terça-feira, 17 de julho de 2012




17 de julho de 2012 | N° 17133

DAVID COIMBRA

O namorado da madrinha

A minha madrinha Sônia tinha um namorado chamado Quaquá.Apelidado, quero dizer. Ele não parecia um pato nem nada, não sei por que o chamavam de Quaquá.

Bem. Seja como for, o que quero contar é que numa tarde de sábado estávamos sentados em torno à mesa da sala de jantar da casa do meu avô nos Navegantes. Eu ainda estava atrás da fronteira da primeira infância, não tinha mais de sete anos, não lembro exatamente sobre o que rodava a conversa, mas, sim, era algo sobre o Quaquá, e então, por algum motivo, declarei bem alto e peremptório:

– Eu não gosto do Quaquá!

Foi naquele exato instante que o Quaquá assomou à porta aberta, sorridente:

– É mesmo? Mas que tristeza!

E já foi pespegar uma bicota na minha madrinha, aparentemente sem emprestar relevância ao que ouviu.

Fiquei quebrado, sem ação. Por Deus: eu GOSTAVA do Quaquá! Tinha dito aquilo num rompante, só para me exibir. Talvez meu objetivo fosse chocar os outros, motivar discussão, fazer com que me convencessem do contrário.

Queria ser notado, queria ser levado em conta e por isso disse algo que, no momento, achei que chamaria a atenção. A ideia era exercitar um pouco a minha musculatura verbal, mostrar a contundência da minha opinião e marcar bem as diferenças da minha personalidade: eu podia muito bem decidir de quem gostava. Todos gostavam daquele ali? Pois eu não!

Mas não era verdade. Não era, Quaquá, juro! Mas eu não podia mais me desdizer, não podia mudar de opinião e demonstrar minha fraqueza, quando a intenção era demonstrar minha força. Não podia me desmoralizar na frente de todos. Assim, tive de assumir que não gostava do Quaquá, quando gostava.

Não sei o que aconteceu com o Quaquá. Sei que o namoro dele com minha madrinha terminou, e nunca mais o vi. Durante anos ficava imaginando a tristeza do Quaquá ao pensar: “Ele não gosta de mim... Mas por quê? Sempre fui bom com aquele guri...” Maldição, eu devia ter chamado o Quaquá de lado e dito que gostava dele, que era só brincadeira, sei lá.

O fato é que aquele sentimento rasteiro saiu de mim sem que refletisse a respeito. Se tivesse considerado com mais critério o que dizer, não teria dito o que disse. Não teria dito nada, porque não havia nada a dizer.

Felizmente, cresci dizendo bobagens sem consequências, até porque é raro ser pego em flagrante com o verbo solto, como fui pego naquele sábado. Em geral, a gente emite bobagens entre amigos ou familiares e é perdoado, porque a função de amigos e familiares é, justamente, nos perdoar.

Hoje corro risco de dizer bobagens em público, já que escrevo em jornal e na internet e participo de três programas de debate por semana. Mas já estou um pouco mais maduro do que os tempos da primeira infância, e a profissão me ensinou a me conter. Ainda assim, volta e meia torno pública alguma bobice de minha lavra. Paciência, faz parte do ofício.

Agora, se durante toda a minha vida tivesse de emitir opiniões em público, estaria perdido. Todas as bobagens que já disse dariam para encher um caminhão, como cantou Nei Lisboa, e esse caminhão me soterraria a consciência e me torturaria a alma, como ocorreu com aquela pequena e irresponsável opinião a respeito do Quaquá.

Pois essa época em que escrevo, segunda década do século 21, é, exatamente, a época das opiniões sem freio e sem medida. As pessoas correm para a internet e escrevem tudo o que lhes vêm à cabeça, instantaneamente, sem reflexão. É por isso que não tenho tuíter, que fujo do facebook – porque já estou suficientemente exposto, já estou à mercê da minha estupidez.

A maioria das pessoas, no entanto, sente necessidade premente de se expressar sobre tudo a todo momento, e aí as chamadas redes sociais são irresistíveis. As pessoas informam que estão na casa da avó, que estão comendo sanduíche de salame, que estão entrando no cinema, emitem opinião sobre a vida, o planeta e os outros seres humanos. Então, tudo pode acontecer. Todas as semanas alguma personalidade pública se desculpa por algo escrito sem reflexão.

Mas houve um extrato da sociedade que aprendeu rapidamente a lidar com as tais redes sociais e com a exposição da própria opinião: o futebol profissional. Depois de um primeiro momento de incontinência, os jogadores aprenderam e passaram a se conter.

São centenas de jogadores e técnicos conhecidos no Brasil, centenas de tuíters e faces, centenas de entrevistas, milhares de declarações. Esses jogadores, em geral, têm baixa escolaridade ou índice de leitura. Livres para se expressar, eles deveriam propalar asneiras aos quilos, mas não é o que acontece. O que acontece é a parcimônia verbal.

Veja um Dorival Júnior. O Inter faz boa campanha, mas ele é xingado a cada jogo. E se contém. E cala, em vez de falar. Como consegue ter tanto controle?

Eis aí mais uma prova do que digo: o futebol profissional é o Brasil que funciona. Não há nada mais competente e requintado no Brasil do que o futebol profissional, que aprende com velocidade, que reage com velocidade à inovação. O futebol brasileiro é a prova de que o Brasil pode ser mais do que um país rico; pode ser um país eficiente e talvez até justo.

Parto esta semana para a cobertura da Olimpíada de Londres. As próximas colunas, portanto, terão o tom da Velha Albion.

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