12
de julho de 2012 | N° 17128
L. F.
VERISSIMO
Como andar nas pedras
As
casas e os sobrados antigos de Parati muitas vezes são fachadas para belos
interiores modernos. Você literalmente pula de século quando entra por uma das
suas portas. O mesmo não acontece com as ruas da zona histórica, que continuam
como eram nos séculos 18 e 19, calçadas com pedras irregulares de vários
tamanhos que obrigam o pedestre a andar com muito cuidado. É perigoso pisar
desatento no passado, ainda mais depois de uma certa idade.
Quem
já foi várias vezes à magnífica Festa Literária Internacional de Parati acaba
desenvolvendo o que se pode chamar de uma ciência de andar nas pedras. Nas
minhas primeiras idas à Flip eu precisava escolher entre olhar para o chão e
cuidar onde pisava e olhar ao redor para ver quem passava perto, geralmente um
grande nome da literatura mundial que também dava mais atenção a não torcer o
tornozelo do que a qualquer contato social.
Com
o tempo, desenvolvi uma técnica para fazer as duas coisas simultaneamente: não
cair e não perder a rica procissão humana à minha volta. Piso em uma, duas e três
pedras, paro e olho em volta. Uma, duas, três pedras e “Olha o Ian McEwan!” Umas,
duas, três pedras e “Olha o Stephen Greenblatt!”
Também
descobri uma coisa que os neófitos em Flip e os turistas não conhecem: as
capistranas. O calçamento das ruas do centro histórico foi feito na forma de
calha rasa, sendo a parte mais baixa o eixo central da rua. Neste foram usadas
pedras mais compridas e uniformes e mais alinhadas do que as outras. São as
capistranas que formam uma espécie de trilha à prova de tropeções. Pelo menos
para nós, os iniciados.
E não
deixa de haver uma certa justeza poética no fato de alguns dos maiores
escritores do mundo terem que andar de pedra em pedra, escolhendo as mais
aparentemente firmes e seguras e evitando as mais traiçoeiras. De certa
maneira, é o que eles fazem quando escrevem. Vão escolhendo as palavras certas
para chegar onde querem, evitando a queda e o vexame público. Parati, para quem
anda pelas suas ruas, também é um exercício de estilo.
E,
no fim, todas as pedras levavam à tenda das mesas dos escritores, onde os
prazeres deste ano se repetiam, como o de ouvir o Zuenir ler um trecho do seu
novo livro Sagrada Família e ver Shakespeare e Drummond dividirem as honras de
poetas da festa.
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