CARLOS HEITOR
CONY
Memórias do exílio
RIO DE JANEIRO - Com o movimento
militar de 1964, exilara-se inicialmente na Argélia, depois em Paris. Quando a
situação política se normalizou, ele voltou para São Paulo, mas não gostou da
vida que levaria no Brasil. Achou tudo muito chato. Tentou o Uruguai, onde
ainda tinha parentes, desanimou e decidiu viver e morrer em Paris. Pelo menos,
valeria uma missa.
Chamava-se Bório. Era baixinho,
cabeça grande, olhos claros, sofria de vários furores, o fálico e o político.
Encrencava-se ao mesmo tempo com mulheres e policiais. Estava sempre dando em
cima de alguma estudante que podia ser filha dele ou sendo advertido por um
policial que tentava interromper os discursos que fazia nos cantos do Quartier,
na estação de Saint-Michel ou na esquina do bulevar Saint-Germain.
Bebia pouco e arengava contra o
poder, o imperialismo, a poluição. Suas causas eram simpáticas, atraiam
ouvintes. Falava uma mistura de francês, espanhol e português. Foi numa dessas
arengas que descobri que, afinal, era um baiano de excelente cepa.
Num de seus discursos, deixou
escapar a palavra "plúmbeo". Referia-se ao céu cinzento de Paris
enquanto ameaçava o capitalismo, as instituições burguesas, a igreja e o
Pentágono. Houve um dia em que, não sei a pretexto de quê, esculhambou com
madre Teresa de Calcutá e contra o preço do metrô.
Eram temas que não me
interessavam. Daí que enjoei do Quartier e mudei-me para a margem burguesa de
Paris, um quatro estrelas na rue de L'Arcade, atrás da Madeleine, quase ao lado
do hotel Bedford -onde morrera dom Pedro 2º, outro exilado como o Bório. Eu não
chegava a ser um exilado, passara em Havana uma boa temporada, lá o céu não era
plúmbeo, mas conheci Chantal. Foi pior.
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