10
de julho de 2012 | N° 17126
CLÁUDIO
MORENO
Não existe outra
Se
me pedissem uma frase de inspiração, dessas que se escrevem no mármore dos
monumentos, dessas que o pai deixa para o filho como herança valiosa, eu não
hesitaria em escolher um dos meus provérbios árabes preferidos: “O mundo não
prometeu nada a ninguém”. Juntando a ele as duas histórias abaixo, eu formaria
um conjunto básico que, a meu ver, ensina tudo o que se precisa saber sobre o
sentido da vida.
A
primeira vem de um filme injustamente esquecido, Zulu, de 1964: entrincheirado
num pequeno hospital de campo, no meio da vastidão africana, um pequeno
destacamento do exército britânico (casacas vermelhas, capacetes brancos) se vê
cercado por uma multidão enfurecida de mais de quatro mil guerreiros zulus, que
lutam para se libertar do império colonialista da Rainha Vitória.
Habituados
à rígida disciplina militar inglesa, os soldados, orientados pelos oficiais,
erguem barricadas e tomam todas as providências possíveis para defender sua
posição e sua vida, mas pressentem que a formidável desproporção entre as forças
– quase 40 por um – aponta inexoravelmente para um trágico desfecho. Para
tornar pior o que já estava muito ruim, refugia-se entre eles um missionário
inglês que, aterrorizado, toma meia garrafa de uísque e começa a anunciar, em
altos brados, que o fim de todos está próximo.
E aí
vem a cena a que me refiro: um jovem soldado, o inexperiente praça Cole, talvez
o que mais sofre com as negras previsões do missionário, quando vê os
guerreiros se aproximarem, ameaçadores, em posição de ataque, não consegue
conter o pavor e exclama: “Nós vamos morrer! Por que nós? Por que justamente nós?”
– E, a seu lado, o duríssimo sargento Bourne (representado por Nigel Green, com
suíças estupendas) olha-o paternalmente e responde: “Porque somos nós que
estamos aqui, meu filho!”.
A
segunda vem do Descanso dos Caminhantes, de Bioy Casares, uma historieta que,
apesar de escrita bem aqui perto, na Argentina, parece ter saído daqueles
tesouros com que a sabedoria oriental vive nos surpreendendo. Um pai diz ao
filho: “Devemos amar a vida” – e juntos percorrem este mundo e atravessam a
existência, encontrando, por onde passam, a maldade, a estupidez, a avareza, a
avidez e a mesquinharia dos homens.
Por
toda parte, o espetáculo é o mesmo: governos despóticos, ricos vaidosos e egoístas,
pobres invejosos e cruéis. Um dia, o pai agoniza nos braços do filho, que faz,
finalmente, a pergunta por tanto tempo contida: “Pai, por que devo amar esta
vida?” – ao que o pai responde, com a simplicidade das horas extremas: “Porque é
a única que temos”.
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