sábado, 28 de julho de 2012



28 de julho de 2012 | N° 17144
NILSON SOUZA

O quinto poder

Enquanto o parêntese de Gutenberg não se fecha totalmente, vamos escrevendo e lendo da maneira antiga – digitando num teclado de computador e folheando o velho e condenado jornal de papel. Na página 2 do caderno Cultura do sábado anterior, encontro uma interessante entrevista do jornalista americano David Carr, que participou de recente congresso em São Paulo sobre jornalismo investigativo.

Ele fala a respeito do processo de mudança dos meios de comunicação – a tal midiamorfose – e, lá pelas tantas, cita uma observação de seu conterrâneo Jay Rosen, professor da Universidade de Nova York, sobre a transformação “daquelas pessoas que anteriormente conhecíamos como audiência”.

– Eles não são mais audiência – diz David Carr. – Eles se voltaram contra nós. Você diz algo, e eles vêm de trás das colinas atirando em nós: ratatatátá!

A internet abriu definitivamente a caixa de Pandora da humanidade. Se a imprensa assumiu informalmente a condição de Quarto Poder, durante largo período da história da civilização, agora também está exposta a um poder mais avassalador, um imenso exército de franco-atiradores, sem bandeiras nem fronteiras.

O Quinto Poder, já identificado por vários teóricos da comunicação, é fragmentado, mas fulminante. Nada escapa ao bombardeio incessante desses guerrilheiros armados pela tecnologia.

Nem o Papa. Outro dia ele mandou uma mensagem de solidariedade às famílias das vítimas do atirador do filme do Batman e foi imediatamente metralhado por comentários ácidos que deixariam o próprio Coringa corado. Na era da instantaneidade, parece que sempre tem alguém à espreita de uma manifestação pública para atacar seu autor, seja ele ilustre ou anônimo. Aliás, o que mais ocorre neste ambiente predominantemente crítico é o entredevoramento entre os próprios internautas. O Quinto Poder também é autofágico.

Mas faz estragos. Você fala ou escreve a coisa mais bem-intencionada do mundo, e seu crítico de plantão procura com lupa aquela vírgula mal colocada para mandar bordoada. Tudo bem, para o jornalismo há um aspecto positivo nesse patrulhamento.

Ao nos percebermos mais vulneráveis, estamos também nos tornando menos arrogantes e mais responsáveis na nossa atividade de informar e opinar. Já não ostentamos qualquer pretensão ao rótulo de Quarto Poder. Queremos apenas fazer o nosso trabalho e sobreviver a este verdadeiro fogo cruzado de petardos digitais que precisamos atravessar todos os dias.

E há compensações: de vez em quando, surge detrás da colina um generoso integrante do Quinto Poder, com flores numa das mãos e um copo de água fresca na outra.

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