eu desabo no mais profundo desânimo quando venho a saber que 40 mil brasileiros têm suas pernas, pés e dedos amputados por simplesmente não saberem que eram portadores de diabetes.

São 45 mil pessoas amputadas por ano. 45 mil que se tornam inúteis e deficientes, marginalizando-se no meio social.

Isso é um holocausto, uma hecatombe.

O nosso sistema de saúde é dominado pela hipocrisia, ele sabe que as pessoas morrem aos milhões sem assistência médica, ele conhece que outros milhões restam mutilados por diagnóstico tardio ou pela fila angustiante da cirurgia, vai fazendo o que pode, mas esconde debaixo do tapete uma mancha escabrosa de morte e de dor em milhões de brasileiros desassistidos.

O SUS gasta muito dinheiro e ainda assim presta relevantes serviços ao país. Mas carece de uma carga maior, muito maior de recursos.

Nem o governo Fernando Henrique, nem o governo Lula tiveram coragem para enfrentar a questão da Saúde e se notabilizaram em deixar como rastro de seus mandatos a chaga escabrosa de milhões de mortos, mutilados, aleijados, amputados, na fila das cirurgias e das consultas ou nas sombras do não diagnóstico.

Só se poderia regenerar esta vergonhosa omissão se quem suceder a Lula decretar como questão prioritária nacional a Saúde.

Como isso, a julgar pela pré-campanha à Presidência, não vai acontecer, continuaremos mergulhados num mar de choro e ranger de dentes.

A saúde no Brasil é presidida pela morte.


31 de maio de 2010 | N° 16352
L. F. VERISSIMO


A Curva dos Olhos D’Água

Já contei como foi meu primeiro encontro com o Latim na escola. Não houve encontro. Quando descobri que o Latim fazia parte do currículo no novo ano letivo decidi que aquilo não era para mim e fugi. Troquei as aulas de Latim por passeios perto da escola.

Até hoje não sei como nunca fui pego gazeando as aulas. Ainda se diz “gazear”? A escola ficava no alto de um morro e no pé do morro ficava o Jockey Club de Porto Alegre, o Prado. Na hora do Latim, eu descia o morro e ia ver os cavalos treinarem.

Fui um frequentador tão assíduo destes exercícios matinais que um dia me vi até segurando um balde para um treinador que escovava seu cavalo. Depois subia o morro e voltava à escola. No exame oral de fim de ano, o professor de Latim apertou minha mão e disse “Muito prazer”, pois só me conhecia de nome. Tive que repetir o ano, claro.

Infelizmente, minha frequência nos bastidores do hipódromo não me transformou num expert em cavalos e corridas. Só o que aconteceu foi que passei a acompanhar o noticiário do Jockey, que naquele tempo ocupava bastante mais espaço nos jornais e nas rádios do que hoje, pelo menos em Porto Alegre.

E gostava de ler a descrição das corridas nos jornais ou ouvi-las sendo narradas no rádio. A primeira curva da pista do Prado depois da reta de chegada era chamada de Curva dos Olhos D’Água. Eu achava bonito aquilo: Curva dos Olhos D’Água.

Nunca descobri se havia mesmo vertentes atrás da curva, para justificar o nome. Preferia pensar que a razão do nome era puramente poética. Como a que inspiraria, anos depois, o Chico Buarque a compor a sua “Morena dos olhos d’água” , a única outra referência literária à expressão que eu conheço.

Quando o Jockey Club mudou de lugar, fizeram um parque no local e, que eu saiba, não encontraram olhos d’água no terreno. Talvez fosse mesmo apenas literatura.

Cheguei a pensar que se um dia escrevesse um livro sobre aquele garoto que fugia do Latim e ia ver os cavalos, o título seria “A Curva dos Olhos D’Água”. Significando nada, apenas para não desperdiçar o nome. Como o livro não sairá, vai uma crônica mesmo.


31 de maio de 2010 | N° 16352
KLEDIR RAMIL


Quanto vale uma vaca?

Li em um jornal uma matéria dizendo que o empresário Olavo Monteiro de Carvalho vendeu, em leilão, uma vaca por R$ 2,5 milhões. A vaca chama-se Essência Santarém e, detalhe interessante, Dr. Olavo vendeu apenas 75% da vaca.

Não entendi se ele cortou a pobre coitada e ficou com um pedaço, ou se arranjou um sócio para participar do negócio. Espero que a opção tenha sido essa. Eu não entendo nada de agrobusiness, mas uma vaca desse valor não deve ser pra fazer churrasco. Se for, vão comer a Essência como se fosse um caviar especial, com colherinha pequena.

Fiquei pensando... se uma vaca vale tudo isso, quanto deve valer um ser humano? Aproveitei um jantar em família e perguntei qual seria o meu valor em um leilão. Minha filha deu um lance de R$ 200, e o moleque subiu para R$ 220. Minha mulher estalou a língua, deu de ombros e mudou de assunto. Continuei sem saber quanto eu valho.

Resolvi pesquisar sobre o assunto na internet e descobri que existe um mercado de gado de elite. Tipo assim, uma aristocracia bovina, uma divisão de classes, como fazem com a gente. A nobreza pra lá e nós, o Zé Povinho, pra cá. Vasculhei um pouco mais e levantei que, no mercado dos simples mortais que inclui açougues e supermercados, uma vaca de corte custa em torno de R$ 600. Faz mais sentido, é três vezes o que ofereceram por mim.

No tal mercado de gado de elite, existem algumas celebridades como Dona Elegance, que é considerada a segunda vaca mais cara da história. Deve estar valendo uns R$ 5 milhões. A número 1 é cercada de mistérios. Provavelmente não quer ver seu nome nas revistas de fofocas. Sabe-se apenas que é uma “fêmea da raça Nelore”.

Deve valer o preço de uma fazenda inteira. Ou várias fazendas. Uma coleção de Ferraris. Acontece que Ferrari não dá cria, esse é o pulo do gato. Ou melhor, o pulo da vaca. O que valoriza um animal é a genética, a sua capacidade de reprodução.

Peraí... Se a questão é saber fazer filhos, tenho dois espécimes aqui em casa, da melhor qualidade. É só eu começar a exibir como amostra e pronto, meu valor de mercado vai disparar. Já imaginou?

Entusiasmado com essa possibilidade, resolvi entrar no negócio e me oferecer em leilão. Lance mínimo R$ 240.
Quem dá mais?

domingo, 30 de maio de 2010


FERREIRA GULLAR

Quem mantém o tráfico é o usuário

Só uma operação em larga escala, que envolva famílias, escola e Estado, poderá deter o avanço da droga

SEI QUE o combate às drogas é um assunto polêmico e realmente de difícil solução. Sei também que as pessoas que se empenham nesse combate estão de boa-fé e convencidas das posições que defendem.
Um dos pontos mais difíceis de abordar é a repressão ao usuário de drogas, que é visto não como um contraventor, mas como uma vítima da dependência química.

De fato, não teria sentido tratar o viciado, que não consegue livrar-se da droga, do mesmo modo que o traficante, que se vale disso para ganhar dinheiro. Não obstante, me pergunto se todos os que consomem drogas são efetivamente dependentes, sem condição de livrar-se delas.

Já abordei aqui este assunto, quando usei do seguinte argumento: assim como a maioria dos consumidores de bebidas alcoólicas não é constituída de alcoólatras, também a maioria dos consumidores de drogas as consome socialmente.

Em grande parte, é gente de classe média alta e até mesmo executivos. Não podem ser vistos pelas autoridades do mesmo modo que os consumidores patológicos.
Este é um aspecto importante a ser considerado no combate às drogas, uma vez que o consumidor é o fator decisivo para a manutenção ou extinção do tráfico: não haverá comércio de drogas se não houver quem as compre. Sem consumidor, não há produção nem mercado.

Insisto neste ponto porque, como disse acima -e todos o sabem- será impossível extinguir o tráfico (e mesmo reduzi-lo drasticamente) se o número de consumidores se mantiver alto. E o fato é que o consumo de drogas cresce de ano para ano.

Se se admite, portanto, que é o consumidor quem garante a existência e expansão do tráfico, não resta dúvida de que é nele -no consumidor- que reside a chave do problema.

Atualmente, prepondera o combate direto ao tráfico, de que resulta uma verdadeira guerra, travada, quase sempre, nos subúrbios e nas comunidades pobres, que enfrentam grandes dificuldades para se manter e a suas famílias, e pagam alto preço pelas consequências dessa guerra.

E ao que tudo indica, com poucos resultados positivos. O tráfico continua a se expandir, envolvendo em suas malhas jovens cada vez mais jovens e até mesmo crianças cooptadas em suas escolas.
Paremos para refletir: se é o consumidor que mantém o comércio de drogas, não é evidente que o modo efetivo de combatê-lo é reduzir progressivamente o número de consumidores?

O erro cometido até aqui -se não me equivoco- terá sido reprimir tanto o traficante quanto o usuário de drogas, sem distinguir entre estes os que se drogam por necessidade patológica e os que o fazem socialmente. Mas, de qualquer maneira, a simples repressão, tanto ao usuário quanto ao traficante não resolverá o problema.

Por estar convencido disso, proponho que se encare essa questão a partir do consumidor, ou seja, impedindo que o número destes continue a crescer e, mais que isso, tentar reduzi-lo progressivamente.
Talvez as pessoas, que ainda não refletiram seriamente sobre o problema, tenham dificuldade de considerá-lo em sua verdadeira dimensão.

Sem exagero, a droga, como fenômeno mundial, pode ameaçar a própria civilização, já que se vale da juventude, isto é, daqueles que amanhã terão a sociedade em suas mãos.
Afora isso, a simples destruição de uma vida ou de uma família já justificaria todo o esforço possível para resolver tal problema. Por essa razão mesmo, acredito que o objetivo principal da luta a ser travada é manter os jovens e as crianças fora do alcance do traficante.

Estou convencido de que só uma operação em larga escala, que envolva não apenas as famílias, mas também a escola e os órgãos do Estado, poderá deter o avanço da droga. Não se trata de simplesmente promover uma campanha de esclarecimento, acreditando que isso seria suficiente. Não o seria.

Trata-se, a meu ver, de um trabalho permanente a ser desenvolvido por todos os setores da sociedade, devidamente organizado e mantido, evidentemente, pelo governo, com a participação da sociedade.

Um trabalho de reeducação e esclarecimento em caráter permanente, visando o futuro, mas implantado depois de muita reflexão e cuidadosamente elaborado. Tarefa para os novos governantes.

DANUZA LEÃO

Quem é ela?

Mas a ex-ministra tem andado tão alegre que não sei qual é a verdadeira Dilma

EM 2009, ESCREVI uma coluna, neste mesmo espaço, em que dizia ter medo de Dilma Rousseff. Tinha minhas razões; até aquele dia nunca havia visto d.Dilma sorrir, e cansei -estou cansada até hoje- de ouvi-la falar de "projetos", sempre com o olho duro e o dedo em riste.

