23
de outubro de 2012 | N° 17231
LUÍS
AUGUSTO FISCHER
Borges explica Fernandão
Colorados
sofrem, atualmente. Em busca de alguma explicação para as razões disso me
ocorreu encontrar, nos escaninhos da memória, uma passagem da Autobiografia de
Jorge Luis Borges, o genial portenho, o mais importante escritor gaúcho de
todos os tempos. (Sim, eu o incluo entre os nossos, porque sua obra nos explica
e nos convoca; ele nos pertence de pleno direito.)
Essa
Autobiografia, que não existe em português, resultou de um vasto depoimento (em
inglês) a Norman Thomas di Giovanni, norte-americano de nascimento, tradutor de
Borges e seu colaborador próximo por muitos anos. Saiu em 1970, na revista The
New Yorker, com o título de “Autobiographical Essay”. Anos depois foi vertida
ao espanhol (tenho a edição da ed. El Ateneo, de Buenos Aires, 1999).
“Meu
pai era muito inteligente e, como todos os homens inteligentes, muito bondoso. Uma
vez me disse que prestasse atenção aos soldados, aos uniformes, aos quartéis, às
bandeiras, às igrejas, aos sacerdotes e aos açougues, já que tudo isso ia
desaparecer e algum dia eu poderia contar aos meus filhos que tinha visto essas
coisas”.
Sim,
o pai de Borges, também Jorge (mas Guillermo, não Luis), era ateu, pacifista e
vegetariano (e argentino!); mas, mais que isso, era, diz seu filho,
inteligente, logo bondoso, porque imaginava que suas convicções, sendo tão
claramente superiores, por certo triunfariam entre todos os homens.
Ocorre
que a vida não andou na direção do que sonhava o velho; outra frustração,
Borges não teve filhos a quem contar isso, a não ser a nós todos, seus
leitores, logo seus herdeiros.
Mas
ficou a intuição, para mim realmente significativa, de que os inteligentes
tendem a superestimar os demais. (Inversamente, os não-inteligentes mas
espertos tendem a subestimar os outros, e com isso se dão bem, com facilidade –
já dizia P. T. Barnum, o famoso empresário de circo nos EUA do século 19: nunca
ninguém perdeu dinheiro por subestimar a inteligência alheia.)
Daí o
Fernandão: ele é um sujeito muito inteligente, como sabe todo mundo e como tive
ocasião de constatar ao vivo, uns anos atrás, quando colaborei na elaboração de
documentários sobre os anos gloriosos do Inter entre 2006 e o centenário. Tão
inteligente é que espera dos outros a mesma presteza mental, a mesma autonomia,
a mesma dedicação voluntária aos objetivos coletivos. Espera, mas não alcança.
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