09
de julho de 2013 | N° 17486
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Não tenho mais avós
vivos
Nenhuma
casa de avó para visitar mais.
O Mercado
Público de Porto Alegre é a casa de avó que ainda me resta. O casarão amarelo
em que até fantasmas e vivos não se estranham, em que o antigo e o novo não se
desentendem. O Mercado Público é onde tenho a liberdade de neto, sem a pressão
de filho.
É
uma quadra inteira de conselhos e mandigas, um prédio pintado de crepúsculo,
com marquises e varandas, histórias e assoalhos, porões e janelões.
Todos
podem entrar, não há discriminação social, intelectual, espiritual, é o clube
social em que basta nascer gaúcho para ser sócio. O Mercado Público é o aquário
do Guaíba. Um girassol de pedra.
De
seu segundo andar, posso enxergar a cidade, o rio, pedir colo a uma nuvem. As
pombas voam com entusiasmo em seu teto alto de catedral. Os cachorros procuram
caixotes de madeiras para sestear.
Foi
no Mercado Público que minha filha aprendeu a comer peixe.Foi no Mercado
Público que comprei erva-mate para mandar para meu pai no Rio de Janeiro. Foi
no Mercado Público que encontrei pó de casamento para jogar na minha mulher
Juliana (e deu certo). Foi no Mercado Público que abandonei meu medo de
mendigos.
Foi
no Mercado Público que arremessava aviãozinho de papel em direção à prefeitura.
Foi no Mercado Público que ampliei minha coleção de selos. Foi no Mercado Público
que carreguei um peixe numa sacola de plástico para entregar de presente a meu
melhor amigo.
Foi
no Mercado Público que quase morri de mocotó disputando quem comia mais com
meus irmãos. Foi no Mercado Público que tomei meu primeiro café forte e dispensei
o açúcar.
Foi
no Mercado Público que escrevi poemas de minha estreia: a tarde enferrujava nos
dobres das dobradiças. Foi no Mercado Público que minha mãe contou que iria se
divorciar do meu pai. E, para compensar a notícia, deixou que repetisse sorvete
com salada de fruta.
Foi
no Mercado Público que gastei o meu primeiro salário como jornalista. Foi no
Mercado Público que comprei frutas exóticas para treinar meu paladar a viajar
longe. Foi no Mercado Público que meu eco passou a andar sem coleira.
Foi
no Mercado Público que marquei encontros comigo e me perdi de mim. Foi no
Mercado Público. Sempre minha vida foi no Mercado Público.
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