Mas a ex-ministra tem andado tão simpática, tão alegre, tão feliz, que não sei qual é a verdadeira Dilma: se a de antes ou se a de agora. Não é possível que o que era branco vire preto, ou vice-versa, que as pessoas possam mudar tanto assim. E os que gostavam da ex-Dilma, a durona, como é que ficam?

Talvez a verdadeira Dilma seja essa de agora; não foi em vão que no início do seu tour pelo Brasil ela inventou um figurino onde prevaleciam os babados. Isso talvez fosse um sonho da juventude que ela não teve, no tempo em que era barra-pesada e segurava uma metralhadora como se fosse um ramo de flores.

Quando o marqueteiro disse que ela tinha que usar terninhos, ela obedeceu, mas logo seu lado feminino falou mais alto. Ela importou o melhor, mais famoso e mais caro cabeleireiro de São Paulo (Kamura, o mesmo de Marta Suplicy) para mudar o visual e começou a prestar mais atenção à maquiagem. Mas bom mesmo foi ver a foto da candidata em Nova York, assumindo o seu papel de mulher-perua e fazendo compras.

A imagem de Dilma, num radiante dia de sol em NY, acompanhada de Marta Suplicy e seu novo namorado, foi um alívio para os corações: enfim, Dilma é uma mulher normal, vaidosa e consumidora, que não resiste a uma liquidação. Vou dar um pequeno palpite -construtivo- no visual da ministra: as mechas do cabelo têm que ser menos avermelhadas.

Só falta arranjar um namorado, mas tendo Marta -que não nos esqueçamos, é, ou foi, sexóloga- como maior amiga de infância, será fácil. E por que não? Se Sarkozy se casou com Carla Bruni já no exercício da Presidência, por que o Brasil não dá ao mundo mais um sinal de sua modernidade?

Não se pode mandar nos pensamentos: eu começo a escrever sobre uma coisa, a cabeça vai para outro lado e já estou aqui imaginando como seria o namorado de Dilma. Ah, eu não tenho nada a ver com isso? Mas se Lula se meteu no imbróglio do Irã, sem ter nada a ver, então eu também posso me meter na (futura?) vida sentimental da candidata.

O namorado tem que ser do PT, é claro, e ter uma situação pessoal sólida, para que fique claro que foi um casamento por amor. Se for grisalho, daria um ar de respeitabilidade, mas não consigo imaginar se o casamento será antes ou depois das eleições, isso é assunto para marqueteiro; marqueteiro ou Marta Suplicy, que está assim, ó, com a ex-ministra.

Aliás, ela poderá ajudar não só no terreno sentimental como também no fashion, pois tem experiência no assunto: casou-se no meio do tiroteio de uma eleição, com estola de mousseline e um grande chapéu de crina. Lula será padrinho, claro, e d. Marisa vai usar um vestido vermelho; há sete anos esta continua sendo sua grande e única contribuição ao país.

A candidata está vivendo uma adolescência tardia, mas vai ter que resolver essa crise de identidade e decidir, afinal, quem é Dilma Rousseff.

danuza.leao@uol.com.br

ELIANE CANTANHÊDE

Nervosos

BRASÍLIA - Barack Obama pode até se esforçar para amenizar o clima de desconforto e até de irritação entre o Brasil e os EUA, mas que esse clima existe, existe.

A Casa Branca e a Secretaria de Estado não ficaram nada felizes com a publicação na Folha da íntegra da carta de Obama estimulando Lula a tentar o acordo com Irã e Turquia. Quando o acordo saiu, os EUA tiraram o corpo fora e aumentaram a pressão por sanções ao regime iraniano. Pimba! O Brasil vazou a carta. Foi legítima defesa.

Após classificar a ação diplomática brasileira no Irã de "ingênua", Hillary Clinton subiu o tom. Agora diz que o acordo nuclear só deu mais tempo aos iranianos, "torna o mundo mais perigoso" e transforma as divergências do Brasil com os EUA em "muito sérias".

A boa notícia na nova Estratégia de Segurança dos EUA é que cita o Brasil mais vezes do que a anterior, de George W. Bush. A má é que o documento faz uma diferenciação quase malvada. Enquanto Rússia, Índia e China são chamados de "centros de influência fundamentais", o Brasil -o "B" dos Bric- é empurrado para o lado da África do Sul e da Indonésia como "nação de crescente influência". Segundo time dos emergentes?

A vinda de Obama ainda no primeiro semestre, como parecia ter sido praticamente acertado com Hillary em Brasília, foi simplesmente descartada. Com a eleição presidencial muito polarizada, Lula a mil por hora e o Irã no meio, ele certamente achou mais prudente ficar quieto em Washington.

Está evidente que algo não vai bem. O que não é tão evidente é por que o Brasil parece estar saboreando esse embate com a potência de US$ 14 trilhões de PIB. Algum motivo há de ter. Óbvio não é.

Boas relações não se fazem apenas com convergências, mas administrando divergências. O problema é quando elas deixam de ser "ingenuidade" e se tornam "muito sérias". E acompanhadas de tantas trombadas e interrogações

CARLOS HEITOR CONY

O cão e o gato

RIO DE JANEIRO - É comum, na vida de um escritor profissional, passar por vexames às vezes contra, às vezes a favor de sua atividade. Já fui confundido com Nelson Rodrigues, Fernando Sabino e Sérgio Porto. No início eu tentava corrigir o engano, não esta obra não é minha, mas com a repetição do equívoco, fui me habituando.

Quando me elogiam pelo fato de ter escrito "Toda nudez será castigada", respondo modestamente: não é das minhas melhores coisas.

Não faz muito, em Belo Horizonte, um senhora me cumprimentou pelo fato de ter dito ou escrito esta frase: "A máquina de escrever é um cão, o computador é um gato". A frase é boa, eu gostaria de assinar embaixo, mas não é minha, honestamente, não sei de quem é.

Entrando no mérito: realmente, a velha e aposentada máquina de escrever tinha com o dono a fidelidade de um cão. Nunca o traía, estava sempre a seu serviço. Fazendo uma porcaria ou uma obra prima, ela o obedecia, não tomava a iniciativa de ajudar, de o corrigir, de o completar.

O computador tem o charme de um gato, que os egípcios adoravam como deus e como Guimarães Rosa achava que tinha a fonte da sabedoria. Mas os gatos têm vida e responsabilidade próprias, dão bola ao dono quando querem, quando estão dispostos. Tendem a ser independentes, a se virarem sozinhos.

O computador é assim, não chega a ser rebelde (às vezes é), mas está programado para uma vida particular. Recusa-se a obedecer, a se aliar ao dono, busca e encontra caminhos próprios, oferece o que não queremos e geralmente nega o que precisamos.

O universo virtual da informática tem o fascínio de um gato angorá, de uma gata lasciva de olhos fosforescentes. Preciso dela, mas evito me envolver demais, submeter-me ao seu encanto.

sábado, 29 de maio de 2010



30 de maio de 2010 | N° 16351
MARTHA MEDEIROS

A elegância do conteúdo

Pouco valerá se formos uma nação de medíocres com dinheiro

De ferramentas tecnológicas, qualquer um pode dispor, mas a cereja do bolo chama-se conteúdo. É o que todos buscam freneticamente: vossa majestade, o conteúdo.

Mas onde ele se esconde?

Dentro das pessoas. De algumas delas.

Fico me perguntando como é que vai ser daqui a um tempo, caso não se mantenha o já parco vínculo familiar com a literatura, caso não se dê mais valor a uma educação cultural, caso todos sigam se comunicando com abreviaturas e sem conseguir concluir um raciocínio.

De geração para geração, diminui-se o acesso ao conhecimento histórico, artístico e filosófico. A overdose de informação faz parecer que sabemos tudo, o que é uma ilusão, sabemos muito pouco, e nossos filhos saberão menos ainda.

Quem irá optar por ser professor não tendo local decente para trabalhar, nem salário condizente com o ofício, nem respeito suficiente por parte dos alunos? Os minimamente qualificados irão ganhar a vida de outra forma que não numa sala de aula. E sem uma orientação pedagógica de nível e sem informação de categoria, que realmente embase a formação de um ser humano, só o que restará é a vulgaridade e a superficialidade, que já reinam, aliás.

Sei que é uma visão catastrofista e que sempre haverá uma elite intelectual, mas o que deveríamos buscar é justamente a ampliação dessa elite para uma maioria intelectual. A palavra assusta, mas entenda-se como intelectual a atividade pensante, apenas isso, sem rebuscamento.

O fato é que nos tornamos uma sociedade muito irresponsável, que está falhando na transmissão de elegância. Pensar é elegante, ter conhecimento é elegante, ler é elegante, e essa elegância deveria estar ao alcance de qualquer pessoa.

Outro dia conversava com um taxista que tinha uma ideia muito clara dos problemas do país, e que falava sobre isso num português correto e sem se valer de palavrões ou comentários grosseiros, e sim com argumentos e com tranquilidade, sem querer convencer a mim nem a ninguém sobre o que pensava, apenas estava dando sua opinião de forma cordial. Um sujeito educado, que dirigia de forma igualmente educada. Morri e reencarnei na Suíça, pensei.

Isso me fez lembrar de um livro excelente chamado A Elegância do Ouriço, de Muriel Barbery, que conta a história de uma zeladora de um prédio sofisticado de Paris. Ela, com sua aparência tosca e exercendo um trabalho depreciado, era mais inteligente e culta do que a maioria esnobe que morava no edifício a que servia.

Mas, como temia perder o emprego caso demonstrasse sua erudição, oferecia aos patrões a ignorância que esperavam dela, inclusive falando errado de propósito, para que todos os inquilinos ficassem tranquilos – cada um no seu papel.

A personagem não só tinha uma mente elegante, como possuía também a elegância de não humilhar seus “superiores”, que nada mais eram do que medíocres com dinheiro.

A economia do Brasil vai bem, dizem. Mas pouco valerá se formos uma nação de medíocres com dinheiro.


30 de maio de 2010 | N° 16351
MOACYR SCLIAR


Primos

Todos nós, os índios inclusive, temos origem próxima ou remota em algum outro lugar da Terra

Uma vez, fui a Brasilia para dar a palestra inaugural num evento literário promovido pela Secretaria de Cultura do DF. O governador Cristovam Buarque estava presente e, ao final, gentil como sempre, convidou-me para jantar. Antes, porém, ele tinha um compromisso: deveria comparecer à inauguração da representação diplomática da Autoridade Palestina no Brasil e sugeriu que eu o acompanhasse. Fomos.

A representação fora instalada numa grande casa situada no setor diplomático da capital. Quando lá chegamos, várias pessoas estavam reunidas na sala principal, e o governador foi saudado com entusiasmo.

Dirigindo-se ao público, e da maneira informal que o caracteriza, disse que era um prazer estar ali etc., acrescentando que acompanhava-o um escritor brasileiro, conhecido por seus livros sobre temática judaica.

Informação problemática, como vocês podem imaginar, e quem sabe até imprudente, tanto que, por um momento fez-se silêncio, tenso silêncio.

