08
de julho de 2012 | N° 17124
MARTHA
MEDEIROS
Livro, um alvará de
soltura
O livro é a vista panorâmica que o presídio não tem,
a viagem pelo mundo que o presídio impede
Costumo
brincar que, para conseguir ler todos os livros que me enviam, só se eu pegasse
uma prisão perpétua. Pois é de estranhar que, habituada a fazer essa conexão
entre isolamento e livros, tenha me passado despercebida a matéria que saiu
semana passada em Zero Hora (da qual fui gentilmente alertada pela leitora
Claudia) de que os detentos de penitenciárias federais que se dedicarem à leitura
de obras literárias, clássicas, científicas ou filosóficas poderão ter suas
penas reduzidas.
A
cada publicação lida, a pena será diminuída em quatro dias, de acordo com a
Portaria 276 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). No total, a redução
poderá chegar a 48 dias em um ano, com a leitura de até 12 livros. Para provar
que leu mesmo, o detento terá que elaborar uma resenha que será analisada por
uma comissão de especialistas em assistência penitenciária.
A
ideia é muito boa, então, por favor, não compliquem. Não exijam resenha (eles
lá sabem o que é resenha?) nem nada assim inibidor. Peçam apenas que o sujeito,
em poucas linhas, descreva o que sentiu ao ler o livro, se houve identificação
com algum personagem, algo simples, só para confirmar a leitura. Não ameacem o
pobre coitado com palavras difíceis, ou ele preferirá ficar encarcerado para
sempre.
Há
presos dentro e fora das cadeias. Muitos adolescentes estão presos a
maquininhas tecnológicas que facilitam sua conexão com os amigos, mas não sua
conexão consigo mesmo. Adultos estão presos a telenovelas e reality shows,
quando poderiam estar investindo seu tempo em algo muito mais libertador.
Milhares
de pessoas acreditam que ler é difícil, ler é chato, ler dá sono, e com isso
atrasam seu desenvolvimento, atrofiam suas ideias, dão de comer a seus
preconceitos, sem imaginar o quanto a leitura os libertaria dessa vida
estreita.
Ler
civiliza.
Essa
boa notícia sobre atenuação de pena é praticamente uma metáfora. Leitura =
liberdade ao alcance. Não é preciso ser um criminoso para estar preso. O que
não falta é gente confinada na ignorância, sem saber como escrever corretamente
as palavras, como se vive em outras culturas, como deixar o pensamento voar. O
livro é um passaporte para um universo irrestrito. O livro é a vista panorâmica
que o presídio não tem, a viagem pelo mundo que o presídio impede. O livro
transporta, transcende, tira você de onde você está.
Por
receber uma quantidade inquietante de livros, e sem ter onde guardá-los todos,
costumo fazer doações com frequência para escolas e bibliotecas. Está decidido:
o próximo lote será para um presídio, é só escrever para o e-mail publicado
nesta coluna. Que se cumpram as penas, mas que se deixe a imaginação solta.
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