sábado, 28 de julho de 2012



29 de julho de 2012 | N° 17145
ARTIGOS - Diana Corso*

Coringa, o vampiro de Denver

Os filmes de super-heróis têm padecido da síndrome das origens: heróis e vilões tiveram seu passado investigado, e com Batman não foi diferente. Corretamente, o cinema bate na tecla de que somos fruto da nossa história. O caso do atirador de Denver, que matou 12 pessoas durante a estreia do filme Batman, também nos leva a tentar compreender suas razões, a origem da sua deturpada personalidade.

Teóricos apressados, assim como a ficção, adoram encontrar traumas. De fato, existem traumas, mas não há uma forma unívoca de reagir a eles, tudo depende do que fizemos a partir do que a vida interpôs em nosso caminho. No caso de Holmes, o atirador da vez, não há traumas visíveis. Ele era reservado, mas não sofria bullying. Americano, branco, estudante de medicina e neurociência, bem apessoado até, eis um monstro que foge aos nossos clichês.

Na falta de conjecturas melhores, Batman, o super-herói do filme, foi levianamente acusado de estar na origem da motivação do evento, e o assassino reforçou essa tendência ao comparar-se ao vilão Coringa. Por que não se teve tanta urgência em questionar a paixão norte-americana por armas?

Não há como esquecer que Holmes vive nos EUA, um país onde a população convive com um arsenal de pólvora e testosterona sem aplicações práticas, um campo minado. Dentro de casa, armado até os dentes, qualquer medíocre, obscuro e fracassado pode se imaginar soldado de uma guerra imaginária, um cowboy à espera dos bandidos. Por que somos tão condescendentes com a realidade e severos com a fantasia?

Num baralho, o Coringa é uma carta-camaleão. Convém tê-la, mas só vale no contexto, assumindo a identidade em função das que a acompanham. Com o que Holmes está se mimetizando? Coringa, um bom nome de vilão para esses psicopatas, pois são como vampiros: alimentam-se da morte, migram do anonimato para a fama a partir das vidas que suprimem.

Atiradores malucos, assim como assassinos de celebridades, ganham vida eterna na mídia. Alguns sugam a fama daqueles que matam, como os assassinos de Kennedy e Lennon, outros apostam no atacado das vidas inocentes. São modos vampirescos de angariar reconhecimento na sociedade do espetáculo. A personagem Kevin, de um livro e filme recentes sobre um desses atiradores de escola americanos, agradecia a seus crimes a fama alcançada, pois ninguém iria falar dele se tirasse boas notas em matemática.

Mas de que “traumas” são tecidos? Quase na totalidade homens, esses assassinos que se tornam personagens da mídia talvez reflitam uma fragilidade contemporânea nas identificações viris. Quanto mais rudimentar uma personalidade for, mais ela vai precisar de identidades totalitárias e violentas para se mimetizar. Provavelmente é para alimentar fantasias de virilidade, de reconhecimento social e de controle sobre a morte que tantos homens anônimos e insignificantes querem ter seu arsenal doméstico. Se as cartas são essas, não é difícil saber a cara que o Coringa terá.

*Psicanalista

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