Mas logo o representante palestino olhou para mim, abriu os braços e bradou alegremente:

– Primo!

Não foi exatamente primo que ele disse, e sim “brimo”, mas aquilo quebrou o gelo. De imediato, nos abraçamos e ficamos ali por uma boa meia hora, batendo papo.

Lembrei disso há uns dias quando a Editora Record lançou um livro chamado, exatamente, Primos. Trata-se de uma coletânea de contos, organizada por Tatiana Salem Levy e Adriana Armony (bom sobrenome para uma promotora de harmonia), que, com essa ideia, tiveram mais sucesso que o presidente Lula na sua recente iniciativa de paz. Os autores da obra, entre os quais me incluo, são escritores brasileiros de ascendência árabe ou judaica: entre eles estão os gaúchos Carlos Nejar, Cíntia Moscovich, Fabrício Carpinejar, Leandro Sarmatz e o catarinense Salim Miguel.

Uma iniciativa original e importante. Em primeiro lugar, mostra que o Brasil, mais ainda que os Estados Unidos, onde a expressão se originou, é o legítimo “melting pot”, o caldeirão de mistura cultural e étnica.

Todos nós, os índios inclusive, temos origem próxima ou remota em algum outro lugar da Terra. E todos nós temos alguma contribuição a dar para a cultura brasileira. A imigração é um importante tema em nossa literatura, e tem dado belas obras.

Mas há também o significado político, resultante do conflito do Oriente Médio. É um conflito que resulta de, e está marcado por, preconceitos e ideias errôneas. Uma delas, a mais perigosa de todas: árabes e judeus não podem conviver; existe entre os dois uma incompatibilidade visceral, insuperável.

Bobagem. Todos sabem que essa convivência não só é possível, como resultou em grandes avanços políticos, científicos, culturais. Um exemplo é o de Maimônides, que, no século 12, foi médico do sultão Saladino. Maimônides era filósofo, escreveu obras fundamentais para o judaísmo – publicadas em árabe.

Na península ibérica, a convivência durou vários séculos. E não precisamos ir longe: aqui em Porto Alegre (e a rua Voluntários da Pátria era disso um exemplo), comerciantes judeus, sírios, libaneses conviviam amistosamente.

Há uma briga no Oriente Médio, uma briga que se traduz em conflitos bélicos, em ocupação, em terrorismo. Mas é, ao fim e ao cabo, uma briga de família, uma briga de primos. Brigas de família podem ser violentas, e, no caso, é o que infelizmente acontece (ocupação, terrorismo), mas podem também ser resolvidas.

Quando conseguem colocar um pouco de racionalidade acima da intolerância, do preconceito, dos interesses passageiros, as pessoas acabam se entendendo. Não são poucas as experiências de convivência entre palestinos e israelenses. O livro Primos não é a primeira iniciativa neste sentido. E, esperamos, não será a última.


30 de maio de 2010 | N° 16351
PAULO SANT’ANA


Trânsito megalomaníaco

Não me sai da cabeça o relato do jovem que tirou a fotografia do velocímetro de seu carro, em plena freeway, marcando 195 km/h, e jactava-se perante seus amigos dessa façanha.

Uma semana depois, sexta-feira, esse jovem morreu estraçalhado por um choque na direção do seu carro.

A autoestima hipertrofiada, ou seja, a megalomania, está sempre por trás dos desvios do comportamento humano.

Esse jovem que mostrava a todos a velocidade desumana que conseguiu atingir na freeway esperava encontrar nos outros a admiração originada em sua jactância.

Ele se considerava, ao trafegar a 195 km/h, um deus, um avatar, um ser acima dos outros todos, um batedor de recordes transgressivos que o colocavam também acima da lei e de qualquer preceito ou regramento de bom senso.

A megalomania, que, repito, preside grande parte dos transtornos psíquicos, consiste no extremo prazer em sentir-se superior aos outros.

Para esse jovem, a freeway foi construída para ele exercitar essa superioridade exibicionista.

Mas o interessante é que não bastava para ele a consciência de que era superior aos outros: ele tinha que obter dos outros a confissão da superioridade dele.

É inseparável da megalomania o reconhecimento alheio: “Todos precisam saber que eu sou o maior, o imbatível, o inigualável”.

“Venham agora todos vocês, sentem no banco da frente do meu carro e no banco de trás e vejam do que sou capaz no volante. Convido-os para a febricitante aventura de mim no volante, não há quem se equipare a mim nas ruas, nas avenidas, nas estradas, nem sei como eu mesmo, com tão poucos anos de direção, consigo ser tão hábil e tão rápido nas minhas manobras e impulsos.”

E convida a todos, em horas e dias diferentes, a entrar no seu carro e ver como os outros motoristas do trânsito não passam de babacas coadjuvantes de sua louca aventura.

Pior é que alguns que embarcam em seu carro vão também de encontro à morte.

O megalômano do trânsito é tão megalômano, que ele nem pensa na morte.

Ele acha que é tão eficiente na sua ousadia do volante que se torna capaz de evitar todo e qualquer acidente.

O megalomaníaco do trânsito entende que ele dominou em definitivo a matéria e só podem morrer no trânsito as pessoas que não têm a sua versatilidade malabarista no volante.

Mas não basta para ele saber que é exímio no volante: é preciso, antes de tudo, que todos reconheçam que ele é um ás incomparável no volante.

Só depois ele vai dormir tranquilo, sem lhe passar nem de leve pela mente que pode a qualquer momento morrer em um acidente.

E, na semana seguinte, numa manobra arriscadíssima, ele perde a vida no trânsito, como aconteceu sexta-feira com o jovem da fotografia do velocímetro.

Um dia, os megalomaníacos do trânsito escapam com vida de suas loucuras. No outro dia, escapam também.

Quanto mais escapam, mais ousados se tornam no trânsito.

Mas qualquer criança sabe que um dia não escaparão.

Em breve.

E se um só desses megalômanos do trânsito estiver me lendo e com isso o meu texto vier a salvar a sua vida, um só, já me basta.


30 de maio de 2010 | N° 16351
DAVID COIMBRA


O bico e a naninha

OBernardo tornou-se dependente emocionalmente da naninha. O Bernardo, sabe? O meu Pocolino. Não consegue viver sem aquela naninha.

É intrigante. Qual é o princípio da naninha? O do bico eu entendo. O bico remete ao seio da mãe, às nossas necessidades mais primevas de alimento e segurança. Eu mesmo tenho vontade de chupar um bico, às vezes, quando vejo fotos da Megan Fox.

Mas a naninha? A naninha é um pedaço de pano. O Charlie Brown anda sempre com uma, arrastando-a quadrinhos afora. No caso dele, acho que é uma fralda, mas existem naninhas mais elaboradas hoje em dia. Naninhas industriais.

Meu filhinho tem três. Elas são de flanela, acho que aquilo é flanela, são bem macias, do tamanho de um guardanapo grande, e todas têm uma cabeça de cachorrinho numa das pontas. Tem o cachorrinho azul, o vermelho e o branco. Antes do Gre-Nal do Beira-Rio, o Bernardo exigiu:

– Quero a naninha azul!

Não aceitou outra. Tinha de ser a azul.

O Grêmio venceu por 2 a 0.

Antes do Gre-Nal do Olímpico, fui dar-lhe a naninha e ele:

– Quero a vermelha.

Inter 1 a 0.

Ultimamente ele tem pedido a branca. O Santos vai ser campeão da Copa do Brasil.

O fato é que meu filhinho só dorme se esfregar a naninha no nariz. Quando está quase pegando no sono, estende-a sobre os olhos e aí começa a ronronar. Durante o dia, se é contrariado, tipo:

– Chega de ver Backyardigans, é hora do banho.

Se algo assim acontece, ele pede a naninha.

Se ele está correndo atrás do gato da vizinha, o Flufi, e cai e esfola o joelho, pede a naninha.

Se acabou a Bolacha Maria, pede a naninha.

A naninha é solução para tudo. Tipo demitir treinador. Demitir o treinador sempre dá a impressão de que tudo vai ficar melhor. Às vezes realmente fica, mas, em geral, o efeito é como o da naninha: só psicológico. Será que o Inter melhora de técnico novo? Vou esperar para ver que naninha o Bernardo vai pedir nesse domingo.

Mulheres caras

Como uma mulher se transforma em uma mulher cara? Trata-se de uma transformação, acredite. As mulheres não nascem dentro de calças Diesel ou sorvendo Veuve Clicquot em taças de cristal checo. Uma mulher pode muito bem atravessar a existência indo a rodízio de pizzas no sábado à noite, pode muito bem contentar-se com xis-galinha, com tomar chuva de pé para assistir a um show de música, com esperar meia hora na fila para entrar em um bar.

Pode.

Mas pode ser, também, que um homem entre na vida dessa mulher e passe a levá-la a restaurantes nos quais nenhuma conta sai por menos de 200 dólares, restaurantes onde ela degustará tintos franceses e trinchará entrecots argentinos.

Pode ser que a leve para shows em teatros com poltronas de veludo italiano, que as férias deles se passem do outro lado do mar oceano, que ele a presenteie com gargantilhas do Antônio Bernardo, pode ser que esse homem a convide para um fondue que ele mesmo preparou e que lhe será servido em frente à lareira crepitante, sobre um tapete de palmo e meio de altura, onde as vaidades afundam e os desejos emergem.

Pode ser que esse homem apareça na vida dessa mulher. Aí ela não será uma mulher de arquibancada de futebol. Mulheres de arquibancada ainda não encontraram o homem certo.

O ritmo do chumbo

Grêmio e Inter têm meias que são jogadores à frente do seu tempo. Porque o tempo deles são os anos 60, uma época de menos compromisso e mais alegria, pelo menos nos campos de futebol.

Um desses meias joga como o velho Pedro Rocha. Outro como o Ademir da Guia. João Cabral de Melo Neto escreveu um poema sobre Ademir, a quem chamavam de “Divino Mestre”. Dizia dele o poeta:

Ademir impõe com seu jogo
o ritmo do chumbo (e o peso),
da lesma, da câmara lenta,
do homem dentro do pesadelo.

Ritmo líquido se infiltrando
no adversário, grosso, de dentro,
impondo-lhe o que ele deseja,
mandando nele, apodrecendo-o

Ritmo morno, de andar na areia,
de água doente de alagados,
entorpecendo e então atando
o mais irrequieto adversário.

Bonito, não? Mas só funcionava nos anos 60.


Além de grandes, brilhantes

No pós-crise, joalherias oferecem peças enormes, cheias de pedras vistosas, assinadas por nomes conhecidos. Em suma, irresistíveis. A tática está dando certo, e se alguém
precisa de sugestões...


Bel Moherdaui - Fotos Laílson Santos e divulgação


FULGURANTE
Raquel exibe seus brincos imensos, Diane posa com suas pulseiras: graúdas em tudo


Em dúvida sobre como presentear a mulher amada neste Dia dos Namorados? Ah, esses homens... Talvez por distração ou perda temporária de memória, eles vivem se esquecendo do que faz sucesso de verdade. É tão fácil, só quatro letrinhas: joia. Coisas brilhantes e preciosas têm uma carga simbólica única, sem contar o insubstituível suspiro de emoção que acompanha a abertura da caixinha.

