29
de julho de 2013 | N° 17506
ARTIGOS
- Paulo Brossard*
O voto do Papa
Havia
escrito artigo em que analisava as chamadas reformas para mostrar que os
empreendimentos humanos sempre admitem reformas ou que outro nome recebam, dado
que nunca são perfeitos; é natural que se corrija o corrigível para aperfeiçoar
e não para piorar, o que é óbvio, e o que escrevi a respeito era exatamente
isto, procurei mostrar que algumas medidas anunciadas como aprovadas pelo
Congresso chegavam a ser ineptas, ineptas no sentido jurídico, que nada tem de
ofensivo, por dizer apenas que não são aptas a corrigir um defeito ou suprir
uma deficiência.
Mas
acabando de ler o que o Papa proferira no Teatro Municipal do Rio endereçado a
políticos e empresários ou para dirigentes como também ele disse, devo dizer
que a passagem de Sua Santidade pelo Brasil, a meu juízo extraordinária, rica
em termos espirituais e sem esquecer questões profanas, cada qual de maneira
adequada; basta dizer que ele não deixou de enfrentar o mundo da política,
talvez o mais profano, porque a um tempo agrupa todas as grandezas e misérias
de que o homem é capaz e o papa Francisco, como se autodenominou, pediu a
reabilitação da política.
Desde
estudante até o dia em que vesti a toga de juiz, exerci atividade política inclusive
partidária, ou seja, de 1945 a 1989, durante mais de 40 anos, frequentei o
mundo cuja reabilitação é pedida pelo Papa; nessa longa peregrinação tive a
fortuna de privar com as melhores figuras que me foi dado conhecer e outras que
comporiam o polo contrário; pensei de imediato na importância da sentença de
alguém como o Papa em relação a um setor da vida brasileira que deveria ser o
mais qualificado da sociedade.
Seja
por esta, seja por aquela razão, a verdade é que todas as opiniões têm curso
nesse setor, e o mais raro é o que permanecesse na linha média, nem das
excelências, nem das fraquezas, razão pela qual me parece que de ordinário é um
setor malvisto e mal compreendido e, por conseguinte, também mal apreciado.
De
modo que, ao ler o que dissera o papa Francisco a respeito da reabilitação da
política, senti mais uma vez a marca da profundidade da observação papal ante a
singeleza da palavra reabilitação. Reabilitação diz muito, mais do que parece.
Desde que conheci a Raul Pilla, nele vi um homem cuja vida pública, política,
funcional, profissional e pessoal formavam uma unidade. Mostrou mais de uma vez
sua capacidade de transigir, de ceder, de contemporizar, mas mantendo-se sempre
fiel ao norte fixado.
Ao
ser promulgada a Constituição de 1946, o centro acadêmico dos universitários da
então Universidade de Porto Alegre, hoje do Rio Grande do Sul, prestou uma
homenagem a dois constituintes professores da universidade: um da Faculdade de
Direito, Elói José da Rocha, outro da Faculdade de Medicina, Raul Pilla. No
discurso que este proferiu agradecendo a homenagem, ele disse: É a política ao
mesmo tempo a mais bela e a mais feia, a mais nobre e a mais desprezível das
atividades humanas, tanto mais desprezível e feia nas suas deformações, quanto
mais nobre e bela na sua pureza originária.
Porque,
se ela se pode definir a arte do bem comum, converte-se na arte do mal supremo,
quando se deixa tomar da paixão do poder e esquece os seus altos objetivos.
Tenho para mim que a denominada classe política com ou sem razão decente,
desfruta de mau conceito; é verdade que a função dos parlamentos
tradicionalmente é vista com malquerença, mas hoje esta nota está agravada, o
que me faz pensar que nunca foi tão oportuna a súplica papal quanto à
reabilitação da política.
É um
trabalho a ser feito, à maneira de Tácito, sine ira et studio.
*MINISTRO
APOSENTADO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
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