02 de outubro de 2012 |
N° 17210
FABRÍCIO CARPINEJAR
Você me ama?
Para Chiara Civello
Minha mãe teve um pesadelo.
Prestava concurso para Defensoria Pública. Sala lotada de candidatos,
nervosismo, lápis penteado.
Ao receber a prova do instrutor,
qual sua surpresa ao perceber que a folha contava apenas com as respostas.
– Cadê as perguntas? – ela se
desesperou.
O monitor lamentou, mas não tinha
como mudar a natureza do teste.
– Só vim aplicar a prova,
desculpa.
O perturbador sonho materno é de
uma simbologia poderosa. Passamos mais tempo de nossa rotina respondendo
respostas do que atendendo perguntas. Perguntamos com uma resposta e
continuamos respondendo. Não pretendemos mudar nossas opiniões. Não pretendemos
nos despedir de nossos condicionamentos. Não pretendemos remodelar os planos.
Somos um bando de certezas recolhendo exclamações.
O mais complicado é aguardar
justamente a pergunta, não sair falando de qualquer jeito para qualquer alvo.
Mas aguentar o intervalo do dilema, resistir ao silêncio aflitivo da espera,
tolerar pensar com os ouvidos.
Pois quem responde perguntas,
conversa. Quem responde respostas, discursa.
É uma arte aprender a fazer
perguntas necessárias. E ser condizente ao tamanho das questões.
Não ser preguiçoso. Ou excessivo.
Tem gente que recebe uma
interrogação pequena e já cria uma tese.
Tem gente que recebe uma
interrogação grande e usa evasiva.
Respeitar a proporção da pergunta
é amar a curiosidade. É não ser afetado ou pretensioso. É não se vangloriar ou
desmerecer a dúvida.
Ir aos poucos ajuizando. Não
responder tudo para não ter que responder depois, nem nada para cessar a
aproximação. Seguir com a inocência atrevida de uma criança, que provoca o
sentido das coisas até despertar a vontade das coisas.
Se sua mulher questiona:
– Você está feliz?
É uma pergunta pequena, que pede
que você revise seu dia.
A resposta é: – Sim, estou feliz.
– Não, não estou feliz.
Ambas pedem um motivo. E uma nova
pergunta pequena com olhos nos olhos.
Mas se sua mulher indaga: – Você me ama?
É uma pergunta grande, que
reivindica que você revise toda a história com ela.
É uma pergunta para lembrar
muito.
É uma pergunta para explicar com
cenas, passagens, lugares.
É uma pergunta que não tem
sucessora. É uma pergunta carregada de saudade.
É uma pergunta única, decisiva,
maiúscula, com oceano para atravessar de mãos dadas.
Não é uma pergunta, é uma
declaração.
Não seja breve. Valorize a
cadência das frases. Ela é mais rara de acontecer do que imagina. Nem todos têm
a chance de respondê-la.
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