Se ainda faltarem argumentos, anote-se que a compra de joias contribuirá para a retomada de uma indústria que cresce nos últimos meses a até 20% – um ritmo chinês, não fosse o período ao que se compara. Aquele mesmo, o da crise, que cortou fundo justamente nos produtos situados no topo do supérfluo. Dá pena até de lembrar.

"Até o ano passado, as principais fábricas de joias de ouro no Brasil tiveram uma queda de 40% a 50% em sua produção. Em 2009, as exportações caíram 28%", diz Hécliton Santini Henriques, presidente do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos. A crise interrompeu um período de ouro, sem trocadilhos, de crescimento acelerado, mas serviu também para ativar as habilidades comerciais de um dos ramos de negócios mais antigos do mundo.

Um dos recursos foi aumentar o uso de pedras preciosas chamativas, de valor menos elevado que o dos tradicionais diamantes, e diminuir, no caso das peças mais em conta, a quantidade de ouro – este, salva-vidas derradeiro nas épocas de crise, continua sem dar provas de arrefecimento no atual e ainda volúvel momento econômico. "As joalherias passaram a fazer peças mais leves, com mais pedras, que dão impacto maior e reduzem o preço médio", explica Henriques.

Outra estratégia das grandes joalherias foi promover parcerias com mulheres conhecidas no mundo do luxo, dando a suas peças uma assinatura facilmente identificável e, em alguns casos, o ar de modernidade buscado por consumidoras habituadas ao ritmo acelerado da moda em constante mudança e não àquelas peças que deveriam durar para sempre.

"Hoje, as coisas são muito efêmeras mesmo na joalheria. Ao contrário do tempo em que um broche não saía nunca de moda, agora é preciso estar constantemente se renovando. As parcerias enriquecem essa dinâmica", diz Mario Pantalena Júnior, cuja joalheria acaba de lançar uma linha com a arquiteta e chiquérrima socialite Raquel Silveira. "Raquel é muito antenada, mora entre São Paulo e Nova York.

É uma mulher de extremo bom gosto, jovem e bem relacionada", descreve Pantalena. Na parceria, foi desenvolvida a coleção Dentelle, joias em filigrana, um tipo de trabalho em ouro que parecia perdido no passado, mas passou pela devida atualização. A técnica permite fazer joias em tamanhos maiores sem a desvantagem do peso excessivo. "Queria coisa grande, mas muito leve, porque detesto brinco pesado que rasga a orelha", diz Raquel, que fez um total de quinze peças, todas graúdas, no tamanho e no preço – entre 5 000 e 10 000 reais.


EM VERDE
A esmeralda que a salamandra segura tem 36,5 quilates

A tática de aliar nome importante às coleções rende também prestígio e, no caso de uma rede internacional como a H. Stern, a mais desejada das projeções: o uso de peças por grandes nomes do cinema ou da música em festas cujas imagens são infinitamente reproduzidas mundo afora. A primeira coleção da estilista belgo-americana Diane von Furstenberg para a joa-lheria foi um caso clássico.

As pulseiras de ouro (aqui vendidas por uma média de 25 000 reais), ou em versão cravejada de diamantes (a estonteantes 682 000 reais), apareceram mais de uma vez em pulsos estrelados. Diane desenhou uma segunda coleção, também em proporções avantajadas, usando cristais em formatos irregulares.

Outra joalheria tradicional, a Amsterdam Sauer, famosa pela excelência das gemas e pelo conservadorismo do estilo, buscou a renovação diretamente na fonte da maior conhecedora da consumidora de produtos de luxo no Brasil, Eliana Tranchesi, da Daslu.

"Daniel Sauer chegou e tirou do bolso esmeraldas de todos os tamanhos. Em um minuto, ele me convenceu a criar joias com elas", diz Eliana, que concebeu peças do tipo de que suas clientes gostam. Em outras palavras, coisas de rica – a mais original, um anel de salamandra com uma esmeralda de 36,5 quilates, 110 diamantes e dois rubis, custa 38 000 reais. "É interessante ver como são diferentes a compra de uma joia e a de uma roupa.

A joia é uma compra pensada. Em geral, a cliente gosta, vai para casa, avalia, traz o marido para ver, e só aí decide", compara Eliana, que na sua loja facilita o pagamento em até oito parcelas.


EM VERMELHO
Rodonita, ouro e brilhantes no anel de 23 000 reais

Com uma clientela mais jovem, o joalheiro Jack Vartanian também manteve uma característica cara à consumidora brasileira – o tamanho –, acrescida da busca de originalidade.

"A cliente está desperdiçando menos e pensando mais. Para conquistá-la, é preciso fazer peças diferentes e raras", diz. Em busca do diferente, salpicou sua nova coleção de pequenos blocos de rodonita, pedra num vermelho vibrante que em geral é usada em joias aborrecidamente convencionais e subvalorizadas.

Um problema que Vartanian se encarregou de resolver. Seu anel de rodonita de 42 quilates com ouro branco e ouro rosado e sessenta pequenos diamantes custa 22.820 reais. Está certo que por esse preço daria para passar o Dia dos Namorados no Taiti, mas e o suspiro na hora de abrir a caixinha?


Depois de 148 dias...

...chega o 1º dia livre de impostos

Livro demonstra que os brasileiros não toleram mais pagar tributos europeus e receber serviços públicos africanos. Falta um candidato que expresse o desejo do eleitor

Giuliano Guandalini


De cada 1 000 reais que um brasileiro recebe de salário, 400 são consumidos pelos impostos. Esse valor não diz respeito apenas aos tributos cobrados diretamente e subtraídos mensalmente do contracheque. Os impostos estão presentes em todo e qualquer produto consumido.

Existem 83 tributos, taxas e contribuições no país, que consomem em média 40% da remuneração que obtemos com o nosso esforço. De 1º de janeiro de 2010 até a sexta-feira passada, 28 de maio, cada brasileiro trabalhou para sustentar o governo em suas três esferas, municipal, estadual e federal. Foram 148 dias de suor recolhidos aos cofres do estado.

Em troca de que mesmo? Deveria ser em troca de educação, saúde e segurança. Não é, pois a mesma família que só se livrou das garras do Leão na última sexta-feira vai ter agora de recomeçar a trabalhar para pagar por... educação, saúde e segurança.

Uma família de classe média gasta no Brasil um terço de sua renda para pagar escola particular, plano de saúde privado e outros serviços que deveriam ser sustentados pelos impostos. No total, 75% do salário do brasileiro é empenhado em impostos e serviços que os impostos deveriam cobrir.

O economista Antonio Delfim Netto produziu a imagem definitiva para exprimir a tortura a que a população foi condenada, ao chamar o Brasil de "Ingana": uma nação com carga tributária da Inglaterra e serviços públicos dignos de Gana. Uma conclusão similar emerge da leitura de O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo (Record; 196 páginas; 32,90 reais), do cientista político Alberto Carlos Almeida, diretor do Instituto Análise.

O livro resultou da pesquisa sobre a opinião dos brasileiros a respeito dos impostos e da avaliação que fazem do governo no uso dos recursos, realizada a partir de entrevistas com 1 000 pessoas de todo o país. Almeida, autor também de A Cabeça do Brasileiro e A Cabeça do Eleitor, toca em uma ferida exposta e da qual os políticos não querem nem ouvir falar.

Os brasileiros, independentemente de classe social e nível de renda, sabem que pagam impostos demais e gostariam que os governantes fizessem melhor uso dos recursos existentes. Poucos estão dispostos a ser tributados ainda mais sob a promessa de ampliação de benefícios sociais, como o Bolsa Família ou o Vale-Cultura. Acima de tudo, a maioria absoluta dos entrevistados está convicta de que, se tivesse a chance, preferiria pagar menos tributos para ter mais dinheiro no bolso e gastar com escola particular ou saúde privada.

Como resolver o problema da saúde pública, criando mais impostos ou utilizando melhor os recursos já existentes? Oito em cada dez brasileiros ficaram com a segunda opção. O que é melhor, expandir o Bolsa Família ou diminuir a tributação dos alimentos, para que eles fiquem mais baratos?

Mais de 80% dos entrevistados optaram pela segunda alternativa. Mesmo os beneficiados pelo Bolsa Família preferem pagar menos impostos a ampliar o programa assistencial (veja o quadro abaixo). Quando questionados se consideram que seja necessário elevar o salário mínimo, 93% dos brasileiros afirmam que sim.

Mas e se esse aumento for condicionado ao pagamento de impostos? O apoio cai para 56%. Os entrevistados não titubeiam: preferem pagar 100 reais por mês pela mensalidade de um plano de saúde a despender a mesma quantia em contribuições que custeiem o sistema público. Para estimular o emprego, qual a alternativa mais eficaz: diminuir os encargos trabalhistas ou reduzir a taxa de juros?

A grande maioria dos entrevistados (68%) indica a primeira opção. Nisso, a propósito, a população concorda com os empresários. Uma pesquisa feita pelo Ibope sob encomenda da Fiesp, a federação das indústrias de São Paulo, mostrou que 65% das empresas citam o sistema tributário como a maior trava ao aumento dos investimentos.

A cada resposta que dão à pesquisa do Instituto Análise, os brasileiros, inconscientemente, ecoam uma das principais máximas do economista liberal americano Milton Friedman (1912-2006), para quem "as pessoas sabem gastar o seu dinheiro melhor que qualquer governo". Essa frase, essência do pensamento de Friedman, resume a opinião demonstrada pelos brasileiros no livro de Almeida.

A população quer ter liberdade para escolher. Os eleitores, no entanto, não dispõem hoje da possibilidade de escolher um candidato que os defenda nesse assunto. Nenhum dos principais partidos do país tem a redução dos impostos como uma de suas plataformas eleitorais.

É bem diferente do que se vê nos países desenvolvidos, sobretudo nos Estados Unidos, onde os tributos são um tema que não pode ficar de fora em qualquer campanha eleitoral. Os políticos brasileiros fogem do assunto e, quando instados a comentá-lo, refugiam-se em respostas vagas.


Marcos Issa/Argosfoto - VERDADE INCONVENIENTE

Almeida, autor de O Dedo na Ferida: os políticos não prometem reduzir tributos porque teriam de rever privilégios

Isso ficou evidente na terça-feira passada, em sabatina com os três principais pré-candidatos à Presidência, promovida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em Brasília. Apesar de todos terem concordado que a carga tributária brasileira ultrapassa os limites toleráveis, nenhum deles exibiu planos para aliviar significativamente esse peso.

O único que ofereceu uma proposta concreta, mas bem restrita, foi o tucano José Serra, que se comprometeu, caso eleito, a reduzir os impostos do setor de saneamento básico. Dilma Rousseff, sem dar detalhes, defendeu uma carga menor para os investimentos.

