28
de julho de 2012 | N° 17144
VISÕES
DO RIO GRANDE - Flávio Loureiro Chaves - professor aposentado da UFRGS
Ao mestre, com admiração
Logo
que comecei a lecionar na universidade, lembro-me de que, em uma reunião de
professores, uma colega disse-me, não sem ironia e, talvez, com uma pontinha de
despeito, que eu devia parar de “imitar as aulas do professor Flávio”.
Refeita
do assombro, pensei que ela, afinal, tivesse razão: a compor um modelo de
inspiração para minha incipiente trajetória, um dos parâmetros, certamente,
seria o da figura do mestre e orientador nos cursos de graduação e pós-graduação
em Letras na UFRGS.
Desde
a década de 1970, a universidade brasileira passava por um drástico momento de
reformulação acadêmica, com crescente exigência de qualificação e dedicação dos
docentes. Novos doutores substituíam antigos catedráticos. No campo dos estudos
literários, surgia uma nova crítica, vigorosa e especializada, desenvolvendo-se
no espaço da produção acadêmica.
Competente
e articulado, o professor Flávio Loureiro Chaves era um desses talentos. Suas
aulas brilhantes entusiasmavam o espírito de seus alunos, faziam pensar, ao
mesmo tempo em que os inseria no panorama intelectual efervescente da época.
Com
um pé no mundo e outro firmemente plantado no cenário da cultura brasileira,
discorria sobre os autores máximos da literatura nacional – Alencar, Machado,
Guimarães Rosa, entre outros – e revelava a excelência da cor local sul-rio-grandense.
Sua tese de doutoramento sobre Simões Lopes Neto permanece como estudo ímpar,
obrigatório a quem se aventurar na leitura do escritor pelotense.
Por
isso, ao reler o livro intitulado Erico Verissimo, o Escritor e Seu Tempo (2001),
não pude deixar de realizar uma viagem sentimental. Os ensaios que o constituem
recuperam, com didatismo e sem nenhum diletantismo, muitas questões que
estimularam aqueles debates de sala de aula. No tom objetivo e pretensamente
simples de seu autor, transparece a profundidade de um saber refletido, ao
considerar os vários aspectos estruturais e temáticos da obra do reconhecido
escritor gaúcho contemporâneo.
No
livro estão assinalados, notadamente, a configuração do romance social de 1930
no Rio Grande do Sul e, nesse contexto, o papel de Erico Verissimo enquanto
precursor da narrativa urbana moderna; as influências marcantes e reconhecidas,
sobretudo as originárias da literatura de língua inglesa, como as de Aldous
Huxley, Sinclair Lewis e John dos Passos; a força das personagens femininas – as
boas e as más –, entre elas Ana Terra, Bibiana e Luzia;
o
engajamento apartidário decorrente da posição ideológica do humanismo liberal
do escritor; a presença do alter ego, desde Vasco, passando por Tônio Santiago
até Floriano Cambará e a consequente discussão do romance dentro do romance; a
caracterização do próprio romance histórico, ainda hoje um filão expressivo da
literatura gaúcha; a radicalização do pensamento social de Erico Verissimo, com
a publicação da trilogia dos romances “politizados” – O Prisioneiro, O Senhor
Embaixador, Incidente em Antares.
Jorge
Luis Borges dizia que o grande escritor escreve sempre o mesmo livro. Ao
revelar, passo a passo, a intratextualidade presente na obra de Erico
Verissimo, Flávio Loureiro Chaves redimensiona o universo ficcional de sua
escritura, ao mesmo tempo em que nos torna partícipes desse processo.
PATRÍCIA
LESSA FLORES DA CUNHA | DOUTORA EM LITERATURA BRASILEIRA (USP) E PROFESSORA DA
UFRGS
A
OBRA
Erico
Verissimo, o Escritor e seu Tempo (Editora da UFRGS, R$ 25), de Flávio Loureiro
Chaves, foi publicado em 2001. O livro é uma coletânea de ensaios sobre a obra
de Erico Verissimo (1905 – 1975), de Clarissa (1933) até Incidente em Antares (1971),
acrescida de roteiro biográfico e fortuna crítica com mais de mil títulos.
O
AUTOR
Flávio
Loureiro Chaves nasceu em 4 de fevereiro de 1944, em Porto Alegre. Graduou-se
em Literatura pela UFRGS, em 1966, e obteve doutorado em Literatura pela
Universidade de São Paulo (USP) em 1980. Professor titular aposentado de
Literatura da UFRGS, dirigiu o Programa de Pós-graduação em Letras. Também
implantou o Programa de Pós-Graduação em Letras na Universidade de Caxias do
Sul (UCS). Foi professor convidado da Université de Rennes (França), da Escola
Superior de Jornalismo (Portugal) e da Universidade de Brasília. Vive em Porto
Alegre, onde concedeu a entrevista a Zero Hora. Amigo de Erico Verissimo,
organizou o segundo volume, póstumo, de Solo de Clarineta, livro de memórias do
escritor em dois tomos.
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