CARLOS
HEITOR CONY
Que
pena!
RIO
DE JANEIRO - Morava em Copacabana, todas as manhãs ia à praia, de chapéu e
óculos escuros. Para cortar caminho, pegava a galeria Menescal -onde, numa loja
de discos, um hi-fi, que estava na moda, tocava "Que pena", sucesso
de Jorge Benjor, que ainda era Jorge Ben, um bom dueto com a voz quase juvenil
da Gal Costa e contraponto perfeito de Caetano Veloso.
Havia
saído da prisão da Polícia do Exército (na rua Barão de Mesquita). Meses antes,
junto com sete amigos, havíamos dado uma vaia no presidente Castelo Branco, que
ia inaugurar uma conferência da OEA no hotel Glória. Quando o marechal saltou
do carro e começamos a vaia prevista, não sei o que me deu. Gritei o mais alto
que pude: "Filho da puta!". Fomos presos.
Pois,
naquela manhã, vinha eu da praia distraído, assoviando o "Que pena",
quando ouvi a freada de um carro -um Aero Willys azul-marinho-, que passou
raspando por mim graças à manobra do seu motorista. Senti o vento deslocar no
meu rosto e vi o motorista, irritado, gritar em minha direção: "Filho da
puta".
Apesar
da rapidez do encontro, deu para ver a cólera do já então ex-presidente Castelo
Branco.
Sua
habilidade no volante salvara-me de um atropelamento que podia ser fatal e
dera-lhe um susto desgraçado. Ele vinha em certa velocidade, evidente que não
me reconheceu, nunca nos tínhamos visto. No encontro do hotel Glória ele estava
de costas. Além disso, de óculos e chapéu, nem minha mãe me reconheceria.
De
minha parte, considerei que conseguíramos empatar o jogo.
Insulto
por insulto, ambos justificados. O ex-presidente morreu pouco depois, num
desastre de avião, sem saber que eu lhe devia, além da prisão num dos mais
sinistros porões da ditadura, a própria vida, um pouco sinistra.
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