sábado, 14 de julho de 2012



14 de julho de 2012 | N° 17130
NILSON SOUZA

Fogo sagrado

Índios das três Américas montaram uma aldeia nas cercanias da Rio+20, no mês passado, e promoveram uma cerimônia repleta de simbologia, o acendimento do Fogo Ancestral. Como nos tempos pré-históricos, os pajés friccionaram madeira contra madeira até surgir uma tênue fumacinha e, logo em seguida, a faísca que saltou para a palha se transformou na chama do desenvolvimento humano.

Todo ritual foi fotografado e filmado pelos próprios índios, que, juntamente com arcos, flechas e tacapes, portavam celulares de última geração e outros equipamentos captores de imagens.

Guardei na memória aquela cena, para posterior reflexão e para este comentário, porque a considerei mais emblemática do que os organizadores pretendiam fazê-la. O fogo sagrado, aceso de forma primitiva, estava previsto no programa paralelo à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente – mas a tecnologia pegou carona no ritual e acrescentou-lhe um significado inesperado. Acredito que poucas vezes na história da humanidade foi possível ver o círculo do progresso se fechar desta maneira.

Quando vi o filme A Guerra do Fogo, nos anos 80, fiquei muito impactado pelo choque de culturas e pelas possibilidades abertas a partir do contato entre tribos de diferentes estágios de desenvolvimento. Alguns dos nossos tataravós pré-históricos achavam que o fogo era uma manifestação sobrenatural.

Reconheciam o seu poder e a sua utilidade, mas não tinham domínio sobre ele. Até que encontraram contemporâneos mais evoluídos, que já dominavam a habilidade de tirar a chama da madeira e os ensinaram não apenas esta técnica, mas também a sorrir, a se comunicar pela fala e não por grunhidos, a construir cabanas, a usar ferramentas, a pintar o corpo e até a amar de maneira mais humana.

Tudo se pode aprender. O verdadeiro fogo sagrado talvez seja a faísca da curiosidade, que carregamos em algum lugar recôndito do nosso enigmático cérebro. Aqueles índios com celulares pendurados nas tangas são a prova disso. Eles ainda sabem fazer fogo sem usar fósforos e isqueiros, mas já estão habilitados a ligar para uma telepizza caso a madeira esteja molhada.

Sei que isso pode parecer chocante para quem idealiza a natureza no seu estado mais puro. Mas é a realidade. Não para todos, é claro. Outro dia, a Funai encontrou uma tribo isolada no Acre. Alguns guerreiros chegaram a apontar suas flechas para o avião. Depois, porém, devem ter ficado pensando naquela máquina voadora que nunca tinham visto tão de perto. Curiosidade é fogo.

Não duvido que uma hora dessas telefonem para saber mais sobre o assunto.

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