21 de julho de 2012 | N° 17137
EDITORIAIS
CRUEL
E SEM SENTIDO
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, sintetizou a
perplexidade de milhões de pessoas no mundo inteiro ao qualificar de “ação
cruel e sem sentido” o massacre de 12 pessoas e os ferimentos a outras 40 num
cinema na cidade de Aurora, periferia de Denver, Colorado.
O estudante de medicina da Universidade do Colorado James
Holmes, 24 anos, principal suspeito do crime, foi preso no estacionamento do
shopping onde fica o cinema. Ele teria entrado na sala de exibição por uma
saída de emergência, portando duas pistolas, um fuzil e uma espingarda.
O dramático episódio de Aurora expõe a necessidade de se
rediscutir a questão da venda e circulação de armas não apenas nos Estados
Unidos, mas globalmente. Se temas candentes como efeitos estufa, terrorismo e
genocídio têm sido considerados cada vez mais atinentes à governança global, é
coerente que o problema da posse e porte de armas de fogo seja pelo menos alvo
de atenção de parte da comunidade internacional.
Há muito tempo sabemos que, a par dos limites e freios
oferecidos pela cultura, pela lei e pela educação, indivíduos e sociedades
vivem sob o império daquilo que os antigos chamavam de paixões, e a doutrina
psicanalítica, de inconsciente. A legislação permissiva em relação a armamento
possibilita que, nos dias de hoje, o lado obscuro de um ser humano circule com
o dedo no gatilho.
Os Estados Unidos foram o primeiro país do mundo a ser
criado com base nas ideias de igualdade entre seus cidadãos, de liberdade
individual e de primado da lei. Essa mentalidade liberal, aliada ao fato de que
os americanos conquistaram a maior parte de seu território continental já em
tempos modernos, por meio da expulsão e do extermínio de nativos, faz com que o
culto do armamento individual seja tão arraigado nos Estados Unidos.
O outro lado dessa moeda é a violência que, de tempos em
tempos, fere profundamente a sociedade americana em locais como escolas,
cinemas e shoppings. Ironicamente, o condado onde se situa o Instituto
Columbine, escola onde um massacre tristemente célebre deixou 15 mortos e 25
feridos, em 1999, chama-se Jefferson, em homenagem ao presidente americano
Thomas Jefferson, autor de duas pedras fundamentais do liberalismo americano, a
Constituição Federal e o Estatuto de Liberdade Religiosa da Virginia.
O massacre de Aurora mostra a que ponto de barbárie podem
chegar as sociedades que não conseguem disciplinar satisfatoriamente a venda e
o acesso a armas de fogo por seus cidadãos. A imposição de limites ao direito
de portar revólveres, pistolas, espingardas e fuzis não é mais invasiva do que
a instalação de detectores de metais em escolas, como já ocorre em Nova York,
Chicago e Los Angeles.
Controles, restrições e interdições à circulação
indiscriminada de armamento, conjugados à educação centrada numa cultura de
paz, são a única garantia possível de que não retrocederemos, em cada esquina,
a um estágio mais retrógrado do que a Idade da Pedra.
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