02 de outubro de 2012 |
N° 17210
CLÁUDIO MORENO
Os portadores de lanternas
William James, psicólogo e
pensador americano, sempre fez questão de frisar, ao longo de toda sua obra,
que nunca chegaremos a captar realmente o que nosso semelhante pode estar
pensando ou sentindo – especialmente se nos basearmos apenas naquilo que
podemos enxergar.
Como espectadores, somos
verdadeiros fiascos na hora de avaliar o drama dos outros, pois nosso olhar e
julgamento, condicionados por nossos próprios valores, não conseguem perceber
os sentimentos secretos que animam o comportamento alheio.
James ilustra essa ideia com um
belíssimo exemplo que foi buscar nas memórias de Robert Louis Stevenson, o
autor de O Estranho Caso de Dr. Jeckyll e Mr. Hyde (que ganhou, no Brasil, o
título caricato de O Médico e o Monstro). Na pequena obra-prima intitulada
Os Portadores de Lanternas,
Stevenson relembra, saudoso, as férias que costumava passar numa cidadezinha do
litoral da Escócia, cheia de trilhas selvagens, grutas e penhascos à beira-mar
– um local que “parecia ter sido criada especialmente para a diversão de
meninos”. Das inúmeras recordações que guardou dessa época dourada, nenhuma lhe
foi mais preciosa que a sensação de portar uma lanterna.
Entenda o leitor que estamos na
metade do séc. 19 e que estas lanternas primitivas queimavam óleo de baleia.
Eram de construção muito simples: tinham a forma cilíndrica de um pequeno
lampião, mais ou menos do tamanho de uma lata de ervilhas, dentro da qual ardia
uma chamazinha vacilante; para deixar a luz sair, bastava abrir uma pequena
portinhola redonda que ficava na lateral.
Pois nas últimas semanas do
verão, quando as noites já eram escuras como piche e os ventos traziam as
primeiras chuvas frias do outono, Stevenson e seus amigos saíam com as
lanternas presas ao cinto, protegidas debaixo do capote.
Não eram práticas nem úteis: a
luz produzida era ínfima, o metal ficava muito quente, a fumaça do óleo
queimado que subia por dentro da roupa era nauseabunda.
Nada disso, porém, estava em
questão: para um menino daqueles, a essência da felicidade consistia em sair no
negror da noite, sozinho, com o casaco abotoado até o pescoço, exultando
simplesmente por saber, “no mais profundo de seu ingênuo coração, que a
lanterna estava lá”.
As pessoas que os viam passar
assim, sujos e molhados, deviam fazer o mesmo que nós, injustos e arrogantes,
quando nos pomos a julgar a vida de outra pessoa e as decisões que ela toma –
esquecendo que, por escuro que nos pareça o caminho escolhido por ela, é
possível, se não provável, que ela traga no cinto, escondida de nossos olhos, a
sua própria lanterna.
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