Marina Silva se comprometeu em buscar a reforma tributária, mas ressalvando que seria difícil tirar esse projeto do papel. Os projetos para estimular o desenvolvimento, de maneira geral, concentram-se em políticas estatais, que implicam invariavelmente uma ampliação dos gastos públicos – e, portanto, mais impostos.

Para Almeida, que trabalha como consultor político, é difícil compreender como os candidatos passam por cima do quase clamor dos eleitores por menos impostos. Por que nenhum candidato tira proveito de uma causa tão popular, que poderia render milhares de votos? O autor arrisca algumas explicações.







Em primeiro lugar, os principais partidos pendem para a esquerda, e a redução de impostos é uma bandeira tradicionalmente de direita. Para os esquerdistas, o estado, por meio dos tributos, deve ser o promotor do desenvolvimento e da justiça social. Além disso, os políticos brasileiros, não obstante sua corrente ideológica, "encontram-se na fila do caixa do Tesouro".

"Todos querem controlar mais recursos públicos", explica Almeida. Finalmente, os políticos fogem da cruz quando o tema é diminuir a tributação porque, se acenarem com essa proposta, precisarão reduzir gastos e rever privilégios. Afirma Almeida: "Todos mandam a conta final para a sociedade. Não precisam de fato ser eficientes. Para cada gasto adicional, aumente-se uma tarifa ali ou uma alíquota acolá e está tudo resolvido".

Aí está a verdade inconveniente que político nenhum gostaria de ver exposta à luz do sol. É o real dedo na ferida. Como demonstra o livro de Almeida, no entanto, a redução dos impostos é uma plataforma eleitoral pronta, que cedo ou tarde será capitalizada politicamente por algum candidato. "Existe o script, mas falta o ator", diz o cientista político. Ainda há tempo para que isso ocorra na próxima eleição. A vontade dos eleitores, de se verem livres de ao menos parte dos 148 dias no ano de servidão ao governo, já foi expressa.

Mark Peterson/Redux - ABAIXO AS TAXAS
Nos Estados Unidos, ao contrário do que ocorre no Brasil, os impostos são tema central no embate político



Apple ultrapassa Microsoft e torna-se 2ª maior dos EUA

Antes de ultrapassar a Microsoft, a Apple já havia deixado para trás a gigante varejista Wal-Mart. Ela só perde para a ExxonMobil
Paul Sakuma - SÍMBOLO DA APPLE

Jobs na apresentação da marca que já é a segunda maior dos Estados Unidos na bolsa de valores

A Apple tornou-se nesta terça-feira (26) a segunda maior empresa dos Estados Unidos ao ultrapassar a Microsoft em termos de capitalização de mercado.

A empresa fundada por Steve Jobs está atrás apenas da ExxonMobil. A ultrapassagem deveu-se à queda das ações da Microsoft na Bolsa de Nova York durante o dia.

O avanço da Apple ocorre apesar de suas próprias ações terem recuado 0,5% no pregão, fechando em US$ 244,11. No entanto, os papéis da companhia valorizaram-se bastante em 2010.

Antes de ultrapassar a Microsoft, a Apple já havia deixado para trás a gigante varejista Wal-Mart. A ações da Apple subiram 16% no acumulado de 2010, com os produtos da empresa saindo sem parar das prateleiras e seu mais recente lançamento de grande porte, o iPad, atraindo os holofotes.

Um mês atrás, os papéis da Apple alcançaram a cotação máxima de sua história, chegando a ser negociadas a US$ 272,46. No fechamento do pregão em Nova York, a capitalização de mercado da Apple era de US$ 222,12 bilhões, contra US$ 219,18 bilhões da Microsoft, segundo dados da Fact Set Research.

Na virada do ano, a capitalização de mercado da Microsoft era de US$ 270,7 bilhões, contra US$ 189,9 bilhões da Apple. As ações da Microsoft desvalorizaram-se 18% nestes primeiros meses de 2010. Nos últimos anos, o valor dos papéis da Apple multiplicou-se por 34. No mesmo período, as ações da Microsoft caíram 2,9%.

A liderança da ExxonMobil ainda é bastante ampla. A capitalização de mercado da petrolífera é de US$ 277,68 bilhões, com suas ações a US$ 59,31 no fechamento da sessão em Nova York.

Para alcançar tal capitalização, os papéis da Apple precisariam ser negociados a US$ 306,00. De acordo com a FactSet, 34 de 38 analistas consultados deram o equivalente a recomendação de compra e estabeleceram preço-alvo médio de US$ 310,77 para a Apple, com alguns deles sugerindo preço-alvo de até US$ 350,00.

No início da semana, analistas do Morgan Stanley estabeleceram o preço-alvo das ações da Apple em US$ 310,00, com alguns deles cogitando cotação de até US$ 400,00 se os lucros vierem como muitos esperam. As informações são da Dow Jones.


29 de maio de 2010 | N° 16350
NILSON SOUZA


A gênese da polêmica

Lá pelo 1.277.500.000º dia, se não me falha a matemática, Deus criou Darwin à sua imagem e semelhança, inclusive com aquela barba imensa da nota de 10 libras. Deu no que deu, como todos sabemos.

Depois de colecionar insetos e plantas, o inglês fez uma viagem de navio à América do Sul, pegou um febrão na Argentina e escreveu o mais polêmico livro de todos os tempos – A Origem das Espécies –, revelando aos humanos a existência de ancestrais que até hoje mantemos enjaulados por puro preconceito.

– Tomara que não seja verdade – disse certa vez uma escandalizada dama francesa ao ser informada sobre a teoria do pesquisador britânico. E complementou:

– E, se for verdade, tomara que ninguém fique sabendo.

Pois ficamos. Não sei se a imprensa é culpada disso também. É bem provável. Que jornalista seguraria uma notícia dessas? Ainda hoje o tema nos fascina.

Outro dia, depois de saborear as minhas bananas matinais, fiquei imaginando um diálogo improvável entre o Criador e a sua irreverente criatura, que a seguir representaremos pelas iniciais D e D, ambas maiúsculas, para mantermos a neutralidade. De acordo com os registros históricos, as frases são autênticas:

D – Que a terra produza seres vivos segundo sua espécie: animais domésticos, répteis e feras segundo sua espécie!

D – A compaixão para com os animais é das mais nobres virtudes da natureza humana.

D – Façamos o homem à nossa imagem, com nossa semelhança, e que ele domine sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra.

D – Devemos, no entanto, reconhecer que o homem com todas as suas nobres qualidades ainda sofre em sua prisão corpórea a indelével marca de sua humilde origem.

A audácia não passou despercebida. Veio, então, a primeira advertência e o debate esquentou:

D – Podes comer de todas as árvores do jardim. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela comeres terás que morrer.

D – Não tenho o menor medo de morrer.

D – Tu és pó, e ao pó tornarás.

D – A história se repete. Esse é um dos horrores da História.

D – Farei desaparecer da superfície do solo os homens que criei, porque me arrependo de os ter feito.

D – Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças.

Pesquisa recente da BBC londrina mostrou que mais da metade dos britânicos não acredita na teoria evolucionista. Mas, na semana passada, cientistas americanos anunciaram a criação da primeira célula artificial. É polêmica para a eternidade.


29 de maio de 2010 | N° 16350
PAULO SANT’ANA


Suicídio e homicídio

Policiais, jornalistas, autoridades de trânsito restaram perplexos anteontem e ontem: em apenas três acidentes, sete jovens masculinos perderam a vida em menos de oito horas.

Nos três episódios, havia a marca do excesso de velocidade, das manobras arriscadas e uma suspeita em alguns deles de consumo de álcool.

Todos homens, todos jovens.

Um acidente em Picada Café, outro em Três de Maio e o terceiro nas proximidades do centro de Porto Alegre, confluência da Cristóvão Colombo com Alberto Bins.

E sete famílias choram agora as mortes de seus filhos, irmãos, tios, inexplicavelmente separados deles pelo delírio da velocidade no volante.

Um traço comum dos três acidentes que vitimaram os sete jovens é que eles se verificaram à noite.

Acidente à noite sempre presume álcool, saída de festa, excesso de velocidade por ausência de engarrafamentos. As ruas, avenidas e estradas passam a ter pouco movimento e o cenário para a aventura das diabruras no volante e o pé no fundo do acelerador se torna propício às tragédias.

Surgiu ontem à noite a informação de que um desses três jovens que dirigiam os três carros trágicos de ontem e anteontem, na semana passada, havia ele mesmo tirado uma foto do velocímetro de seu próprio carro, que marcava naquele instante 195 km/h de velocidade.

E mostrava a seus amigos no dia seguinte a foto da sua façanha: imprimindo 195 km/h em plena freeway.

Jactando-se em sua turma de sua velocidade emocionante e macabra.

Ontem, morreu espatifado no acidente.

Esses jovens, como milhares que há por aí, não usam o automóvel para trafegar: usam-no para exibir-se, usam-no para a delirante aventura da velocidade, parecem cegos ao bom senso, movem-se apenas pela delícia de superarem, pelas manobras arriscadas e pela compulsão saborosa de baterem todos os recordes de velocidade, os outros motoristas do trânsito.

Se dirigissem sós os seus carros fúnebres, não era nada, é certo que acabariam morrendo, como tantos outros vão acabar.

Mas é que eles se juntam com outros jovens que pegam carona em seus carros e são assim colhidos pela morte.

Usam os carros como brinquedos, como jogos, sem se importarem que esses mesmos carros são armas potentes e hábeis para a destruição da vida humana.

Na repressão a esse tipo de direção perigosa em veículos, o Direito e a Justiça esbarram num sério obstáculo: a falta de intenção dos motoristas em causar as mortes.

Eles apenas assumem o risco de causar as mortes dirigindo perigosamente. Mas não queriam o resultado das mortes, deveriam apenas presumi-lo. Assim, as penas se tornam mais brandas, eles não são considerados assassinos, e sim irresponsáveis.

Na verdade, são suicidas em busca de prazer e de aventuras de risco.

Mas se tornam sob certo aspecto homicidas quando convidam outros jovens para entrar em seus carros e servir de plateia para seus atos tresloucados. Ou quando se chocam com outros carros com tripulantes dentro. Ou quando atropelam inocentes e indefesos pedestres.

Em tudo isso, dói assistir à dor profunda e permanente de seus parentes pósteros, que sob certo aspecto já imaginavam que tudo um dia iria acabar em catástrofe.


29 de maio de 2010 | N° 16350
CLÁUDIA LAITANO


O Entrevero e o Big Mac

Muito antes de o termo globalização chegar às conversas de bar, o Big Mac já era seu garoto-propaganda. O McDonald’s, que está completando 70 anos com filiais em 119 países, inventou não apenas os princípios da fast-food, mas o próprio conceito de comida padronizada (não necessariamente saborosa, mas relativamente insuspeita).

O verdadeiro molho especial do sanduíche mais famoso do mundo não é a gororoba estranha sobre o hambúrguer, mas a previsibilidade – a promessa mais ou menos implícita de que não seremos surpreendidos por sabores exóticos, bata a fome em Burkina Faso ou em uma esquina da Champs-Élysées.

