segunda-feira, 30 de julho de 2012



30 de julho de 2012 | N° 17146
ARTIGOS - Paulo Brossard*

Sem vergonha

Otávio Mangabeira foi um homem público de largo espectro e apuradas qualidades, que suportou dois exílios; era de família pobre e pobre foi toda a vida, ainda que durante anos tivesse sido parlamentar, deputado e senador, ministro das Relações Exteriores, governador da Bahia, estilista primoroso, foi orador impecável; na conversa apreciava artifícios que apontassem os contrastes humanos com malícia, mas sem maldade; assim, por exemplo, gostava de pilheriar com a própria terra que tanto amava, dizendo:

 “Imagine um absurdo, por maior que seja, tem precedente na Bahia”. Pois estou em dizer que nem na Bahia haverá precedente do fato aqui ocorrido.

Nada menos que um parlamentar, presidente de partido numeroso, de óbvias responsabilidades inerentes a sua situação no mapa partidário, que elegeu a senhora presidente da República, bem como seu antecessor, o atual governador do Rio Grande do Sul como um de seus predecessores, além de outros títulos auferidos no resto do país, cometeu um descoco que nem na Bahia tinha precedente...

Em reunião do seu partido, desnecessário dizer tratava-se do PT, realizada em Sapiranga, referiu-se à Justiça Eleitoral em termos simplesmente inacreditáveis, como o seriam se não tivessem sido gravados e reproduzidos pela radiodifusão, sem qualquer ressalva, e, ao contrário, confirmados pelo próprio protagonista; as palavras são poucas, mas nem precisavam ser mais numerosas para estarrecer a gregos e troianos.

Com estas palavras o presidente do mencionado partido se referiu aos juízes da Corte Eleitoral – “Nós não controlamos esse bando de sem-vergonha que compõe o Tribunal Eleitoral”. Procurado por jornalistas, acusou-os de estar “praticando um jornalismo marrom e vagabundo” e, no dia seguinte, adiantou que “a gravação não tinha sido autorizada”... desse modo confirmou a declaração insultuosa, afinal o “bando de sem vergonha” eram os juízes do TRE do Rio Grande do Sul!

Esta a linguagem do parlamentar e presidente de um partido de inexcedível agressividade frontalmente endereçada a um tribunal, cujas decisões podem ser objeto de recursos legais e de críticas explícitas a sua sabedoria, mas jamais como “um bando de sem-vergonha que compõe o Tribunal Eleitoral”.

Nunca imaginei que seria juiz do TSE e até seu presidente, ao tempo em que advoguei da primeira à derradeira instância da Justiça Eleitoral, mas posso dizer que nunca, jamais, nem quando advogado, nem quando presidente, vi coisa igual nem parecida com essa agressão covarde, que causou tristeza e mal-estar a quantos se esforçaram por ver praticada e respeitada a maior reforma política já realizada no Brasil, com a adoção da Justiça Eleitoral e do voto secreto, que lhe deu sentido.

Aliás, embora desnecessário, mas apenas a título ilustrativo, lembro que ideias estapafúrdias surgem aqui e ali quando se trata de reformas institucionais, mas nunca alguma que extinguisse a Justiça Eleitoral ou alterasse sua estrutura.

Mas, na minha apreciação, vejo alguma relação entre o jato de insânia despejado a céu aberto contra a verdade eleitoral e a onda de violência que se vai espalhando pelo país. Ainda agora a CUT se arvora em juiz do Supremo Tribunal Federal e o ameaça em caso dele parcializar-se no julgamento do triste episódio do mensalão (sic).

A pretensão em causa revela a disseminação de expedientes visando ao desprestígio da Justiça com a desconfiança nela, ainda que de forma semi-infantil e grosseira, mas solerte e calculada.

De mais a mais, a própria linguagem empregada lembra uma linguagem de sarjeta, mostra o seu descompasso da apropriada a uma entidade investida de relevantes encargos e finalidades pela própria Constituição Federal.

*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF

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