29
de julho de 2012 | N° 17145
ARTIGOS
- Diana Corso*
Coringa, o vampiro de Denver
Os
filmes de super-heróis têm padecido da síndrome das origens: heróis e vilões
tiveram seu passado investigado, e com Batman não foi diferente. Corretamente,
o cinema bate na tecla de que somos fruto da nossa história. O caso do atirador
de Denver, que matou 12 pessoas durante a estreia do filme Batman, também nos
leva a tentar compreender suas razões, a origem da sua deturpada personalidade.
Teóricos
apressados, assim como a ficção, adoram encontrar traumas. De fato, existem
traumas, mas não há uma forma unívoca de reagir a eles, tudo depende do que
fizemos a partir do que a vida interpôs em nosso caminho. No caso de Holmes, o
atirador da vez, não há traumas visíveis. Ele era reservado, mas não sofria
bullying. Americano, branco, estudante de medicina e neurociência, bem
apessoado até, eis um monstro que foge aos nossos clichês.
Na
falta de conjecturas melhores, Batman, o super-herói do filme, foi levianamente
acusado de estar na origem da motivação do evento, e o assassino reforçou essa
tendência ao comparar-se ao vilão Coringa. Por que não se teve tanta urgência
em questionar a paixão norte-americana por armas?
Não
há como esquecer que Holmes vive nos EUA, um país onde a população convive com
um arsenal de pólvora e testosterona sem aplicações práticas, um campo minado. Dentro
de casa, armado até os dentes, qualquer medíocre, obscuro e fracassado pode se
imaginar soldado de uma guerra imaginária, um cowboy à espera dos bandidos. Por
que somos tão condescendentes com a realidade e severos com a fantasia?
Num
baralho, o Coringa é uma carta-camaleão. Convém tê-la, mas só vale no contexto,
assumindo a identidade em função das que a acompanham. Com o que Holmes está se
mimetizando? Coringa, um bom nome de vilão para esses psicopatas, pois são como
vampiros: alimentam-se da morte, migram do anonimato para a fama a partir das
vidas que suprimem.
Atiradores
malucos, assim como assassinos de celebridades, ganham vida eterna na mídia. Alguns
sugam a fama daqueles que matam, como os assassinos de Kennedy e Lennon, outros
apostam no atacado das vidas inocentes. São modos vampirescos de angariar
reconhecimento na sociedade do espetáculo. A personagem Kevin, de um livro e
filme recentes sobre um desses atiradores de escola americanos, agradecia a
seus crimes a fama alcançada, pois ninguém iria falar dele se tirasse boas
notas em matemática.
Mas
de que “traumas” são tecidos? Quase na totalidade homens, esses assassinos que
se tornam personagens da mídia talvez reflitam uma fragilidade contemporânea
nas identificações viris. Quanto mais rudimentar uma personalidade for, mais
ela vai precisar de identidades totalitárias e violentas para se mimetizar. Provavelmente
é para alimentar fantasias de virilidade, de reconhecimento social e de
controle sobre a morte que tantos homens anônimos e insignificantes querem ter
seu arsenal doméstico. Se as cartas são essas, não é difícil saber a cara que o
Coringa terá.
*Psicanalista
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