Ninguém com mais de oito anos de idade sai de casa com o objetivo de degustar Big Macs do outro lado do planeta, mas quem viaja muito sabe o valor de encontrar um McDonald’s aberto quando nada no horizonte gastronômico parece amigável.

Para entender o significado de um Big Mac, basta imaginar o espanto de um estrangeiro diante de um legítimo Entrevero Gaúcho, aquele sanduíche que jamais poderia ter sido criado (ou consumido) em nenhum outro lugar do mundo que não o nosso: cebola, tomate, pimentão, todas as carnes do açougue mais próximo e mais duas fatias de pão para disfarçar. (O estômago gaúcho é um forte.)

No documentário Mondovino (2004), o diretor americano Jonathan Nossiter usava o universo da produção de vinhos para refletir sobre os riscos da globalização. Percorrendo regiões como Bordeaux, Napa, Toscana e até mesmo o interior de Pernambuco, Nossiter mostrava a crescente padronização da bebida, cada vez mais suscetível ao gosto médio dos consumidores e à preocupação das vinícolas em não perder clientes.

O enólogo francês Michel Rolland, consultor de dezenas de vinícolas espalhadas em 13 países, inclusive o Brasil, é apontado como um dos agentes dessa padronização dos vinhos em escala global. Um dia, sugere Nossiter, todos os vinhos serão produzidos de forma tão parecida, que as perdas das riquezas locais serão irreversíveis. E o que vale para o vinho pode valer também para a música, as roupas, a arquitetura, a comida... Bye, bye, Entrevero.

Na semana passada, perguntei a um dos maiores especialistas em vinhos do mundo, o brasileiro Dirceu Vianna Junior, radicado em Londres, se ele concordava com a tese de Nossiter de que a globalização estava ameaçando o vinho de “terroir” (próprio de uma área limitada e inimitável).

Dirceu me disse que os vinhos “padrão” estão mesmo se multiplicando, mas essa tendência de globalização convive com a valorização cada vez maior dos sabores locais.

Essa lógica confirma a tese do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que aos 84 anos é um dos analistas mais interessantes das questões típicas da nossa época. Para Bauman, estamos cada vez mais interconectados e interdependentes, é verdade, e tudo que acontece em algum lugar do planeta tem impacto em todos os outros.

Mas o que compartilhamos se traduz em diferentes línguas e em diferentes culturas, e é pouco provável que a nossa interdependência resulte em uniformidade, como as análises mais catastróficas da globalização previam.

O Big Mac não matou o Entrevero. Pelo contrário: seu peculiar sabor local tornou-se um valor em si mesmo. Que aproveitem os fortes.

sexta-feira, 28 de maio de 2010


RUY CASTRO

Surto cívico

RIO DE JANEIRO - Tenho sido questionado com frequência sobre se a seleção brasileira vai fazer bonito ou dar vexame na Copa do Mundo. A resposta é não sei e, francamente, não estou com os fígados em sobressalto, à espera.

Tenho uma relação meio espírito de porco com a seleção. Só torço por ela se jogar bem e bonito, ganhe ou não. Ganhar não é tão importante. Domingos da Guia, Leônidas da Silva e Zizinho nunca foram campeões do mundo; Dunga, Gilberto Silva e Kleberson são. Viu como não é importante?

Sou da teoria de que, podendo convocar os jogadores que quiser, mesmo que joguem em Júpiter, o treinador do Brasil está obrigado a armar o melhor time. Donde não abro mão de vê-lo jogar com categoria, dar espetáculo e lutar. Isso significa que a última vez em que me empolguei com a seleção foi na Copa de 1982 -o time de Zico, Sócrates, Falcão, Júnior, Leandro. As Copas de 1994 e 2002, vencidas pelo Brasil, não me inspiraram admiração ou prazer.

É diferente de quando se trata do nosso time de coração. Este entra em campo com os jogadores de que dispõe e que, às vezes, estão longe de ser os melhores. Azeite. É ele que nos redime. Por isso, tem de vencer sempre, mesmo jogando mal, chutando de canela, e nem que seja com um gol de mão e em "offside", aos 47 do 2º tempo.

A Copa do Mundo é aquele período de quatro em quatro anos em que pessoas que passaram os quatro anos anteriores alheias a futebol são acometidas de um incontrolável surto cívico, cobrem-se de verde e amarelo e torcem pelo Brasil como se soubessem quem é a bola. Mas, desta vez, está difícil até para elas.

Exceto por Kaká e, talvez, Robinho e Julio César, não creio que saibam sequer identificar os outros jogadores -todos monotonamente parecidos, de cabeça raspada, brinquinho na orelha e falando "toicida" em vez de "torcida".

ELIANE CANTANHÊDE

Foi uma cacetada

BRASÍLIA - O solene "não" de Aécio Neves para ser vice na chapa de José Serra pega a oposição de jeito e deixa o candidato na mão. A alternativa para vice era Aécio ou Aécio.

Em não sendo ele, ocorrem automaticamente dois efeitos: os partidos da coligação tendem a se engalfinhar pela vaga, e qualquer um que seja escolhido será sempre o que foi porque Aécio não quis. Não chega a ser emocionante.

Há também a questão da oportunidade, pois a negativa de Aécio ocorre justamente quando Dilma Rousseff empata com Serra, deixando a oposição nervosa. Uma interpretação legítima é que Aécio fez os cálculos, olhou o horizonte e não apostou nas chances de vitória.

E há, por fim, um punhado de interrogações no rastro da decisão de Aécio: sem ser vice, até que ponto ele vai se envolver com a campanha além das formalidade e atrair votos para Serra? E como fica o poderoso eleitorado de Minas, segundo colégio eleitoral do país?

O passado condena Aécio, que é inequivocamente o principal líder político de Minas, sempre tem expressivas votações e já mostrou que é capaz de transferir montanhas de votos. Mas tem que querer. Há sérias dúvidas se realmente quis em 2002, quando Serra foi o candidato tucano, e em 2006, com Geraldo Alckmin concorrendo. Lula deu de lavada no Estado nas duas vezes.

Olhando para a frente, Serra tem três opções. Pela ordem: indicar um vice do PP, que engrossaria o tempo de TV; pinçar um do DEM no Nordeste; e, "se não tem tu, vai de tu mesmo" -a chapa puro-sangue.
Péssimo para Serra? Mas ainda pode piorar. Basta ele chegar à convenção de 12 de junho só, sem Aécio e sem vice nenhum.

As perspectivas de Aécio, porém, não são melhores: quatro anos num Senado às traças, para bater de frente com o candidato Lula em 2014, não é o melhor dos mundos. A não ser que, ao contrário de Serra para a vice, Aécio tenha um mirabolante plano B. A ver.

elianec@uol.com.br


28 de maio de 2010 | N° 16349
PAULO SANT’ANA


Crianças torturadas

Acordei ontem sobressaltado por três notícias que esperaram eu sair da letargia para sobressaltarem o meu espírito.

As três notícias, além disso, estragaram o meu dia, recém no seu início.

A primeira dizia que um menino tinha sido atropelado defronte à sua escola pelo mesmo ônibus que o deixara naquele instante no colégio.

A segunda dizia que outro menino tinha tido o rosto incendiado por álcool em chamas. O churrasqueiro acusado do crime alegou acidente: estava lançando álcool para iniciar o fogo do churrasco e uma lufada de vento jogou o líquido em chamas sobre o rosto do menino.

Mas o menino disse que o churrasqueiro fez aquilo de propósito.

O menino restou com o rosto desfigurado.

Não bastava isso e vinha logo em seguida o exocet fatal para o meu equilíbrio emocional, o Macedo ia lendo a notícia na rádio e eu do outro lado da linha desabava: um homem, pai ou padrasto, havia dado duas facadas no seu filho ou enteado. Depois disso, o homem tentou se suicidar com a faca, sem sucesso. E o bebê tinha sido internado em estado gravíssimo num hospital

Tudo isso aqui entre nós, no nosso meio gaúcho.

Ando, sinceramente, apalermado com a onda de violência que se desfere contra as crianças.

Para mal dos pecados, aquela procuradora que foi adotar uma menina de dois anos, com a única finalidade de torturar diariamente a criança, encheu todas as medidas.

Ela está presa porque foi suficientemente provado que submetia, todos os dias e todas as horas, a menina de dois anos à sua extrema truculência: o rosto da menina apresentava olhos crivados de hematomas, quase não podia fechá-los, sabe-se lá que tipo sofisticado de tortura a procuradora, que queria ser mãe adotiva da criança, aplicava na menina.]

Uma procuradora, uma mulher que já tinha sido promotora, cometer essa selvageria! Como pode a violência se tornar assim tão injustificável, tão intraduzível?

O desesperante nesta crônica de violências e torturas que assaltam nosso meio é que os praticantes dessa barbárie são pessoas comuns e até respeitáveis, que de repente dão vazão ao gene de destruição que compõe as suas mentes e desatam em crueldades inenarráveis.

Ou são pessoas que convivem conosco, na nossa cidade, na nossa rua, na nossa casa e num repente se mostram como monstros repelentes de violência inexplicável.

E vêm aumentando os atos de violência contra as crianças. Cresceram em 11% no período de abril de 2009 até o mês passado.

E isto são só as agressões contra crianças que se noticiam. Porque a maioria delas não chega ao conhecimento da imprensa, fica escondida, oculta no meio familiar, o que aprofunda ainda mais o desastre: as crianças indefesas permanecem anos inteiros à mercê de seus carrascos.

A mãe do bebê de três meses de idade que foi esfaqueado pelo seu padrasto chegou em casa a tempo de ver a barbárie: “Quando vi, ele estava enterrando a faca na barriga da minha filha”.

Mas o que é isto? Chego à conclusão de que o hospício é mesmo o quartel-general dos loucos, as outras unidades estão espalhadas entre nós.

De ciúme de sua mulher, não a matou. Mas esfaqueou duas vezes a filha dela, por vingança.

Por que não se matou só a si próprio esse infeliz?

Quando é que vão parar as violências contra as crianças e os animais?

Nunca. Porque a loucura não cessa nunca.

É muito mais que ser patife e canalha esfaquear um bebê de três meses.


28 de maio de 2010 | N° 16349
DAVID COIMBRA


Aprendendo a lavar o rosto

Sempre que lavo o rosto, sempre!, todas as manhãs e todas as noites da minha vida, sem exceção, lembro do meu pai.

Porque um dia, quando tinha lá uns cinco anos de idade, estava sentado à mesa do almoço, diante do prato fumegante de macarrão com molho vermelho que a minha mãe prepara como ninguém, e meu pai disse que eu estava com o rosto sujo. Mandou que o lavasse. Tentei distraí-lo com alguma brincadeira e não fui. Ele repetiu, agora irritado:

– Vai lavar o rosto!

Mais interessado na massa do que na higiene, fiz uma pequena negaça e fiquei onde estava.

Então ele se ergueu, empurrando a cadeira para longe e, com os olhos coruscando de fúria, avançou em minha direção. Estremeci de pavor, mas não me mexi, não tentei correr – não corria dos meus pais.

