FERREIRA
GULLAR
O dentro sem fora
Como surgiu a energia que fez
surgir o bóson que fez surgir a massa que constitui o universo, ninguém sabe
Se há uma pessoa fascinada pelo
Universo e ao mesmo tempo grilada com ele, sou eu. Isso começou no dia em que,
num curso particular, o professor me revelou a existência da Terra e do Sistema
Solar. Saí da aula atordoado.
E era natural, uma vez que, até
então, o mundo para mim eram as ruas de São Luís com seus sobrados e,
sobretudo, o trecho em que eu morava, com as árvores da Quinta dos Medeiros, o
bananal do sítio do Fiquene e, lá longe, o Matadouro e o Areal, por onde às
vezes vagabundava.
E vinha agora o professor me
dizer que a Terra era redonda, coberta de oceanos e que o Sol era uma estrela
em torno da qual ela girava. A Terra é que gira e não o Sol? Mas eu via o Sol
surgir por detrás da Camboa, passar por cima de nossa casa e ir descendo em
direção ao rio Bacanga. Cansei de vê-lo -uma bola de fogo- desaparecer atrás do
manguezal.
Agora, vem esse professor e me
garante que é a Terra que gira em torno do Sol e que, como ele, é redonda -uma
bola. Ou seja, nada batia com o que eu percebia. Por isso fiquei atordoado,
mas, com o tempo, me habituei. Desde que o bananal continuasse lá onde sempre
esteve, que eu pudesse ir tomar banho na praia do Olho d'Água e jogar bola no
Campo do Ourique, pouco se me dava se a Terra fosse redonda e girasse.
Foi o que disse a mim mesmo, mas
o problema estava criado. De vez em quando, olhava o Sol e imaginava a Terra
girando em volta dele, com seus oceanos. E a água não derrama?! Pior: a Terra
girava numa velocidade de 107 mil quilômetros por hora -cem vezes mais veloz
que um jato- e, no entanto, para mim, ela estava parada! Tive que ir atrás de
livros que me explicassem melhor essas coisas.
E desse modo, com as leituras e a
reflexão, aprendi a distinguir entre a experiência que os sentidos nos oferecem
e o conhecimento científico. O resultado foi que, em lugar da desconfiança,
vieram a aceitação e o fascínio.
À medida que me informava melhor,
entendia as leis cósmicas que regem o funcionamento do Universo, que foi se
tornando uma realidade assustadora e deslumbrante.
Aprendi que os planetas alteram a
forma do espaço em volta deles e que isso influi na propagação da luz, e soube
dos buracos negros, onde tudo some, sugado por uma força inimaginável. Até a
luz é engolida. Some e vai para onde? Não sei nem me informaram.
Mas estes são detalhes, pois o
fundamental é responder à questão que intriga a todos: como foi que tudo
começou? A resposta é conhecida com o Big Bang, ou seja, a explosão que deu
origem ao universo. Bem, para mim, o Big Bang pode ter dado origem às galáxias
e a tudo o mais; porém, como o nada não explode, havia antes alguma coisa que
explodiu.
E não é que agora, com a notícia
de que foi afinal confirmada a tal partícula bóson de Higgs -apelidada de
"partícula de Deus"- minha suspeita se confirma? O que nasceu da tal
explosão foi só o universo atual, ou seja, o Big Bang não é a origem de tudo.
Isso se entendi bem o que significa o bóson de Higgs.
Os cientistas do Centro Europeu
de Pesquisas Nucleares (Cern) é que detectaram essa nova partícula subatômica,
a que faltava para completar o Modelo Padrão da Física.
A teoria de Higgs, formulada em
1964, previa a existência de 32 partículas fundamentais, das quais 31 já tinham
sido detectadas, menos uma, o bóson, responsável, logo após o Big Bang, pelo
surgimento da massa, que viria constituir tudo o que existe, das galáxias aos
planetas, das estrelas ao seres vivos.
Noutras palavras, não é que antes
do Universo não existisse nada: existia apenas a energia que, por alguma razão,
explodiu, gerando os prótons, elétrons etc., que formam os átomos e formariam a
matéria cósmica. O que possibilitou a agregação dessas partículas, criando
assim a massa, foi o bóson, conforme a teoria de Higgs.
Agora, como surgiu a energia que
fez surgir o bóson que fez surgir a massa que constitui o universo, ninguém
sabe. Disso os cientistas não falam, e com toda a razão. Mas disso sobra-me uma
certeza: por ser infinito, o universo não tem fora, só dentro. Como já dissera
Parmênides (século 5º a.C.), o um é um e não é dois.
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