RUTH
DE AQUINO
A bandalha dos ciclistas
RUTH
DE AQUINO é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)
Fui
atropelada por um ciclista na calçada do Leblon, no Rio de Janeiro. Estava
parada, falando ao celular. Ele levava a namorada de shortinho no guidão. Se eu
tivesse 20 anos e uma garota com aquelas pernas no meu campo visual,
provavelmente não enxergaria mais nada. Além de bater na minha coluna lombar,
ele foi levando com o guidão minha roupa e, por isso, parou. Pediu desculpas.
“Fazer
o quê? Desculpo. Mas você sabia que é proibido pedalar no espaço de pedestres?”,
falei. Entrou por um ouvido, saiu pelo outro. Ele continuou rumo à orla, para
gozar a luz extra do horário de verão, a ansiedade e os hormônios a 40 graus,
em ensaio para a estação de gala do Rio. Uma estação de delícias e dores. Algum
ciclista, naquele exato instante, poderia estar atropelando numa calçada sua mãe,
sua avó, sua irmãzinha pequena.
Os
ciclobandalheiros imperam em muitas cidades grandes do Brasil. Eles reclamam
dos ônibus, dos carros ou das vans irresponsáveis. Evitam o asfalto – mesmo a
duas quadras de uma ciclovia com vista para o mar. E ferram os pedestres. Pedestre
não vem de fábrica com setinha ou luz de freio.
Dispõe,
pela lei, de um espaço só dele, onde a velocidade é das pernas. Tem direito de
mudar a direção subitamente, sem verificar se um veículo sobre rodas passará por
cima dele.
As
calçadas do Rio estão coalhadas de ciclistas que transformam pedestres em alvo
de manobras arriscadas. Nós somos os obstáculos, invasores inconvenientes de
nosso território.
A
praia no verão é o retrato mais acabado da democratização do espaço carioca,
especialmente com o metrô. Os ciclistas repetem o padrão. Patricinhas,
mauricinhos, peruas, executivos, atletas, profissionais liberais, vendedores de
celular, entregadores de pizza, moradores de comunidades (ex-favelados), todos
se locupletam na bandalha, com bicicletas de todos os calibres e, agora, as elétricas.
Foi,
portanto, com aplausos que, no domingo passado, o carioca recebeu a Guarda
Municipal no calçadão de Ipanema e Leblon. É uma festa aquela pista dedicada ao
lazer, fechada aos carros. Lazer barato numa cidade cada vez mais cara. O
cortejo de carros da polícia, com guardas munidos de cassetetes caminhando à frente,
mandava ciclistas para a ciclovia.
O
motivo da ação foi o número de queixas da população. Bicicletas e skates tornam
aquele espaço perigoso para a caminhada dominical. Vira pista de corrida e
esportes radicais. A maioria da população está longe de ser “radical” – e gosta
de ordem.
Fui
atropelada por uma bicicleta na calçada. Qual seria a dosimetria para os
ciclobandalheiros?
“O
Rio não pode perder sua espontaneidade e alegria, mas não pode ser eternamente
a capital da esculhambação”, disse a ÉPOCA o prefeito Eduardo Paes. “O espaço público
não pode ser privatizado, nem pelos próprios indivíduos. Acabamos com a zona das
Kombis velhas estacionadas com mercadorias na orla, ao instituir o Choque de
Ordem há dois verões. Começamos a organizar os quiosques. Agora, os gestos de
civilidade são uma questão de educação, cultura e convívio urbano.”
Como
os ciclistas se comportam bem em Washington, Nova York, Paris e Londres, penso:
qual seria a dosimetria para os ciclobandalheiros do Rio? Dosimetria, como
todos já sabem, é o jargão juridiquês dos supremos de capa preta que invadiram
nossa data venia de botequim. É o “cálculo de penas”.
Se
advertências não impedem a bandalha de acostamento nas estradas, os passeios da
Guarda Municipal não coíbem ciclistas infratores. Um dia de apreensão de “bikes”
bandalheiras poderia servir de educação. Perdeu, parou, confiscou. Ciclismo é prática
saudável, transporte limpo, o prefeito estimula, o clima do Rio ajuda. Mas, por
favor, na ciclovia, porque o nome já diz tudo.
Paes
ficou abalado com a guerra do jogo de futebol conhecido como “altinho” – a
antiga linha de passe – no Posto 9, em Ipanema. O local é um reduto dos jovens
contra a lei que proíbe jogar bola na beira do mar entre as 8 e as 17 horas. O
paredão dos “altinhos” torna um risco mergulhar ou andar na areia. Os donos do
território desafiaram a ordem da Guarda Municipal.
O vídeo
no YouTube mostrou uma batalha campal bem feia, com palavrões e agressões. Cocos,
barracas e cadeiras foram arremessados contra os guardas. E os guardas usaram
força bruta inadmissível. “Foi um erro dos guardas”, diz o prefeito. “Perderam
a razão ao se nivelar. A Guarda Municipal precisa agir com educação, não pode
perder o controle.”
O “altinho”
migrou do Posto 9 para o Posto 8. E o lixo e os cães? Não é preocupação de
elite. Praia é de graça. É no verão que os jet skis à beira d’água matam
criancinhas, e as lanchas matam ou aleijam banhistas.
É no
verão que os cães, o lixo e os restos de comida tornam nossa areia imprópria. Bactérias
causam diarreia e micoses. As areias de Copacabana e do Leblon continham, em
outubro, mais fezes de cachorro e lixo que a areia do Piscinão de Ramos. É o
subúrbio ensinando boas maneiras à Zona Sul. Vamos baixar a dosimetria nos
bandalheiros do verão.
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