Meu pai tomou-me o braço e arrastou-me para o banheiro. Lá, cingiu minha nuca entre o indicador e o polegar, forçou-me a cabeça sobre a pia, abriu a torneira e, em seguida, esfregou meu rosto com a água uma, duas, três, quatro vezes.

Desde aquele episódio, quando vou lavar o rosto, lembro do meu pai e tenho de enxaguar-me quatro vezes. Não se passou um único dia, dos meus cinco anos de idade para cá, que não tenha lavado o rosto em quatro etapas. Se não passo a água no rosto quatro vezes, tenho a impressão de que estou sujo.

Por quê?

Porque acho que essa é a forma correta de lavar o rosto. Se meu pai o demonstrou com tanta ênfase, deve ser assim que se faz.

Não conto essa história para fazer alguma consideração emocional. O que me intriga é o resultado prático da coisa. Pois repare: não gostei da forma brutal como meu pai me tratou, fiquei assustado na época, mas, didaticamente falando, a atitude dele deu resultado. Não era sua intenção, mas aprendi, para a eternidade, que um rosto bem lavado lava-se quatro vezes.

Isso talvez sugerisse que a violência é eficaz como método pedagógico, o que vem ao encontro de um pulsante debate atual: a respeito da chamada “palmada educativa”.

Só que não é bem assim.

O importante, no caso que descrevi, não é a atitude do meu pai, mas minha reação a ela. Meu pai apenas se encolerizou com a desobediência do filho, ele não tinha a intenção de mostrar que o rosto se lava quatro vezes. O fato de ele ter lavado o meu rosto quatro vezes foi casual, poderia ter sido cinco, ou três, ou uma única vez. Quer dizer: ele não pretendia me ensinar, mas mesmo assim aprendi.

Eis o busílis: a criança quer que a ensinem. Quer que se importem com ela. Meu pai o fez com violência, e “aprendi” que o rosto deve ser lavado quatro vezes.

Se o fizesse com firmeza, sem perder a ternura, aprenderia que o rosto deve estar limpo antes das refeições, e por que deve estar. A “palmada educativa” do meu pai fez com que assimilasse a regra, e nada mais. Se tivesse educado sem palmada, eu teria compreendido a razão da regra. A palmada educativa é eficiente. Pena que não funciona.

quinta-feira, 27 de maio de 2010



27 de maio de 2010 | N° 16348
ARTIGOS


A deterioração das relações familiares, por Anissis Moura Ramos*

Nos últimos dias, somos bombardeados pela imprensa com os inúmeros casos de mortes ocasionadas pelo uso do crack e violência explícita. Isto nos leva a crer que é preciso um momento de reflexão para tentar entender o que está acontecendo com a sociedade.

A violência, hoje, é a causa ou consequência mais latente da era pós-humana em que vivemos. A tecnologia vem ocupando o espaço no mundo atual, contribuindo para a formação de um falso self. As pessoas se tornam personagens do mundo virtual para conquistar o outro, sendo um simulacro da realidade.

A competição que se instala desde a mais tenra infância pode ser uma das causas dos desajustes comportamentais de alguns adolescentes. Sendo reforçados pela anuência dos responsáveis, mostrando a sua face aterrorizadora. O limite é sinônimo de permissão e não faz mais parte dos princípios da família.

O papel dos pais foi substituído pelo de amigo, pelo qual tudo é tolerado. As regras não pautam mais as relações familiares. O livre ir e vir dos adolescentes contribui para que os pais não saibam onde e com quem seu filho se relaciona. Um novo modelo de relação entre pais e filhos se estabeleceu. A fórmula consiste em compensar os filhos com bens materiais, isentando-os da responsabilidade de pais.

O uso do álcool na adolescência se tornou normal, sendo que a máxima de alguns pais é que preferem que seus filhos bebam em casa do que na rua. O crack já faz parte da rotina de muitas famílias brasileiras, que perderam o controle sobre os filhos. O ficar na adolescência é visto com naturalidade, não recebendo orientação por parte dos pais ou responsáveis, o que gera, muitas vezes, uma gravidez indesejada. A violência que geralmente se inicia em casa pelos pais e entre irmãos é tratada de forma banalizada.

Frente a tudo isso, as famílias se tornam atônitas quando tomam conhecimento de que o filho é usuário de drogas ou comete atos ilícitos. Perguntando-se, surpresos, como isso foi acontecer. Vemos que o referencial de família, que foi deixado de lado, ainda é a base para a construção e evolução do ser humano.

Esse comportamento omisso nos leva a refletir sobre o verdadeiro caos que estamos vivendo, em que os valores éticos, morais e religiosos foram deixados de lado, sendo vistos como algo do passado.

Está na hora de retomarmos esses conceitos que foram esquecidos. Talvez, a partir daí, a mídia não precise anunciar com tanta frequência a morte de jovens que na realidade são vítimas de uma sociedade adoecida.


27 de maio de 2010 | N° 16348AlertaVoltar para a edição de hoje
LETICIA WIERZCHOWSKI

A última casa da minha rua (e uma rua cheia de casas)

Já escrevi aqui que moro numa rua pequena, porém apertada de prédios. Nem sempre foi assim – quando cheguei, prédios já havia, e foi num deles que viemos morar. Mas havia também casas e jardins floridos e, num terreno perto da esquina, uma roseira faceira que teimava em crescer suas flores para a calçada, ofertando-nos rosas diariamente.

Há muito que aquela casa sumiu, sua roseira morreu e já não nos dá suas flores. No seu lugar, em meio ao barulho, cresce um prédio moderno. Agora temos só uma única casa aqui na rua; faz alguns meses, porém, ela foi desocupada. Da minha janela, vejo-a vivendo seus últimos dias, à espera de que um burocrata de uma grande incorporadora bata seu pesado martelo.

Pois, infelizmente, as casas, hoje em dia, já não são mais casas: são terrenos onde crescerão os prováveis prédios de amanhã. Batido o martelo, aí sim virão bater aqui as marretas; e as retroescavadeiras gemerão outra vez nas nossas janelas, terra irá e terra virá, e mais um pedacinho desse nosso azul há de perder espaço para o concreto.

Pobre da minha rua, que anda tão cansada – o ruído constante das obras não a deixa mais dormir. Agora já não é mais uma rua pacata, nem ela, nem as ruas vizinhas: somos todos um grande canteiro de obras num bairro cada vez mais valorizado.

Eu faço troça dessa mania brasileira de destruir tudo de roldão e depois dizer tolamente que é o progresso chegando, e fico a sonhar com uma ruazinha bem silenciosa, onde ainda os pássaros cantem nas suas árvores, uma rua de gramados e jogos de futebol repletos de gritos infantis.

Mas essa rua, se existe, está bem longe daqui (ando a olhar com aumentado carinho a nossa sorridente zona sul). Eu fico sonhando com essa ruazinha calma, e meu filho mais velho sonha com uma casa onde possa ter um cachorro bem grande. Mas, por ora, seguimos aqui neste apartamento onde fomos – e somos – tão felizes.

Porém, acabo de conhecer uma colorida ruazinha com dez casas. Dez Casas e um Único Poste que Pedro Fez. Essa rua dos meus sonhos está num livro – o autor desse livro é o Hermes Bernardi Jr., e a editora é a Projeto. E em cada casa mora um bicho, uma música, uma quadrinha.

Lá moram o boi da cara preta, o peixe vivo, o sapo, a vaca amarela. Nossa senhora, quanto bicho! Muito bicho e muita casa sem nenhuma chave. Aliás, há uma chave, sim, que abre essa história e todos as outras histórias do mundo – a imaginação. Nessa rua, eu também quero morar.


27 de maio de 2010 | N° 16348
PAULO SANT’ANA


Ódio aos aposentados

Segundo se noticia, o governo federal se recusa a conceder reajuste de 7,7% aos aposentados do INSS que ganham acima do salário mínimo, aprovado pela Câmara e pelo Senado.

No entanto, este mesmo governo concedeu anteontem aumento de salários para 32 mil funcionários federais, sob a forma eufêmica de vantagens que vão custar aos cofres públicos R$ 800 milhões.

Não há dúvida de que o que existe é ódio aos aposentados.

Eles são considerados escória pelo governo.

Um ingrediente infalível na dinâmica brasileira é a bitributação.

Um entre vários exemplos: o sujeito gasta uma fortuna para formar-se em Direito. Forma-se, e a Ordem dos Advogados declara que ele ainda não está formado, tem de fazer o exame da Ordem.

E aí aumenta o preço da inscrição ao exame de R$ 130 para R$ 200.

Em todos os setores, vão descarnando o nosso povo.

Há um mistério que ronda a suposta reforma tributária: todos são a favor dela, a sociedade, os trabalhadores, os empresários, os governantes.

Mas, na hora de aprová-la, não se consegue aprová-la.

Será que só quem lucra com a alta tributação é que tem poder de fogo para aprovar e/ou rejeitar a reforma?

Mais uma vez sofreu atraso o projeto para o trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro, por desentendimento na licitação.

O trem vai ser rápido, mas não existe nada mais lento que o seu projeto.

Por que será que, onde se precisa de polícia, só há ladrão? E onde não existe ladrão tem sempre bastante polícia?

Como fumante inveterado e abjeto, protesto: nos lugares em que há televisão e freezer, é proibido fumar; no fumódromo, não há televisão e freezer.

Não é uma discriminação?

No debate da Confederação Nacional da Indústria, entre os três presidenciáveis, mais uma vez a candidata do Partido Verde, Marina Silva, empolgou a plateia.

Ela suscitou entre alguns empresários lágrimas na plateia.

E pronunciou sob gargalhadas a sua frase padrão: “No primeiro turno, a gente vota em quem gosta; no segundo, a gente se desvia do pior”.

O perigo dessa inversão de mão que a EPTC cogita para as artérias da Capital, no sentido de combater o engarrafamento, está em que numa esquina um azulzinho inverta a mão e na esquina seguinte outro azulzinho multe por trafegar contra a mão.

Um componente decisivo nas partidas de futebol não é encarado com relevância pelos comentaristas esportivos: a sorte.

E, no entanto, a sorte decide 60% dos jogos de futebol.

Justamente por isso é que o futebol atrai multidões: é um jogo.

Está tudo trocado.

O goleiro Victor do Grêmio declarou: “Eu não preciso de psicólogo”.

Absolutamente certo. Eu é que andei precisando de goleiro.

Mas foi um alívio a vitória gremista de ontem contra o Avaí. O rebaixamento andava rondando.


27 de maio de 2010 | N° 16348
L. F. VERISSIMO


Metafísicas

Os gregos foram os primeiros a encarar a metafísica com algo mais do que espanto e reverência. No berço da civilização ocidental, também nasceu o pensamento organizado sobre o invisível, o além e nossa relação com os deuses.

Assim, não deixa de ser irônico que na Grécia moderna hoje se testem os limites da outra metafísica, não a dos filósofos, mas a do dinheiro. A que se impôs porque suas abstrações são muito mais potentes do que as aristotélicas – e rendem muito mais.

