29
de julho de 2012 | N° 17145
PAULO
SANT’ANA
Escravo do vício
Inúmeras
são as pessoas que me encontram na rua e, como estou fumando, dizem para mim
sempre a mesma coisa: “Ué, eu já vi o senhor dizer na televisão ou escrever na
ZH que deixou de fumar e agora o encontro fumando?”.
Ledo
engano, eu sempre disse na televisão e escrevi na coluna que “sinto necessidade
de parar de fumar”. Mas nunca disse que parei de fumar.
Eu só
vou escrever isso que vem adiante porque sei que milhares de pessoas passam
pelo mesmo que eu: tentam deixar de fumar, se fosse só eu, não deveria
escrever, afinal uma experiência única não valeria a pena nem seria útil
descrever.
Já tentei
de parar de fumar umas 30 vezes nos últimos anos. Começo cada tentativa não
comprando cigarros. Fico filando cigarros dos outros, assim fumo muito menos,
tenho esperança de cansar-me de tanto pedir aos outros, de chateá- los e isso
me levaria a parar de fumar.
Então
eu venho aqui para a Redação e fico filando cigarros dos únicos três ou quatro
fumantes que ainda restam no jornal.
Só que,
em dois ou três dias, peço cigarros sempre para os mesmos três que me dão sem
reclamar.
Mas
no quarto dia eu já me envergonho de pedir cigarros para as mesmas três pessoas
e vou até o posto de gasolina e compro um maço.
Vou
falar-lhes com sinceridade. Quem compra um maço de cigarros nunca mais deixa de
comprá-lo. E assim cai por terra outra tentativa minha de parar de fumar.
É um
vício terrível. Como todos os vícios, os alcoolistas têm a mesma dificuldade
para parar de beber.
Mas
o vício do cigarro talvez seja o pior de todos os vícios por um detalhe: quanto
mais se fuma, mais ainda se quer fumar.
Não
há maneira de fumar menos. Fuma-se cada vez mais. Quem fuma um maço de cigarros
por dia, com raras exceções, dali a meses estará fumando dois maços por dia. E
depois três maços por dia. E por aí se vai...
Minha
filha me jurou certa vez que me surpreendeu na madrugada dormindo e fumando ao
mesmo tempo.
Pior
que isso só o que já fiz dezenas de vezes: vou para o chuveiro fumando e tomo o
banho inteiro sem largar do cigarro, entre os dedos e entre os lábios.
Funciona
assim: enquanto me ensaboo com a mão esquerda, empunho o cigarro na mão direita.
Tenho extraordinária capacidade para não deixar molhar o cigarro enquanto tomo
banho e fumo. É uma verdadeira prestidigitação, tudo em nome de não parar de
fumar. Nem no banho.
Quando
eu era mais moço, cansei de muitas vezes fazer sexo e não deixar de fumar
durante a prática do amor. Nem sei como as parceiras suportavam essa loucura.
Que
vício! E só tenho um objetivo ao escrever estas linhas: o de que as pessoas que
não fumam possuam pelo que escrevo a certeza, mais do que a certeza, a convicção
de que se algum dia fumarem um só cigarro ficarão pelo tabagismo escravizadas
para sempre.
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