01 de outubro de 2012 |
N° 17209
L. F. VERISSIMO
Aniversário
Eu sabia que esse negócio de
fazer aniversário todos os anos iria dar nisso: acabei envelhecendo. Às vezes,
me pego pensando no que vou ser quando crescer e me dou conta de como minhas
opções diminuíram. Não tenho mais idade para ser nada.
Só me animo quando vejo uma lista
de prováveis candidatos a sucessor do papa. A idade média deles é 70. Ser papa
é uma das poucas coisas a que eu ainda posso, realisticamente, aspirar. Mas
minha única credencial para o cargo é a idade. Não sou cardeal, não sou nem
praticante.
Devo ter deixado minha fé no
bolso da fatiota azul, de calças curtas, com que fiz minha primeira comunhão. E
a única coisa de que me lembro do evento, além da fatiota (e da gravata
prateada!), não é a emoção de receber a hóstia e o rito eucarístico, são os
doces que tinha em casa, depois. Acho que foi ali que fiz a minha opção
preferencial pela perdição.
Invejo quem tem fé, mas não posso
deixar de pensar que a minha religião particular, uma espécie de panteísmo
urbano (devoção por pastéis e boas livrarias e a crença de que há um deus, sim:
o deus do oboé, que além de ser um instrumento divino é o que afina todos os
outros), é a única sensata, em meio ao que não deixa de ser – se bem examinada
– uma crise mundial do monoteísmo.
Bons tempos em que, em vez de não
ter mais idade, nós ainda não tínhamos idade. E sonhávamos com tudo o que
viria, quando tivéssemos. Entrar em filme proibido até 14 anos. Beber e fumar.
(O importante não eram a bebida e o cigarro, era a pose que se fazia bebendo e
fumando. Ficar adulto era adquirir a pose). Beijar como beijavam nos filmes –
pelo menos nos proibidos até 14, já que nos proibidos até 18 ninguém sabia o
que acontecia. Ficar acordado até mais tarde. Ganhar a chave da casa. Dirigir
carro. Usar bigode.
Ainda não ter idade era ficar
pinoteando no partidor, indócil, como um cavalo esperando a largada. Não ter
mais idade é ficar com esta impressão de que até um ato de revolta por tudo que
não fizemos quando tínhamos idade e agora não dá mais, não seria, assim,
apropriado para a nossa idade.
Chama-se vida essa lenta
transformação da frase, de ainda não ter idade para não ter mais idade. Ou de
poder ser, teoricamente, tudo o que se sonhasse, a poder ser, teoricamente, só
papa. E por pouco tempo.
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