segunda-feira, 30 de julho de 2012



30 de julho de 2012 | N° 17146
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL

Rostos e corpos

Desde que existem as artes representativas, o corpo humano é o motivo dominante. As pinturas rupestres mostram-nos homens e mulheres em todas as posições e atitudes, na maior parte das vezes, em ações cinegéticas.

Mas também há espaço para a contemplação religiosa. Já os gregos levaram o culto do corpo ao extremo, e suas esculturas, ainda que possam representar deuses e deusas, significam também pessoas em dimensões humanas. Míron foi o grande; Praxíteles, o melhor – mas isso é questão de gosto.

O grande percurso que chega à Idade Média e desemboca no Renascimento mostrou o perigeu e o apogeu do tratamento do corpo – a Capela Sistina é o melhor exemplo desse trânsito artístico que é, ao mesmo tempo, cultural e ideológico.

A fotografia demonstra igual fascínio pelo humano; não tanto quanto na primeira metade do século 20, mas a tendência continua acesa.

Na galeria Arte & Fato, há uma amostra do fotógrafo Roberto Schmitt-Prym, denominada Cenas Vertiginosas, com a curadoria de Ana Zavadil. São 26 fotos a cores com um motivo único: o rosto e o corpo – no caso, feminino.

Contrariamente aos clássicos estudos de nus, em que os modelos param-se de estátuas e servem como motivos para o tratamento do claro-escuro, tonalidades, volumes e texturas, nestas fotos de Schmitt-Prym o corpo humano – o rosto, em especial – assume uma personalidade, isto é, apresenta-se como um ente único e capaz de reações. Isso atenua e transforma qualquer aproximação de natureza erótica, remetendo-nos a uma reflexão sobre o humano em sua crueza psicológica e emocional.

Para isso, colabora o tratamento técnico das fotos, que nunca são apresentadas em sua versão “original”, mas chegam ao espectador com as cores alteradas, com o foco impreciso, revelando as intervenções necessárias para que possam ser consideradas obras de arte.

São fotos perturbadoras, estas. As mulheres ali estão, numa galáxia metafísica difícil de ser percebida, mas que nos tocam como se estivessem a nosso lado, com seus espantos, seus grandes olhos acesos, com suas dores, suas perplexidades, com seus lábios sanguíneos e suas iras mudas e devastadoras, seus olhares de Capitu e, enfim, com sua tensa e sempre enigmática condição.

Se os artistas das cavernas escolheram a figura humana como motivo preferencial, observem, indo à exposição, como esse humano persiste, e em grau superior, nas surpreendentes fotos de Roberto Schmitt-Prym.

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