sexta-feira, 26 de julho de 2013

Jaime Cimenti

O místico, o milagroso e os meandros do amor

Casei com você para ser feliz é o quinto romance da escritora norte-americana Lily Tuck, autora de The News from Paraguay, obra vencedora do National Book Award de 2004. Lily mora, atualmente, na cidade de Nova Iorque. 

A narrativa apresenta um retrato sofisticado de uma mulher que tem seu marido levado por morte súbita e inesperada. Em sua vigília solitária, a mulher relembra o primeiro encontro, há mais de quarenta anos, em Paris. Nina é artista e o marido, Philip, era um exímio matemático. No miolo do relacionamento dos dois há um conflito entre o emocional e o cerebral.

Os dois são muito inteligentes, compartilham suas experiências sobre arte e ciência e, entre disfarces e surpresas, vivenciam um amor profundamente apaixonado. As reminiscências de Nina mostram uma mente que transita entre vários tempos e locais, distantes e variados, como França, Wisconsin, Roma, Hong Kong, México e Califórnia. Os pensamentos trazem eventos reais e imaginários e vão revelando intimidades, segredos, dores e alegrias da vida do casal.

Entre outros casos, estão o estupro do qual Nina foi vítima, o aborto de uma gravidez indesejada, as discussões matemáticas de Philip e até a compra de uma bolsa de couro italiano, da qual Philip jamais suspeitou. A narrativa é intensa, sofisticada, elegante e vai envolvendo o leitor, revelando os meandros do amor, o místico e o milagroso do cotidiano. A anatomia de um longo casamento vai sendo apresentada com todos os seus dias marcantes, seus personagens, com situações envolvendo terceiros e com suas dores, amores e passagens de tempos e ciclos.

Nina lembra que leu em algum lugar que cada um de nós somos um conjunto de fragmentos de almas de outras pessoas, as almas de todas as pessoas que conhecemos. Mas ela não acredita nisso e pensa que não é um fragmento do amigo Didier. A narrativa também traz algumas referências históricas e fala do filme de Bernardo Bertolucci O conformista e A liberdade é azul, do diretor polonês Krzysztof Kieslowski.

Em certo momento, Nina lembra das palavras de seu professor de pintura, que a orientou a deixar de pintar a partir da mão e do punho e começar a trabalhar a partir do ombro, apenas com carvão, material simples e barato que conecta o artista com a terra. O professor a ensinou a esquecer o que aprendeu e a seguir seu instinto. Numa única noite, muito foi lembrado e voltou a acontecer, que a memória é onde as coisas acontecem muitas vezes. Rocco, 216 páginas, tradução de Maria Clara de Biase,

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