16
de julho de 2012 | N° 17132
LUIZ
ANTONIO DE ASSIS BRASIL
Lenir de
Miranda
Entende-se
uma obra artística a partir de suas referências. A cultura, sabe-se, é um
continuum de relações. Isso é visível na exposição Terra Devastada, de Lenir de
Miranda, ora no Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul. O modelo é
explicitado pela autora: o célebre e perturbador Waste Land, de T. S. Eliot.
A
interlocução da artista com o poema resultou numa coletânea de experiências
tendentes a capturar o espectador numa teia de sensibilidades: a obra de Lenir
de Miranda não é apenas um apelo ao olhar, mas à sonoridade, ao tato. Um bom exemplo é a obra If There
Were the Sound of Water Only. A artista mescla a tinta acrílica, o
carvão, o carpet, o latão, dentre outros. O espectador é jogado num vórtice
impossível de ser medido: ali está a água como elemento primordial, criada a
partir de grafismos quase infantis.
É a
água de onde surgimos, e que submerge o mundo no dilúvio bíblico, mas também no
líquido amniótico e na síntese química que tornou a vida possível neste
planeta. Trata-se, contudo, de uma água muda; não há ondas, não há marulhos.
Isso permitiu à artista avançar sobre a proposta poética através de algumas
sugestões ópticas que complementam a imagem do terço inferior da “tela”. São
sonoridades visuais.
As
cores, poucas, instalam uma predominância do cinzento, rompida por breves
exclamações do vermelho. Se atentarmos para as simetrias, elas estão lá, na
horizontalidade de uma linha em que o vermelho está representado três vezes. É
a tríade como referência ancestral e infinita. O mais curioso é que esta
pintura não traz qualquer espécie de quietação; sua regularidade é aparente: as
pequenas assimetrias são indicativos de que “algo não vai bem” – e aí está a
arte, em sua verdade.
Pretende-se,
aqui, numa proposta de interpretação pessoal, uma espécie de “guia de leitura”
desta amostra de Lenir de Miranda. O espectador saberá fazer suas escolhas e
criar novas interpretações. Para isso, será necessária a abertura intelectual
de quem vê as obras, mas também, e principalmente, a abertura emocional.
O
que importa, disso tudo, é que estamos perante uma artista inquieta, capaz de
desassossegar e, com isso, refazer o mundo e suas perplexidades. O domínio
técnico é uma das parcelas de seu talento, o qual vai muito além, pois toca as
vertentes mais íntimas da experiência humana sobre a terra.
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