A Igreja medieval condenava o comércio financeiro porque os juros eram produto de uma coisa infecunda, o próprio dinheiro, e portanto antinaturais, além de serem um preço dado ao tempo, que é de Deus.

Mas desconfia-se que a Igreja combatia os juros, acima de tudo, para proteger sua metafísica da metafísica emergente do mercado. Acabou cedendo, aceitou os juros para não ficar de fora do melhor negócio do mundo, que é o dinheiro produzido por dinheiro, e hoje não excomunga mais ninguém por usura.

A vitória não foi da realidade do dinheiro sobre a especulação filosófica, foi de uma irrealidade sobre outra. As duas metafísicas se parecem. Como são feitas no ar, só têm os limites que elas mesmas se dão.

Aqueles concílios da Igreja em que se discutiam coisas como quantos anjos poderiam dançar na ponta de um alfinete são os antecedentes diretos dos conluios do capital financeiro que geraram as pirâmides de papel desligadas de qualquer lastro real, para o dinheiro produzir cada vez mais dinheiro, cada vez mais abstrato.

Na questão dos anjos, a discussão era entre os que diziam que o número de anjos que cabiam na ponta de um alfinete era limitado e os que diziam que era infinito. As mesmas especulações etéreas eram feitas sobre até onde poderia ir a farra do capital especulativo. O que a atual crise mostrou é que o número de anjos é finito.

Mas as metafísicas se autorregeneram. A crise tem significado uma espécie de purgatório para o capital financeiro descontrolado, mas nenhum dos seus beneficiários acabará no inferno. Wall Street reage e retoma seus maus hábitos, na Europa optou-se por um adiamento do pior em vez de uma solução.

A metafísica medieval, herdeira da metafísica grega, pelo menos garantia a remissão dos pobres e dos virtuosos no fim dos tempos. A metafísica do mercado só garante felicidade para os espertos.

quarta-feira, 26 de maio de 2010



26 de maio de 2010 | N° 16347
MARTHA MEDEIROS


As vira-casacas

Fico sempre de pé atrás com pessoas que passam por uma metamorfose radical, virando justamente o oposto do que eram. Quando li um depoimento da outrora Regininha Poltergeist, furacão sensual, musa de Fausto Fawcett e que teve breve carreira como atriz pornô, dizendo que hoje atende pelo nome de Regininha Pentecostes, me deu um frio na espinha. De louca a santa? Ora. De louca a louca e meia.

Acabei lendo um pouco mais sobre essas “perdidas” que se transformam em crentes, as Marias Madalenas deste século. E soube que algumas ex-capas de revistas masculinas hoje estão a serviço da castidade e da abstinência, inclusive pretendem estrear um programa na linha do Saia Justa para “levar uma visão de Deus a assuntos polêmicos”.

Pregam que sexo, agora, só depois do casamento. Dizem que foram traídas por quase todos os homens que tiveram e que já se pegaram entre elas a socos para defenderem a posse de seus bofes. Hoje, arrependidas, concluem que só lhes resta ajoelhar e orar.

O famoso meio-termo, nem pensar. É como se um gremista fanático virasse colorado do dia pra noite, ou vice-e-versa. Sou a primeira a incentivar que as pessoas reavaliem suas escolhas e, caso estejam desgostosas, mudem, se deem a chance de vivenciar novas experiências. Faz parte da dinâmica da vida. Alguns baladeiros notívagos hoje dormem depois da novela e acordam às 5h.

Garotas de programa se apaixonam, casam e têm filhos, virando fidelíssimas esposas. E, se alguns céticos passam a frequentar a igreja, ótimo, nenhuma contradição, estão em movimento, desde que não inventem de se transformar em novos messias.

Prefiro comprar um carro usado da Rita Cadillac a um da Regininha Pentecostes. Desconfio de pessoas que trocam de nome, que “renascem depois do acidente”, como se fosse um acidente ter vivido uma história que já não lhes interessa mais.

Há muitas coisas que fizemos e não voltaríamos a fazer, estamos sempre em busca de crescimento, e trocar de ideia e de hábitos é parte natural da aventura de estar vivo, mas posar de convertida? É acreditar demais em pecado e salvação.

Todos nós temos um pouco de loucos e de santos, somos modernos para nos vestir e caretas para educar os filhos, corajosos para esportes radicais e apavorados para sair de carro à noite.

Se há algo que nos torna criaturas saudáveis é justamente o fato de sermos flexíveis, diversos. E divertidos! O passado passou, não é preciso negá-lo e virá-lo do avesso para legitimar uma nova persona, isso mais parece penitência. Engessar-se num único perfil, seja qual for, é doentio. Nada nos define. A não ser o nosso time, claro.

Uma linda quarta-feira para vc. Aproveite o dia


26 de maio de 2010 | N° 16347
PAULO SANT’ANA


O drama da saúde dos sem-voz

Eu não descanso enquanto não se solucionar o problema da saúde pública entre nós.

Os governantes têm de se render à ideia de que é o nosso maior e mais dramático problema.

E a grande multidão de pessoas que apodrecem nas filas não tem voz. Por isso é que de alguma forma quero emprestar proveito social ao espaço que disponho em Zero Hora.

Para se ter uma ideia do que o povo sofre com o abandono a que foi relegado em saúde, leiam o relato de dois leitores.

Primeiro, o do médico sanitarista e ex-secretário da Saúde de Porto Alegre Lúcio Barcelos:

“Prezado Sant’Ana, meus parabéns pela tua coluna de hoje. Estou de pleno acordo com a caracterização de ‘vergonhosa’ que dás para as ‘filas’ das cirurgias eletivas. É patético, mas um cidadão, para conseguir uma simples cirurgia de varizes, que deveria ser para o dia seguinte, fica numa ‘fila’ de espera de dois, três ou até quatro anos.

O que dizer de uma cirurgia de alta complexidade, de um exame laboratorial mais complexo, ou das filas reais, do cotidiano das pessoas que se amontoam na frente das unidades de saúde em plena madrugada para conseguir uma simples consulta com um clínico geral. Não é preciso dizer que são pessoas pobres, em geral idosas ou mulheres com crianças de colo. É um desrespeito absoluto com os direitos mais elementares de qualquer cidadão.

Agora, se me permites complementar teu raciocínio, acho que devemos nos perguntar por que existe essa escassez de profissionais, equipamentos e leitos.

Certamente não é por falta de recursos financeiros: juntos, a União, os governos estaduais e municipais, nos primeiros quatro meses e 24 dias deste ano da graça de 2010, já arrecadaram a fabulosa quantia de R$ 472 bilhões em impostos. É isso mesmo! R$ 472 bilhões em impostos pagos pela população que trabalha. E vem me dizer que não pode resolver o problema das filas reais ou virtuais da saúde pública?”.

“Caro Sant’Ana. Finalmente alguém fala pelo povo. A fila do SUS só é sentida pelo pobre. Sou médico psiquiatra e trabalho em Alvorada, quis escrever porque não é apenas para a cirurgia que há filas.

Vou usar um pequeno exemplo: uma pessoa com dor de cabeça que quer consultar pelo SUS, primeiro, para conseguir uma simples consulta com um clínico geral, e não apenas com a enfermeira, que muitas vezes é a única a ver o paciente, ele terá que chegar ao posto às 5h da manhã para tentar ser atendido no mesmo dia, e a consulta não será antes das 14h.

Se o sujeito precisar de um neurologista porque sua dor de cabeça preocupou o médico clínico (ou seja, pode ser um caso grave), ele esperará mais de um ano pela consulta. E se o neurologista (um ano depois) quiser uma tomografia para ver como está a cabeça do sujeito, ele esperará mais um ano.

Ou seja, o que é realizado em um mês no máximo em um país de Primeiro Mundo (clínico geral, especialista, exames), no Brasil o cidadão (pobre) terá que esperar dois anos no mínimo. Este é apenas um exemplo para te mostrar que a cirurgia eletiva é apenas uma parte da situação triste em que se encontra a saúde do brasileiro que não tem convênio.

Fico estupefato quando vejo o Brasil emprestando milhões à Grécia e nosso presidente dizendo que nosso país já é rico o suficiente para dar. É bom que todos saibam como anda a saúde do Brasil antes que cheguem as eleições. Parabéns! (as.) Dr. Leonardo Broilo CRM 22746”.


26 de maio de 2010 | N° 16347
DIANA CORSO


Nadie te quita lo vivido

Da maior parte das janelas do meu apartamento possuo uma detestável vista para as casas dos vizinhos e tenho certeza que, como eu, eles lastimam tanta proximidade. A exceção é para as janelas de lado, as quais se abrem para um belo e imenso plátano que domina o terreno baldio vizinho.

Ele é o descanso dos olhos, mas também o problema: esse terreno lateral tem dono, e vivo em sobressalto frente à possibilidade de ver minha árvore querida substituída por mais um conjunto de detestáveis janelas. Mas isso não aconteceu, ainda, talvez nunca, sei lá.

Além disso, um dia morrerei, é certo, com muita sorte velha, dormindo. Com mais sorte ainda, durarei sem fraldas e lembrando o nome dos meus netos.

Mas com a ajuda sempre prestativa do Google, posso chegar a um diagnóstico certeiro de câncer para vários sintomas banais, para não falar em outras terríveis doenças, todas letais, e pensar que posso morrer antes disso. Mas isso não aconteceu, ainda, talvez nunca, sei lá.

Essas obsessões, que aqui exagero para fins didáticos, compreenda-se bem, são metafóricas de tantas outras coisas que deixamos de aproveitar pela sua indiscutível finitude.

Gosto muito de uma expressão em espanhol, cujo ensinamento nem sempre consigo aplicar em minha vida prática: “nadie te quita lo vivido”. Traduzido seria: ninguém pode tirar o que já viveste. Dela apreende-se que aquilo que deu tempo de fazer, contemplar, dizer e sentir está completo, e, se é indiscutível que um dia vai acabar, já valeu.

Não se deduza disso nenhuma precipitação a uma forma hedonista e imediatista de existência. Essa é a lógica dos toxicômanos: esgotam a vida com brevidade, vivem cada instante como se fosse o último, morrem a cada curva do prazer. Diferente disso, o carpe diem que proponho passa por resignar-se a percorrer o caminho inteiro de uma existência, visitar todas suas estações.

Aceitar a vida acaba sendo mais difícil do que conformar-se ao fato da morte. A lógica hipocondríaca, dos que padecem de doenças imaginárias, assim como dos eternamente jovens, também é uma antecipação da morte. Para esses sovinas, a vida não deve ser gasta. Sou um desses quando derrubo antecipadamente meu plátano e morro de véspera.

Faço votos de que nunca precise dizer: “eu era feliz e não sabia”. A condição passageira não precisa ofuscar o prazer de ver a passagem das estações. De cada folha que nasceu e caiu, “nadie me quita lo vivido”. Uma vida é para ser usada em todas suas partes que estão ainda de pé. Preciso lembrar disso, mais vezes.