28
de julho de 2012 | N° 17144
CLÁUDIA
LAITANO
Todos dizem eu te amo
No
tempo em que instantâneo era só o Nescafé, visitar um país pela primeira vez
era como... visitar um país pela primeira vez. Novidades tecnológicas eram
assimiladas em ritmos diferentes, e o intercâmbio de hábitos e gostos, quando
acontecia, processava-se de forma muito mais lenta e irregular. Hoje é possível
viajar boa parte do mundo comendo sempre os mesmos sanduíches, frequentando os
mesmos shoppings e ouvindo as mesmas músicas nos mesmos aparelhinhos – como se
morássemos todos na mesma gigantesca aldeia fofoqueira e previsível.
Eu
tinha 19 anos e não conhecia nem São Paulo quando, em 1986, fui passar uma
temporada estudando inglês e trabalhando como babá em San Francisco, na Califórnia.
Meu saco de espantos transbordou já na primeira semana. Traquitanas que quase
ninguém tinha por aqui já eram acessíveis para a classe média de lá (CD player,
videocassete, computador...) e havia no ar um último sopro de guerra fria que
dava a todos a sensação de que o mundo poderia acabar a qualquer momento – perigo
que por aqui nunca tirou o sono de ninguém.
Como
babá, meu primeiro estranhamento foi descobrir que as crianças americanas
sentavam-se sempre no banco de trás do carro – presas, vejam só, por cintos de
segurança. No Brasil, cinto de segurança era aquele negócio que todos os carros
tinham e ninguém usava – e crianças não só sentavam no banco da frente do carro
como, durante o veraneio, costumavam ocupar também o porta-malas, de preferência
dividindo espaço com mais 12 primos.
Outra
coisa que me chamava a atenção é que pais e filhos diziam-se “eu te amo” o
tempo todo: antes de dormir, na hora de ir para a escola, ao telefone ou mesmo
por motivo nenhum. Venho de uma família de origem italiana, barulhenta e
afetuosa, e desfrutei de todos os mimos reservados para a única menina da casa,
mas não lembro de ter ouvido sequer um “eu te amo” do meu pai ou da minha mãe
enquanto eles viveram, nem nos momentos mais sagrados e solenes.
Nunca
me ocorreu que eles me amassem mais ou menos por isso – provavelmente porque
qualquer tipo de amor, e o de pais e filhos mais do que todos, aparece antes em
gestos, pequenos cuidados e carinhos do que propriamente nas palavras. O “eu te
amo” é um pleonasmo ou não é nada.
Mais
de 25 anos se passaram desde aquela minha primeira e inesquecível viagem rumo à
idade adulta. Nesse período, usar cinto de segurança e colocar as crianças no
banco de trás virou hábito, o videocassete entrou e saiu das casas e até os
brasileiros começaram a se preocupar com o fim do mundo (ainda que por outros
motivos).
Mas
uma das mudanças mais sutis de comportamento talvez tenha sido essa de, no
intervalo de apenas uma geração, o “eu te amo” ter saltado dos filmes românticos
para o dia a dia da maioria das famílias brasileiras. Crianças que passam o dia
com babás ou em creches, falando ao celular com a mãe ou o pai no trabalho, são
amadas com a urgência da confissão diária – e muitas delas crescem achando que
o “eu te amo” é tão banal quanto um “bom-dia” ou um “obrigado”.
É bonitinho
e não faz mal a ninguém, e talvez alivie mesmo um pouco a culpa e a saudade dos
pais, mas continua valendo o que sempre valeu: o amor que se sente não é necessariamente
aquele que se ouve.
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